Jurisprudência - STJ

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

Por: Equipe Petições

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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DOAÇÕES RELIGIOSAS. SITUAÇÃO CONCRETA DE VULNERABILIDADE PSICOLÓGICA E EMOCIONAL. CONDIÇÃO PSIQUIÁTRICA PREEXISTENTE. CONTEXTO DE FRAGILIDADE CAPAZ DE MITIGAR O DISCERNIMENTO E A VOLUNTARIEDADE NAS DOAÇÕES. DANO MORAL CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAMINAR O CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO ENSEJADOR DA COAÇÃO MORAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Não configura ofensa aos arts. 458, 515 e 535 do Código de Processo Civil de 1973 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte recorrente, suficiente para decidir integralmente a controvérsia.

2. Segundo o Tribunal de origem, a prova dos autos - sobretudo testemunhal - demonstrou a existência de coação moral pelos prepostos da Igreja e revelou que, na situação específica, a vulnerabilidade psicológica e emocional da autora, diagnosticada com doença psiquiátrica preexistente, afetou o discernimento e a voluntariedade nas doações e criou um contexto de fragilidade que favoreceu a cooptação da vontade.

3. Não afronta o art. 131 do CPC/73 o acórdão que motivadamente reaprecia as provas produzidas no primeiro grau e lhes dá nova leitura, providência vedada apenas nesta instância especial.

4. Não há óbice legal para a utilização de prova exclusivamente testemunhal, com o objetivo de demonstrar os fatos que envolveram os litigantes, peculiaridades ou circunstâncias de suas relações, bem como as obrigações e os efeitos decorrentes daqueles fatos. Hipótese em que a prova testemunhal não serviu para comprovar o valor material das doações, mas apenas para demonstrar a situação pessoal de vulnerabilidade e a ocorrência de coação moral. 5. A reforma do acórdão recorrido, de modo a afastar a coação moral e o contexto de vulnerabilidade, demandaria o revolvimento de fatos e provas, inviável no âmbito estreito do recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. 6. Não se verifica exorbitância do quantum indenizatório, arbitrado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a justificar a excepcional intervenção do Superior Tribunal de Justiça na revisão do dano moral tido como configurado.

7. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1374728/RS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 16/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.728 - RS (2011⁄0189022-6)
 
RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO)
AGRAVANTE : IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
ADVOGADOS : GUSTAVO LEITE PEREIRA E OUTRO(S) - RS065737
    CIBELE AMANDA PRADE  - RS078917
AGRAVADO  : SILVIA MASSULO VOLKWEIS
ADVOGADO : ARIANE DOS SANTOS TURELLA  - RS044491
 
RELATÓRIO
 
Exmo. Sr. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) - Relator:
 
Trata-se de agravo interno interposto pela IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS contra decisão que negou provimento ao recurso especial da agravante, com os seguintes fundamentos: a) ausência de ofensa aos arts. 458, 515 e 535 do CPC⁄73; b) a reforma do julgado, no sentido de considerar correta a valoração das provas conferida pelo magistrado singular, de modo a afastar a coação moral tida como comprovada pelo Tribunal de origem, demandaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos; c) não afronta o art. 131 do CPC⁄73 o acórdão que aprecia livremente as provas dos autos e fundamenta suficientemente suas conclusões, nem é o recurso especial a via adequada para desconstituir julgado que legitimamente reapreciou as provas produzidas no primeiro grau, providência vedada apenas nesta instância especial; d) o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não é excessivo ou desproporcional aos danos sofridos pela autora, a ensejar redução por parte do Superior Tribunal de Justiça.
Em suas razões, a agravante insiste na deficiência da prestação jurisdicional, uma vez que a falta de ventilação expressa, por parte do Tribunal a quo, dos dispositivos legais apontados como violados, cria obstáculos ao exercício legítimo de recorrer.
Sustenta a inaplicabilidade da Súmula 7 do STJ ao caso concreto, na medida em que se pretende tão somente a revaloração de fatos expressamente veiculados pelos julgadores na sentença e no acórdão, os quais foram, inclusive, reiterados na decisão agravada.
Acrescenta que, embora acometida por Transtorno Afetivo Bipolar, não há como supor, na esfera jurídica, que essa condição clínica tenha interferido no juízo crítico da agravada, justamente porque somente nos graus mais elevados da doença pode haver prejuízo cognitivo a impactar na vontade livre e consciente. Assim, a providência subjetiva de alguma pessoa realizar doações relevantes a determinada instituição, sobretudo quando detém patrimônio e renda capazes de manter a própria subsistência, jamais pode ser enquadrada como vício de consentimento, tampouco configurar ausência de discernimento do doador.
Por fim, afirma ser imperiosa a necessidade de redução do quantum indenizatório para, no máximo, R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
A agravada apresentou impugnação (e-STJ, fls. 893⁄897).
É o relatório.
 
 
AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.728 - RS (2011⁄0189022-6)
 
 
VOTO
 
Exmo. Sr. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES  (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) - Relator:
 
Em que pesem as bem lançadas razões recursais, não merece prosperar o inconformismo, devendo ser mantida a decisão agravada pelos próprios fundamentos.

Na origem, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por SILVIA MASSULO VOLKWEIS em face de IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, alegando que, em fase vulnerável na qual foi diagnosticada com doença psiquiátrica, passou a frequentar a Igreja demandada na tentativa de resolver seus problemas, tendo sido coagida pelos pastores a dispor de seus rendimentos, mediante doações espontâneas que lhe acarretaram prejuízos materiais e morais.

O Juiz de Direito julgou improcedente o pedido formulado na ação indenizatória com os seguintes fundamentos: "a autora não logrou comprovar que se desfez de seu patrimônio em proveito da Igreja demandada, tampouco que estava vulnerável e foi ludibriada"; "nem mesmo a alegada situação de miserabilidade restou caracterizada"; "também não há prova de que a requerente, à época que frequentou os cultos 'dilapidou' seu patrimônio, estivesse em situação de vulnerabilidade emocional a ponto de prejudicar o seu discernimento e determinar as supostas doações em favor da ré de forma inconsciente"; "nada há nos autos a demonstrar que a autora fosse limitada intelectualmente ou emocionalmente a ponto de ser induzida a, inconscientemente, alienar seu patrimônio para entregar o valor arrecadado à requerida"; "se o fez, foi de forma consciente e voluntária"; "a prova dos autos não permite que se conclua pelo nexo de causalidade entre os alegados problemas psiquiátricos, vulnerabilidade emocional e as pretensas doações em dinheiro à demandada"; "a prova testemunhal, por sua vez, não confirma as doações e tampouco o induzimento psicológico ou coação moral"; "não há como caracterizar o nexo de causalidade entre o período de disponibilidade do patrimônio da autora e o suposto repasse dos valores à Igreja" (e-STJ, fls. 526⁄530).
As partes apelaram, sendo que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao apelo da autora a fim de condenar a demandada ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais. O recurso da requerida foi julgado prejudicado.
O Tribunal de origem, embora reconhecendo como existente o fato de que a autora doou bens à Igreja demandada, julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais sob o fundamento de que a demandante não conseguiu provar o valor econômico total das doações. Por outro lado, reconheceu que a autora efetuou doações relevantes em favor da instituição, bem como entendeu demonstrada a sua situação de vulnerabilidade psicoemocional, julgando comprovado o exercício de coação moral perpetrado pela Igreja.
A propósito, confiram-se os seguintes trechos do acórdão recorrido (e-STJ, fls. 584⁄602):
"O juízo singular manifestou-se pela ausência de provas cabais sobre (1) a situação de vulnerabilidade emocional; (2) a situação de miséria da autora; e (3) a transferência de patrimônio para a Igreja.
Todavia, não foi esse o sentimento que a leitura da prova dos autos provocou sobre meu convencimento.
Com efeito, não obstante concorde com a abordagem inicial exposta na sentença, entendo que a valoração da prova conduz a solução diversa.
(...)
Ocorre que, em dezembro de 1999, a autora esteve internada por conta de 'crise maníaca com exposição social' devido a transtorno de humor (fl. 54).
Na ficha de internação de fl. 54, consta CID - F312, que segundo DSM-IV, significa: 'Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos'.
(...)
Essa, portanto, era a condição psiquiátrica da autora no final do ano de 1999, e, portanto, antes de sua separação em 2001.
Ocorre que, com base nessa cronologia dos fatos, o juízo singular entendeu inexistir liame entre as doações (alegadamente feitas pela autora) e sua participação nos cultos religiosos, fundamentando que a autora começou a frequentar a igreja no ano de 2002, após ter alta da clínica psiquiátrica.
Porém, não é essa a realidade dos autos.
(...)
... segundo declaração da autora e à míngua de prova em contrário, deve se admitir que a autora tornou-se fiel da Igreja Universal do Reino de Deus já no ano de 2001.
(...)
Com efeito, afirmar que não houve o diagnóstico de patologia psiquiátrica diante do conteúdo da guia de internação da UNIMED de fl. 54, e demais registros de fls. 55-9, salvo melhor juízo, não representa a melhor interpretação da prova dos autos.
A meu ver, o diagnóstico de doença psiquiátrica existiu, e foi introduzido nos autos pelos documentos de fls. 54-9, dando conta de que a autora sofre de transtorno afetivo bipolar com episódio maníaco - CID F312.
(...)
Malgrado há de se reconhecer que no auge das crises, a redução da capacidade de entendimento é muito maior.
E a propósito do tema, saliento que - segundo atestado de fl. 203 -, antes do ano de 2007, a autora não estava tratando o TAB. Portanto, há mais um indicativo relevante a demonstrar que ela não estava com sua capacidade volitiva íntegra.
(...)
Também considero demonstrado que essa condição pessoal se fazia presente no momento em que a autora foi buscar orientação espiritual junto à ré, justamente porque a natureza do TAB, embora tratável, é perene. A propósito disso, a leitura do depoimento da autora é reveladora, pois a síntese autobiográfica fornecida por ela revela uma pessoa atormentada, e que foi procurar na Igreja um significado para sua vida.
(...)
Por esses fundamentos, considero demonstrada a vulnerabilidade pré-existente da autora, que lhe motivou buscar orientação religiosa junto à Igreja Universal do Reino de Deus, nos termos do art. 152, CC⁄02.
(...)
E de fato a tese de miserabilidade não ficou comprovada.
Todavia, a redução substancial do patrimônio no período em que a autora estava participando dos cultos (2001-2007) ficou sobejamente caracterizada pelas declarações de imposto de renda e amparada pela prova testemunhal.
(...)
Então, uma vez reconhecida a perda substancial de patrimônio, torna-se necessário verificar se existe prova da transferência desses bens à Igreja.
Para tanto, de grande valia é a prova testemunhal coligida durante a instrução.
(...)
A leitura dos relatos da autora e das testemunhas, em comparação com o que assistimos na prova digital - é extremamente crível e verossímil.
Com base nesses relatos, na prova digital, na natureza dos fatos controvertidos e na 'experiência comum subministrada pela observação do que ordinariamente acontece' -, entendo que a autora logrou êxito em demonstrar que efetuou doações em favor da Igreja. Todavia, não se desincumbiu de provar que toda a redução patrimonial observada nas declarações de renda antes analisadas reverteu em benefício da ré.
Dada a natureza do fato em exame, considero descomedido exigir da autora outro tipo de prova testemunhal que não sejam os relatos das pessoas próximas e que, de algum modo - seja por vínculo de amizade ou de caridade - se envolveram com sua situação, e, em razão disso, tomaram conhecimento de suas condutas (no caso, as doações para a Igreja).
(...)
Daí porque não mitigo o valor dos depoimentos contidos nos autos pelo fato de as testemunhas terem sido ouvidas como informantes.
Contudo, como também não há registro documental dessas doações, nem prova de que todos os bens que a autora perdeu ao longo dos anos em que frequentou os cultos da ré foram efetivamente repassados para o patrimônio da Igreja Universal - julgo temerário acolher a pretensão de indenização por danos materiais deduzida por ela.
(...)
Entretanto, também reconheço que há prova nos autos capaz de conferir suporte fático a afirmação da autora de que efetuou doações de dinheiro em benefício da Igreja.
O Poder Judiciário deve se ater a  julgar fatos e atos devidamente provados. No caso dos autos, pelos relatos das testemunhas e indícios fortes e inequívocos do processo, presumo em favor da existência de doações feitas pela autora à Igreja, ainda que não seja possível aferir seu valor efetivo.
E justifico essa posição por conta de outra característica peculiar do caso concreto, que também ficou bem delimitada na prova testemunhal, e que diz respeito ao modo como a Igreja conduzia seus fiéis a fazerem as doações.
(...)
Nesse cenário, considerando a maneira como a Igreja instituía as doações, cria-se um ônus probatório quase que intransponível para o fiel, no sentido de demonstrar o quanto ele efetivamente doou à Igreja. Daí porque, em casos como este, é necessário valorar a prova, sem rechaçar os sistemas de presunção legal e os indícios, sob pena de prejudicar a defesa de um direito legítimo.
Por isso, estou reconhecendo como existente o fato de que a autora doou bens à Igreja, ainda que ela não tenha conseguido provar o valor total das doações. Todavia, o pedido de danos materiais fica prejudicado.
(...)
... depreende-se nos relatos testemunhais a afirmação taxativa de que as doações não eram espontâneas, mas sim induzidas através de verdadeira 'lavagem cerebral', desafiando os fiéis a fazerem donativos superiores às suas capacidades econômicas, e ameaçando-lhes de que não seriam abençoados na 'Fogueira Santa', ou ainda, de que estariam 'endemoniados'.
(...)
E deste ônus a autora se desincumbiu com sucesso, demonstrando que apesar do consentimento externado nos atos de doação, restou ele deturpado pela coação moral e psicológica exercida pela Igreja e pelo temor de sofrer 'castigos de Deus'.
Percebo que a autora não manifestou sua vontade de forma natural porque sofreu interferência do discurso religioso, o qual, nesses anos todos de culto maníaco, adquiriu aptidão para lhe incutir temor legítimo de sofrer as consequências nefastas propaladas pelos pastores.
Em outras palavras, a autora foi coagida moralmente, e, por isso, não tinha condições de exercer seu livre arbítrio, nem de fazer frente à pressão incutida pelo discurso dos pastores porque estava vulnerável e possuía condição psiquiátrica pré-existente capaz de mitigar sua voluntariedade.
(...)
No caso dos autos, a coação psicológica veio revestida pela fé e pelo discurso religioso, o qual, como bem assinalou a testemunha MARIA JANICE DA SILVEIRA DIAS (formada em neurolinguística), tratava-se de um discurso com fortes mensagens subliminares, caracterizando uma situação de lavagem cerebral.
Em face do exposto, reconheço que a autora efetuou doações relevantes em favor da Igreja, assim como dou por demonstrada sua situação de vulnerabilidade psico-emocional, e julgo comprovado o exercício de coação moral perpetrado pela Igreja.
(...)
O ato ilícito praticado pela ré materializou-se no exercício de coação moral exercida pelos prepostos da Igreja Universal com o fito de fazer a autora doar em seu favor por medo de sofrer castigos, tais como não entrar no reino de Deus, não atingir a completa purificação, não obter sucesso na resolução de seus problemas.
A autora doou porque teve medo. Nesse contexto, não se pode reconhecer que a conduta da Igreja ficou adstrita ao disposto no art. 153 CC⁄02, nem ao disposto no inciso II, parte final, do art. 188 do CC⁄02, porque a prova da coação moral muda a feição jurídica da cobrança do dízimo e o 'desafio' dos fiéis a fazerem doações, transformando-os em atos ilícitos por abuso de direito - art. 187 do CC⁄02.
(...)
E é por isso que estou votando pelo afastamento do pedido de danos materiais, uma vez que não houve a prova material do valor econômico efetivamente repassado a Igreja pelas doações, mas estou acolhendo o pedido de danos morais porque considero que as doações ocorreram e foram realizadas mediante coação, consistindo abuso de direito e enriquecimento sem causa.
Estimo que essa situação toda inegavelmente agravou a condição emocional da autora e - ao contrário da promessa religiosa, que não foi cumprida - a ação da Igreja significou um enorme prejuízo social, financeiro e afetivo, hábil a ferir seus direitos de personalidade.
Daí exsurge a configuração dos danos morais."
 

Seguiram-se embargos de declaração, os quais foram rejeitados, sem que se reconheça negativa de prestação jurisdicional. O Tribunal de origem, embora não tenha examinado individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte, adotou fundamentação suficiente, decidindo integralmente a controvérsia, sendo desnecessária a referência expressa aos dispositivos legais apontados como violados, cujas respectivas matérias jurídicas viabilizaram o conhecimento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

Como visto, o acórdão estadual deu nova leitura à prova dos autos e concluiu, sobretudo pelo exame da prova testemunhal, que a autora, apesar de não ter comprovado o valor econômico efetivamente doado à Igreja (o que ensejou a improcedência do pedido de indenização por danos materiais), demonstrou suficientemente sua situação pessoal de vulnerabilidade psicológica e emocional, bem como a ocorrência de doações realizadas mediante coação moral, o que inegavelmente enseja o direito à reparação dos danos morais.
A inversão do que foi decidido no acórdão impugnado, no sentido de considerar correta a valoração das provas conferida pelo magistrado singular, de modo a afastar a coação moral tida como comprovada pelo Tribunal de origem, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório dos autos, providência, todavia, que encontra óbice na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Outrossim, "não afronta o art. 131, CPC o acórdão que aprecia livremente as provas dos autos e fundamenta suficientemente suas conclusões" (REsp 180.329⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25⁄04⁄2000, DJ de 05⁄06⁄2000, p. 165), nem é o recurso especial a via adequada para desconstituir julgado que legitimamente reapreciou as provas produzidas no primeiro grau, providência vedada apenas nesta instância especial.
Destaca-se que a prova testemunhal não serviu para comprovar o valor material das doações, mas apenas para demonstrar a situação pessoal de vulnerabilidade emocional e a ocorrência de coação moral. Tanto foi assim que o pedido de indenização por danos materiais foi julgado improcedente por falta de provas. Desse modo, o art. 401 do CPC⁄73 não foi violado.
Esta Corte tem entendimento de que não há óbice legal para a utilização de prova exclusivamente testemunhal, com o objetivo de demonstrar os fatos que envolveram os litigantes, peculiaridades ou circunstâncias de suas relações, bem como as obrigações e os efeitos decorrentes daqueles fatos. Nesse sentido: REsp 470.534⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02⁄09⁄2003, DJ de 20⁄10⁄2003; REsp 329.533⁄SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06⁄05⁄2002, DJ de 24⁄06⁄2002; EREsp 263.387⁄PE, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14⁄08⁄2002, DJ de 17⁄03⁄2003; REsp 41.744⁄GO, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄05⁄1994, DJ de 20⁄06⁄1994.
Cabe, ainda, ressaltar que o caso em debate não tem nenhuma intenção de emitir juízo de valor sobre os dogmas e práticas religiosos, os quais merecem todo respeito e estão na esfera individual da liberdade de consciência e crença de cada indivíduo. O ato ilícito foi comprovado na situação em análise, diante das peculiaridades do caso concreto e da condição pessoal de extrema vulnerabilidade da autora, diagnosticada com doença psiquiátrica preexistente capaz de mitigar seu discernimento e voluntariedade.

No tocante ao valor fixado a título de indenização por danos morais, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de que somente é admissível o exame do valor fixado a título de danos morais em hipóteses excepcionais, quando for verificada a exorbitância ou a índole irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido: AgRg no REsp 971.113⁄SP, Quarta Turma, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 8⁄3⁄2010; AgRg no REsp 675.950⁄SC, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe de 3⁄11⁄2008; AgRg no Ag 1.065.600⁄MG, Terceira Turma, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe de 20⁄10⁄2008.

A respeito do tema, salientou o eminente Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR"A intromissão do Superior Tribunal de Justiça na revisão do dano moral somente deve ocorrer em casos em que a razoabilidade for abandonada, denotando um valor indenizatório abusivo, a ponto de implicar enriquecimento indevido, ou irrisório, a ponto de tornar inócua a compensação pela ofensa efetivamente causada" (REsp 879.460⁄AC, Quarta Turma, DJe de 26⁄4⁄2010).
Com efeito, somente é possível a revisão do montante da indenização nas hipóteses em que o quantum fixado for exorbitante ou irrisório, o que, no entanto, não ocorreu no caso em exame. Isso, porque o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não é excessivo ou desproporcional aos danos sofridos pela autora, ora agravada.
 
Diante do exposto, nega-se provimento ao agravo interno.

É como voto