Jurisprudência - STJ

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.

Por: Equipe Petições

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CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. DIFERENÇA DE VALOR OU DE PERCENTUAL NA FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS ENTRE FILHOS. IMPOSSIBILIDADE, EM REGRA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE FILHOS, TODAVIA, QUE NÃO POSSUI CARÁTER ABSOLUTO. POSSIBILIDADE DE EXCEPCIONAR A REGRA QUANDO HOUVER NECESSIDADES DIFERENCIADAS ENTRE OS FILHOS OU CAPACIDADES DE CONTRIBUIÇÕES DIFERENCIADAS DOS GENITORES. DEVER DE CONTRIBUIR PARA A MANUTENÇÃO DOS FILHOS QUE ATINGE AMBOS OS CÔNJUGES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COGNIÇÃO DIFERENCIADA ENTRE PARADIGMA E HIPÓTESE. PREMISSAS FÁTICAS DISTINTAS.

1- Ação distribuída em 06/03/2012. Recurso especial interposto em 22/04/2015 e atribuído à Relatora em 26/08/2016.

2- O propósito recursal consiste em definir se é ou não admissível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos.

3- Do princípio da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, §6º, da Constituição Federal, deduz-se que não deverá haver, em regra, diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os filhos - indistintamente - possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana.

4- A igualdade entre os filhos, todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, devendo, de acordo com a concepção aristotélica de isonomia e justiça, tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de capacidades contributivas diferenciadas dos genitores.

5- Na hipótese, tendo sido apurado que havia maior capacidade contributiva de uma das genitoras em relação a outra, é justificável que se estabeleçam percentuais diferenciados de alimentos entre os filhos, especialmente porque é dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos.

6- Não se conhece do recurso especial pelo dissídio jurisprudencial quando houver substancial diferença entre a cognição exercida no paradigma e a cognição exercida na hipótese, justamente porque são distintas as premissas fáticas em que se assentam os julgados sob comparação. Precedentes.

7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp 1624050/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 22/06/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.624.050 - MG (2016⁄0082436-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : J X L B (MENOR)
RECORRENTE : C L A - POR SI E REPRESENTANDO
ADVOGADOS : JOAQUIM TOLEDO LORENTZ  - MG076908
    ANA LUIZA CAMPOS DA COSTA FIGUEIREDO E OUTRO(S) - MG165140
RECORRIDO : J X M B
ADVOGADO : CARLOS JUAREZ DO AMARAL E OUTRO(S) - MG046087
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
 
Cuida-se de recurso especial interposto por C L A e J X L B, fundamentado no art. 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal.
Recurso especial interposto em: 22⁄04⁄2015.
Atribuído à Relatora: 26⁄08⁄2016.
Ação: de divórcio litigioso cumulada com guarda, alimentos e partilha de bens, ajuizada por C L A e J X L B, menor por ela representado, em face de J X M B (fls. 1⁄17, e-STJ).
Sentença: tendo em vista a celebração de sucessivos acordos entre as partes durante a tramitação da demanda, limitou-se a sentença a julgar procedentes os seguintes pedidos: (i) de guarda, estabelecendo-a exclusivamente com a genitora C L A; (ii) de visitas, estabelecendo o regime de convivência quanto ao local e quanto aos períodos (finais de semana, férias, feriados, aniversários e demais festividades); (iii) de alimentos, fixando-os em 20% dos rendimentos líquidos de J X M B, assim compreendido como rendimento líquido “o bruto menos o IR e a contribuição previdenciária oficial”, incidindo ainda sobre o 13º salário (fls. 571⁄576, e-STJ).
Acórdão da apelação: por maioria de votos, o TJ⁄MG deu parcial provimento ao recurso de J X M B, para reduzir a pensão alimentícia para 15% sobre os rendimentos líquidos do alimentante (fls. 646⁄657, e-STJ).
Acórdão dos embargos infringentes: interposto pelos recorrentes, foi desprovido, por maioria, em acórdão que ficou assim ementado (fls. 708⁄713, e-STJ).
 
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES – APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE DIVÓRCIO – FIXAÇÃO DE ALIMENTOS – MENOR – VÍNCULO DE PARENTESCO – BINÔMIO NECESSIDADE⁄POSSIBILIDADE VERIFICADO – MANUTENÇÃO DO VALOR ARBITRADO NESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
 
Recurso especial: alega-se violação aos arts. 1.694 e 1.695, ambos do CC⁄2002, ao fundamento de que não é admissível a fixação de alimentos em valores ou percentuais distintos entre filhos de diferentes relacionamentos, devendo os dispositivos legais serem interpretados à luz do art. 227, §6º, da Constituição Federal; alega-se, ainda, dissenso jurisprudencial (fls. 717⁄735, e-STJ).
Ministério Público Federal: pronunciou-se pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 853⁄856, e-STJ).
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.624.050 - MG (2016⁄0082436-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : J X L B (MENOR)
RECORRENTE : C L A - POR SI E REPRESENTANDO
ADVOGADOS : JOAQUIM TOLEDO LORENTZ  - MG076908
    ANA LUIZA CAMPOS DA COSTA FIGUEIREDO E OUTRO(S) - MG165140
RECORRIDO : J X M B
ADVOGADO : CARLOS JUAREZ DO AMARAL E OUTRO(S) - MG046087
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
 
O propósito recursal consiste em definir se é ou não admissível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos.
 
1) Possibilidade de fixação de alimentos em valores ou percentuais desiguais entre os filhos. Alegada violação aos arts. 1.694 e 1.695 do CC⁄2002.
Os dispositivos legais tidos por violados pelos recorrentes possuem o seguinte conteúdo:
 
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
 
Em síntese, a tese deduzida no recurso especial é de que tais dispositivos devem ser interpretados à luz do art. 227, §6º, da Constituição Federal, que veda o tratamento discriminatório entre os filhos, de modo que não seria admissível a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre eles. Diz a norma constitucional, a propósito:
 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
 
Inicialmente, é preciso destacar que a igualdade entre os filhos, havidos ou não na constância do casamento ou da união estável ou, ainda, como frutos de adoção ou de relações esporádicas ou extraconjugais, é princípio constitucional da mais alta grandeza e relevância, sendo merecedor de especial atenção porque por meio dele se pretende corrigir uma histórica discriminação entre os filhos a depender das circunstâncias de suas concepções.
Assim, é possível estabelecer desde logo a tese de que não deverá haver, em regra, a fixação dos alimentos em valor ou em percentual distinto entre a prole, na medida em que se extrai do texto constitucional a presunção de que todos os filhos – indistintamente e independentemente de sua origem – necessitam de alimentos em igual medida, a fim de que, sem esta ou àquela predileção, toda a prole seja atendida em suas demandas mais vitais, tenham todos os filhos condições dignas de sobrevivência e, ainda, que à prole seja dado igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana (alimentação, saúde, educação, cultura, lazer, etc.).
A igualdade, todavia, não é um princípio de natureza inflexível, de modo que não pode ser interpretado sem que haja prévias categorizações, sobretudo porque se sabe que a igualdade absoluta é algo inatingível. Como há muito ensinou Aristóteles em “Ética a Nicômaco”, o que se deve é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
Em seu clássico “Ética e Direito”, o filósofo belga Chaïm Perelman, por sua vez, elenca, como um dos critérios de isonomia e consequentemente de justiça, que se deve observar a regra do “a cada qual segundo as suas necessidades”. Explica ele:
 
Essa fórmula de justiça, em vez de levar em conta méritos do homem ou de sua produção, tenta sobretudo diminuir os sofrimentos que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. É nisso que essa fórmula de justiça se aproxima mais de nossa concepção de caridade.
É óbvio que, para ser socialmente aplicável, essa fórmula deve basear-se em critérios formais das necessidades de cada qual, pois as divergências entre tais critérios ocasionam diversas variantes dessa fórmula. Assim, levar-se-á em conta um mínimo vital que cumprirá assegurar a cada homem, seus encargos familiares, sua saúde mais ou menos precária, os cuidados requeridos por sua pouca idade ou por sua velhice, etc. (PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Trad. Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 10⁄11).
 
Tendo em mente essa premissa, verifica-se que é possível vislumbrar situações em que a fixação de alimentos em valor ou percentual distinto entre a prole é admissível, razoável e até mesmo indispensável, seja a questão examinada sob a ótica da necessidade do alimentado, seja o tema visto sob o enfoque da capacidade contributiva dos alimentantes.
Exemplificando, um filho portador de uma doença congênita pode receber um valor ou percentual diferenciado em relação ao filho nascido saudável, pois possui uma necessidade específica que objetivamente justifica a distinção, não havendo ofensa ao princípio constitucional da igualdade.
De igual modo, é possível também vislumbrar diferenças justificáveis e não ofensivas ao princípio da igualdade, por exemplo, em razão da idade (pois o filho recém-nascido e incapaz de desenvolver quaisquer atividades sem acompanhamento poderá necessitar de mais recursos que o filho em idade mais avançada, com aptidão para o desenvolvimento de atividade laborativa, por exemplo) ou da capacidade cognitiva (filho que apresenta mais dificuldades na fase escolar poderá necessitar de mais recursos do que o filho que não apresenta essas restrições).
A mesma regra se aplica quando se examina a questão sob a perspectiva da capacidade de contribuição do alimentante, sobretudo quando se constata que a regra do art. 1.703 do CC⁄2002 estipula que é dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos. Assim, poderá ser justificável a fixação de alimentos diferenciados entre a prole se, por exemplo, sendo os filhos oriundos de distintos relacionamentos, houver melhor capacidade de contribuição de um genitor ou genitora em relação ao outro.
Na hipótese em exame, a fixação dos alimentos a serem prestados pelo recorrido em 15%, quando, ao outro filho originado de distinto relacionamento, destina o percentual de 20%, não se revela ofensiva ao princípio constitucional da igualdade porque, de acordo com a imutável moldura fática estampada no acórdão recorrido, apurou-se nos graus de jurisdição ordinários que há uma maior capacidade contributiva da recorrente – advogada e professora universitária – em relação à genitora daquele menor que percebe o maior percentual.
Seria possível cogitar de uma potencial violação ao princípio da igualdade entre filhos se houvesse sido apurado que os filhos possuem as mesmas necessidades essenciais e que as genitoras possuem as mesmas capacidades de contribuir para a manutenção de tais necessidades, mas, ainda assim, houvesse a fixação em valor ou patamar distinto.
Dessa situação, contudo, não se trata na hipótese dos autos, motivo pelo qual não merece reparo o acórdão recorrido no particular.
 
2) Dissenso jurisprudencial. Prevalência do entendimento fixado no acórdão recorrido.
Inicialmente, anote-se que a dessemelhança fática entre o paradigma do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a hipótese em exame impede o conhecimento do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.
Isso porque, no paradigma emanado do TJ⁄SC se examinou a fixação de alimentos provisórios em agravo de instrumento (momento processual em que a tutela é concedida em caráter provisório e no âmbito da aparência do direito vindicado), ao passo que, na hipótese, debate-se sobre alimentos definitivos estabelecidos em recurso de apelação (isto é, em cognição exauriente e após regular instrução).
Em regra, não se conhece do recurso especial pela via do dissídio jurisprudencial quando constatada a existência de substancial diferença entre a cognição exercida na hipótese em exame e no paradigma invocado, justamente porque são distintas as premissas fáticas em que se assentam os julgados sob comparação. Há precedentes desta Corte em situações análogas, examinando a questão sob a ótica do mandado de segurança e do recurso em mandado de segurança: AgRg no REsp 1.354.887⁄RJ, 2ª Turma, DJe 11⁄06⁄2014; AgRg no AREsp 417.461⁄SC, 2ª Turma, DJe 05⁄12⁄2013; EDcl no AREsp 567.525⁄ES, 2ª Turma, DJe 19⁄12⁄2014 e AgInt no REsp 1.135.804⁄RS, 2ª Turma, DJe 11⁄04⁄2017.
Em relação ao paradigma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a despeito de o dissenso jurisprudencial ter sido suficientemente demonstrado nas razões do recurso especial, a fundamentação esposada anteriormente demonstra que a interpretação a ser dada aos dispositivos legais em exame não pode ser aquela contida no acórdão paradigma.
 
3) Conclusão.

Forte nessas razões, CONHEÇO em parte do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO.

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