Jurisprudência - STJ

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. HARMONIA ENTR O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDUTOR MENOR. RESPONSABILIDADE DOS PAIS E DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CULPA. TRANSPORTE DE CORTESIA. DANOS CAUSADOS AO TRANSPORTADO. DOLO OU CULPA GRAVE. SÚMULA 145/STJ. DESPESAS DE TRATAMENTO E LUCROS CESSANTES. AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO TRABALHO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULATIVIDADE. PROVA. DESNECESSIDADE. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.

1. Ação ajuizada em 11/01/2007. Recurso especial interposto em 31/05/2012 e atribuído a esta Relatora em 18/11/2016. Julgamento: Aplicação do CPC/73.

2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais invocados pelos recorrentes, em que pese a prévia oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

3. É admitida a juntada de documentos na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação, não haja má-fé na sua ocultação e seja ouvida a parte contrária.

Precedentes.

4. Não se conhece do recurso especial quando ausente a indicação expressa do dispositivo legal que teria sido violado pelo acórdão recorrido.

5. A teor do disposto no art. 932, I, do CC/02, os pais são responsáveis pela reparação civil dos danos causados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. A atribuição de responsabilidade, nessa hipótese, prescinde da demonstração de culpa dos pais, conforme prevê o art. 933 do CC/02, bastando que se comprove a prática de ato ao menos culposo pelo filho menor. 6. "Em matéria de acidente automobilístico, o proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz e que provoca o acidente" (REsp 577.902/DF, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 28/08/2006).

7. "No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave" (Súmula 145/STJ). 8. Hipótese em que o Tribunal de origem - soberano na análise dos fatos e provas dos autos - aferiu a culpa grave do menor que conduzia o veículo, na medida em que: (i) empreendia ao automóvel velocidade de 90 Km/h, quando o permitido no local era de 60 Km/h; (ii) apresentava visível despreparo para a direção de veículos, atuando de forma alheia à prudência que se deve ter em dias de chuva e em curvas acentuadas; (iii) ingeriu bebida alcoólica momentos antes do acidente.

9. É obrigação do ofensor e de seus responsáveis custear as despesas com tratamento médico da vítima até a recuperação de sua saúde, consoante preconiza o art. 949 do CC/02.

10. De acordo com o art. 402 do CC/02, as perdas e danos abrangem, além dos danos emergentes, os lucros cessantes, que, na espécie, correspondem à remuneração que o autor deixou de aferir enquanto afastado, temporariamente, do trabalho.

11. "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (Súmula 387/STJ).

12. A reparabilidade do dano estético exsurge, tão somente, da constatação da deformidade física sofrida pela vítima.

13. Para além do prejuízo estético, a perda parcial de um braço atinge a integridade psíquica do ser humano, trazendo-lhe dor e sofrimento, com afetação de sua auto-estima e reflexos no próprio esquema de vida idealizado pela pessoa, seja no âmbito das relações profissionais, como nas simples relações do dia-a-dia social. É devida, portanto, compensação pelo dano moral sofrido pelo ofendido, independentemente de prova do abalo extrapatrimonial. 14. O reconhecimento da culpa concorrente pelo evento danoso - matéria que, frise-se, não foi devolvida ao conhecimento desta Corte - acarreta a distribuição dos ônus da sucumbência.

15. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, apenas para a redistribuição dos ônus sucumbenciais.

(REsp 1637884/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 23/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.884 - SC (2013⁄0286689-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JOSÉ REIS E OUTROS
ADVOGADOS : ANTONIO CARLOS GOEDERT E OUTRO(S) - SC012076
    FABIANA ELIZABETE BACEKS  - SC025476
RECORRIDO : FÁBIO AUGUSTO KESSELER
ADVOGADO : CAMBISES JOSÉ MARTINS E OUTRO(S) - SC002134
 

 

RELATÓRIO
 

 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
 

 

Cuida-se de recurso especial interposto por JOSÉ REIS, IRMA REIS e GALVANIZADORA R.B. LTDA, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
Ação: de indenização por danos materiais, morais e estéticos, ajuizada por FÁBIO AUGUSTO KESSELER em face dos recorrentes, devido aos danos sofridos em razão de acidente de trânsito, ocorrido quando foi passageiro no veículo de propriedade da empresa ré, conduzido pelo filho menor dos demais réus.
Sentença: julgou improcedentes os pedidos, ao entendimento de que, por se tratar de transporte de cortesia, seria necessária a comprovação do dolo ou culpa grave do condutor, o que não foi demonstrado na espécie.
Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais, ao fundamento de que houve culpa grave do condutor do veículo no evento danoso, com culpa concorrente do passageiro. Nessa extensão, condenou os recorrentes, solidariamente, ao pagamento de: (i) danos morais e estéticos, cada qual no valor de R$ 30.000,00; (ii) 50% das despesas médicas comprovadas nos autos e 50% das demais despesas necessárias à recuperação da saúde do autor, como procedimentos cirúrgicos, próteses, correções estéticas, etc; (iii) a quantia de R$ 765,44 mensais, a título de lucros cessantes, pelo período em que o autor ficou afastado do trabalho, reduzida pela metade. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fl. 372):
“ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE GRATUITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXCESSO DE VELOCIDADE. FALTA DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. MENOR AO VOLANTE. INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. EXCESSO DE VELOCIDADE. VIA URBANA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE ESTABELECEM A CULPA GRAVE. SÚMULA 145 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
À indenização por danos ocorridos em transporte gratuito, imprescindível é, nos termos da Súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça, a comprovação da culpa grave, que é aquela quando a falta de diligência for de tal ordem a ponto de o agente não perceber um fato tão contundente, que não possa dele invocar desconhecimento. Embora um dos fatores, sozinho, não se preste a estabelecer culpa grave, a menoridade, a ingestão de bebida alcoólica, a falta de habilitação para direção, excesso de velocidade em via urbana, somados, acabam por pavimentar a culpa grave de que fala a súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça.
CARONEIRO MAIOR. CIÊNCIA DA INGESTÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS, MENORIDADE E INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. CULPA CONCORRENTE.
Caroneiro maior que tem ciência da menoridade do motorista e, assim, de sua inabilitação para dirigir, somada à ingestão de bebida alcoólica e excesso de velocidade, concorre com culpa para eventual acidente de trânsito.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.
 

 

Embargos de declaração: opostos por ambas as partes, foram rejeitados.
Recurso especial: alegam violação dos arts. 65 e 310 do CTB; 20, 21, 264, 333, I, 396, 397, 515, caput e § 1º, e 517 do CPC⁄73; 402, 736, 929, 932, I, e 950 do CC⁄02, bem como dissídio jurisprudencial. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustentam que:
(i) a culpa pelos danos sofridos foi do próprio recorrido, que não utilizava cinto de segurança no momento do acidente e, ainda, permitiu que menor de idade não habilitado conduzisse o veículo, condutas essas que caracterizam infrações de trânsito;
(ii) não houve comprovação da culpa dos recorrentes, tampouco do nexo causal com o evento danoso;
(iii) é vedada a juntada de documentos novos no recurso de apelação, não tendo o recorrido comprovado que o deixou de fazer no momento da propositura da ação por força de motivo maior;
(iv) apesar do reconhecimento da culpa concorrente do recorrido, o acórdão fixou a sucumbência de forma desproporcional, atribuindo aos recorrentes 75% das custas e despesas processuais;
(v) não há prova nos autos de que o condutor, apesar de menor de idade, agiu com dolo ou culpa grave quando da ocorrência do acidente, não bastando o excesso de velocidade e a falta de habilitação;
(vi) não houve perda da capacidade laboral pelo recorrido, o que afasta a indenização por perdas e danos;
(vii) não há prova dos alegados danos morais e estéticos, que, ademais, constituem verbas inacumuláveis;
(viii) não há se falar no pagamento de danos materiais, pois as despesas médicas foram custeadas pela indenização securitária do DPVAT e pelo auxílio financeiro dos próprios recorrentes.
Admissibilidade: o TJ⁄SC não admitiu o recurso especial, o que ensejou a interposição de agravo, que fora provido, para melhor exame da matéria em debate (e-STJ fl. 607).
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.884 - SC (2013⁄0286689-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JOSÉ REIS E OUTROS
ADVOGADOS : ANTONIO CARLOS GOEDERT E OUTRO(S) - SC012076
    FABIANA ELIZABETE BACEKS  - SC025476
RECORRIDO : FÁBIO AUGUSTO KESSELER
ADVOGADO : CAMBISES JOSÉ MARTINS E OUTRO(S) - SC002134
 

 

VOTO
 

 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
 

 

 

 

Os propósitos recursais são: a) a exoneração dos recorrentes do dever de indenizar os danos sofridos pela vítima do acidente de trânsito; b) o afastamento das indenizações por danos materiais, morais e estéticos; c) a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
 

 

Julgamento: Aplicação do CPC⁄73, a teor do Enunciado Administrativo n. 2⁄STJ.
 

 

I – Da delimitação fática da controvérsia
1. Inicialmente, com vistas ao correto deslinde do recurso em julgamento, faz-se necessário traçar de modo mais detalhado os contornos fático-probatórios da demanda, como sedimentados, de forma soberana, pelas instâncias ordinárias:
  1. Em 20⁄08⁄2006, o veículo conduzido por A.R., filho dos recorrentes JOSÉ REIS e IRMA REIS, à época menor de idade, colidiu, em perímetro urbano, com uma residência, o muro adjacente e postes próximos, vindo a causar graves lesões ao recorrido, FÁBIO AUGUSTO KESSELER, que se encontrava no banco do passageiro (“carona”);
  2. Também se encontrava dentro do veículo, no momento do acidente, a menor R.F., que sofreu lesões leves, da mesma forma que o condutor;
  3. O transporte se dava a título de cortesia, tendo em vista a relação de amizade mantida entre os integrantes do veículo;
  4. O recorrido FÁBIO, em razão do acidente, sofreu a amputação de parte de seu braço direito, além de fraturas e contusões, sendo submetido a intervenção cirúrgica. Além disso, ficou afastado do trabalho, recebendo auxílio doença, por alguns meses, retornando às atividades laborais posteriormente;
  5. O veículo, do tipo camioneta (Ford⁄Ranger) era de propriedade da empresa GALVANIZADORA R.B. LTDA, também recorrente;
  6. O condutor, apesar de menor de idade à época e sem habilitação, dirigia veículos esporadicamente;
  7. Embora se tratasse de um dia com boa visibilidade, a pista onde o acidente ocorreu encontrava-se molhada na ocasião, tendo o condutor perdido o controle do veículo em uma curva acentuada à esquerda;
  8. Conforme declaração do condutor, a velocidade que empreendia ao carro, no momento do infortúnio, era de cerca de 90 quilômetros por hora (Km⁄h), ao passo em que a velocidade para o local é de 60 Km⁄h;
  9. Antes do ocorrido, tanto o condutor como os passageiros ingeriram bebida alcoólica, em um campeonato de som, consoante afirmou o recorrido FÁBIO;
  10. Não obstante o acidente, não foi realizado nos envolvidos teste de medição da alcoolemia;
  11. Na ocasião, o “caroneiro” FABIO já era maior de idade e possuía autorização para dirigir;
  12. Há notícia nos autos de que o condutor, em novembro de 2008, se envolveu novamente em outro acidente de trânsito, no mesmo local daquele objeto desta demanda.
 

 

II -  Da ausência de prequestionamento
2. Apesar da oposição de embargos de declaração, o conteúdo dos arts. 65 e 310 do CTB, 20, 264, 396, 397, 515 e 517 do CPC⁄73 e 929 do CC⁄02 não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, o que impede o conhecimento do recurso especial quanto ao ponto, em razão do óbice da Súmula 211⁄STJ.
3. Convém anotar, em relação ao requisito do prequestionamento, que o entendimento adotado por esta Corte é no sentido de que a via do recurso especial apenas se abre quando há efetivo pronunciamento, no acórdão recorrido, acerca da questão emergente da lei federal que se aponta como violada, o que, de fato, não ocorreu na hipótese dos autos quanto aos dispositivos legais acima elencados.
 

 

III – Da possibilidade de juntada de documentos novos na fase recursal. Harmonia entre o acórdão recorrido e a jurisprudência do STJ
4. Ainda que superado o óbice da Súmula 211⁄STJ, observa-se que, em relação à possibilidade de juntada de documentos novos na fase recursal, o acórdão recorrido se alinha à jurisprudência desta Corte, que admite a juntada de documentos no segundo grau de jurisdição, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação, não haja má-fé na sua ocultação e seja ouvida a parte contrária. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no AREsp 641.561⁄RS, 3ª Turma, DJe de 05⁄06⁄2017; AgInt no AREsp 853.985⁄RJ, 3ª Turma, DJe de 28⁄03⁄2017; AgRg no REsp 1.571.907⁄MT, 3ª Turma, DJe de 20⁄06⁄2016; AgInt no AREsp 1.103.855⁄SP, 4ª Turma, DJe de 21⁄11⁄2017.
5. E, na espécie, verifica-se que esses pressupostos se fazem presentes, pois os documentos juntados pelo recorrido na apelação (acerca do excesso de velocidade empreendido pelo condutor do veículo no momento do acidente) não se caracterizam como indispensáveis ao ajuizamento da ação indenizatória, não havendo, ainda, indícios de má-fé ou deslealdade na sua juntada tardia. Outrossim, observa-se que aos recorrentes foi dada oportunidade para se manifestarem sobre as referidas peças (e-STJ fls. 332⁄337), satisfazendo-se, dessa maneira, o princípio do contraditório.
6. Resta prejudicado, destarte, o exame da alegada ofensa aos arts. 264, 396, 397, 515 e 517 do CPC⁄73, incidindo quanto ao tema o óbice da Súmula 83⁄STJ.
 

 

IV – Da fundamentação deficiente
7. Os recorrentes sustentam que o pagamento de danos materiais não é devido, na medida em que as despesas médicas havidas pelo recorrido foram custeadas com a indenização securitária do DPVAT, além do auxílio financeiro por eles prestados.
8. No entanto, deixam os recorrentes de indicar qual dispositivo legal foi violado pelo acórdão recorrido, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial quanto à matéria, ante a incidência da Súmula 284⁄STF.
 

 

V – Do dever dos pais de indenizar danos causados por seus filhos menores (art. 932, I, do CC⁄02)
9. Em regra, a responsabilidade civil é individual de quem, com sua conduta ilícita, causa dano a outrem (arts. 186 e 927 do CC⁄02), o que consagra o princípio da personalidade da culpa e, na doutrina, se denomina responsabilidade direta ou responsabilidade por fato próprio (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 186).
10. Há situações, contudo, em que o ordenamento jurídico atribui a alguém a responsabilidade solidária por ato de outrem, o que decorre de determinada relação jurídica havida entre eles (arts. 932 e 933 do CC⁄02). Nessas hipóteses, configura-se a responsabilidade indireta ou responsabilidade por fato de terceiro, por meio da qual “a lei, em situações especiais, visando garantir o ressarcimento dos prejuízos causados a terceiros, indica as pessoas responsáveis pelos atos lesivos praticados por outras pessoas” (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 101)
11. Num primeiro momento, o CC⁄16 justificou a atribuição de responsabilidade pelos atos praticados por terceiros por meio das teorias da "culpa presumida", da culpa in vigilando e da culpa in eligendo, segundo as quais, conforme o entendimento consolidado na Súmula 341⁄STF, a culpa do responsável pelos atos praticados pelo terceiro deveria ser presumida.
12. A adoção dessas teorias era embasada na interpretação gramatical do art. 1.523 do CC⁄16, o qual adotaria a responsabilidade de cunho subjetivo e, assim, exigiria a demonstração de culpa ou negligência do responsável. Como consequência desse entendimento, propugnava-se que “a causa mediata do dano é o responsável, enquanto a causa imediata está na ação ou omissão do autor material do dano” (RIZZARDO, Arnaldo. Op. Cit., pág. 101).
13. O Código Civil atualmente em vigor evoluiu, todavia, no tema, deixando expressamente de exigir a culpa para a atribuição da responsabilidade e passando a perfilhar a teoria da responsabilidade objetiva do responsávelindependentemente de sua culpa, de acordo com o que dispõe o art. 933 do CC⁄02.
14. A jurisprudência desta Corte acolheu esse entendimento, asseverando que “desde que praticado o ato de modo culposo, ofensivo, os pais, tutores, empregadores, comitentes serão responsabilizados independentemente de sua culpa” (REsp 1.428.206⁄RJ, 4ª Turma, DJe de 16⁄03⁄2017).
15. Assim, ainda que não ajam com culpa, as pessoas previstas nos incisos do art. 932 do CC⁄02 responderão pelos atos ao menos culposos praticados pelos terceiros lá referidos, porquanto sua responsabilização age como uma garantia ou um seguro para garantir o ressarcimento das consequências danosas dos atos daqueles que lhes são confiados, sobretudo porque, em regra, possuem melhores condições de fazê-lo.
16. No particular, o recorrido FABIO pretende a responsabilização dos pais do menor que conduzia o veículo no momento da colisão, situação que se subsume, perfeitamente, à hipótese prevista no inciso I do art. 932 do CC⁄02.
17. Não há que se perquirir, destarte, acerca da culpa dos pais na eclosão do evento danoso, bastando a demonstração do ato culposo praticado pelo filho menor.
 

 

VI – Da responsabilidade do proprietário do veículo
18. De outro turno, no que concerne à recorrente GALVANIZADORA R.B. LTDA, a responsabilidade pelos danos advindos do evento danoso decorre de sua condição de proprietária do veículo envolvido no acidente. Trata-se de responsabilidade civil pelo fato da coisa, que dispensa qualquer investigação acerca da culpa do dono pelos prejuízos sofridos pela vítima.
19. Nesse sentido, é firme a jurisprudência desta Corte de que “em acidente automobilístico, o proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz, pouco importando que o motorista não seja seu empregado ou preposto, uma vez que sendo o automóvel um veículo perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros” (AgInt no REsp 1.256.697⁄SP, 4ª Turma, DJe de 19⁄05⁄2017).
20. Com a mesma orientação, vejam-se, exemplificativamente, os seguintes julgados: REsp 1.591.178⁄RJ, 3ª Turma, DJe de 02⁄05⁄2017; REsp 1.484.286⁄SP, 3ª Turma, DJe de 10⁄03⁄2015; AgInt no AREsp 362.938⁄PI, 4ª Turma, DJe de 06⁄06⁄2017; AgInt no AREsp 890.215⁄SP, 4ª Turma, DJe de 21⁄03⁄2017; REsp 1.354.332⁄SP, 4ª Turma, DJe de 21⁄09⁄2016.
21. A este respeito, precisos são os ensinamentos de RUI STOCO, no sentido de que: “a responsabilidade do proprietário do veículo não resulta de culpa alguma, direta ou indireta. Não se exige a culpa in vigilando ou in eligendo, nem qualquer relação de subordinação, mesmo porque o causador do acidente pode não ser subordinado ao proprietário do veículo, como, por exemplo, o cônjuge, o filho maior, o amigo, o depositário etc. Provada a responsabilidade do condutor, o proprietário do veículo fica necessária e solidariamente responsável pela reparação do dano, como criador do risco para os seus semelhantes (...). É a responsabilidade pelo fato da coisa (...). Ao proprietário compete a guarda da coisa. A obrigação de guarda presume-se contra ele. Pelo descumprimento do dever de guarda do veículo, o proprietário responde pelos danos causados a terceiros, quando o mesmo é confiado a outrem, seja preposto ou não" (Tratado de responsabilidade civil, 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 1.539⁄1.540).
22. Em conclusão, para que haja a responsabilização da empresa recorrente, é prescindível a comprovação de sua culpa, sendo suficiente a demonstração de que o condutor do veículo agiu culposamente, causando os danos alegados pelo autor da ação.
 

 

VII – Da responsabilidade do menor condutor pelo evento danoso. Transporte gratuito (arts. 736 do CC⁄02 e 333 do CPC⁄73)
23. O transporte gratuito, assim considerado aquele de mera cortesia (a carona desinteressada), não se subordina às normas do contrato de transporte, conforme a dicção do art. 736 do CC⁄02 (sem correspondência no CC⁄16).
24. Dessa maneira, havendo acidente e dano causado ao tomador da carona, deve ser aplicado o sistema de regras da responsabilidade aquiliana, o que significa a necessidade de perquirir a respeito da culpa do condutor, para que seja possível lhe impor a obrigação de indenizar.
25. Ainda na vigência do CC⁄16, esta Corte consolidou o entendimento de que, tratando-se de transporte desinteressado, a responsabilidade do transportador por danos causados ao “carona” depende da comprovação de dolo ou culpa grave. Nesse sentido, editou-se a Súmula 145⁄STJ, nos seguintes termos: “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.
26. Segundo a concepção clássica, há dolo na conduta intencional, dirigida a um resultado ilícito. “Dolo, portanto, é a vontade conscientemente dirigida à produção de um resultado ilícito. É a infração consciente do dever preexistente, ou o propósito de causar dano a outrem” (CAVALIERI FILHO, Op. Cit., pág. 49). De outro turno, considera-se existente culpa grave “se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do resultado, também chamada culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do Direito Penal” (Op. Cit., pág. 56).
27. Nesse contexto, desde que provado ao menos a culpa grave do condutor do veículo, exsurgirá para este o dever de indenizar os danos sofridos pelo tomador da carona.
28. Há que se anotar, contudo, que a verificação da culpa, por se relacionar ao universo dos fatos e das provas que permeiam a demanda, constitui tarefa exclusiva das instâncias ordinárias, de modo que, havendo o correto enquadramento jurídico da questão controvertida, não cabe o reexame por parte deste Superior Tribunal de Justiça, consoante preceitua a Súmula 7⁄STJ.
29. No particular, observa-se que o Tribunal de origem, com ampla análise das provas testemunhais e documentais produzidas nos autos, julgou demonstrada a culpa grave do menor que conduzia o veículo, na medida em que: (i) empreendia ao automóvel velocidade de 90 Km⁄h, quando o permitido no local era de 60 Km⁄h; (ii) apresentava visível despreparo para a direção de veículos, atuando de forma alheia à prudência que se deve ter em dias de chuva e em curvas acentuadas; (iii) ingeriu bebida alcoólica momentos antes do acidente (e-STJ fls. 378⁄383).
30. Assim, devidamente comprovada a culpa grave do menor condutor do veículo no evento danoso, conforme a análise soberana dos fatos e provas pelo Tribunal de origem, evidencia-se a responsabilidade dos recorrentes em indenizar os danos sofridos pelo recorrido, não havendo se falar em violação dos arts. 736 do CC⁄02 e 333 do CPC⁄73.
 

 

VIII – Das despesas de tratamento e dos lucros cessantes (arts. 402 e 950 do CC⁄02)
31. Insurgem-se os recorrentes contra sua condenação ao pagamento de perdas e danos, das despesas de tratamento e dos lucros cessantes, argumentando que essas verbas são devidas apenas quando demonstrado pela parte requerente que não possa mais exercer sua profissão ou que tenha sido diminuída sua capacidade para o trabalho.
32. A alegação, todavia, é absolutamente infundada, haja vista que, a teor do disposto no art. 950 do CC⁄02, a inabilitação para o trabalho ou a diminuição da capacidade laborativa são pressupostos exigidos, tão somente, para a fixação de pensão em favor da vítima do evento danoso, o que, na espécie, não ocorreu.
33. Com efeito, apurou o acórdão recorrido que o autor FABIO, apesar do acidente, permaneceu trabalhando na mesma empresa – embora com função diversa – e percebendo a mesma remuneração da época, razão pela qual, acertadamente, indeferiu o pedido para a fixação de pensionamento mensal.
34. Quanto às demais verbas indenizatórias (despesas com tratamento médico e lucros cessantes), tem-se que são devidas em razão do princípio da reparação integral do dano, consagrado no art. 944 do Código Civil, segundo o qual a indenização deve recompor, por inteiro, todos os prejuízos sofridos pela vítima do ato danoso.
35. Nessa ótica, o próprio Código preceitua a obrigação do ofensor de custear as despesas com tratamento médico do ofendido até a recuperação de sua saúde, a teor do disposto no art. 949, in verbis“ no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
36. De outro turno, os lucros cessantes têm assento legal no art. 402 do CC⁄02, que impõe ao devedor – in casu, o ofensor – o dever de compensar aquilo que o credor, razoavelmente, deixou de auferir, verba que, na hipótese dos autos, corresponde à remuneração que o autor deixou de receber enquanto afastado, temporariamente, do trabalho.
37. Não merece acolhida, assim, a alegação de ofensa aos arts. 402 e 950 do CC⁄02.
 

 

IX – Da prova dos danos morais e estéticos (art. 333, I, do CPC⁄73)
38. Inicialmente, cumpre salientar que se encontra assente no STJ o entendimento quanto à autonomia dos danos morais e estéticos, cada qual possuindo natureza jurídica própria.
39. Muito embora também tenha caráter extrapatrimonial, o dano estético deriva especificamente de lesão à integridade física da vítima, ocasionando-lhe modificação permanente (ou pelo menos duradoura) na sua aparência externa. Apesar de, por via oblíqua, também trazer dor psicológica, o dano estético se relaciona diretamente com a deformação física da pessoa, enquanto o dano moral alcança outras esferas do seu patrimônio intangível, como a honra, a liberdade individual e a tranquilidade de espírito.
40. Aliás, essa diferenciação encontra-se consolidada no enunciado nº 387 da Súmula⁄STJ, que declara ser lícita a cumulação das indenizações por dano moral e estético.
41. Quanto à comprovação, se, por um lado, é certo que a reparabilidade do dano estético exsurge, tão somente, da constatação da deformidade física sofrida pela vítima, por outro, a questão relativa à necessidade de prova do dano moral é bastante controvertida, dada a dificuldade – que muitas vezes se transmuta em verdadeira impossibilidade – de demonstrar o abalo sofrido pela vítima em suas qualidades morais, sua dignidade.
42. Por isso, balizada doutrina defende que a reparabilidade dos danos morais decorre da simples violação (ex facto), i.e., existente o evento danoso, surge a necessidade de reparação, observados os pressupostos da responsabilidade civil em geral. Uma consequência do afirmado acima seria a prescindibilidade da prova de dano em concreto à subjetividade do indivíduo que pleiteia a indenização (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por danos morais. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015, p. 199).
43. No fundo, ao analisar a doutrina e a jurisprudência, o que se percebe não é a operação de uma presunção iure et de iure propriamente dita na configuração das situações de dano moral, mas a substituição da prova de prejuízo moral pela sensibilidade ético-social do julgador.
44. À falta de padrões éticos e morais objetivos ou amplamente aceitos em sociedade, deve o julgador adotar a sensibilidade ético-social do homem comum, nem muito reativa a qualquer estímulo ou tampouco insensível ao sofrimento alheio.
45. Nesse contexto, para acolher o pedido de compensação por danos morais, deve o julgador ser capaz de identificar na hipótese concreta uma grave agressão ou atentado à dignidade da pessoa humana, capaz de ensejar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado.
46. Na hipótese ora em julgamento, observa-se que a concessão da indenização por dano moral foi devidamente fundamentada pelo Tribunal de origem no prejuízo extrapatrimonial sofrido pelo recorrido – um jovem de dezoito anos à época do acidente – pela perda de parte de seu braço (e-STJ fl. 384).
47. De fato, para além do prejuízo estético, a perda, ainda que parcial, de um importante membro do corpo, atinge a integridade psíquica do ser humano, trazendo-lhe dor e sofrimento em razão da lesão deformadora de sua plenitude física, com afetação de sua auto-estima e reflexos no próprio esquema de vida, seja no âmbito do exercício de atividades profissionais, como nas simples relações do meio social. Essas consequências são ainda mais gravosas quando se trata de pessoa jovem, nas quais o sentimento de humilhação e constrangimento pelo defeito na aparência são intensificados, sendo maiores, também, as alterações no seu modo de vida no relacionamento social.
48. À luz dessas considerações, evidencia-se que estão caracterizados, no particular, os danos estéticos e morais, sendo despicienda prova do abalo moral sofrido pelo recorrido em decorrência da perda parcial do membro superior.
 

 

X – Da distribuição dos ônus sucumbenciais (arts. 21 do CPC⁄73)
49. Por fim, quanto às despesas processuais e honorários advocatícios, é certo que o reconhecimento da culpa concorrente pelo evento danoso acarreta a distribuição dos ônus da sucumbência entre as partes litigantes (REsp 1.484.286⁄SP, 3ª Turma, DJe de 10⁄03⁄2015).
50. Contudo, isso não significa que as despesas devem ser invariavelmente suportadas pela metade por cada uma das partes, haja vista que a distribuição dos ônus sucumbenciais se pauta “pelo exame do número de pedidos formulados e da proporcionalidade do decaimento de cada uma das partes em relação a cada um desses pleitos”, conforme assinalei no julgamento do REsp 1.100.798⁄AM (3ª Turma, DJe de 08⁄09⁄2009).
51. Na espécie, observa-se que a pretensão indenizatória do autor abarca 4 (quatro) parcelas distintas, a saber: pensão vitalícia, danos morais, danos estéticos e danos materiais relativos às despesas com tratamento médico. Dessas parcelas, logrou êxito nas três últimas, e isso pela metade, em razão do reconhecimento da culpa recíproca.
52. Nesse contexto, evidencia-se que, de fato, a distribuição dos ônus sucumbenciais efetivada pelo Tribunal de origem não reflete a proporcionalidade do decaimento da parte autora, que foi condenada ao pagamento de apenas 25% das despesas de sucumbência.
53. Logo, o recurso especial comporta provimento quanto à suscitada violação do art. 21 do CPC⁄73, para que sejam redistribuídos os ônus sucumbenciais.
 

 

XI – Da divergência jurisprudencial
54. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foram afastadas as teses sustentadas pelos recorrentes, fica prejudicada a análise da suposta divergência jurisprudencial.
 

 

 

 

Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa extensão, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, apenas para determinar que, em razão da sucumbência recíproca, fique cada uma das partes responsável pelo pagamento de 50% das custas e honorários advocatícios, mantidos quando a estes o valor fixado no 2º grau de jurisdição (15% da condenação).
Fica mantida a suspensão da exigibilidade das verbas devidas pela parte autora, em razão da concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
 

 

Documento: 72164731 RELATÓRIO E VOTO