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Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR |
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MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) |
AGRAVANTE |
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REJANE NUNES DA SILVA E OUTROS |
ADVOGADOS |
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ANDREA HELENA COSTA PRIETO - DF020128 |
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ROBERTO DIAS VIANNA DE LIMA E OUTRO(S) - SP081258B |
AGRAVADO |
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COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM |
ADVOGADO |
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LUCIANA PINHEIRO GONÇALVES E OUTRO(S) - SP134498 |
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO):
Trata-se de dois agravos internos interpostos por REJANE NUNES DA SILVA e OUTROS contra decisão deste Relator que negou provimento ao recurso especial.
Em suas razões recursais, os ora agravantes alegam que deve ser aplicada a tese dos recursos especiais repetitivos, afastando-se a Súmula 7⁄STJ e reconhecendo-se a responsabilidade civil da concessionária de serviço de transporte ferroviário pelo atropelamento ocorrido na via férrea, com base na culpa concorrente.
Devidamente intimada, a parte agravada apresentou impugnação às fls. 659-667 (e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) - RELATOR:
Inicialmente, cabe salientar que o segundo agravo interno (fls. 642-655) não pode ser conhecido, em face do instituto da preclusão consumativa. Com efeito, uma vez interposto o primeiro agravo interno, é vedado à parte inovar suas razões com a apresentação de um novo recurso.
Em relação ao primeiro agravo (fls. 628-641), não assiste razão aos agravantes.
A respeito da responsabilidade civil das prestadoras de serviço público de transporte ferroviário, a Segunda Seção desta Corte de Justiça firmou precedente no julgamento de recursos especais repetitivos, sob o rito do art. 543-C do CPC⁄73 - REsp 1.210.064⁄SP e REsp 1.172.421⁄SP, ambos de relatoria do em. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgados em 08⁄08⁄2012 -, o qual está sintetizado nas seguintes ementas:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. COMPROVADA A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. SÚMULA 7 DO STJ. NÃO COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NOS MOLDES EXIGIDOS PELO RISTJ.
1. A culpa da prestadora do serviço de transporte ferroviário configura-se no caso de atropelamento de transeunte na via férrea quando existente omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população. Precedentes.
2. A responsabilidade civil do Estado ou de delegatário de serviço público, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa, a qual se origina, na espécie, do descumprimento do dever legal atribuído ao Poder Público de impedir a consumação do dano.
3. A exemplo de outros diplomas legais anteriores, o Regulamento dos Transportes Ferroviários (Decreto 1.832⁄1996) disciplinou a segurança nos serviços ferroviários (art. 1º, inciso IV), impondo às administrações ferroviárias o cumprimento de medidas de segurança e regularidade do tráfego (art. 4º, I) bem como, nos termos do 'inciso IV do art. 54, a adoção de "medidas de natureza técnica, administrativa, de segurança e educativas destinadas a prevenir acidentes". Outrossim, atribuiu-lhes a função de vigilância, inclusive, quando necessário, em ação harmônica com as autoridades policiais (art. 55).
4. Assim, o descumprimento das medidas de segurança impostas por lei, desde que aferido pelo Juízo de piso, ao qual compete a análise das questões fático-probatórias, caracteriza inequivocamente a culpa da concessionária de transporte ferroviário e o consequente dever de indenizar.
5. A despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima. Para os fins da sistemática prevista no art. 543-C do CPC, citam-se algumas situações: (i) existência de cercas ao longo da via, mas caracterizadas pela sua vulnerabilidade, insuscetíveis de impedir a abertura de passagens clandestinas, ainda quando existente passarela nas imediações do local do sinistro; (ii) a própria inexistência de cercadura ao longo de toda a ferrovia; (iii) a falta de vigilância constante e de manutenção da incolumidade dos muros destinados à vedação do acesso à linha férrea pelos pedestres; (iv) a ausência parcial ou total de sinalização adequada a indicar o perigo representado pelo tráfego das composições.
6. No caso sob exame, a instância ordinária, com ampla cognição fático-probatória, consignou a culpa exclusiva da vítima, a qual encontrava-se deitada nos trilhos do trem, logo após uma curva, momento em que foi avistada pelo maquinista que, em vão, tentou frear para evitar o sinistro. Insta ressaltar que a recorrente fundou seu pedido na imperícia do maquinista, que foi afastada pelo Juízo singular, e na responsabilidade objetiva da concessionária pela culpa de seu preposto. Incidência da Súmula 7 do STJ.
7. Ademais, o dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes exigidos pelo RISTJ, o que impede o conhecimento do recurso especial interposto com fundamento tão somente na alínea "c" do permissivo constitucional.
8. Recurso especial não conhecido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄2008."
(REsp 1.210.064⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08⁄08⁄2012, DJe de 31⁄08⁄2012)
"RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. CONCORRÊNCIA DE CAUSAS: CONDUTA IMPRUDENTE DA VÍTIMA E DESCUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL DE SEGURANÇA E FISCALIZAÇÃO DA LINHA FÉRREA. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PELA METADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. NÃO COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PELOS GENITORES. VÍTIMA MAIOR COM QUATRO FILHOS. SÚMULA 7 DO STJ.
1. A responsabilidade civil do Estado ou de delegatário de serviço público, no caso de conduta omissiva, só se concretiza quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa, a qual se origina, na espécie, do descumprimento do dever legal atribuído ao Poder Público de impedir a consumação do dano. Nesse segmento, para configuração do dever de reparação da concessionária em decorrência de atropelamento de transeunte em via férrea, devem ser comprovados o fato administrativo, o dano, o nexo direto de causalidade e a culpa.
2. A culpa da prestadora do serviço de transporte ferroviário configura-se, no caso de atropelamento de transeunte na via férrea, quando existente omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia - com muros e cercas - bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população. Precedentes.
3. A exemplo de outros diplomas legais anteriores, o Regulamento dos Transportes Ferroviários (Decreto 1.832⁄1996) disciplinou a segurança nos serviços ferroviários (art. 1º, inciso IV), impondo às administrações ferroviárias o cumprimento de medidas de segurança e regularidade do tráfego (art. 4º, I) bem como, nos termos do 'inciso IV do art. 54, a adoção de "medidas de natureza técnica, administrativa, de segurança e educativas destinadas a prevenir acidentes". Outrossim, atribuiu-lhes a função de vigilância, inclusive, quando necessário, em ação harmônica com as autoridades policiais (art. 55).
4. No caso sob exame, a instância ordinária consignou a concorrência de causas, uma vez que, concomitantemente à negligência da concessionária ao não se cercar das práticas de cuidado necessário para evitar a ocorrência de sinistros, houve imprudência na conduta da vítima, que atravessou a linha férrea em local inapropriado, próximo a uma passarela, o que acarreta a redução da indenização por dano moral à metade.
5. Para efeitos do art. 543-C do CPC: no caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄2008."
(REsp 1.172.421⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08⁄08⁄2012, DJe de 19⁄09⁄2012)
Como visto, os próprios repetitivos destacam que a culpa da prestadora do serviço de transporte ferroviário configura-se, no caso de atropelamento de transeunte na via férrea, quando existente omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia - com muros e cercas -, bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população.
No caso dos autos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu pela culpa exclusiva da vítima fatal atropelada em via férrea, com base nos seguintes fundamentos:
O inconformismo da autora não procede, porque que correta a sentença de primeiro grau quando julgou improcedente o pedido, por entender que ausente a responsabilidade da ré.
Ainda que se admita a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público, a imprudência do pedestre que atravessa via férrea em local inapropriado, sem antes de acautelar e verificar se o trem estava vindo é fato que exclui o próprio nexo de causalidade que é pressuposto necessário para a condenação da ré.
Note-se que em razões de apelação, os autores alegam que havia um muro e um buraco fazia com que fosse freqüente a passagem de pessoas no local. Tal aspecto não restou delineado na prova oral, e mesmo que assim se admitisse, tais fatos não implicariam na responsabilidade da ré.
Como restou demonstrado na prova oral, próximo ao local havia uma passarela, a qual a vítima deixou de se utilizar. O local da travessia também se tratava de uma curva, segundo o maquinista do trem, o que ressalta ainda mais o descuido da vítima, já que a curva dificulta a visão do maquinista do trem e também do pedestre.
Não se pode admitir o dever de murar todas as vias férreas. Não se tratam de vias públicas, como quer fazer crer os autores, defendendo a aplicação do Código Civil. Também não há dispositivo legal que assim disponha expressamente.
Por outro lado, a responsabilidade disciplinada pelo artigo 17 do Decreto Lei 2681⁄12 é objetiva na medida em que imputa ao transportador todos os danos ocorrentes ao viajante desde o momento em que ele ingressa no trem até o seu destino final. Mas a responsabilidade traçada não equivale à do risco integral, porque o caso fortuito, a força maior e o comportamento da vitima funcionam também como excludentes da responsabilidade, aliás, excluem o próprio nexo de causalidade, elemento imprescindível para toda a responsabilidade civil. (TACSP - la. C. Ap. ReI De Santi Ribeiro RT 640⁄1125).
A fiscalização, ainda que admitida, não evitaria o acidente, porque a travessia da vítima foi clandestinamente.
Por outro lado, a responsabilidade da ré só poderia se dar se demonstrasse a culpa do motorista do trem, nos termos do artigo 1521 inciso III do Código Civil de 1916 nos termos da Súmula 341 do STF: "É presumida a culpa do patrono por ato culposo do empregado ou preposto". Ou seja, se não caracterizada a culpa do preposto, no caso, o maquinista, excluída a culpa, também da empregadora ré.
Destarte, o acórdão recorrido afastou expressamente a comprovação da falha na segurança e na fiscalização pela ferrovia, além de consignar que a prova produzida não foi capaz de demonstrar que, no local do acidente, havia buracos no muro que cercava a estrada férrea.
Nesse contexto, a modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido, para afastar a culpa exclusiva da vítima pelo atropelamento, demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório.
Diante do exposto, não tendo os agravantes conseguido infirmar os fundamentos da decisão agravada, nega-se provimento ao primeiro agravo interno. Segundo agravo interno não conhecido.
É como voto.
Documento: 79991068 |
RELATÓRIO E VOTO |
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