Jurisprudência - STJ

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. SEQUELAS NEUROLÓGICAS EM RECÉM-NASCIDO. FALECIMENTO DO MENOR NO CURSO DO PROCESSO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE DA APRECIAÇÃO DE AFRONTA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. RAZÕES DO AGRAVO QUE NÃO IMPUGNAM, ESPECIFICAMENTE, A DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA DA VÍTIMA. APLICABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 22/05/2018, que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Ação Ordinária, ajuizada pela parte agravada em face da União, objetivando o percebimento de indenização por danos morais, em virtude de erro médico ocorrido em parto, realizado em hospital público. O acórdão do Tribunal de origem reformou a sentença, por maioria, para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais). Opostos Embargos Infringentes, contra o acórdão, foram eles rejeitados.

III. Interposto Agravo interno com razões que não impugnam, especificamente, os fundamentos da decisão agravada - quanto à impossibilidade da apreciação de afronta a dispositivos constitucionais, em sede de recurso especial -, não prospera o inconformismo, quanto ao ponto, em face da Súmula 182 desta Corte.

IV. Na forma da jurisprudência do STJ, "embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso" (STJ, REsp 1.286.704/SP, Rel.

Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 28/10/2013). Em igual sentido, ao julgar caso análogo: "Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da legislação, inclusive do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII) e da Constituição Federal, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo nos termos de consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309/SC, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no AREsp 216.315/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.11.2012; REsp 1.135.543/SP, Rel.

Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7.11.2012; REsp 1.084.371/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.12.2011; REsp 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 17.12.2010; REsp 619.148/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é regra estática de julgamento, mas regra dinâmica de procedimento/instrução (EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012)" (STJ, REsp 1.667.776/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/08/2017). Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ.

V. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp 1292086/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.292.086 - RJ (2018⁄0111283-2)
 
 
RELATÓRIO
 
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Agravo interno, interposto pela UNIÃO, em 30⁄05⁄2018, contra decisão de minha lavra, publicada em 22⁄05⁄2018, assim fundamentada, in verbis:
 
"Trata-se de Agravo, interposto pela UNIÃO, em 18⁄10⁄2016, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que inadmitiu o Recurso Especial manejado em face de acórdão assim ementado:
 
'ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO POR SUPOSTO ERRO MÉDICO. SEQUELAS NEUROLÓGICAS EM RECÉM-NASCIDO DECORRENTES DE PARTO REALIZADO A FÓRCEPS. FALECIMENTO DO MENOR NO CURSO DOS AUTOS. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ENTE PÚBLICO. PERÍCIA MÉDICA. NECESSÁRIA INTERPRETAÇÃO À LUZ DOS CONCEITOS DE 'RISCO DE INESCLARECIBILIDADE' E DE 'DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA'.
I - Compete ao ente público, através da equipe médica do hospital federal que presta atendimento a gestante de alto risco, fornecer nos autos as informações técnicas necessárias que embasem a sua tese, de ausência de 'erro médico', o qual, na ausência de tais esclarecimentos e provas, apresenta-se como a causa mais provável de sequelas decorrentes de parto a fórceps quando a criança, sem evidenciar quaisquer anomalias em seu desenvolvimento durante a fase pré-natal, aparenta estar morta ao nascer e somente consegue respirar após decorridos 10 (dez) minutos de vida extra-uterina, exigindo manobras de ressuscitação e procedimentos tais como aspiração de secreções meconiais espessas, entubação, oxigenação sob máscara, massagem cardíaca, ventilação assistida, além de exigir a administração de medicamentos anticonvulsionantes e antibióticos.
II - À míngua de esclarecimentos técnicos nos autos que forneçam ao Magistrado os meios de formar segura convicção quanto à existência de outras causas, diversas do 'erro médico', para as graves e irreversíveis sequelas neurológicas que acometeram o recém-nascido, afigura-se de rigor afastar tais hipóteses, de resto não comprovadas nos autos para, à luz da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova - segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la - , responsabilizar o ente público pelos danos morais sofridos pela vítima, imputando-lhe o 'risco de inesclarecibilidade' por deixar de produzir prova da atuação regular de seus prepostos na condução do parto.
III - Embora mereçam adesão a jurisprudência dos tribunais e a boa doutrina especializada que consideram ser 'subjetiva' a responsabilidade fundada em atendimento e serviços médicos, atentas para o fato de que entendimento contrário transformaria a obrigação do médico em obrigação de resultado e não de meio, descabe atribuir à parte que se utiliza dos serviços públicos de saúde o ônus de produzir provas unilateral ou bilateralmente diabólicas, penalizando-a com a inércia dos profissionais médicos em esclarecer os aspectos técnicos de sua atuação, bem como com o esprit de corps dos peritos subscritores de laudos incompletos, tendenciosos, lacônicos ou insatisfatórios para a solução do caso concreto.
IV - Embargos infringentes desprovidos' (fls. 690⁄691e).
 
O acórdão em questão foi objeto de Embargos de Declaração, parcialmente acolhidos nos seguintes termos:
 
'ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM EMBARGOS INFRINGENTES. OMISSÕES. TERMO A QUO DOS JUROS DE MORA. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA VINCULANTE 10. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO RECURSO.
I - Em se tratando de condenação ao pagamento de indenização por danos morais visando a compensar lesões causadas a uma criança por erro médico no procedimento de parto de sua genitora, a fluência dos juros de mora e da correção monetária deverá iniciar-se na data da prolação do acórdão que fixou o quantum indenizatório (em novembro⁄2013) e não na data do parto (1982), de modo a se resguardar a proporcionalidade entre o valor da condenação principal e aquela meramente acessória.
II - Não há que se falar em omissão do acórdão que julgou os embargos infringentes e adotou a teoria dinâmica do ônus da prova para aderir ao voto vencedor que condenou a UNIÃO ao pagamento de indenização por danos morais pelo fato de não haver o referido acórdão observado a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF⁄88).
III - Se o ente público deseja obter a nulidade ou a reforma do julgado com base na tese de que teria havido negativa de vigência ao art. 331 do CPC cumpre encaminhá-la ao órgão julgador competente, ao invés de submetê-la indevidamente ao órgão que julgou os embargos infringentes em sentido diverso daquele que a UNIÃO advoga.
IV - Embargos declaratórios parcialmente providos' (fl. 731e).
 
Sustenta a parte agravante, nas razões do Recurso Especial, ofensa aos artigos 97 da CF e 333, I, do CPC⁄73, sob os seguintes fundamentos:
 
'A frontal contrariedade ao art. 333, I, do CPC⁄1973 é manifesta, pois, enquanto este estabelece a teoria estática do ônus da prova, o acórdão de fls. 561⁄562, ora recorrido, aplicou, ao caso concreto, a teoria dinâmica do ônus da prova, antes mesmo da entrada em vigor do NCPC⁄2015.
É que o acórdão de fls. 561⁄562, ora recorrido, aplicou, como fundamento de decidir, a 'Teoria Dinâmica do Ônus da Prova', segundo a qual não se deveria atribuir ao Autor, hipossuficiente, o ônus de provar o erro médico, pois a prova da inexistência deste deveria incumbir à União.
Não obstante, ao assim decidir, o acórdão recorrido aplicou dispositivo legal que ainda não estava em vigor quando de sua prolação, e que somente se tornou de observância obrigatória com a vigência do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016.
Deveras, aquela 'Teoria Dinâmica do Ônus da Prova' é acolhida expressamente em Código que ainda não estava em vigor, e que, se e quando entrar em vigor, superará a atual teoria que inspirou o atual CPC⁄1973, que é a Teoria Estática do Ônus da Prova, plasmada no art. 333, I, do CPC⁄1973.
Portanto, o acórdão recorrido negou vigência ao art. 333, I, do CPC⁄1973, que estabelece caber ao autor a prova sobre o fato constitutivo do seu direito, sem, contudo, declarar a inconstitucionalidade de tal dispositivo legal.
E, para que um Tribunal declare a inconstitucionalidade de um diploma legal, é mister que observe a cláusula de reserva de Plenário, isto é, que o faça por seu órgão Pleno, em atenção ao que determina o art. 97 da Constituição e a Súmula vinculante n° 10, verbis:
(...)
Destarte, a União requer a sejam respeitadas disposições constantes do art. 97 da Constituição e da Súmula vinculante n° 10' (fls. 741⁄743e).
 
Requer, ao final, 'que o presente recurso seja conhecido e provido, para o fim de reformar o venerando acórdão de fls. 561⁄562 e, por conseguinte, julgar improcedente a demanda autoral, de acordo com as razões acima expostas, reconhecendo-se a contrariedade aos dispositivos legais apontados' (fl. 744e).
Em contrarrazões, a parte ora agravada assevera que deve ser negado provimento ao Recurso Especial.
Negado seguimento ao Recurso Especial (fl. 759e), foi interposto o presente Agravo (fls. 762⁄765e).
Em contraminuta, a parte agravada afirma que deve ser negado provimento ao Agravo em Recurso Especial.
A irresignação não merece acolhimento.
Inicialmente, a análise de suposta ofensa a dispositivos constitucionais compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal, sendo defeso o seu exame, no âmbito do Recurso Especial, ainda que para fins de prequestionamento, consoante pacífica jurisprudência do STJ.
Por outro lado, acerca da tese da impossibilidade de aplicação da Teoria Dinâmica do Ônus da Prova, constou do acórdão recorrido:
 
'Ocorre que, para a caracterização da responsabilidade subjetiva do ente público, em se tratando de lide que envolve possível erro médico, não se espera da vítima que produza prova diabólica ou impossível, nem, tampouco, se admite que o corporativismo profissional ou, mesmo, a falta de interesse dos médicos em prestar todos os esclarecimentos ao seu alcance sobre os fatos ocorridos possam conduzir, necessariamente, à improcedência do pedido indenizatório por falta de provas.
E isto porque, como se sabe, a doutrina especializada em matéria de responsabilidade civil já consagrou o entendimento de que, deparando-se com uma situação de prova unilateralmente diabólica, ou seja, insusceptível de ser produzida por aquele que deveria fazê-lo, de acordo com a lei, mas apta a ser realizada pela parte adversária, o ônus probatório deverá ser distribuído dinamicamente; e, mesmo em caso de prova bilateralmente diabólica, ou seja, quando a prova dos fatos é impossível ou muito difícil para ambas as partes ('situação de inesclarecibilidade', na feliz expressão cunhada por Luiz Guilherme Marinoni ('Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto', p. 7 e 8, citado por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, in Curso de direito processual civil, 4ª. ed., vol. 2, Salvador: Editora Podivm, 2009, p. 90), caberá ao juiz verificar, ao fim da instrução, qual das partes assumiu o 'risco de inesclarecibilidade', submetendo-se à possibilidade de uma decisão desfavorável.
A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto, embora não tenha sido acolhida por nosso Código de Processo Civil - que, como se sabe, adotou a teoria clássica (teoria estática do ônus da prova, cf. art. 333) - , vem ganhando força nos meios doutrinários e sendo cada vez mais adotada nas decisões dos tribunais pátrios, especialmente por amoldar-se com perfeição aos casos em que se discute a 'responsabilidade civil de profissional liberal, principalmente do médico, vez que este, quando demandado, sempre tem melhores condições de provar que agiu regularmente do que a vítima de provar sua atuação irregular - a despeito de, pela regra estática de distribuição do ônus da prova (art. 333, CPC), a ele não caber esse ônus' (cf. Fredie Didier Jr, ..., ob cit., pp. 95⁄96).
Neste sentido, no caso dos autos, caberia ao ente público, através de seus prepostos (ou seja, através da equipe médica envolvida no atendimento da mãe do Autor e do próprio Autor), oferecer tais informações técnicas aos autos, sob pena de arcar com o ônus de não serem outras possibilidades diversas do erro médico levadas em consideração pelo juiz da causa. Não o tendo feito, conclui-se ter havido erro médico, tal como alegado na petição inicial' (fls. 687⁄688e).
 
Tal orientação não merece reforma. Isso porque esta Corte já se manifestou no sentido de que, 'embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso' (STJ, REsp 1.286.704⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 28⁄10⁄2013).
Nesse sentido:
 
'CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PARTO. LESÃO GRAVE A MENOR. INCERTEZA QUANTO À OCORRÊNCIA DE ERRO MÉDICO. VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO RECORRENTE. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. PRECEDENTES DO STJ.
1. Na hipótese dos autos, extrai-se do acórdão objurgado que os únicos fatos incontroversos são: a grave lesão a criança (lesão de plexo braquial com paralisia do membro superior esquerdo e anóxia) decorrente de complicações no parto; a vulnerabilidade e a hipossuficiência técnica do ora recorrente, e a incerteza quanto à responsabilidade da equipe médica que prestou o atendimento, haja vista a afirmação do Sodalício a quo de que 'os únicos que poderiam realmente esclarecer acerca da verdade do ocorrido na sala de parto eram os médicos e o pessoal da área de saúde, que participaram do atendimento e do procedimento médico-hospitalar, mas deles não há depoimento' (fl. 766⁄e-STJ).
2. Diante do contexto fático delineado no decisum vergastado, percebe-se que a elucidação do ocorrido dependia da produção de provas que vão além das possibilidades das vítimas do evento danoso (menor e seus pais), porquanto além de sua evidente hipossuficiência técnica, a equipe da área de saúde que poderia esclarecer o ocorrido pertence aos quadros do centro hospitalar da municipalidade de Santo André.
3. Dessarte, verificando-se que era a parte recorrida, Município de Santo André, que possuía melhor condição de elucidar as circunstâncias fáticas por meio da produção de provas que estavam ao seu alcance, e considerando-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, as vítimas do evento não podem ser penalizadas pela incerteza quanto à existência de erro médico, mormente em vista da gravidade do dano.
4. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da legislação, inclusive do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII) e da Constituição Federal, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo nos termos de consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309⁄SC, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no AREsp 216.315⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.11.2012; REsp 1.135.543⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7.11.2012; REsp 1.084.371⁄RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.12.2011; REsp 1.189.679⁄RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 17.12.2010; REsp 619.148⁄MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é regra estática de julgamento, mas regra dinâmica de procedimento⁄instrução (EREsp 422.778⁄SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p⁄ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012).
5. Recurso Especial provido' (STJ, REsp 1.667.776⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 01⁄08⁄2017).
 
Em face do exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, do RISTJ, conheço do Agravo para negar provimento ao Recurso Especial.
Deixo de majorar os honorários recursais, tendo em vista que o Recurso Especial foi interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC⁄73, tal como dispõe o Enunciado administrativo 7⁄STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC)" (fls. 783⁄788e).
 
Inconformada, sustenta a parte agravante que:
 
"1. A decisão monocrática merece reforma, porque subverteu a lógica probatória estabelecida pelo Código de Processo Civil de 1973.
2. A decisão fez referência a precedente da Corte - RECURSO ESPECIAL Nº 1.286.704 - SP (2011⁄0242696-8) – relatado pela Min. NANCY ANDRIGHI, que aplicou sistemática de distribuição do ônus da prova diversa da estabelecida pelo regramento processual então vigente (inciso I do art. 333 do CPC⁄1973).
3. A Constituição da República de 1988 conferiu ao processo a condição de instrumento de garantia e segurança, para a salvaguarda de direitos. Assim, em um juízo de ponderação entre certeza e efetividade, a jurisdição será prestada com respeito às regras pré-estabelecidas, sem surpresas.
4. No presente caso, percebe-se que a decisão proferida pelo Tribunal de origem, confirmada monocraticamente pela Ministra Assusete Magalhães, é teratológica por que afronta o núcleo fundamental do princípio da segurança jurídica, com impacto muito negativo para a efetividade da prestação jurisdicional justa.
5. Mesmo porque, existiam mecanismos disponíveis à parte contrária para a produção de prova. Também competia ao Juiz a análise das provas produzidas, inclusive inquirir peritos e profissionais envolvidos no evento danoso.
6. Está claro que a decisão ora recorrida violou o princípio da segurança jurídica, quando deixou de observar o regramento processual então vigente. Não se trata aqui de fechar os olhos à hipossuficiência e vulnerabilidade. Ocorreu que o critério para o alcance da isonomia, aplicado pelo Tribunal de origem, foi teratológico porque existiam instrumentos igualmente válidos e eficazes para a concretização da Justiça.
7. Por essa razão, entende-se que a decisão ora agravada negou vigência ao inciso I do art. 333 do CPC⁄1973, sem declarar a inconstitucionalidade desse dispositivo.
8. Para que o Tribunal declare a inconstitucionalidade de um diploma legal necessário antes que observe a cláusula de reserva de plenário, nos termos do art. 97 da Constituição, e a súmula vinculante nº 10.
9. Essa foi a razão pela qual este Ente federativo requereu ao tribunal quo que esclarecesse se o inciso I do art. 333 do CPC havia sido declarado inconstitucional. A União pugnou pela observância à lei processual então vigente, que positivou a Teoria Estática do ônus da prova; ou, ao contrário, que a matéria fosse remetida ao Plenário da Corte, para os fins do art. 97 da Constituição.
10. O Tribunal de origem não atendeu a tais pedidos, limitando-se a externar que a violação ao inciso I do art. 333 do CPC⁄1973 havia sido praticada pela 5ª Turma julgadora, e não pela 3ª Seção!?
11. Percebe-se que a violação é frontal, porque o mero cotejo entre o dispositivo e a equivocada interpretação (que esvazia o núcleo fundamental do princípio da segurança jurídica) é suficiente para se constatar que a decisão é teratológica" (fls. 796⁄797e).
 
Por fim, requer "a reforma da decisão ora impugnada, para que se dê provimento ao recurso especial da União" (fl. 797e).
Impugnação da parte agravada, a fls. 800⁄802e, pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
 
AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.292.086 - RJ (2018⁄0111283-2)
 
 
VOTO
 
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES (Relatora): Não obstante os combativos argumentos da parte agravante, as razões deduzidas neste Agravo interno não são aptas a desconstituir os fundamentos da decisão atacada, que merece ser mantida.
Trata-se, na origem, de Ação Ordinária, ajuizada pela parte agravada em face da União, objetivando o percebimento de indenização por danos morais, em virtude de erro médico ocorrido em parto, realizado em hospital público.
O acórdão do Tribunal de origem reformou a sentença, por maioria, para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Opostos Embargos Infringentes contra o acórdão, foram eles rejeitados.
Sustenta a parte agravante, nas razões do Recurso Especial, ofensa aos arts. 97 da CF e 333, I, do CPC⁄73, sob os seguintes fundamentos:
 
"A frontal contrariedade ao art. 333, I, do CPC⁄1973 é manifesta, pois, enquanto este estabelece a teoria estática do ônus da prova, o acórdão de fls. 561⁄562, ora recorrido, aplicou, ao caso concreto, a teoria dinâmica do ônus da prova, antes mesmo da entrada em vigor do NCPC⁄2015.
É que o acórdão de fls. 561⁄562, ora recorrido, aplicou, como fundamento de decidir, a 'Teoria Dinâmica do Ônus da Prova', segundo a qual não se deveria atribuir ao Autor, hipossuficiente, o ônus de provar o erro médico, pois a prova da inexistência deste deveria incumbir à União.
Não obstante, ao assim decidir, o acórdão recorrido aplicou dispositivo legal que ainda não estava em vigor quando de sua prolação, e que somente se tornou de observância obrigatória com a vigência do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016.
Deveras, aquela 'Teoria Dinâmica do Ônus da Prova' é acolhida expressamente em Código que ainda não estava em vigor, e que, se e quando entrar em vigor, superará a atual teoria que inspirou o atual CPC⁄1973, que é a Teoria Estática do Ônus da Prova, plasmada no art. 333, I, do CPC⁄1973.
Portanto, o acórdão recorrido negou vigência ao art. 333, I, do CPC⁄1973, que estabelece caber ao autor a prova sobre o fato constitutivo do seu direito, sem, contudo, declarar a inconstitucionalidade de tal dispositivo legal.
E, para que um Tribunal declare a inconstitucionalidade de um diploma legal, é mister que observe a cláusula de reserva de Plenário, isto é, que o faça por seu órgão Pleno, em atenção ao que determina o art. 97 da Constituição e a Súmula vinculante n° 10, verbis:
(...)
Destarte, a União requer a sejam respeitadas disposições constantes do art. 97 da Constituição e da Súmula vinculante n° 10" (fls. 741⁄743e).
 
De início, como se observa por simples leitura das razões do presente Agravo, deixou a parte agravante de infirmar a decisão agravada, no ponto relativo à impossibilidade de apreciação de ofensa a dispositivos constitucionais, em sede de recurso especial.
Assim, interposto Agravo interno com razões deficientes, que não impugnam, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, constitui óbice ao conhecimento do inconformismo, no particular, a Súmula 182 desta Corte.
Nesse sentido:
 
"PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO. FALTA DE CIÊNCIA AO ÓRGÃO DE REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182 DO STJ.
(...)
2. No presente Regimental, a parte agravante não impugnou os fundamentos da decisão recorrida, limitando-se a reafirmar as razões de seu Recurso Especial.
3. A falta de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão agravada inviabiliza o conhecimento do Agravo Regimental. Incide a Súmula 182⁄STJ: 'É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.'
4. Agravo Regimental não conhecido" (STJ, AgRg no REsp 1.425.186⁄MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 27⁄03⁄2014).
 
Por outro lado, acerca da tese da impossibilidade de aplicação da Teoria Dinâmica do Ônus da Prova, constou do acórdão recorrido:
 
"Ocorre que, para a caracterização da responsabilidade subjetiva do ente público, em se tratando de lide que envolve possível erro médico, não se espera da vítima que produza prova diabólica ou impossível, nem, tampouco, se admite que o corporativismo profissional ou, mesmo, a falta de interesse dos médicos em prestar todos os esclarecimentos ao seu alcance sobre os fatos ocorridos possam conduzir, necessariamente, à improcedência do pedido indenizatório por falta de provas.
E isto porque, como se sabe, a doutrina especializada em matéria de responsabilidade civil já consagrou o entendimento de que, deparando-se com uma situação de prova unilateralmente diabólica, ou seja, insusceptível de ser produzida por aquele que deveria fazê-lo, de acordo com a lei, mas apta a ser realizada pela parte adversária, o ônus probatório deverá ser distribuído dinamicamente; e, mesmo em caso de prova bilateralmente diabólica, ou seja, quando a prova dos fatos é impossível ou muito difícil para ambas as partes ('situação de inesclarecibilidade', na feliz expressão cunhada por Luiz Guilherme Marinoni ('Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto', p. 7 e 8, citado por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, in Curso de direito processual civil, 4ª. ed., vol. 2, Salvador: Editora Podivm, 2009, p. 90), caberá ao juiz verificar, ao fim da instrução, qual das partes assumiu o 'risco de inesclarecibilidade', submetendo-se à possibilidade de uma decisão desfavorável.
A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto, embora não tenha sido acolhida por nosso Código de Processo Civil - que, como se sabe, adotou a teoria clássica (teoria estática do ônus da prova, cf. art. 333) - , vem ganhando força nos meios doutrinários e sendo cada vez mais adotada nas decisões dos tribunais pátrios, especialmente por amoldar-se com perfeição aos casos em que se discute a 'responsabilidade civil de profissional liberal, principalmente do médico, vez que este, quando demandado, sempre tem melhores condições de provar que agiu regularmente do que a vítima de provar sua atuação irregular - a despeito de, pela regra estática de distribuição do ônus da prova (art. 333, CPC), a ele não caber esse ônus' (cf. Fredie Didier Jr, ..., ob cit., pp. 95⁄96).
Neste sentido, no caso dos autos, caberia ao ente público, através de seus prepostos (ou seja, através da equipe médica envolvida no atendimento da mãe do Autor e do próprio Autor), oferecer tais informações técnicas aos autos, sob pena de arcar com o ônus de não serem outras possibilidades diversas do erro médico levadas em consideração pelo juiz da causa. Não o tendo feito, conclui-se ter havido erro médico, tal como alegado na petição inicial" (fls. 687⁄688e).
 
Na forma da jurisprudência do STJ, "embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso" (STJ, REsp 1.286.704⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 28⁄10⁄2013).
Nesse sentido:
 
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PARTO. LESÃO GRAVE A MENOR. INCERTEZA QUANTO À OCORRÊNCIA DE ERRO MÉDICO. VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO RECORRENTE. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. PRECEDENTES DO STJ.
1. Na hipótese dos autos, extrai-se do acórdão objurgado que os únicos fatos incontroversos são: a grave lesão a criança (lesão de plexo braquial com paralisia do membro superior esquerdo e anóxia) decorrente de complicações no parto; a vulnerabilidade e a hipossuficiência técnica do ora recorrente, e a incerteza quanto à responsabilidade da equipe médica que prestou o atendimento, haja vista a afirmação do Sodalício a quo de que 'os únicos que poderiam realmente esclarecer acerca da verdade do ocorrido na sala de parto eram os médicos e o pessoal da área de saúde, que participaram do atendimento e do procedimento médico-hospitalar, mas deles não há depoimento' (fl. 766⁄e-STJ).
2. Diante do contexto fático delineado no decisum vergastado, percebe-se que a elucidação do ocorrido dependia da produção de provas que vão além das possibilidades das vítimas do evento danoso (menor e seus pais), porquanto além de sua evidente hipossuficiência técnica, a equipe da área de saúde que poderia esclarecer o ocorrido pertence aos quadros do centro hospitalar da municipalidade de Santo André.
3. Dessarte, verificando-se que era a parte recorrida, Município de Santo André, que possuía melhor condição de elucidar as circunstâncias fáticas por meio da produção de provas que estavam ao seu alcance, e considerando-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, as vítimas do evento não podem ser penalizadas pela incerteza quanto à existência de erro médico, mormente em vista da gravidade do dano.
4. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da legislação, inclusive do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII) e da Constituição Federal, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo nos termos de consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309⁄SC, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no AREsp 216.315⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.11.2012; REsp 1.135.543⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7.11.2012; REsp 1.084.371⁄RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.12.2011; REsp 1.189.679⁄RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 17.12.2010; REsp 619.148⁄MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é regra estática de julgamento, mas regra dinâmica de procedimento⁄instrução (EREsp 422.778⁄SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p⁄ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012).
5. Recurso Especial provido" (STJ, REsp 1.667.776⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 01⁄08⁄2017).
 
Destarte, estando o acórdão recorrido em sintonia com a jurisprudência desta Corte, aplica-se, ao caso, o entendimento consolidado na Súmula 568 desta Corte, in verbis"O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Assim, não se divisam, nas razões do Agravo interno, argumentos capazes de desconstituir a decisão agravada, que deve ser mantida, por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao Agravo interno.

É o voto