Jurisprudência - STJ

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO.

Por: Equipe Petições

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ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONTRATO E ADITIVO PARA FORNECIMENTO DE SEIS HELICÓPTEROS PARA A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREÇO AJUSTADO EM MOEDA NACIONAL (REAL). VENCEDORA CONTRATANTE QUE NECESSITAVA IMPORTAR AS AERONAVES PAGANDO EM MOEDA ESTRANGEIRA (DÓLAR). DESVALORIZAÇÃO DO CÂMBIO OCORRIDA EM JANEIRO DE 1999. TEORIA DA IMPREVISÃO. ÁLEA EXTRAORDINÁRIA CONFIGURADA. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. ART. 65, II, 'D', DA LEI Nº 8.666/93. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO DA EMPRESA PARTICULAR PROVIDO.

1. Em consonância com o estabelecido no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que garante a manutenção das condições efetivas da proposta de contrato celebrado com a Administração, a Lei de Licitações prevê a possibilidade de revisão contratual com o fito de preservação da equação econômica da avença, podendo essa correção, dentre outras premissas, advir da teoria da imprevisão, a teor do disposto no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.

2. De outro lado, os contratos que tenham por objeto a prestação de serviço firmados em real e executados no exterior, eventualmente submetidos a variação cambial significativa e inesperada, são passíveis de repactuação, conforme previsão do art. 65, inciso II, d, da Lei 8.666/1993, caso constatada a oneração excessiva, com o rompimento da equação econômico-financeira firmada.

3. No caso concreto, a empresa autora, ora recorrente, requer indenização pecuniária, mediante a revisão de contrato administrativo para o fornecimento de helicópteros (por ela entregues) destinados ao serviço de remoção de vítimas de acidentes, resgates e operações especiais do Departamento da Polícia Rodoviária Federal, com preço originariamente fixado em moeda nacional (real), ante a alegada quebra da equação econômico-financeira, decorrente da forte desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar, fenômeno ocorrido em janeiro de 1999, como consequência da mudança de política cambial então implementada pelo Banco Central.

4. Uma vez demonstrado que as aeronaves necessitavam ser adquiridas pela licitante vencedora no exterior, com o desembolso em dólar realizado logo após a mencionada e drástica alteração da política cambial (passando-se do sistema de bandas para o de livre flutuação do dólar), fato esse que, à época, não poderia ser previsto e que acabou por onerar sobremaneira a empresa recorrente, configurada resulta a álea econômica extraordinária e extracontratual de que trata o art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, legitimando a indenização por ela pleiteada.

5. Como já decidido por esta Primeira Turma do STJ no RMS 15.154/PE, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 19/11/2002, "O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes".

6. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1433434/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 21/03/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.434 - DF (2011⁄0163895-7)
RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA
RECORRENTE : LÍDER TAXI AÉREO S⁄A - AIR BRASIL
ADVOGADO : LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ E OUTRO(S) - DF005454
RECORRIDO : UNIÃO
 
RELATÓRIO
 

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Trata-se de recurso especial manejado com fundamento no art. 105, III, c, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado (fls. 493⁄494):

AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGRAVO RETIDO. PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE HELICÓPTEROS PARA O DEPARTAMENTO DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. POLÍTICA ECONÔMICA. MUDANÇA DO SISTEMA DE BANDAS PARA O DE LIVRE FLUTUAÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO. MAXIDESVALORIZAÇÃO DA MOEDA NACIONAL FACE AO DÓLAR AMERICANO. DESEMBOLSO DE VALORES AO FORNECEDOR ESTRANGEIRO EM PATAMAR SUPERIOR AO PROJETADO. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. LEI Nº 8.666⁄93, ART. 65, II, "D". TEORIA DA IMPREVISÃO. FATO DO PRÍNCIPE. AUSÊNCIA DO REQUISITO DA IMPREVISIBILIDADE. RISCO ORDINÁRIO DAS OPERAÇÕES CAMBIAIS.
1. Agravo Retido. Tratando-se de controvérsia sobre matéria eminentemente de direito, desnecessária a oitiva de testemunhas. O magistrado é o destinatário da prova, cabendo a ele, "de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias." (art. 130, do CPC).
2. As provas documentais colacionadas aos autos comprovam que o desembolso dos valores pela empresa recorrente para aquisição dos helicópteros junto ao fornecedor estrangeiro deu-se após a alteração da política cambial pelo Banco Central, em janeiro de 1999, ao contrário do entendimento adotado pelo juízo monocrático.
3. Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, "a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá. A equação econômico-financeira é intangível. (...) A idéia de que as obrigações contratuais devem ser entendidas em função das circunstâncias ao lume das quais se travou o ajuste longe está de ser construção moderna. Pelo contrário, sua origem remonta às lições do Direito Romano."
4. Entendidas as obrigações contratuais relacionadas ao estado fático existente ao tempo da contratação, as alterações importantes deste estado de coisas não podem ser desconsideradas. "O advento da primeira Guerra Mundial fez renascer o velho e salutar preceito contido na cláusula rebus sic stantibus. Reapareceu com roupagem nova, sob as vestes de 'teoria da imprevisão'. Esforça-se em que a ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios à ação dos contraentes, e que tornaram o contrato ruinoso para uma das partes, acarreta situação que não pode ser suportada unicamente pelo prejudicado. A instabilidade, a mutação profunda das condições econômicas, em antítese com o momento histórico precedente, não mais se compatibilizaram com o rigor formalístico prestigiado na concepção napoleônica". (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., Malheiros Editores, 2005, p. 602-615).
5. O princípio que recomenda a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em caso de alteração imprevista do contexto fático que serviu de base ao assentamento do conteúdo da avença não implica na supressão do histórico pacta sunt servanda, fundamento sobre o qual se construiu toda a teoria dos contratos. A obrigatoriedade de cumprimento das convenções, antes princípio rígido, flexibiliza-se com a percepção de que seu seguimento incondicional pode, em certas situações, representar séria injustiça a uma das partes contraentes.
6. A Lei nº 8.666⁄93 consagrou, em seu art. 65, II, "d", a possibilidade de alteração dos contratos administrativos nos casos de desequilíbrio da equação econômico-financeira inicial "na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual".
7. Reconhecem-se como requisitos de aplicação da teoria da imprevisão: a) imprevisibilidade do evento; b) inimputabilidade do evento às partes contratantes; c) modificação substancial das condições do contrato; d) ausência de impedimento absoluto.
8. O regime de livre flutuação da taxa de câmbio, motivado pelo clima de insegurança do mercado gerado pela negativa conjuntura econômica e política presente no início de 1999, teve início no dia 15 de janeiro daquele ano, quando o Banco Central emitiu o Comunicado nº 6.563 informando que naquele momento passaria a se abster de operar no mercado de câmbio, o que implicava a suspensão temporária do regime de bandas. No dia 18 daquele mês, o BACEN emitiu o Comunicado nº 6.565 informando que deixaria o próprio mercado definir a taxa de câmbio, nos seguimentos Livre e Flutuante, e que apenas interviria eventualmente para conter movimentos desordenados do câmbio.
9. É correta a afirmativa de que a mudança do sistema de bandas para o de livre flutuação da taxa de câmbio adotado pelo Banco Central não poderia ser prevista pelos contratantes no momento em que firmaram o instrumento de fornecimento de aeronaves. Todavia, não se pode alegar desconhecimento acerca da possibilidade de oscilação da taxa de cambio, vez que esta realidade sempre existiu, mesmo antes da política cambial adotada pelas autoridades monetárias em janeiro de 1999. Se a contratante dependia do ingresso do produto a partir de fornecedor externo, com pagamento em moeda estrangeira, é evidente que existia o risco de se deparar com taxa de câmbio diferente da esperada, seja para mais ou para menos.
10. O requisito da imprevisibilidade, desta feita, não se afigura no caso ora examinado, na medida em que a possibilidade de alteração da taxa de câmbio era realidade presente e conhecida pela empresa recorrente ao tempo da apresentação de sua proposta, bem como no momento da assinatura do contrato de fornecimento de helicópteros ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal. A possibilidade de oscilação da moeda estrangeira consubstancia risco ordinário das operações cambiais, o que afasta a possibilidade de reparação com base na teoria da imprevisão.
11. "Ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável. Tanto é assim que para livrar-se dos efeitos de uma valorização inesperada do dólar, existe a opção de contratação de operações de hedge. Ainda que se pudesse considerar imprevisível a súbita liberação do mercado cambial, pelo BACEN, em 18⁄01⁄99, através do Comunicado 6565, e a correspondente maxidesvalorização do real, não é possível transferir ao Estado os prejuízos decorrentes da álea de negócio vinculado à variação futura do dólar norte-americano". (Resp 549873⁄SC, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, publ. DJ 25⁄10⁄2004 p. 224)
12. A apelante exerceu sua liberdade de contratar com o Poder Público e, assim agindo, sujeitou-se às circunstâncias do negócio jurídico, dentre as quais se incluiu a necessidade de se valer de fornecedor internacional para fazer frente à obrigação contratual assumida com a parte adversa. Poderia se abster de participar da concorrência se não queria assumir os riscos naturais do negócio.
13. A recorrente, não obstante a dificuldade financeira causada pela variação na cotação da moeda americana, adquiriu os helicópteros conforme a previsão contratual. Se a avença tornou-se de difícil ou incerto adimplemento, deveria ter renunciado ao cumprimento do contrato e arcado com as sanções nele previstas, e não pretender obter, indiretamente, a majoração do contrato por meio administrativo ou judicial sob a forma de indenização, com fundamento na desvalorização cambial.
14. Agravo retido da autora improvido.
15. Apelação da autora improvida.
 

Opostos embargos declaratórios, foram estes rejeitados ante a inexistência dos vícios elencados no art. 535 do CPC (fls. 529⁄535).

A parte recorrente aponta violação ao art. 535, I e II, do CPC⁄73, ao argumento de que o aresto integrativo deixou de sanar as diversas omissões e contradições indicadas nas razões de seus embargos de declaração, motivo pelo qual entende que o julgado deve ser anulado para que os aclaratórios sejam mais uma vez examinados.

Acrescenta, ainda, que o acórdão recorrido, ao afastar a desvalorização cambial implementada pelo Bacen em janeiro de 1999 como álea econômica extraordinária e extracontratual capaz de legitimar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, acabou por afrontar o disposto nos arts. 58, §§ 1º e 2º, e 65, II, d, da Lei nº 8.666⁄91.

Por fim, aponta dissídio jurisprudencial com julgado desta Corte (RMS 15.154⁄PE, relator Ministro Luiz Fux), alegando que deve prevalecer o entendimento ali expressado, no sentido de que "o episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configura causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes" (fl. 552).

A União apresentou contrarrazões ao recurso especial (fls. 572⁄579), em que pugna pela manutenção do acórdão recorrido.

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.434 - DF (2011⁄0163895-7)
 
VOTO
 

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Registre-se, de logo, que o acórdão recorrido foi publicado na vigência do CPC⁄73; por isso, no exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso, será observada a diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2⁄STJ, aprovado pelo Plenário do STJ na Sessão de 9 de março de 2016 (Aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça).

O nobre apelo preenche os requisitos concernentes ao conhecimento, achando-se a questão de fundo devidamente prequestionada.

Feita essa observação, não vislumbro a suscitada ofensa ao art. 535 do CPC, na medida que o Tribunal de origem prestou a jurisdição de forma completa, ou seja, apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

Quanto à questão de fundo, a insurgência autoral comporta acolhimento.

Tem-se em debate a possibilidade de revisão dos valores estabelecidos em contrato administrativo para o fornecimento de seis helicópteros destinados ao serviço de remoção de vítimas de acidentes, resgates e operações especiais do Departamento da Polícia Rodoviária Federal (objeto do Edital de Concorrência Pública n. 002⁄98 - fls. 50⁄55), sob o argumento de quebra da equação econômico-financeira do contrato, como decorrência da desvalorização da moeda brasileira (real) frente ao dólar americano, fenômeno ocorrido em janeiro de 1999, por força de brusca alteração implementada pelo Banco Central na política interna de câmbio (mudança do sistema de banda para o de livre flutuação do dólar).

Nas razões do especial, a contratada Líder Táxi Aéreo S.A.  acusa violação aos arts. 58, §§ 1º e 2º, e 65, II, d, da Lei nº 8.666⁄91 e divergência com julgado desta Corte (RMS 15.154, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 02⁄12⁄2002).

Pois bem.

Do compulsar dos autos, extrai-se que a recorrente, após sagrar-se vencedora em licitação para o fornecimento das referidas aeronaves à Administração (valor licitado e contratado em reais: fls. 68⁄76 e 79⁄81), adquiriu-as junto à fornecedora estrangeira denominada Atlantic Corporation (cf. documentação inclusa às fls. 139⁄272), por isso que o valor final dessa aquisição, feita em dólar e já sob o regime de flutuação, foi impactado diretamente pela reportada variação do câmbio.

Pretende, então, seja, à luz da teoria da imprevisão, reconhecida a existência de posterior desequilíbrio da equação econômico-financeira inicialmente pactuada com o Poder Público, com a consequente indenização pela diferença apurada entre a taxa de câmbio projetada na proposta comercial apresentada em 3⁄11⁄1998 para o fornecimento dos helicópteros (dólar valendo R$ 1,1929) e aquela efetivamente utilizada na operação de câmbio para o pagamento à fornecedora estrangeira, ocorrida em 4⁄3⁄1999 (dólar valendo R$ 2,1070).

Nesse passo, oportuno salientar que, conforme assinalado no voto condutor do acórdão recorrido, verbis: "No que concerne à apreciação das provas documentais colacionadas aos autos, constato que as mesmas comprovam que o desembolso dos valores pela empresa recorrente para aquisição dos helicópteros junto ao fornecedor estrangeiro deu-se após a alteração da política cambial pelo Banco Central, em janeiro de 1999, ao contrário do entendimento adotado pelo juízo monocrático" (fl. 485), sem que se tenha imputado à empresa recorrente mora no cumprimento de sua obrigação, ou seja, na entrega dos helicópteros à Polícia Rodoviária Federal. Demais disso, como historiado no item 18 da exordial (fl. 23), os três pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro formulados pela contratada na esfera administrativa quedaram indeferidos. Outrossim, saliente-se que, nos termos da cláusula quarta, subcláusula primeira, do contrato firmado entre as partes, "O preço contratado é fixo e irreajustável" (fl. 70), denotando a ausência de previsão para a repactuação desse elemento da avença.

Adiante, no que basicamente interessa à resolução do tema recursal em disceptação, convém transcrever o teor do art. 65, II, 'd', da Lei n. 8.666⁄1993 (alegadamente violado), in litteris: "Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...] II - por acordo das partes: [...] 'd') para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual".

Já o Tribunal de origem, ao examinar a apelação da empresa autora, concluiu que a oscilação da moeda estrangeira consubstanciaria risco ordinário em contratos administrativos dessa natureza, afastando a pretensão indenizatória da empresa litigante com os seguintes fundamentos (fls. 488⁄491):

A autora alega que em razão de forte alteração da taxa de câmbio acabou por desembolsar valor substancialmente superior ao previsto na aquisição dos helicópteros junto à fornecedora estrangeira. Junta contrato de operação de câmbio datado de 4 de março de 1999 em que praticada a taxa cambial de 2,1070 e afirma que na formação do preço da proposta comercial apresentada em 3 de novembro de 1998 projetou uma taxa de câmbio de 1,1929.
A recorrente atribui seu prejuízo à alteração da política cambial promovida pelo BACEN em janeiro de 1999, a qual reputa evento imprevisível no momento da contratação, sendo, destarte, cabível a aplicação da teoria do fato do príncipe para fins de recomposição do equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, com arrimo no art. 65, II, "d", da Lei nº 8.666⁄93.
É correta a afirmativa de que a mudança do sistema de bandas para o de livre flutuação da taxa de câmbio adotado pelo Banco Central não poderia ser prevista pelos contratantes no momento em que firmaram o instrumento de fornecimento de aeronaves.
Todavia, não se pode alegar desconhecimento acerca da possibilidade de oscilação da taxa de cambio, vez que esta realidade sempre existiu, mesmo antes da política cambial adotada pelas autoridades monetárias em janeiro de 1999. Se a contratante dependia do ingresso do produto a partir de fornecedor externo, com pagamento em moeda estrangeira, é evidente que existia o risco de se deparar com taxa de câmbio diferente da esperada, seja para mais ou para menos.
Caso a flutuação no momento da contratação da operação de câmbio houvesse sido para taxa inferior àquela calculada pela contratante no momento de apresentação de sua proposta, certamente se beneficiaria com um aumento do lucro, o qual seguramente não seria partilhado com a União. Mas ao lado desta possibilidade sujeitou-se a empresa também ao risco de aumento do preço da moeda americana em seu desfavor, como de fato veio a ocorrer.
O requisito da imprevisibilidade, desta feita, não se afigura no caso ora examinado, na medida em que a possibilidade de alteração da taxa de câmbio era realidade presente e conhecida pela empresa recorrente ao tempo da apresentação de sua proposta, bem como no momento da assinatura do contrato de fornecimento de helicópteros ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Vale dizer: a possibilidade de oscilação da moeda estrangeira consubstancia risco ordinário das operações cambiais.
Sendo este risco imanente a contratações desta natureza - preço contratual em moeda nacional e pagamento ao fornecedor em moeda estrangeira, não há que se falar em socorro à teoria da imprevisão com o objetivo de buscar reparação da União por diferença decorrente da oscilação da taxa de câmbio, pois, como acima dito, a imprevisibilidade é condição sine qua non para que o prejudicado pleiteie o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Acerca do requisito, confira-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
 
"ADMINISTRATIVO. CONTRATO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O aumento salarial determinado por dissídio coletivo de categoria profissional é acontecimento previsível e deve ser suportado pela contratada, não havendo falar em aplicação da Teoria da Imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Precedentes do STJ.
2. Agravo Regimental provido." (AgRg no Resp 417989⁄PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, publ. DJe 24⁄03⁄2009)
 
Ao julgar improcedente o Resp 549873⁄SC, o STJ manteve acórdão que consignou o entendimento de que "ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável. Tanto é assim que para livrar-se dos efeitos de uma valorização inesperada do dólar, existe a opção de contratação de operações de hedge. Ainda que se pudesse considerar imprevisível a súbita liberação do mercado cambial, pelo BACEN, em 18⁄01⁄99, através do Comunicado 6565, e a correspondente maxidesvalorização do real, não é possível transferir ao Estado os prejuízos decorrentes da álea de negócio vinculado à variação futura do dólar norte-americano". A ementa do referido acórdão teve a seguinte redação:
 
"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PARIDADE CAMBIAL. INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO. PRETENSÃO DE IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR FORÇA DE ALTERAÇÃO DA PARIDADE CAMBIAL. CONSEQÜENTE DEVER DE INDENIZAR À UNIÃO E AO BACEN. FATORES INERENTES À CONJUNTURA INTERNACIONAL QUE SE ASSEMELHAM AO FATO DO PRÍNCIPE. IMPROCEDÊNCIA.
1. A intervenção estatal no domínio econômico é determinante para o setor público e indicativa para o setor privado, por força da livre iniciativa e dos cânones constitucionais inseridos nos arts. 170 e 174, da CF.
2. Deveras, sólida a lição de que um "dos fundamentos da Ordem Econômica é justamente a 'liberdade de iniciativa', conforme dispõe o art. 170, o qual, em seu inciso IV, aponta, ainda a 'livre concorrência' como um de seus princípios obrigatórios.: 'A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados o s seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência'. Isto significa que a Administração Pública não tem título jurídico para aspirar reter em suas mãos o poder de outorgar aos particulares o direito ao desempenho da atividade econômica tal ou qual; evidentemente, também lhe faleceria o poder de fixar o montante da produção ou comercialização que os empresários porventura intentem efetuar. De acordo com os termos
constitucionais, a eleição da atividade que será empreendida assim como o quantum a ser produzido ou comercializado resultam de uma decisão livre dos agentes econômicos. O direito de fazê-lo lhes advém diretamente do Texto Constitucional e descende mesmo da própria acolhida do regime capitalista, para não se falar dos dispositivos constitucionais supramencionados. No passado ainda poderiam prosperar dúvidas quanto a isto; porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se enfaticamente explícito que nem mesmo o planejamento econômico feito pelo Poder Público para algum setor de atividade ou para o conjunto deles pode impor-se como obrigatório para o setor privado. É o que está estampado, com todas as letras, no art. 174: 'Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (...)" (Celso Antônio Bandeira de Mello in "Curso de Direito Administrativo", 14ª ed. Malheiros, 2002, p. 619-620).
3. No afã de regular o comércio exterior e manter a sua balança de pagamentos equilibrada, o Estado-Soberano pode preconizar a paridade cambial, previsivelmente sujeita, quanto à sua estabilidade, ao comércio externo e à política internacional, fatos inimputáveis ao Estado Nacional, quer à luz da responsabilidade objetiva quer à luz da responsabilidade subjetiva, inerentes às hipóteses de atos omissivos, nos quais é imperioso detectar que a entidade pública tinha o dever de evitar o imprevisto que gerou dano a terceiros.
4. Consoante escorreitamente assentado no aresto recorrido "1. A União é parte ilegítima para figurar no pólo passivo das ações em que se discute direito à indenização por prejuízos decorrentes da súbita modificação da política cambial, estando legitimado, com exclusividade, o BACEN, que decidiu e implementou a liberação do mercado de câmbio. 1. (sic) Ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável. Tanto é assim que para livrar-se dos efeitos de uma valorização inesperada do dólar, existe a opção de contratação de operações de hedge. 2. Ainda que se pudesse considerar imprevisível a súbita liberação do mercado cambial, pelo BACEN, em 18⁄01⁄99, através do Comunicado 6565, e a correspondente maxidesvalorização do real, não é possível transferir ao Estado os prejuízos decorrentes da álea de negócio vinculado à variação futura do dólar norte-americano. A teoria da imprevisão aplica-se aos contratantes, não vinculando terceiros. 3. A liberação do mercado de câmbio, pelo BACEN, na ocasião, é tida por regular, pois surgiu como alternativa capaz de proteger as reservas cambiais do Brasil. A volatização do mercado financeiro e de capitais, produto da globalização, é capaz de provocar súbitos desequilíbrios nas reservas cambiais, o que exige dos Governos modificações em sua política cambial, muitas vezes inesperadas ou mais drásticas que as esperadas, na tentativa de conter a liquidação da economia do país.(...)"
5. A existência de norma legal indicativa do exercício da intervenção no domínio econômico revela exercício regular de direito, mercê de não se inferir da norma jurídica qualquer atuar omissivo posto inexistente o dever legal de manutenção da paridade, o qual, se existente, poderia conduzir à culpa in ommittendo.
6. O fato do príncipe é argüível intra muros entre os particulares e extraterritorialmente pelo Estado, desde que o suposto fato imprevisível e danoso dependa de conjunturas internacionais, imprevisíveis, ad substantia.
7. A ciência jurídica-econômica não é mutável e eterna, como não são os ordenamentos voltados à regulação das atividades econômicas, sujeitas estas às mais diversas espécies de injunções internas e internacionais, como guerras, estratégias de proteção de produtos alienígenas, rompimento de relações diplomáticas, etc.
8. O Estado responde objetivamente pelos seus atos e de seus agentes que nessa qualidade causem a terceiros e, por omissão, quando manifesto o dever legal de impedir o ato danoso, hipótese em que a sua responsabilidade é subjetiva decorrente de imperícia ou dolo.
9. A ingerência de fatores exteriores aliada à possibilidade de o particular prevenir-se contra esses fatores alheios à vontade estatal, acrescido da mera natureza indicativa da política econômica revela a ausência de responsabilização do Estado.
10. Recurso Especial desprovido." (Resp 549873⁄SC, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, publ. DJ 25⁄10⁄2004 p. 224)
 
A apelante exerceu sua liberdade de contratar com o Poder Público e, assim agindo, sujeitou-se às circunstâncias do negócio jurídico, dentre as quais se incluiu a necessidade de se valer de fornecedor internacional para fazer frente à obrigação contratual assumida com a parte adversa. Poderia se abster de participar da concorrência se não queria assumir os riscos naturais do negócio.
A título de argumentação, há que se considerar que se a contratante fosse a própria fabricante das aeronaves não estaria exposta a expressivos danos patrimoniais decorrente de possíveis oscilações da taxa de câmbio, porquanto o cumprimento do contrato não estaria a depender da aquisição do produto de fornecedores externos, permanecendo imune a variações cambiais.
A recorrente, não obstante a dificuldade financeira causada pela variação na cotação da moeda americana, adquiriu os helicópteros conforme a previsão contratual. Ora, se a avença tornou-se de difícil ou incerto adimplemento, deveria ter renunciado ao cumprimento do contrato e arcado com as sanções nele previstas, e não pretender obter, indiretamente, a majoração do contrato por meio administrativo ou judicial sob a forma de indenização, com fundamento na desvalorização cambial.
Entendo, com estas considerações, que a pretensão indenizatória postulada pela empresa Líder Taxi Aéreo nestes autos não merece prosperar, na medida em que inaplicável ao caso o disposto no art. 65, II, "d", da Lei nº 8.666⁄93, uma vez que ausente o requisito da imprevisibilidade exigido pela norma legal.
 

Tenho, no entanto, que a solução assim adotada pelo ínclito Colegiado regional não se revelou acertada para o caso.

De fato, no âmbito dos contratos administrativos, a garantia de manutenção das condições inicialmente avençadas entre as partes envolvidas exsurge consagrada no art. 37, XXI, da Constituição Federal (...com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta...), bem assim no acima transcrito art. 65, II, d, da Lei nº 8.666⁄93.

Como deflui desses dois referenciais normativos, a equação econômica a ser preservada ao longo do vínculo obrigacional deverá levar em consideração os encargos atribuídos ao particular contratado e a remuneração prometida pelo fornecimento do objeto licitado (bem ou serviço). Na espécie examinada, alega a empresa contratada a existência de fato superveniente imprevisível, com danoso impacto no preço final das seis aeronaves por ela adquiridas no exterior, para posterior entrega à Polícia Rodoviária Federal.

A tanto, em narrativa posta na petição inicial (e não contestada pela União), precisamente em seu item 21, a autora fez enfatizar que "o abandono das bandas cambiais e a inesperada alta do dólar, surgiu de forma totalmente inopinada, quebrando regras previamente estabelecidas que vinham sendo cumpridas por vários anos, com efeitos desagregadores que nem a mais pessimista das cassandras poderia prever. Para se ter uma idéia mais exata da imprevisibilidade desse fato, basta assinalar que o próprio Ministro da Fazenda, Sr. Pedro Malan, em palestra proferida em São Paulo, no dia 27 de novembro de 1998, portanto, apenas poucos dias após a apresentação da proposta pela Líder, afirmou alto e bem som (sic) o seguinte, que se transcreve, à guisa de ilustração, 'ad litteram': 'Quanto ao câmbio, quero dizer que não vai haver maxi nem midi desvalorização e nem flutuação. Continuaremos com o sistema que vem sendo seguido, que tem uma característica de flexibilidade que nos parece adequada e que vem se expressando por uma banda mais larga, em que já mexemos cinco vezes e na qual mexeremos em breve, pela minibanda. A política é a de alargamento gradual da diferença entre o piso e o teto da minibanda. Em 98 o real se desvalorizará em relação ao dólar em pelo menos 7,5%. Em termos reais, o real estará se desvalorizando em 5,5% a 6% em relação ao dolar americano. Não haverá, portanto, alteração em relação ao câmbio. Essa é a política quer continuaremos implementando e, portanto, não haverá alteração no regime cambial brasileiro" (seminário empresarial denominado 'O que se esperar de 1999', realizado no Hotel Meliá, SP, em 27⁄11⁄98, com participação de cerca de 750 executivos das maiores empresas do Brasil)'"  (fl. 24). 

Tem-se, pois, que, um mês antes da formalização do contrato entre a recorrente Líder Táxi Aéreo S.A. e a Polícia Rodoviária Federal, o Ministro da Fazenda, em ato público perante o empresariado nacional, afiançava que não se descortinava qualquer mudança de rumo na política cambial brasileira, cujo discurso, poucas semanas depois (mas quando já firmado o contrato entre os litigantes), viu-se abruptamente contrariado, com a adoção de nova e surpreendente política cambial que fez elevar a níveis não esperados a cotação do dólar americano, moeda essa utilizada pela recorrente na compra dos helicópteros junto a empresa estrangeira, o que acarretou em irrecusável prejuízo financeiro para a Líder, visto que o respectivo contrato administrativo houvera sido firmado em moeda nacional (dezembro de 1998), mas tendo em mira a projeção do dólar atrelado ao anterior e então vigente regime cambial (ou seja, aquele que precedeu a alteração implementada pelo Bacen em meados de janeiro de 1999). Nesse contexto, emerge plenamente justificada, tanto quanto caracterizada, a imprevista e imprevisível alteração do ambiente financeiro presente ao tempo em que formulada a proposta de preço que levou a empresa Líder a sagrar-se vitoriosa na licitação para o fornecimento dos helicópteros. Lícito, pois, que invoque, em seu benefício, os favores da teoria da imprevisão, máxime porque não deu causa à indigitada variação do câmbio.

Sobre essa vertente teórica, calha reproduzir a sempre autorizada lição de MARÇAL JUSTEN FILHO, verbis:

A aplicação da teoria da imprevisão deriva da conjugação dos seguintes requisitos:
- imprevisibilidade do evento (o que compreende a inviabilidade de estimativa dos efeitos de evento previsível);
- inimputabilidade do evento às partes;
- grave modificação das condições do contrato;
- ausência de impedimento absoluto.
O primeiro pressuposto relaciona-se com a impossibilidade de previsão dos fatos, dentro de um panorama de razoabilidade. É costumeiro distinguir os conceitos de álea ordinária e extraordinária, para determinar que a teoria somente se aplica em face desta última
A distinção entre ordinariedade e extraordinariedade  se relaciona com a probabilidade de ocorrência dos eventos. O critério diferencial não é a mera possibilidade do evento, o que tornaria inútil a distinção: todo evento possível seria previsível e, por isso, integraria a álea ordinária. Logo, comporiam a álea extraordinária apenas os eventos impossíveis, os quais nunca ocorreriam por sua própria definição.
A diferença entre álea extraordinária e ordinária somente é simples quando se examinam situações extremas. À medida que o grau de ordinariedade se reduz, aumenta o grau de extraordinariedade - e vice-versa. Mas é impossível estabelecer um limite exato, em que certa situação deixaria de integrar uma categoria e passaria a compor a outra.
O conceito de imprevisibilidade também pode ser utilizado para indicar a ausência de participação da parte interessada na produção do evento danoso.
No Brasil, o art. 65, II, d, da Lei 8.666⁄1993, ampliou a abrangência da teoria da imprevisão para nela fazer incluir os fatos de consequências incalculáveis, o que compreende em especial a desvalorização monetária produzida pela inflação. A inflação pode ser um fato previsível, mas autorizará a incidência da teoria da imprevisão quando os índices inflacionários não puderem ser estimados e apresentarem variação que ultrapassa os limites das previsões generalizadas.
É para prevenir situações como essas, que a lei determina que o edital deverá trazer o critério de reajuste de preço que será adotado para recompor o equilíbrio econômico financeiro rompido em virtude da inflação.
(Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16 ed. São Paulo: RT, 2014, p. 1.018).

 

 

O raciocínio do referido e consagrado doutrinador bem se aplica à hipótese aqui examinada. De efeito, nos contratos que tenham por objeto o fornecimento de bens ou serviços à Administração Pública, firmados que sejam no padrão monetário interno (real), mas que, para sua efetivação, careçam de prévia importação de bens pela licitante vencedora (com inevitável pagamento em moeda estrangeira), caso sobrevenha variação cambial significativa e inesperada, com a constatação de oneração excessiva do contrato e o rompimento da equação econômico-financeira firmada, de rigor que se efetue a repactuação prevista no já referido art. 65, inciso II, d, da Lei 8.666⁄1993.

Diante das premissas até aqui explicitadas, inviável resulta o acolhimento da respeitável conclusão a que chegou o acórdão recorrido, no sentido de que, apesar de a autora⁄recorrente ter demonstrado que o desembolso para aquisição dos helicópteros em dólar ocorreu após a abrupta alteração da política cambial, indevida seria a indenização pretendida, na compreensão de que "a possibilidade de oscilação da moeda estrangeira consubstancia risco ordinário das operações cambiais" (fl. 489).

Ao contrário, tenho que a intensa desvalorização do real frente ao dólar em janeiro de 1999, que se deu como consequência da decisão do Banco Central em deixar de interferir no câmbio, permitindo a livre flutuação do dólar, configurou, sim, álea econômica extraordinária e extracontratual, legitimando a indenização reivindicada nestes autos.

Esse desditoso evento ocorreu repentinamente, de modo imprevisível e extraordinário, onerando sobremaneira a contratante particular, motivo pelo qual se revela cabível a repactuação financeira por ela almejada, a fim de preservar a higidez da cláusula econômico-financeira inicialmente acordada com a Administração. No caso, é certo, os helicópteros foram entregues e por eles a Administração pagou o preço originariamente previsto no contrato, cuja circunstância, frise-se, não desautoriza a reposição das perdas sofridas pela empresa que, ainda assim, em tempo hábil, honrou seu compromisso contratual.

Cumpre, nessa altura, recordar que, acerca da desvalorização cambial havida em janeiro de 1999, esta Primeira Turma, já nos idos de 2002, teve a oportunidade de examinar sua repercussão econômica em sede de contrato administrativo. Na ocasião, o Colegiado considerou que tal guinada na política de câmbio causou o rompimento abrupto da equação econômico-financeira do contrato sob crivo, ensejando a excepcional aplicação da regra de reequilíbrio contemplada no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666⁄93.

Eis a ementa do julgado em comento:

CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECONÔMICO- FINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVALORIZAÇÃO DO REAL. JANEIRO DE 1999. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE.
1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, 88 § 5º e 6º, da Lei 8.666⁄93.
Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula mater da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as "condições efetivas da proposta".
2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.
3. Rompimento abrupto da equação econômico-financeira do contrato. Impossibilidade de início da execução com a prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur).
4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cumprimento do contrato pela verificação da exceptio non adimplet contractus imputável à administração, a fortiori, implica admitir sustar-se o "início da execução", quando desde logo verificável a incidência da "imprevisão" ocorrente no interregno em que a administração postergou os trabalhos. Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo provimento do recurso.
5. Recurso Ordinário provido.
(RMS 15.154⁄PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19⁄11⁄2002, DJ 02⁄12⁄2002, p. 222)

 

Por igual, como lembrado no corpo desse mesmo acórdão, julgados da seção de direito privado do STJ, examinando as implicações jurídicas da mudança da política cambial de janeiro de 1999, mas agora no âmbito de contratos entabulados entre particulares, também chegaram a idêntica conclusão. Confira-se o seguinte trecho da ementa lançada no REsp 412.579, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJ de 23⁄09⁄2002: "Não há como deixar de reconhecer no episódio da forte desvalorização do real frente à moeda norte-americana, ocorrida em janeiro de 1999, evento objetivo e inesperado, a ensejar a modificação da cláusula contratual em ordem a evitar locupletamento de um contratante em detrimento do outro". Na mesma linha, colha-se o seguinte excerto da ementa adotada no REsp 417.927, Rel.ª Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ de 01⁄07⁄2002: "A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau excessivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas".  

Também o Tribunal de Contas da União já se manifestou sobre a repercussão de assemelhado evento econômico nos contratos administrativos, concluindo ser "aplicável a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual, em razão de valorização cambial" (Acórdão TCU 1.595⁄2006, relator Ministro Guilherme Palmeira, Plenário).

Em suma, diante do inconteste desequilíbrio que atingiu o Contrato Administrativo nº 023⁄98 e seu correspondente termo aditivo (fls. 68⁄76 e 79⁄81, respectivamente), como resultado do superveniente rompimento abrupto de sua equação econômico-financeira, decorrente de imprevista⁄imprevisível variação cambial, tenho por inequivocamente configurada, no caso concreto,  situação de álea econômica extraordinária e extracontratual de que trata o art. 65, II, d, da Lei nº 8.666⁄93.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento para, em desdobramento, julgar procedente o pedido inicial formulado na presente ação ordinária, apurando-se o quantum devido em ulterior liquidação por arbitramento, nos moldes dos arts. 509, I e 510 do CPC⁄2015. Diante da total procedência da demanda, restam as custas e honorários de sucumbência a cargo da União, arbitrada a verba honorária, à luz das diretrizes do art. 20, § 4º, do CPC⁄73 (relativa complexidade da causa, denodado desempenho do patrono da autora e o longo tempo percorrido por três instâncias judicantes) em R$ 50.000,00 - cinquenta mil reais, a serem corrigidos a partir da data do presente julgamento, incidindo juros de mora a contar do trânsito em julgado.

É como voto

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.434 - DF (2011⁄0163895-7)
RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA
RECORRENTE : LÍDER TAXI AÉREO S⁄A - AIR BRASIL
ADVOGADO : LUIZ EDUARDO SÁ RORIZ E OUTRO(S) - DF005454
RECORRIDO : UNIÃO
 
VOTO-VENCIDO
(MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)
 

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONTRATO PARA O FORNECIMENTO DE HELICÓPTEROS À UNIÃO. EMPRESA CONTRATADA QUE LIVREMENTE SE OBRIGOU A FORNECER AS AERONAVES POR PREÇO A SER PAGO EM MOEDA CORRENTE NACIONAL. EMPRESA QUE NÃO FABRICA OS EQUIPAMENTOS E, OS CONSEGUIU APENAS NO MERCADO ESTRANGEIRO, PAGANDO, PORTANTO EM MOEDA ALIENÍGINA, SUJEITA À VARIAÇÃO CAMBIAL. ALTERAÇÃO DA POLÍTICA CAMBIAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO DA EMPRESA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO PROLATADO PELO EGRÉGIO TRF DA 1a. REGIÃO. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA CONTRATADA A QUE SE NEGA PROVIMENTO, DIVERGINDO, RESPEITOSAMENTE DO EMINENTE MINISTRO RELATOR.

1. Senhora Ministra Presidente, ouvi atentamente o brilhante voto do eminente Ministro SÉRGIO KUKINA, Relator do presente Recurso Especial, pelo seu conhecimento e provimento, para reconhecer a ocorrência da chamada Teoria da Imprevisão e autorizar o reequilíbrio econômico financeiro.

2. Pois bem, como bem esclareceu o eminente Relator, trata-se de demanda em que a parte recorrente pretende o reconhecimento da ocorrência da Teoria da Imprevisão, como álea extraordinária, a justificar o reequilíbrio econômico-financeiro no presente caso.

3. O contrato administrativo em questão decorreu de procedimento licitatório cujo objetivo era a aquisição de helicópteros. Segundo consta, tais aeronaves foram adquiridas pela parte recorrente no exterior, em dólar americano, repassando-as à Administração Federal, onde a licitação previa o pagamento em moeda corrente nacional.

4. Desta maneira aduz a parte recorrente que a diferença cambial causada pela alteração da política monetária nacional levada a efeito pelo Banco Central do Brasil em janeiro de 1999 causou-lhe sérios prejuízos tornando muito custoso o cumprimento da avença.

5. Veja-se que Sua Excelência o eminente Ministro Relator entende presente a imprevisão no item 4 da sua proposta de ementa:

4. Uma vez demonstrado que as aeronaves necessitavam ser adquiridas pela licitante vencedora no exterior, com o desembolso em dólar realizado logo após a mencionada e drástica alteração da política cambial (passando-se do sistema de bandas para o de livre flutuação do dólar), fato esse que, à época, não poderia ser previsto e que acabou por onerar sobremaneira a empresa recorrente, configurada resulta a álea econômica extrarodinária e extracontratual de que trata o art. 65, II, d, da Lei 8.666⁄93, legitimando a indenização por ela pleiteada.

6. Importante ainda transcrever a fundamentação desenvolvida pelo egrégio TRF da 1a. Região a esse respeito, constante do voto condutor, da lavra da ilustre Desembargadora Federal SELEN MARIA DE ALMEIDA:

É correta a afirmativa de que a mudança do sistema de bandas para o de livre flutuação da taxa de câmbio adotado pelo Banco Central não poderia ser prevista pelos contratantes no momento em que firmaram o instrumento de fornecimento de aeronaves.

Todavia, não se pode alegar desconhecimento acerca da possibilidade de oscilação da taxa de cambio, vez que esta realidade sempre existiu, mesmo antes da política cambial adotada pelas autoridades monetárias em janeiro de 1999. Se a contratante dependia do ingresso do produto a partir de fornecedor externo, com pagamento em moeda estrangeira, é evidente que existia o risco de se deparar com taxa de câmbio diferente da esperada, seja para mais ou para menos.

Caso a flutuação no momento da contratação da operação de câmbio houvesse sido para taxa inferior àquela calculada pela contratante no momento de apresentação de sua proposta, certamente se beneficiaria com um aumento do lucro, o qual seguramente não seria partilhado com a União. Mas ao lado desta possibilidade sujeitou-se a empresa também ao risco de aumento do preço da moeda americana em seu desfavor, como de fato veio a ocorrer.

O requisito da imprevisibilidade, desta feita, não se afigura no caso ora examinado, na medida em que a possibilidade de alteração da taxa de câmbio era realidade presente e conhecida pela empresa recorrente ao tempo da apresentação de sua proposta, bem como no momento da assinatura do contrato de fornecimento de helicópteros ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Vale dizer: a possibilidade de oscilação da moeda estrangeira consubstancia risco ordinário das operações cambiais.

Sendo este risco imanente a contratações desta natureza - preço contratual em moeda nacional e pagamento ao fornecedor em moeda estrangeira, não há que se falar em socorro à teoria da imprevisão com o objetivo de buscar reparação da União por diferença decorrente da oscilação da taxa de câmbio, pois, como acima dito, a imprevisibilidade é condição sine qua non para que o prejudicado pleiteie o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

(...).

A apelante exerceu sua liberdade de contratar com o Poder Público e, assim agindo, sujeitou-se às circunstâncias do negócio jurídico, dentre as quais se incluiu a necessidade de se valer de fornecedor internacional para fazer frente à obrigação contratual assumida com a parte adversa. Poderia se abster de participar da concorrência se não queria assumir os riscos naturais do negócio.

A título de argumentação, há que se considerar que se a contratante fosse a própria fabricante das aeronaves não estaria exposta a expressivos danos patrimoniais decorrente de possíveis oscilações da taxa de câmbio, porquanto o cumprimento do contrato não estaria a depender da aquisição do produto de fornecedores externos, permanecendo imune a variações cambiais.

A recorrente, não obstante a dificuldade financeira causada pela variação na cotação da moeda americana, adquiriu os helicópteros conforme a previsão contratual. Ora, se a avença tornou-se de difícil ou incerto adimplemento, deveria ter renunciado ao cumprimento do contrato e arcado com as sanções nele previstas, e não pretender obter, indiretamente, a majoração do contrato por meio administrativo ou judicial sob a forma de indenização, com fundamento na desvalorização cambial.

Entendo, com estas considerações, que a pretensão indenizatória postulada pela empresa Líder Taxi Aéreo nestes autos não merece prosperar, na medida em que inaplicável ao caso o disposto no art. 65, II, d, da Lei no. 8.666⁄93, uma vez que ausente o requisito da imprevisibilidade exigido pela norma legal.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo retido, bem como à apelação da autora (fls. 488⁄491).

7. Com a devida vênia, do entendimento manifestado pelo eminente Relator, em seu brilhante voto, ouso de Sua Excelência discordar, porquanto entendo, que no presente caso, ainda que tenha havido um fato externo extracontratual, este integra a atividade empresarial da parte recorrente não podendo, portanto, ser considerado imprevisível.

8. Além disso, a parte recorrente livremente se obrigou a entregar produto, não produzido por ela própria, num determinado preço, quantificado em moeda corrente nacional, sabendo de antemão que precisaria adquiri-lo no exterior, desse modo, pagaria em moeda estrangeira.

9. Este Superior Tribunal de Justiça, em demanda semelhante, já entendeu ausente a imprevisibilidade a demandar o reequilíbrio econômico-financeiro. Note-se que se trata de precedente específico, onde se analisa exatamente a mesma questão, sobre a influência da alteração cambial promovida em janeiro de 1999. Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PARIDADE CAMBIAL. INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO. PRETENSÃO DE IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR FORÇA DE ALTERAÇÃO DA PARIDADE CAMBIAL. CONSEQÜENTE DEVER DE INDENIZAR À UNIÃO E AO BACEN. FATORES INERENTES À CONJUNTURA INTERNACIONAL QUE SE ASSEMELHAM AO FATO DO PRÍNCIPE. IMPROCEDÊNCIA.

1. A intervenção estatal no domínio econômico é determinante para o setor público e indicativa para o setor privado, por força da livre iniciativa e dos cânones constitucionais inseridos nos arts. 170 e 174, da CF.

2. Deveras, sólida a lição de que um dos fundamentos da Ordem Econômica é justamente a liberdade de iniciativa, conforme dispõe o art. 170, o qual, em seu inciso IV, aponta, ainda a livre concorrência como um de seus princípios obrigatórios. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre concorrência. Isto significa que a Administração Pública não tem título jurídico para aspirar reter em suas mãos o poder de outorgar aos particulares o direito ao desempenho da atividade econômica tal ou qual; evidentemente, também lhe faleceria o poder de fixar o montante da produção ou comercialização que os empresários porventura intentem efetuar. De acordo com os termos constitucionais, a eleição da atividade que será empreendida assim como o quantum a ser produzido ou comercializado resultam de uma decisão livre dos agentes econômicos. O direito de fazê-lo lhes advém diretamente do Texto Constitucional e descende mesmo da própria acolhida do regime capitalista, para não se falar dos dispositivos constitucionais supramencionados. No passado ainda poderiam prosperar dúvidas quanto a isto; porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se enfaticamente explícito que nem mesmo o planejamento econômico feito pelo Poder Público para algum setor de atividade ou para o conjunto deles pode impor-se como obrigatório para o setor privado. É o que está estampado, com todas as letras, no art. 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (...) (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 14a. ed. Malheiros, 2002, p. 619-620).

3. No afã de regular o comércio exterior e manter a sua balança de pagamentos equilibrada, o Estado-Soberano pode preconizar a paridade cambial, previsivelmente sujeita, quanto à sua estabilidade, ao comércio externo e à política internacional, fatos inimputáveis ao Estado Nacional, quer à luz da responsabilidade objetiva quer à luz da responsabilidade subjetiva, inerentes às hipóteses de atos omissivos, nos quais é imperioso detectar que a entidade pública tinha o dever de evitar o imprevisto que gerou dano a terceiros.

4. Consoante escorreitamente assentado no aresto recorrido. A União é parte ilegítima para figurar no pólo passivo das ações em que se discute direito à indenização por prejuízos decorrentes da súbita modificação da política cambial, estando legitimado, com exclusividade, o BACEN, que decidiu e implementou a liberação do mercado de câmbio. 1. (sic) Ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável. Tanto é assim que para livrar-se dos efeitos de uma valorização inesperada do dólar, existe a opção de contratação de operações de hedge. 2. Ainda que se pudesse considerar imprevisível a súbita liberação do mercado cambial, pelo BACEN, em 18⁄01⁄99, através do Comunicado 6565, e a correspondente maxidesvalorização do real, não é possível transferir ao Estado os prejuízos decorrentes da álea de negócio vinculado à variação futura do dólar norte-americano. A teoria da imprevisão aplica-se aos contratantes, não vinculando terceiros. 3. A liberação do mercado de câmbio, pelo BACEN, na ocasião, é tida por regular, pois surgiu como alternativa capaz de proteger as reservas cambiais do Brasil. A volatização do mercado financeiro e de capitais, produto da globalização, é capaz de provocar súbitos desequilíbrios nas reservas cambiais, o que exige dos Governos modificações em sua política cambial, muitas vezes inesperadas ou mais drásticas que as esperadas, na tentativa de conter a liquidação da economia do país.(...).

5. A existência de norma legal indicativa do exercício da intervenção no domínio econômico revela exercício regular de direito, mercê de não se inferir da norma jurídica qualquer atuar omissivo posto inexistente o dever legal de manutenção da paridade, o qual, se existente, poderia conduzir à culpa in ommittendo.

6. O fato do príncipe é argüível intra muros entre os particulares e extraterritorialmente pelo Estado, desde que o suposto fato imprevisível e danoso dependa de conjunturas internacionais, imprevisíveis, ad substantia.

7. A ciência jurídica-econômica não é mutável e eterna, como não são os ordenamentos voltados à regulação das atividades econômicas, sujeitas estas às mais diversas espécies de injunções internas e internacionais, como guerras, estratégias de proteção de produtos alienígenas, rompimento de relações diplomáticas, etc.

8. O Estado responde objetivamente pelos seus atos e de seus agentes que nessa qualidade causem a terceiros e, por omissão, quando manifesto o dever legal de impedir o ato danoso, hipótese em que a sua responsabilidade é subjetiva decorrente de imperícia ou dolo.

9. A ingerência de fatores exteriores aliada à possibilidade de o particular prevenir-se contra esses fatores alheios à vontade estatal, acrescido da mera natureza indicativa da política econômica revela a ausência de responsabilização do Estado.

10. Recurso Especial desprovido (REsp. 549.873⁄SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 25.10.2004).

10. Desta maneira, sendo inerente ao risco do negócio da parte recorrente a possibilidade de alteração cambial, a qualquer momento, não entendo presentes o requisito da imprevisibilidade a ensejar a aplicação da Teoria da Imprevisão, devendo ser mantido o douto acórdão prolatado pelo egrégio TRF da 1a. Região.

11. Ante o exposto, com a devida vênia do eminente Ministro SÉRGIO KUKINA, douto Relator, ouso dele divergir, para votar pela negativa de provimento ao presente Recurso Especial interposto pela empresa contratada.

12. É como voto