RELATORA |
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MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE |
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S DOS S DE C (MENOR) |
REPR. POR |
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U R DOS S |
ADVOGADO |
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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS |
RECORRIDO |
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R DE C S |
ADVOGADO |
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SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M |
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por S DOS S C, representado por sua genitora U R DOS S, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ⁄MG que, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação para afastar a extinção do feito sem resolução de mérito, determinando, todavia, o arquivamento do processo com fundamento no art. 7º da Lei nº 5.478⁄68.
Recurso especial interposto em: 09⁄11⁄2016.
Atribuído ao gabinete em: 23⁄03⁄2017.
Ação: de alimentos ajuizada por S DOS S C, representado por sua genitora U R DOS S, em face de R DE C S.
Sentença: extinguiu o processo sem resolução de mérito (art. 267, III, do CPC⁄73), ao fundamento de que a conduta do autor, ao não comparecer às audiências de conciliação designadas com base na resolução nº 407⁄2003 do TJ⁄MG, equivale ao abandono de causa (fls. 64⁄65, e-STJ).
Acórdão: por unanimidade, deu-se provimento ao recurso de apelação, reconhecendo que a consequência jurídica da ausência do autor às audiências de conciliação não é a extinção do processo sem resolução de mérito, mas, sim, o arquivamento do processo com base no art. 7º da Lei nº 5.478⁄68, nos termos da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ALIMENTOS – AUDIÊNCIA – NÃO COMPARECIMENTO DA PARTE AUTORA, APESAR DE DEVIDAMENTE INTIMADA – ART. 7º DA LEI FEDERAL 5.478⁄68 – EXTINÇÃO DO PROCESSO – IMPOSSIBILIDADE – ARQUIVAMENTO DO FEITO.
Nos termos do art. 7º da Lei Federal 5.478⁄68, o não comparecimento do autor da ação de alimentos em audiência para a qual foi pessoal intimada a comparecer revela o seu desinteresse no prosseguimento do feito, impondo, entretanto, não a sua extinção, mas apenas o seu arquivamento. Provido. (fls. 109⁄112, e-STJ).
Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados por unanimidade, com imposição de multa de 1% sobre o valor dado à causa (fls. 126⁄129, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação aos arts. 1.022, II, 1.025 e 1.026, §2º, todos do CPC⁄15, bem como aos arts. 6º e 7º da Lei nº 5.478⁄68.
É o relatório.
RELATORA |
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MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE |
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S DOS S DE C (MENOR) |
REPR. POR |
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U R DOS S |
ADVOGADO |
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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS |
RECORRIDO |
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R DE C S |
ADVOGADO |
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SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M |
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal consiste em definir se houve omissão no acórdão recorrido, se os embargos de declaração opostos em face do acórdão recorrido eram protelatórios e se a ausência do autor da ação em audiência de conciliação instituída por resolução editada pelo Tribunal pode acarretar o arquivamento do processo em que se pleiteiam os alimentos.
1. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO E MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 1.022, II, 1.025 E 1.026, §2º, TODOS DO CPC⁄15.
Inicialmente, examinando-se os embargos de declaração que foram opostos pelos recorrente (fls. 117⁄121, e-STJ), pode-se concluir que a questão suscitada pela parte se reveste de suficiente pertinência e relevância para o adequado desfecho da questão.
Isso porque a fundamentação expendida no acórdão recorrido sugere que as audiências nas quais não houve o comparecimento do recorrente seriam aquelas disciplinadas pelo art. 6º da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478⁄68), ditas “de conciliação e julgamento” e cujo não comparecimento acarreta, na forma do art. 7º da mesma lei, o arquivamento do pedido (se a ausência for do autor) ou a revelia e a confissão quanto à matéria de fato (se a ausência for do réu).
Ocorre que se sustenta, desde o recurso de apelação e também nos embargos de declaração, que as referidas audiências não são àquelas mencionadas nos arts. 6º e 7º da Lei de Alimentos, mas, sim, são audiências apenas de tentativa de conciliação, cujo suporte legal se encontra em resolução editada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Desse modo, deve-se reconhecer que o acórdão recorrido deveria ter se pronunciado fundamentadamente sobre a incidência, ou não, das regras legais também às audiências de conciliação instituídas por sua resolução, especialmente diante das graves consequências decorrentes da ausência à audiência prevista na Lei de Alimentos, motivo pelo qual, reconhecida a violação do art. 1.022, II, do CPC⁄15, reputa-se incorporado ao acórdão recorrido a questão suscitada pela parte, mas não examinada pelo acórdão recorrido, nos termos do art. 1.025 do CPC⁄15.
Como consequência lógica do acolhimento da pretensão recursal quanto à violação dos arts. 1.022, II e 1.025, ambos do CPC⁄15, é preciso concluir que o recurso de embargos de declaração oposto pelo recorrente não era manifestamente protelatório, motivo pelo qual, reconhecendo também a violação ao art. 1.026, §2º, do CPC⁄15, a multa imposta pelo acórdão recorrido deve ser afastada.
2. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO EM VIRTUDE DE AUSÊNCIA EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO INSTITUÍDA POR RESOLUÇÃO DO TJ⁄MG. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 6º E 7º DA LEI DE ALIMENTOS (LEI Nº 5.478⁄68).
Como se verifica, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais instituiu, por intermédio da resolução nº 407⁄2003 de 14⁄02⁄2003, um programa de incentivo ao uso de métodos adequados de solução de controvérsias denominado “Projeto Conciliação”, por meio do qual pretendeu estimular a conciliação entre as partes, de forma prévia a efetiva instalação do litígio, em processos que versam sobre direitos suscetíveis de transação.
Por intermédio dessa adaptação procedimental, o réu era intimado para uma audiência de tentativa de conciliação previamente à citação para a demanda, buscando evitar, dessa forma, o prosseguimento do litígio.
Trata-se, pois, de procedimento evidentemente distinto daquele disciplinado pela Lei nº 5.478⁄68 (Lei de Alimentos), por meio do qual o réu é citado para a realização de audiência de conciliação e julgamento com tempo suficiente até mesmo para apresentar a sua contestação (art. 5º, caput e §1º), ocasião em que deverão ser disponibilizadas ao juízo, inclusive, as informações relacionadas ao seu salário ou aos seus vencimentos (art. 5º, §7º), serão ouvidas as partes e o representante do Ministério Público (art. 9º, caput) e que, na hipótese de não haver conciliação, implicará em sequencial atividade instrutória, com o depoimento pessoal das partes, oitiva das testemunhas e do perito, se houver (art. 9º, §2º).
As consequências que sofrerão as partes na hipótese de ausência à audiência de conciliação e instrução prevista na Lei nº 5.478⁄68, cujo comparecimento pessoal é indispensável (art. 6º), são graves e expressamente previstas na lei de regência, a saber: se ausente o autor, será determinado o arquivamento do pedido; se ausente o réu, será decretada a sua revelia e a sua confissão ficta quanto à matéria de fato (art. 7º).
Por possuírem ritos procedimentais absolutamente distintos e por, inclusive, possuírem propósitos específicos essencialmente diferentes, a audiência de conciliação prevista na resolução nº 407⁄2003 do TJ⁄MG e a audiência de conciliação e instrução prevista na Lei nº 5.478⁄68 não se confundem e, mais do que isso, não são sequer equiparáveis, motivo pelo qual é inadmissível que se imponha à parte que não comparece à primeira uma consequência jurídica apenas prevista para a ausência na segunda, sob pena de violação aos princípios da legalidade, do acesso à justiça e da vedação às decisões-surpresa.
Com efeito, é absolutamente verossímil a alegação do recorrente, no sentido de que a ausência às audiências de tentativa de conciliação designadas com base na resolução nº 407⁄2003 do TJ⁄MG somente demonstra o seu desinteresse por conciliar, mas não pelos alimentos pleiteados na petição inicial, de modo que não pode ser decretado o arquivamento do processo sem que haja, previamente, uma norma jurídica que preveja essa consequência.
Anote-se, de obiter dictum, que a audiência de conciliação instituída pela resolução nº 407⁄2003 do TJ⁄MG assemelha-se, em grande medida, à audiência de conciliação e de mediação instituída pelo art. 334 do CPC⁄15, que estabelece como consequência para o não comparecimento injustificado, em seu §8º, a tipificação da conduta da parte como ato atentatório à dignidade da justiça e a imposição de multa de até 2% do benefício econômico pretendido ou do valor da causa, tornando ainda mais irrazoável apenar a parte que não comparece à audiência de conciliação, sem previsão legal específica, com o arquivamento de seu processo.
Em suma, embora se deva incentivar e fomentar a desjudicialização dos conflitos e promover o sistema multiportas de acesso à justiça, mediante a adoção e o estímulo à solução consensual, aos métodos autocompositivos e ao uso dos mecanismos adequados de solução das controvérsias, sempre apostando na capacidade que possuem as partes de livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos do modo que melhor lhes convier, não se pode impor – registre-se, sem prévia autorização normativa – nenhuma espécie de penalidade às partes que ainda preferem solucionar um determinado litígio pela tradicional via do Poder Judiciário.
3. CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando que seja dado regular prosseguimento à ação de alimentos e afastando a multa indevidamente aplicada por ocasião do julgamento dos embargos de declaração reputados manifestamente protelatórios.
jurisprudência do stj na íntegra