Jurisprudência - STJ

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE APLICAÇÃO.

Por: Equipe Petições

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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE APLICAÇÃO. YOUTUBE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. FORNECIMENTO DE LOCALIZADOR URL DA PÁGINA OU RECURSO DA INTERNET. COMANDO JUDICIAL ESPECÍFICO. NECESSIDADE.

1. Ação ajuizada 08/04/2011. Recurso especial interposto em 06/08/2015 e atribuído a este Gabinete em 13/03/2017.

2. Necessidade de indicação clara e específica do localizador URL do conteúdo infringente para a validade de comando judicial que ordene sua remoção da internet. O fornecimento do URL é obrigação do requerente. Precedentes deste STJ.

3. A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinar a remoção de conteúdo na internet. 4. Em hipóteses com ordens vagas e imprecisas, as discussões sobre o cumprimento de decisão judicial e quanto à aplicação de multa diária serão arrastadas sem necessidade até os Tribunais superiores.

5. A ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet deve ser proveniente do Poder Judiciário e, como requisito de validade, deve ser identificada claramente. 6. O Marco Civil da Internet elenca, entre os requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo infringente, a "identificação clara e específica do conteúdo", sob pena de nulidade, sendo necessário, portanto, a indicação do localizador URL.

7. Na hipótese, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1698647/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.647 - SP (2017⁄0047840-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADOS : EDUARDO MENDONÇA  - RJ130532
    MARIANA CUNHA E MELO  - RJ179876
RECORRIDO : CRISTIANE LEAL DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DELTON RODRIGO FERREIRA BENTO E OUTRO(S) - SP253243
INTERES.  : RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S.A
ADVOGADA : RENATA NOGUEIRA E OUTRO(S) - SP225844
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

Cuida-se de recurso especial interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., exclusivamente com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ⁄SP.

Ação: de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, ajuizada por CRISTIANE LEAL DE OLIVEIRA em face da recorrente e de RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S.A. Na inicial, a recorrida afirma ter participado do programa Ídolos, com a finalidade de alcançar a carreira de cantora profissional. Na fase em que os candidatos são avaliados por três jurados, a recorrida foi ridicularizada por eles. Essa avaliação dos jurados foi disponibilizada no Youtube, com o acréscimo da música “Eu sou terrível”, do Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Ressalte-se que o pedido de indenização por danos morais foi pleiteado somente em face da interessada RECORD.

Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido, somente para obrigar a recorrente a excluir o vídeo contendo as imagens descritas na inicial, desde que a recorrida informasse o endereço completo (URL).

Acórdão: o TJ⁄SP negou provimento à apelação interposta pela recorrida e deu parcial provimento ao recurso da recorrente, em julgamento assim ementado:

DANOS MORAIS – Ação de indenização – Sentença que julgou a ação parcialmente procedente, apenas para determinar à buscadora de internet ré a exclusão de suas páginas de internet do vídeo contido na inicial – Irresignação da autora – Ausência de ato gerador de danos, nos termos do art. 186 do Código Civil – Críticas e brincadeiras feitas por jurados de programa televiso que não configuram, na espécie, danos morais indenizáveis, ante a ausência de abalo extraordinário ou incomum na dignidade da autora, nem nos direitos de sua personalidade – Comentários ofensivos, relativos ao vídeo que contém o ato reputado danoso, que não podem ser imputados à emissora, já que feitos por internautas do site “Youtube”, administrado pela corré apelante – Irresignação desta quanto à extensão da condenação que procede parcialmente, porquanto se refere a todas as páginas por ela administradas, ao passo que o pedido inicial em relação a si atine apenas à página do “Youtube” Ausência de limitação temporal pretendida, sob pena de se inutilizar a prestação jurisdicional – Corré que deverá ser informada dos sítios eletrônicos por meio de qualquer notificação, judicial ou extrajudicial, se de forma diversa não dispuserem as partes – Sucumbência mantida – Recurso da autora não provido e recurso da ré parcialmente provido. (e-STJ fl. 405)
 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados pelo TJ⁄SP.

Recurso especial: alega violação ao art. 19, § 4º, do Marco Civil da Internet (Lei 12.965⁄2014), afirmando que o comando judicial que determina remoção de conteúdos de aplicações de internet deve ser específico, com a menção do localizador URL.

Relatados os autos, decide-se.

 

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.647 - SP (2017⁄0047840-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADOS : EDUARDO MENDONÇA  - RJ130532
    MARIANA CUNHA E MELO  - RJ179876
RECORRIDO : CRISTIANE LEAL DE OLIVEIRA
ADVOGADO : DELTON RODRIGO FERREIRA BENTO E OUTRO(S) - SP253243
INTERES.  : RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S.A
ADVOGADA : RENATA NOGUEIRA E OUTRO(S) - SP225844
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

O propósito recursal consiste em determinar a legalidade de ordem judicial que obrigue provedor de aplicações de internet a remover conteúdos, mediante simples notificação.

I – Dos provedores de aplicação na internet

Com a publicação da Lei 12.965⁄2014, que institui o Marco Civil da Internet, muitos dos elementos que compõem a rede mundial de computadores foram definidos normativamente. Assim, temos que a Internet foi definida como o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” (art. 5º, I).

Por sua vez, utilizando as definições estabelecidas pelo art. 5º, VII, do Marco Civil da Internet, uma “aplicação de internet” é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. Como é possível perceber, essas funcionalidades podem ser as mais diversas possíveis, tais como serviços de e-mail, redes social, hospedagem de dados, compartilhamento de vídeos, e muitas outras ainda a serem inventadas. Por consequência, os provedores de aplicação são aqueles que, sejam com ou sem fins lucrativos, organizam-se para o fornecimento dessas funcionalidades na internet.

Na hipótese dos autos, por meio da aplicação YouTube, o recorrente atua na oferta de ferramentas para que os usuários hospedem seus vídeos em formato digital, disponibilizando o seu conteúdo para os demais usuários, que podem compartilhá-los de diversas formas. Portanto, na controvérsia em julgamento, o recorrente atua como um provedor de aplicação.

II – Da Necessidade de indicação do localizador URL

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, para a configuração da responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdos gerados por terceiros, a indicação clara e específica de sua localização na internet é essencial, seja por meio de uma notificação do particular seja por meio de uma ordem judicial.

Em qualquer hipótese, essa indicação deve ser feita por meio do URL, que é um endereço virtual, isto é, diretrizes que indicam o caminho até determinado site ou página onde se encontra o conteúdo considerado ilegal ou ofensivo.

Essa necessidade está expressa na redação conferida ao § 1º do art. 19 do Marco Civil da Internet, ao dispor sobre os requisitos de validade da própria ordem judicial que determina a retirada de conteúdo infringente. Veja-se a redação do dispositivo mencionado abaixo:

Art. 19. (...)
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
(...) (Grifou-se)
 

Tal requisito de clareza e especificidade do conteúdo infringente na ordem que determina sua retirada também aparece nos Princípios de Manila, cuja aplicação é recomendada, e demonstra, de forma contundente, as maiores preocupações da sociedade civil com relação a diversos tópicos de responsabilidade na internet. No segundo mandamento dos Princípios de Manila, afirma-se que:

b. Ordens para a restrição de conteúdos devem:
1. Incluir uma determinação de que o conteúdo é ilegal na jurisdição em questão;
2. Indicar o identificador de Internet e uma descrição do conteúdo ilegal;
3. Fornecer evidências suficientes para documentar a base legal da ordem;
4. Quando aplicável, indicar o período de tempo no qual o conteúdo deve ser restringido.
c. Qualquer responsabilidade imposta a um intermediário deve ser proporcional e correlativa diretamente ao comportamento nocivo do intermediário ao não cumprir, de maneira apropriada, a ordem de restrição do conteúdo.
d. Os intermediários não devem ser responsabilizados pelo não cumprimento de qualquer ordem que não obedeça a este princípio.
 

Por fim – e mais importante – a própria jurisprudência desta Corte, após alguns julgados em sentido contrário, determina a necessidade de indicação do localizador específico (URL) do conteúdo infringente, para que se possa determinar sua retirada da internet.

Mencione-se, em primeiro lugar, que esta mesma Terceira Turma manifestou-se, em outras ocasiões, pela necessidade de indicação clara e específica, por meio do URL, do conteúdo ofensivo. Tal ocorreu no julgamento do REsp 1.406.448⁄RJ, ocorrido em 15⁄10⁄2013 (DJe 21⁄10⁄2013), em cuja oportunidade ficou assentado que:

9. O cumprimento do dever de remoção preventiva de mensagens consideradas ilegais e⁄ou ofensivas fica condicionado à indicação, pelo denunciante, do URL da página em que estiver inserido o respectivo post.  (REsp 1406448⁄RJ, Terceira Turma, julgado em 15⁄10⁄2013, DJe 21⁄10⁄2013. Grifou-se)
 

No julgamento da Rcl 5.072⁄AC (julgado em 11⁄12⁄2013, DJe 04⁄06⁄2014), extinguindo dissídio que havia entre as Terceira e Quarta Turmas, a Segunda Seção adotou idêntico entendimento quanto à necessidade de indicação do URL dos conteúdos infringentes, conforme é possível verificar na ementa desse julgado:

(...) 5. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF⁄88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa.
6. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo - notadamente a identificação do URL dessa página - a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação.
7. Excepciona o entendimento contido nos itens anteriores o armazenamento de dados em cache. Estando uma cópia do texto ou imagem ofensivos ou ilícitos registrados na memória cache do provedor de pesquisa virtual, deve esse, uma vez ciente do fato, providenciar a exclusão preventiva, desde que seja fornecido o URL da página original, bem como comprovado que esta já foi removida da Internet. (...)
(Grifou-se)
 

A mesma Segunda Seção confirmou esse entendimento ao julgar o REsp 1.512.647⁄MG (Segunda Seção, julgado em 13⁄05⁄2015, DJe 05⁄08⁄2015), em que se discutiu a violação de direitos autorais em uma rede social. Nesse recurso especial, reafirmou-se a necessidade de indicação do localizador URL para se exigir a retirada de conteúdos infringentes de uma rede social. Veja-se, nesse sentido, o trecho da ementa sobre esse aspecto:

(...) 8.  Quanto à obrigação de fazer - retirada de páginas da rede social indicada -, a parte autora também juntou à inicial outros documentos que  contêm,  de forma genérica, URLs de comunidades virtuais, sem a indicação  precisa do endereço interno das páginas nas quais os atos ilícitos   estariam   sendo  praticados.  Nessas  circunstâncias,  a jurisprudência  da Segunda Seção afasta a obrigação do provedor, nos termos  do  que  ficou  decidido  na  Rcl  5.072⁄AC, Rel. p⁄ acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 4⁄6⁄2014. (...)
 

Resta ausente de dúvida, dessa forma, que é imprescindível a indicação do localizador URL para remover conteúdos infringentes da internet. Trata-se, inclusive, de um elemento de validade para uma ordem judicial dessa natureza.

IV – Da hipótese dos autos

Da análise da doutrina e jurisprudência, conclui-se que a indicação do localizador URL é elemento imprescindível para a ordem de remoção de conteúdo infringente na internet, sendo a consequência de sua ausência a impossibilidade da utilização da responsabilidade subjetiva dos provedores de aplicação quanto a conteúdos gerados por terceiros.

No acórdão recorrido, o Tribunal de origem concede, ao arrepio da legislação e da jurisprudência do STJ, uma prerrogativa à recorrida que poderia determinar, mediante simples notificação, a retirada de conteúdo que entendesse lesivo à sua pessoa, in verbis:

Não há se falar, no entanto, em obrigação perpétua da corré apelante, porquanto, nos limites da lide (art. 128 do Código de Processo Civil), a obrigação pretendida jungia-se a retirar os vídeos existentes no Youtube, e seria inócua a retirada apenas dos vídeos já existentes naplataforma até o trânsito em julgado, podendo-se, logo em seguida, postar-se um outro com o mesmo conteúdo na mesma plataforma virtual de onde a autora pretende ver as imagens retiradas, caso em que seria supérflua a prestação jurisdicional. Consigne-se que, muito embora não restem configurados os danos morais na audição em comento, a coordenação da corré GOOGLE, em si, não foi objeto de apelo, mas apenas a sua extensão, e o que com ela se pretende é a cessção da divulgação das cenas, na plataforma indicada (“Youtube”), que certamente causam incômodo à autora.
A forma de notificação da autora, informando a GOOGLE das páginas com o conteúdo de tal vídeo não foi, de fato, objeto da sentença, restando consignar, neste recurso, que bastará qualquer notificação, judicial ou extrajudicial, descrevendo o URL das páginas do “Youtube” contendo o vídeo em comento, para que seja daquele retirado, se de forma diversa não dispuserem as partes. (e-STJ fls. 408-409)
 

Apesar da engenhosidade da solução encontrada pelo Juízo de 1º grau de jurisdição, mantida pelo Tribunal de origem, não há respaldo na legislação ou na jurisprudência que permitam atribuir a um particular a prerrogativa de determinar a exclusão de conteúdo.

Como amplamente demonstrado acima, a ordem que determina a retirada de um conteúdo da internet deve ser proveniente do Poder Judiciário e, como requisito de validade, deve ser identificada claramente.

Dessa forma, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes.

Forte nessas razões, rogando vênias ao ilustre Ministro Relator, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO para afastar a obrigação de remover conteúdo, a partir de mera notificação extrajudicial por parte da recorrida.

Diante da sucumbência recíproca, mantém-se a distribuição dos ônus sucumbenciais contida na sentença à fl. 259 (e-STJ), por meio da qual as despesas serão partilhadas e os honorários compensados