EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. CRIME DO ARTIGO 334-A, §1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL AFASTADA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. PRECLUSÃO MATERIAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA. DESPROVIMENTO. 1. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento do delito de contrabando quando presentes indícios de transnacionalidade delitiva. 2. A competência para o processo e o julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens. Inteligência da Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agentes criminosos flagrados com cigarros sabidamente de origem alienígena, para fins comerciais, incidem no crime disposto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, ainda que inexistam provas de terem participado diretamente da importação ou transporte, atraindo, com isso e pela incidência sumular em epígrafe, a competência da Justiça Federal para o processamento do feito. 4. Uma vez que a insignificância penal restou, expressamente, afastada por esta Corte no caso em análise, inviável o reexame da tese despenalizante, porquanto preclusa a matéria. Eventual alteração jurisprudencial não tem o condão de afastar, em face da segurança jurídica, os efeitos da preclusão. 5. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas, bem assim o dolo do acusado, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e inexistindo causas excludentes, mantém-se a condenação do réu pela prática do crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal. 6. O enunciado sumular 122 deste Regional, aderindo à orientação do Supremo Tribunal Federal (HC 126.292, Plenário, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 17-5-2016), entendimento confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADC 43 e 44 (05-10-2016), bem como reafirmado em sede de repercussão geral (ARE 964246 RG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 25-11-2016), autoriza que a decisão de segundo grau irradie, integralmente, seus efeitos, é dizer, em toda a extensão do que tiver sido provido pelo julgamento, uma vez (a) decorrido o prazo para interposição de Embargos Infringentes e de Nulidade ou para oposição de Embargos de Declaração, nos casos em que esses forem cabíveis, ou (b) se tiverem sido apresentados tais recursos, (b.1) não forem admitidos pelo Relator, (b.2) assim que forem julgados. 7. Recurso não conhecido. (TRF4, ACR 5001237-92.2016.4.04.7107, OITAVA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 11/03/2019)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5001237-92.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: ZEFERINO AGOSTINETTO (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ZEFERINO AGOSTINETTO (nascido em 25-10-1958), imputando-lhe a prática do delito do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, assim narrando os fatos (evento 1 do feito originário):
“O denunciado ZEFERINO AGOSTINETTO foi flagrado, por Policiais Civis, em 24/02/2015, expondo à venda, no estabelecimento comercial de sua responsabilidade, localizado na Rua Deputado Nadir Rosseti, 274, Bairro São Cristóvão, Caxias do Sul/RS, 40 (quarenta) carteiras de cigarro da marca SAN MARINO, 120 (cento e vinte) carteiras de cigarro da marca BILL, 50 (cinquenta) carteiras de cigarro da marca PALADIUM e 20 (vinte) carteiras de cigarro da marca CLASSIC, todos de origem estrangeira, trazidos do Paraguai, tudo conforme documentos anexados no caderno policial nº 79/2015/700610/A, no Auto de Apreensão (fl. 27 do IP).
Em sede policial, o denunciado declarou que não sabia que o cigarro apreendido era impróprio para consumo humano; que não sabe o nome do indivíduo que lhe vendeu os cigarros; que pagou pelo pacote de cigarro dezesseis reais (R$16,00); que vende o pacote entre vinte reais e vinte e dois reais; que possui o estabelecimento comercial há um mês.
Todas as carteiras de cigarros estrangeiros contrabandeadas, encontrados no estabelecimento acima referido, foram apreendidos. Encaminhadas amostras para perícia, foi constatado que os produtos apreendidos possuíam informação de que teriam sido fabricados no Paraguai, bem como texto em espanhol discorrendo sobre os malefícios que o uso do cigarro acarreta à saúde. Também, se constatou que os produtos apreendidos não estão entre as marcas registradas na Agência de Vigilância Sanitária Brasileira, apresentando irregularidades quanto à sua comercialização em território nacional.
As apreensões acima foram objeto de uma ação conjunta de Policiais da Delegacia do Consumidor e técnicos da Associação Brasileira de Combate à Falsificação - ABCF, com o fim de coibir a venda de cigarros de cigarros estrangeiros, sem autorização dos Órgãos competentes, em território nacional.
Ressalta-se que a importação de cigarros estrangeiros, como no presente caso, sujeita-se aos controles administrativos que o Estado brasileiro, por meio da Receita Federal do Brasil e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, impõe a este tipo de mercadoria. Logo, fica proibida a importação de cigarros estrangeiros, quando o fabricante, o importador ou o produto em si não estiverem devidamente regularizados no Brasil.
Assim, restou demonstrado que o denunciado expôs a venda mercadoria proibida pela lei brasileira, utilizando em proveito próprio, no exercício de atividade comercial.” (Grifos originais).
A peça incoativa foi recebida em 24-2-2016 (evento 3, idem).
Absolvido sumariamente o réu por aferição de insignificância penal (evento 13, idem), o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, postulando a reforma da sentença (evento 18, RAZAPELA2).
Provido o recurso ministerial por unanimidade por esta 8ª Turma, os autos retornaram à origem para o regular prosseguimento da ação penal (evento21, ACOR2).
Instruído o feito, sobreveio nova sentença, publicada em 14-5-2018 (evento 78 da ação penal originária), julgando procedente a pretensão punitiva para condenar o réu, pela prática do crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, à reprimenda corporal de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída pelas penas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação. Em suas razões (evento 92, RAZAPELA1), postulou a aferição de insignificância penal. Subsidiariamente, requereu redução da prestação pecuniária.
Apresentadas as contrarrazões (evento 97, idem), os autos foram remetidos a esta Corte.
Em seu parecer, o órgão ministerial manifestou-se, preliminarmente, pelo declínio da competência para a Justiça Estadual e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (evento 38).
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000700111v6 e do código CRC 5e10a490.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Data e Hora: 1/3/2019, às 17:5:29
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2019 14:17:15.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5001237-92.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: ZEFERINO AGOSTINETTO (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
VOTO
A controvérsia devolvida a este colegiado cinge-se à condenação de ZEFERINO AGOSTINETTO pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal.
Destaco, desde logo, que a incidência do princípio tantum devolutum quantum appellatum, no processo penal, apresenta dimensão mais ampla do que no processo civil, podendo o juiz examinar a sentença em todos os seus aspectos, inclusive quando não hostilizada, desde que seja para beneficiar o réu, não só em atenção ao princípio do favor rei, mas também em face do permissivo constitucional alusivo à possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício.
1. Contextualização dos fatos
De acordo com a peça acusatória, em 24-2-2015, no município de Caxias do Sul/RS, o réu expôs à venda 230 (duzentos e trinta) maços de cigarros estrangeiros, importados sem o regular desembaraço aduaneiro.
2. (In)competência da Justiça Federal
Preliminarmente, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo declínio da competência para a justiça estadual, sustentando que a procedência estrangeira dos cigarros, por si só, não determina a competência da justiça federal para processamento e julgamento do feito.
Acerca do tema, colaciono o seguinte precedente desta Turma:
"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. TRANSNACIONALIDADE. TIPICIDADE. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS. PEQUENA QUANTIDADE. CONTRABANDO. ART. 334 DO CP. INSIGNIFICÂNCIA NÃO CONFIGURADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
1. Compete à Justiça Federal o julgamento do crime quando presentes indícios da transnacionalidade.
2. Aquele que importa pequena quantidade de medicamento incide nas penas do artigo 334 do CP. 3. Não há falar em insignificância da conduta quanto as circunstâncias fáticas evidenciam a destinação comercial dos fármacos.
4. Inviável a suspensão condicional do processo quando, não obstante a desclassificação dos fatos, há prévia manifestação do órgão ministerial no sentido de não preenchimento dos requisitos objetivos do art. 89 da Lei 9.099/95.
5. Autoria e materialidade demonstradas.
6. Não justifica a exasperação da pena o fato de a condenação por contrabando decorrer da importação de medicamentos.
7. A apreciação de pedido de assistência judiciária gratuita, sobre tema afeto à Execução Penal, compete ao Juízo da Execução Criminal." (TRF4, ACR 5001203-11.2011.4.04.7005, 8ª Turma, Relator Des. Federal Leandro Paulsen, juntado aos autos em 2-4-2018)
Verifica-se que magistrado a quo entendeu pela competência da justiça federal para processar e julgar o crime de contrabando de cigarros na hipótese em comento (investigado flagrado com fumígenos de origem estrangeira em depósito).
Não se desconhece os precedentes mencionados pelo Parquet, todavia, encontra-se ainda em vigor o entendimento sumulado expresso no verbete 151 do Superior Tribunal de Justiça (a competência para o processo e o julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens), o qual incide, em especial nas situações de agentes criminosos flagrados com cigarros sabidamente de origem alienígena, ainda que inexistam provas de terem participado diretamente da importação ou transporte. O fato de adquiri-los para venda, sem qualquer comprovante fiscal de importação também vincula esse agente criminoso no delito disposto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, quando evidenciado se tratar de produtos contrabandeados.
Nesses termos, não merece amparo a tese aventada pelo órgão ministerial, tendo em vista que a apreensão de produto de fabricação estrangeira, desacompanhado documentação que comprove a regularidade da importação, já constitui indício da transnacionalidade delitiva.
Portanto, afasto a preliminar arguida.
3. Tipicidade
Tipicidade é a adequada subsunção da conduta praticada pelo agente ao modelo descrito na norma penal incriminadora (é denominada de tipicidade formal), acrescida da tipicidade material (verificada quando o bem jurídico tutelado pelo tipo penal vem a sofrer lesão significativa).
3.1. Tipicidade formal
No caso dos autos, o tipo em exame é o do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, abaixo transcrito:
"Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial." (Destaquei).
Assim, a conduta imputada ao réu amolda-se perfeitamente ao tipo em comento, considerando a narrativa apresentada na exordial.
3.2. Tipicidade Material
A defesa postulou a aferição de insignificância penal, sustentando “(...) não ter sido esclarecida pela acusação a quantidade exata que estava exposta a venda e a quantidade que não estava exposta a venda, conforme ficou demonstrado por ocasião da testemunha de acusaçãoa acusação não esclarecera a quantidade de cigarros que estava exposta à venda no momento da apreensão”.
A apelação não merece ser conhecida no ponto, porquanto a tese de insignificância penal já foi afastada em assentada anterior desta Turma, in verbis (evento 21):
“Trata-se de apelação interposta pela acusação em face de sentença que absolveu sumariamente o réu da imputação de prática do delito do artigo 334-A, do Código Penal em razão da aplicação do princípio da insignificância jurídica.
A questão a ser enfrentada diz respeito à contribuição do princípio da insignificância à tutela da liberdade no plano de um Estado Democrático, e as condicionantes à aplicação dessa importante ferramenta hermenêutica no campo do Direito Penal, área do conhecimento jurídico onde o jus imperi se faz sentir com maior veemência, mercê do exercício da prerrogativa estatal de criminalizar determinados comportamentos humanos.
É na ambiência desse cenário, que o Poder Judiciário, guiado pelo postulado constitucional da dignidade da pessoa, tem empreendido uma releitura do conceito de tipicidade, a fim de superar o ponto de vista formal e pessoal, é dizer, evoluir da concepção tradicional que vê o delito como o produto de uma operação de mera subsunção do agir à norma incriminadora, e da pena como uma resposta correlacionada ao tipo de vida do agente (direito penal do autor), para um prisma material, segundo o qual à tipificação da conduta faz-se indispensável a ocorrência, real ou potencial, de uma ofensa significativa ao bem jurídico por ela tutelado (direito penal do fato).
Por isso, ou seja, atento a tais diretrizes, há que se recusar trânsito (atipicidade) a eventos que, contextualizados em seu mundo fenomênico, não apresentam contextura ou repulsa social suficientes a justificar a intervenção punitiva estatal, demonstrando não ter o agente violado, substancialmente, o código de conduta definido pelo legislador para uma convivência harmônica em sociedade.
In casu, conforme os dados constantes no Auto de Apreensão (evento 08, ‘INQ1’, fl. 28, do Inquérito Policial 5015868-75.2015.4.04.7107), foram apreendidos 230 (duzentos e trinta) maços de cigarro de origem estrangeira.
Com efeito, o Estado, porque titular do poder sancionador, pode fazer concessões em face de bens jurídicos por ele eleitos como transigíveis, desde que o (a) faça justificadamente, (b) proceder de seus concidadãos (fato) não tenha violado tais valores significativamente, e que essa lesão, por isso, seja tolerada socialmente.
Nessa dimensão, antiga controvérsia jurisprudencial havia se pacificado neste Regional:
‘PENAL. ART. 334 DO CP. IMPORTAÇÃO ILEGAL DE CIGARROS. CONTRABANDO E DESCAMINHO. DELITOS SIMILARES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRITÉRIOS. VALOR LIMITE. REITERAÇÃO DA CONDUTA. DANO À SAÚDE PÚBLICA.
A jurisprudência desta Corte tem dado tratamento uniforme ao julgamento dos casos de importação de cigarros estrangeiros sem o pagamento dos tributos devidos (descaminho) e reintrodução no país daqueles de fabricação nacional destinados à exportação (contrabando) uma vez que se trata de infrações similares, traduzindo idêntico potencial lesivo ao mercado, à saúde pública, bem como à União. 2. Não há qualquer evidência indicando que os cigarros originários do Paraguai ou de outros países trazem mais danos à saúde do que os produzidos pela indústria nacional, de modo a tornar-se irrelevante a distinção entre as duas espécies delitivas.(...)’ (HC 2004.04.01.034885-7, 4ª Seção, Relator p/acórdão Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJe 18-4-2005)
No entanto, recentes julgados dos Tribunais Superiores reavivaram o tema, considerando não ser cabível o reconhecimento da insignificância em tais hipóteses, uma vez que o bem jurídico lesado também é a saúde pública (STF, HC 100367, 1ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 08-9-2011; HC 110841, 2ª Turma, Rel.ª Ministra Cármen Lúcia, DJe 14-12-2012; e STJ, AgRg no AREsp 307060, 5ª Turma, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, DJe 01-7-2013).
Lembrando que ao Estado é permitida a seleção de bens jurídicos, cuja violação pode ele propor seja objeto de (a) renúncia à imposição de pena (v.g. perdão judicial) ou (b) solução de compromisso (arquivamento ou não ajuizamento de execuções para otimizar o serviço de cobrança do crédito tributário, acordos de parcelamento etc), vejamos o regime legal de tributação dos cigarros, a fim de verificar se há diferença, para esse efeito, entre aqueles estrangeiros e nacionais introduzidos no país.
A Lei 12.546/2011 instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (Reintegra), com o objetivo de reintegrar valores referentes a custos tributários federais residuais existentes nas suas cadeias de produção.
Nessa Lei é previsto que os cigarros de produção nacional destinados ao mercado interno e aqueles importados estão sujeitos a uma alíquota de IPI de 300% [cigarros que contenham tabaco]. Já a não incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados àqueles destinados ao exterior está prevista no artigo 153, §3º, III, da Constituição Federal.
O citado Diploma dispõe, também, no inciso I, do §7º, do artigo 2º, que a empresa comercial exportadora é obrigada ao recolhimento do valor atribuído à empresa produtora vendedora se revender, no mercado interno, os produtos adquiridos para exportação; e também se não exportá-los no prazo de 180 dias.
A Instrução Normativa RFB 1.155/2011, além de dispor a respeito da marcação nas embalagens dos cigarros destinados à exportação, refere, em seu artigo 2º, que estes não poderão ser vendidos nem expostos à venda no Brasil. Prevê também que as exportações de cigarros autorizadas pelo Coordenador-Geral de Fiscalização, com base nos dados do registro especial, ficam isentas de Imposto de Exportação. A isenção do IE também é prevista no Decreto nº 7.990/2013, que alterou o Decreto 7.212/2010.
Por sua vez, a Instrução Normativa RFB 1.152/2011 prevê a suspensão do IPI e a não incidência de PIS e COFINS na exportação de mercadorias. Nela é prevista a pena de perdimento aos cigarros destinados à exportação, no caso de descumprimento das regras.
Encerrando essa rápida resenha, tem-se que no Decreto 7.212/2010 (Regulamento do IPI) é referido que se consideram ‘... como produtos estrangeiros introduzidos clandestinamente no território nacional, para todos os efeitos legais, os cigarros nacionais destinados à exportação que forem encontrados no País, salvo se em trânsito, diretamente entre o estabelecimento industrial e os destinos referidos no art. 343, desde que observadas as formalidades previstas para cada operação (artigo 346).’
Todavia, novamente no plano da seleção de bens jurídicos, pondero que o hermeneuta não pode desconhecer o artigo 220, §4º da CF, que determina seja a propaganda e a comercialização dos cigarros submetida à rotulagem.
A propósito, a Lei 9.294/96, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, estabelece:
‘Art. 3º É vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, com exceção apenas da exposição dos referidos produtos nos locais de vendas, desde que acompanhada das cláusulas de advertência a que se referem os §§ 2o, 3o e 4o deste artigo e da respectiva tabela de preços, que deve incluir o preço mínimo de venda no varejo de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tipi, vigente à época, conforme estabelecido pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 12.546, de 2011)
(...)
§ 2o A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)
§ 3o As embalagens e os maços de produtos fumígenos, com exceção dos destinados à exportação, e o material de propaganda referido no caput deste artigo conterão a advertência mencionada no § 2o acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)
§ 4° Nas embalagens, as cláusulas de advertência a que se refere o § 2° deste artigo serão seqüencialmente usadas, de forma simultânea ou rotativa, nesta última hipótese devendo variar no máximo a cada cinco meses, inseridas, de forma legível e ostensivamente destacada, em uma das laterais dos maços, carteiras ou pacotes que sejam habitualmente comercializados diretamente ao consumidor.’
Nessa toada, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
‘Habeas corpus. 2. Contrabando. 3. Aplicação do princípio da insignificância. 4. Impossibilidade. Desvalor da conduta do agente. 5. Ordem denegada.’ (HC 110.964, 2ª Turma, Rel.Min. Gilmar Mendes, DJe 02-4-2012)
Extraio do voto condutor o seguinte excerto:
‘Na espécie, saliento tratar-se de mercadorias submetidas a uma proibição relativa (cigarros de origem estrangeira desacompanhados de regular documentação), tendo em vista as restrições promovidas por órgãos de saúde do Brasil.
Assim, não se cuida, tão somente, de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, saúde pública.
Visando, especificamente, à proteção da própria saúde coletiva, destaco que eventuais propagandas comerciais de tabaco deverão sofrer as devidas restrições, com a identificação dos riscos associados ao uso do cigarro. Esse é o teor do § 4º, art. 220, da Constituição Federal:
'Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.'
Assim, oportuno os ensinamentos de Damásio de Jesus:
'No sentido jurídico, a expressão 'contrabando' quer dizer importação ou exportação de mercadorias ou gêneros cuja entrada ou saída do País é proibida, enquanto o termo 'descaminho' significa fraude no pagamento de impostos e taxas devidos para o mesmo fim (entrada e saída de mercadorias ou gêneros). A diferença entre contrabando e descaminho reside em que no primeiro a mercadoria é proibida; no segundo, sua entrada ou saída é permitida, porém o sujeito frauda o pagamento do tributo devido. O objeto jurídico é o interesse estatal no que diz respeito ao erário público lesado pelo comportamento do sujeito, que, importando ou exportando mercadoria proibida ou deixando de pagar os impostos e taxas devidos, prejudica não só o poder público como a indústria nacional. Assim, secundariamente, protege-se também a indústria brasileira, a moralidade e até a saúde pública, que pode vir a ser lesada pela entrada de produtos nocivos a ela e, por isso, proibidos.' (JESUS, Damásio, Direito Penal: parte especial, 4. v., 12 ed., Saraiva: 2002, pp. 237-238) .’
Pois bem.
Presente a manifestação do intérprete máximo do Texto Magno, através de suas duas Turmas, compreendo que tanto a importação clandestina de cigarros estrangeiros e a reintrodução de cigarros nacionais destinados à exportação, porque sujeitas, a primeira, a controle alfandegário e sanitário, e, a segunda, a esse, consistente na existência de rotulagem nos mesmos padrões exigidos para os produtos de fabricação nacional, e aqui comercializados (artigos 3º, §3º, da Lei 9.294/96 e 50, inciso III, da Lei 9.532/97), perfazem condutas que não se prestam à aplicação do princípio da insignificância, sob pena de olvido ao mandamento constitucional que determina seja a saúde pública posta sob proteção com tal proceder (artigo 220, §4º), ethos descumprido pelos agentes que se vêm envolvidos com esses delitos.
Por outro lado, consoante narrado na peça portal, os fatos denunciados ocorreram já na vigência da Lei 13.008/2014, que deu nova redação ao artigo 334 do Código Penal e incluiu o artigo 334-A ao mesmo diploma. Transcrevo os referidos dispositivos legais:
‘Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
(...)’
‘Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
(...)’
A partir da vigência da Lei em comento, portanto, passou a ser essencial uma distinção mais clara entre descaminho e contrabando, uma vez que, para cada um desses crimes, é cominada uma pena diferente, da qual se irradia, ao menos em abstrato, um relevante efeito jurídico, qual seja a possibilidade, em tese, da suspensão condicional do processo. E, consoante se infere da leitura dos tipos penais, o traço distintivo entre eles deixou de ser a natureza da mercadoria introduzida, é dizer, se proibida ou não, pois outras elementares foram agregadas à tipificação, de modo que restou ampliado o rol de bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora.
Destarte, entendo que, doravante, a importação clandestina de mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente, no caso os cigarros apreendidos, amolda-se ao tipo do artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, complementado pelo artigo 3º do Decreto-Lei 399/68, in verbis:
‘Art. 3º - Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nele mencionados.’
Nesse passo, o bem jurídico tutelado com tais condutas, para além de transcender a mera ilusão do crédito fiscal, vê-se violado a modo potencial, e significativamente.
Nada obstante, há situações excepcionais em que a ínfima quantidade de cigarros irregularmente introduzidos no País, porque reveladora de mínima ofensividade da conduta, autoriza a não incidência da norma penal incriminadora.
Contudo, entendo que dita excepcionalidade somente encontra âmbito para reconhecimento quando se estiver diante de quantitativo que não ultrapassa o limite estabelecido pelo Fisco para o ingresso desembaraçado dessa espécie de mercadoria em território nacional (bagagem acompanhada).
A esse respeito, a Instrução Normativa SRF 117, de 06-10-1998, em seu artigo 3º, inciso V, expressamente excluía do conceito de bagagem os ‘cigarros e bebidas de fabricação brasileira, destinados a venda exclusivamente no exterior’. Assim, a bagagem acompanhada estava isenta relativamente a outros bens, desde que observados os limites definidos no artigo 6º, inciso III, da referida norma, a saber, US$500,00 (ingresso por via aérea ou marítima) e US$150,00 (ingresso por via terrestre, fluvial ou lacustre), esse último posteriormente alterado para US$300,00 (IN SRF 538, de 20-4-2005).
A exclusão dos cigarros do conceito de bagagem acompanhada permaneceu até a Instrução Normativa RFB 1059, de 02-8-2010, a qual passou a estabelecer que, para além daqueles limites, deve-se observar também o parâmetro quantitativo, consistente em 10 (dez) maços de cigarros, com 20 (vinte) unidades cada, critério que, até o momento, vem prevalecendo.
Partindo desse critério, evoluo para aceitar, dentro do reconhecimento da bagatela, a quantia de até 100 (cem) maços e sem destinação comercial.
Sendo assim, em sendo considerável a quantidade de cigarros introduzidos clandestinamente e diante da evidente destinação comercial que possuíam, mostra-se inviável a aplicação do princípio da insignificância.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação criminal.” (Destaque original).
Por conseguinte, a insignificância penal da conduta não pode ser mais rediscutida, ainda que na mesma causa, face ao instituto da preclusão, sobremaneira quando a instrução não ensejou ao magistrado um cenário de substancial diferença, capaz de arredar a ratio decidendi do decisum anterior. Em suma: o processo deve andar para frente, nem para trás nem para o lado, eternizando-se as discussões sobre temas já decididos anteriormente.
Nessa perspectiva, inclusive eventual revisão jurisprudencial sobre o mote não teria o condão de afastar a preclusão, mormente porque alterações desse jaez, quando não assentes em uma questão de legalidade em sentido estrito, não propiciam que sejam afastados os efeitos da preclusão material. A alteração jurisprudencial, porque conatural ao dia-a-dia dos tribunais, não tem o condão de afastar, em obséquio à segurança jurídica, os efeitos da preclusão.
A afirmação da tipicidade material de uma conduta perfaz julgamento com resolução de mérito, que, caso alcance definitividade, vê-se coberto pelo manto da coisa julgada, oponível, até, à Revisão Criminal, quanto mais à apelação:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. CONFISSÃO QUALIFICADA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DO ART. 65, III, ‘D’, DO CP. SÚMULA N. 545 DO STJ. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO, À ÉPOCA, EM SENTIDO CONTRÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE PEDIDO REVISIONAL EM RAZÃO DE MUDANÇA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É assente nesta Corte e no STF a impossibilidade de interposição de pedido de revisão criminal com fulcro no art. 621, I, do CPP, em razão de modificação de entendimento jurisprudencial.
2. In casu, à época do julgamento do recurso de apelação criminal interposto pela defesa do ora agravante, a questão objeto deste writ, agora pacificada nesta Corte Superior em sentido que o favorece - Súmula n. 545 do STJ -, encontrava-se assentada em posicionamento diametralmente oposto, qual seja, a confissão qualificada não justificava a aplicação da atenuante pela confissão espontânea.
3. Verificado que o acórdão impugnado se harmonizava com a jurisprudência desta Corte Superior, não há constrangimento ilegal a ser corrigido na via do habeas corpus.
4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgInt no HC 388.324/SC, 6ª Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 20-2-2018, DJe 26-2-2018- destaquei).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO QUALIFICADA COMO ATENUANTE. APLICAÇÃO RETROATIVA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL FIRMADO APÓS A FORMAÇÃO DA COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 66 DA LEP E DA SÚMULA 611/STF.
I - O art. 66, I, da Lei nº 7.210/1984 e a Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal estabelecem ser do Juiz das Execuções a competência para apreciar o pedido de retroatividade da lei penal mais benéfica.
II - No caso, porém, o recorrente pleiteia o reconhecimento, em sede de execução penal, da confissão qualificada como atenuante, com base em aplicação retroativa de entendimento jurisprudencial - e não em lei mais benéfica -, firmado após a formação da coisa julgada, procedimento inviável. Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no REsp 1617575/RO, 5ª Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 6-10-2016, DJe 26-10-2016 - grifei).
Outrossim, não é outro o entendimento do Pretório Excelso, vejamos:
“AGRAVO REGIMENTAL. REVISÃO CRIMINAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 621 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A Revisão Criminal ajuizada contra as condenações ‘proferidas ou mantidas’ pela própria Corte, nos termos do art. 102, I, j, da Constituição da República, c/c art. 624, I, do Código de Processo Penal, e art. 263 do RISTF, é da competência do próprio Supremo Tribunal Federal.
2. (a) In casu, a Segunda Turma deu parcial provimento ao Recurso de Apelação interposto pelo Requerente, que visava à reforma da sentença penal condenatória proferida pelo Juízo da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo (AP 563/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Dje de 29/02/2016) (b) Consectariamente, presente a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da Revisão Criminal. (c) O requerente, com supedâneo no art. 621, III, do Código de Processo Penal, alega que ‘novas e supervenientes circunstâncias autorizam a diminuição especial da pena, ou sua nulidade e extinção plena’.
3. O art. 621, III, do Código de Processo Penal, exige que ‘[...] haja novas provas no sentido de que o fato efetivamente não existiu, de que o réu não concorreu para a infração penal, de que houve uma causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, de que existiu causa de especial diminuição da pena, ou, então, de que não houve a qualificadora nem eventual agravante. Dentre as causas de especial diminuição da pena, destacam-se as previstas nos arts. 14, parágrafo único, 26, parágrafo único, 28, §2º, 69, 70, 71, 121, §1º, 129, §§4º e 5º, 155, §2º, 170, 171, §1º, etc., todos do CP’ (Tourinho Filho, 2014, p. 469/470).
4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a revisão criminal tem por pressuposto necessário e indispensável, ‘quanto à matéria de fato, o desprezo à evidência dos autos’ (RvC 5437, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 17/12/2014).
5. A inadmissão da Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (inclusive incidenter tantum), é historicamente assentada por esta Corte (RE 113601, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12/06/1987; RvC 4645, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 01/04/1982).
6. (a) In casu , a defesa do Requerente suscita, como fundamento do seu pedido, a alegação de que ‘o Juiz SÉRGIO MORO, em desvio de finalidade, intencionalidade e dolo específico, deu azo ao reprovável levantamento de sigilo funcional, facilitando divulgar, aos 16 de março de 2016, interceptações telefônicas protegidas pelo sigilo funcional sob sua guarda e sustenta que, apesar disso, a violação de sigilo funcional praticada por Sérgio Moro solapando a prerrogativa de foro de um dos alvos foi contestada apenas superficial e parcimoniosamente, com alguns votos de censura de ministros deste Colendo STF ‘. (b) O Requerente não faz referência a novas provas relativas à legalidade da sua conduta, tampouco demonstra que, posteriormente ao julgamento da apelação, teriam surgido evidências conducentes à redução da pena que lhe foi aplicada ( in casu , restritiva de direitos). (c) Cinge-se o Requerente a comparar sua conduta com a de terceiro, que considera idêntica à que lhe foi imputada, e a sustentar que esta última não foi submetida a qualquer persecução penal. (d) Constata-se, de plano, que o fato invocado como paradigma não guarda qualquer conexão ou continência probatória com aquele que gerou a condenação do Requerente. Cuida-se de evento absolutamente inócuo, à luz do ordenamento, para a promoção de revisão criminal do acórdão proferido pela Colenda Segunda Turma. (e) Consequentemente, revela-se manifesto o descabimento da revisão criminal, por inobservância do disposto no art. 621 do CPP.
7. Agravo regimental desprovido.” (STF, RvC 5457 AgR, Tribunal Pleno, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 15-9-2017, DJe-233, DIVULG 10-10-2017, PUBLIC 11-10-2017 - grifei).
Por fim, saliento que o crime de contrabando é tipo multinuclear ou de ação múltipla, que se consuma quando praticada qualquer das condutas descritas no artigo 334-A do Código Penal.
Desse modo, a teor do §1º, inciso IV, do referido dispositivo, a especificação da quantidade de cigarros exposta à venda e mantida em depósito, no exercício de atividade comercial ou industrial, é irrelevante no caso dos autos, mostrando-se suficiente a demonstração do volume total de produtos apreendidos.
Destarte, uma vez que a tese da insignificância penal da conduta já restou afastada em decisão anterior desta Corte, não conheço da apelação criminal defensiva neste aspecto.
4. Materialidade
A materialidade do crime em comento está demonstrada a partir dos seguintes documentos:
a) Boletim de Ocorrência 108/2015 (evento 8, p 4-7, do Inquérito Policial 5015868-75.2015.4.04.7107);
b) Notitia criminis, formulada pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (p. 8-21, idem);
c) Auto de Apreensão (p. 28, idem); e
d) Laudo Pericial 43158/2015 (p. 48-52, idem).
Analiso, pois, a autoria delitiva.
5. Autoria
Destaco que a matéria foi bem solvida pelo magistrado a quo na sentença, cujo excerto transcrevo, adotando seus fundamentos como razões de decidir, a fim de evitar tautologia (evento 78 da ação penal originária):
“De acordo com a denúncia, o réu, no dia 24/2/2015, no estabelecimento comercial localizado na Rua Deputado Nadir Rosseti, 274, Bairro São Cristóvão, em Caxias do Sul/RS, foi flagrado por Policiais Civis expondo à venda 230 maços de cigarros de marcas diversas, fabricados no Paraguai e introduzidos no país de forma clandestina.
A materialidade e a autoria delitivas estão demonstradas nos autos pelo Auto de Apreensão, pela Ocorrência Policial nº 108/2015, pelos demais documentos doInquérito Policial nº5015868-75.2015.4.04.7107, bem como pelo depoimento do acusado, que admitiu a posse da mercadoria (evento 8, INQ1, fl. 29 do inquérito).
Inicialmente, vale referir, quanto ao princípio da insignificância, que já foi afastado por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não cabendo a este juízo o reexame de matéria, eis que já decidida por superior instância.
De acordo com o Laudo Pericial nº 43158/2015, era ostensiva e bem visível a procedência dos cigarros apreendidos (evento 9, INQ2, fls. 20-23 do inquérito): ‘made in py’, ‘fabricado por: tabacaria del este S.A. (Tabesa), Paraguay’. Além disso, as marcas San Marino, Paladium e Classic não são encontradas no mercado interno.
Na fase policial, o acusado admitiu a posse dos cigarros apreendidos (evento 9, INQ1, fl. 29):
‘Que não sabia que o cigarro apreendido era impróprio para o consumo humano; que não sabe o nome do indivíduo que lhe vendeu os cigarros; que pagou pelo pacote de cigarro dezesseis reais e cinquenta centavos; que vende o pacote entre vinte reais e vinte e dois reais; que possui o estabelecimento comercial há um mês’
Em juízo, o réu, resumidamente, diz que os cigarros não estavam à venda porque haviam chegado um dia antes; fazia vinte dias que o bar estava aberto e quebrou depois da apreensão; passou um Fusquinha vendendo; não tinha nota, mas o vendedor disse que todo mundo pegava; ele passava em todos os bares; não sabia que o cigarro era do Paraguai; não chegou a vender porque não deu tempo (evento 69, VÍDEO2).
A defesa alega que não há certeza de que os cigarros estavam expostos à venda, bem como que o réu não tinha experiência no ramo e não sabia que era proibida a venda dos cigarros
As teses defensivas, entretanto, são inverossímeis e desprovidas de suporte probatório. A grande quantidade de cigarros apreendida não poderia se destinar ao consumo de uma única pessoa. A natureza do estabelecimento, um bar, demonstra claramente a finalidade comercial. O próprio acusado admite ter adquirido a mercadoria de um vendedor desconhecido, sem nota fiscal e sem nenhuma garantia de procedência. Ademais, segundo o laudo pericial, era ostensiva a informação de que os cigarros haviam sido fabricados no Paraguai.
A falta de verossimilhança das teses defensivas esbarra nas provas contundentes da prática do ilícito penal descrito na denúncia. Cumpre destacar que o réu foi flagrado na posse dos cigarros contrabandeados. As provas da autoria delitiva e do dolo, portanto, são robustas e não podem ser afastada mediante a simples alegação de falta de conhecimento da origem estrangeira dos cigarros.
É relevante citar também o depoimento do Policial Roberval Pires D'Avila (evento 69, VÍDEO1, resumidamente transcrito no evento 71):
‘acredita ter participado das diligências que resultaram na apreensão dos cigarros expostos a venda pelo Réu, na medida em que fez parte de um grupo de trabalho que averiguou diversas notícias de exposição a venda de cigarros impróprios para o consumo. Apesar de ter participado de 03 (três) ou 04 (quatro) diligências a esse respeito, não se recorda dos indivíduos envolvidos nos casos, em virtude do transcurso do tempo. Ratificou, contudo, as informações que foram elaboradas ao longo do inquérito policial, inclusive porque em todos os estabelecimentos visitados houve apreensão de cigarros oriundos, em tese, do Paraguai. Esclareceu que as diligências foram desencadeadas após representação de uma entidade à Polícia Civil, que, salvo engano, chamava-se Associação Brasileira de Combate à Pirataria [Associação Brasileira de Combate à Falsificação]. A base para a apreensão era a ausência de elementos de informação existentes em cigarros de circulação permitida, a exemplo de informações em português, inclusive sobre a nocividade à saúde, e a etiqueta da Receita Federal do Brasil. Além disso, as marcas dos cigarros apreendidos já eram conhecidas como marcas de cigarros de circulação proibida. Sobre o modus operandi dos vendedores de cigarros estrangeiros, apontou que normalmente expõem apenas uma pequena quantidade nos mostruários, deixando o restante escondido, de modo a burlar a fiscalização. A noção de que os comerciantes sabem da irregularidade das vendas parte especialmente do fato de que os comerciantes nunca indicam de quem adquiriam os cigarros, sempre fazendo referência a uma pessoa genérica que não podem identificar, atitude essa que é compreendida como uma forma de proteger o fornecedor do produto, justamente por saber que sua comercialização é criminosa. As investigações sugerem que a aquisição de cigarros de introdução proibida era uma prática regular dos comerciantes. Questionado, reafirmou que não se recorda da apreensão especificamente indicada na denúncia’
Assim, demonstradas a autoria e a materialidade delitivas, bem como o dolo, ante a ausência de causa excludente de ilicitude ou culpabilidade, impõe-se a condenação do réu como incurso nas sanções do art. 334-A, § 1º, IV, Código Penal (Redação dada pela Lei nº 13.008/14).” (Destaques originais).
Nada impede que o órgão revisor se convença das razões lançadas pela instância originária, e as adote como fundamento de decidir, pois é livre o convencimento judicial. Desde que as transcreva em seu voto, estão declinados os motivos que conduziram o seu convencimento. Aliás, assim pode proceder com as razões de quaisquer dos sujeitos processuais (acusação, defesa, órgão julgador, órgão ministerial).
Em juízo, Roberval Pires D’Ávila, policial civil, relatou que acredita ter participado da apreensão de cigarros no estabelecimento comercial do réu. Não se recordava do caso específico do denunciado, mas ratificou todas as informações que constam no processo investigatório (evento 69, VÍDEO1, idem).
O réu relatou que, no momento da apreensão, os cigarros não estavam expostos à venda. Na data do fato, fazia 20 (vinte) dias que o estabelecimento comercial estava em funcionamento. Os cigarros estavam ao lado do balcão. Comprou os cigarros de um indivíduo desconhecido. Desconfiou da procedência dos produtos devido à ausência de nota fiscal. Não vendeu os cigarros porque não teve tempo hábil, uma vez que a fiscalização chegou no estabelecimento um dia após seu recebimento (VÍDEO2, idem).
Como se nota, o próprio denunciado admitiu a compra dos cigarros para revenda em seu estabelecimento. Ainda que os produtos não estivessem expostos à venda, conforme sustentou o acusado, a manutenção cigarros em depósito, no exercício de atividade comercial ou industrial, mostra-se suficiente para a demonstração da autoria delitiva.
Cumpre observar que a confissão não constitui, por si só, causa para absolvição, tampouco para condenação, devendo ser valorada juntamente com os demais elementos probatórios constantes dos autos.
No caso concreto, a confissão pode ser perfeitamente valorada para aferir a autoria delitiva, eis que compatível com as demais provas presentes no feito, não se verificando mácula alguma que possa infirmá-la.
Assim, reputo como comprovada a autoria delitiva.
6. Dolo
Para configuração do elemento subjetivo do tipo no delito em comento, basta a existência do dolo. Por conseguinte, sendo prescindível um especial fim de agir na conduta do agente (por vezes, ainda se encontra referência a esse aspecto psicológico do agente como "dolo específico"), o elemento subjetivo nela inserto decorre da evidente intenção expor à venda cigarros estrangeiros importados sem regular desembaraço aduaneiro, no exercício de atividade comercial ou industrial, o que restou, à evidência da materialidade e autoria delitivas, comprovado na espécie.
Destarte, devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem assim o dolo do agente, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e inexistindo causas excludentes, mantém-se a condenação do réu pelo crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, c/c o artigo 3º do Decreto-Lei 399/68.
7. Dosimetria
Na sentença, a pena foi fixada nos seguintes termos (evento 78, idem):
“Inicialmente, esclareça-se que este Juízo, para fins de determinação da carga (número de meses a incidirem na pena) atribuída às circunstâncias do crime reconhecidas no caso concreto, adota o entendimento consolidado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento dos EINUL 2000.04.01.134975-0 e explicitado no precedente abaixo transcrito:
‘PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES. ARTIGO 18 C/C ARTIGO 19, AMBOS DA LEI 10.826/03. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PARÂMETROS. 1. Pelo teor da peça acusatória, verifica-se ser ela formalmente apta ao fim a que se destina, atentando às exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal (exposição do fato delituoso atribuído aos acusados, suas circunstâncias, qualificações dos imputados, classificação do crime e rol de testemunhas), de modo que não há falar em inépcia a ser reconhecida. 2. Autoria e materialidade devidamente comprovadas, não havendo causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade. 3. Tendo em vista a grande quantidade de armas e munições encontradas, deve ser considerada negativamente a vetorial relativa às circunstâncias do delito. 4. No que pertine à carga atribuída ao reconhecimento das vetoriais desfavoráveis (acréscimo de meses na pena-base), o entendimento desta Corte orienta-se no sentido de que o peso de cada circunstância judicial é calculado a partir do termo médio entre o mínimo e o máximo da pena cominada, do qual se reduz o mínimo, dividindo-se este resultado pelo número de circunstâncias (EINUL 2000.04.01.134975-0, 4ª Seção, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, D.E. 28-5-2009. 5. Apreendidas com os réus munições de uso restrito ou proibido, há de se aplicar o aumento previsto no artigo 19 da Lei 10.826/2003.’ (TRF4, ACR 5000376-61.2011.404.7017, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Gilson Luiz Inácio, D.E. 22/11/2012) (grifei)
Tal posição implica na possível atribuição de cargas diferentes e variáveis às circunstâncias, determinadas em função das penas cominadas ao crime a que se amolda o fato em julgamento.
Primeira fase. Passo a analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal para a fixação da pena-base.
Culpabilidade. O réu agiu livre e conscientemente, sendo a culpabilidade normal na espécie. Circunstância neutra.
Antecedentes. Os registros do evento 70 não podem ser valorados como maus antecedentes. Elemento neutro.
Conduta social. Sem informações abonatórias ou desabonatórias. Circunstância neutra.
Personalidade. A prova colhida não possibilita a análise da personalidade do réu. Circunstância neutra.
Motivos. Busca de lucro fácil, o que é comum na espécie. Circunstância neutra.
Circunstâncias. Sem dados dignos de nota. Circunstância neutra.
Conseqüências. As conseqüências do delito não são graves. Circunstância neutra.
Comportamento da vítima. Prejudicada a análise vitimológica. Circunstância neutra.
Não havendo circunstância desfavorável ao réu, fixo a pena-base em 2 anos de reclusão.
Segunda fase. Ausentes agravantes. Presente a atenuante da confissão espontânea, porém a pena já se encontra no patamar mínimo (Súmulas nº 545 e 231 do STJ).
Terceira fase. Não havendo causas de aumento ou diminuição, fica a pena definitiva estabelecida nesse patamar.” (Grifos originais).
Considerando que a reprimenda corporal foi fixada no patamar mínimo, à míngua de recurso do Ministério Público Federal e de causas de diminuição de pena, não há o que ser reparado, mantendo-se a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", e §3º do Código Penal.
8. Substituição da pena privativa de liberdade
Presentes os requisitos exigidos pelo artigo 44, caput, e diante da previsão contida no §2º do mesmo artigo do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e em prestação pecuniária, por serem as que melhor atingem a finalidade da persecução criminal. A primeira, porque exige do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda porque, ao contrário da multa que reverte sempre ao Estado, converte-se em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social.
Quanto ao valor da segunda substitutiva em questão (artigo 43, inciso I, do Código Penal), a defesa postulou sua redução, sustentando hipossuficiência do acusado.
No entanto, a apelação não merece ser conhecida no ponto, porquanto o valor da prestação pecuniária já foi fixado no mínimo, nos termos do artigo 45, §1º, do Código Penal.
Diante de tal quadro, e da ausência de recurso da acusação, mantenho a prestação pecuniária em 1 (um) salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento.
Saliento que poderá haver o parcelamento da referida pena restritiva de direitos, caso comprovada, perante o juízo da execução, a impossibilidade de seu pagamento em parcela única.
9. Prescrição
No caso dos autos, a pena privativa de liberdade remete ao prazo prescricional de 4 (quatro) anos, na forma do artigo 109, inciso V, do Código Penal.
Considerando que a prescrição penal é instituto de natureza material e que o presente feito diz respeito a fatos ocorridos em momento posterior ao advento da Lei 12.234, de 5-5-2010, aplicam-se ao caso em comento as alterações por ela introduzidas.
Assim, tendo em vista que, entre a data do recebimento da denúncia (24-2-2016) e a da publicação da sentença (14-5-2018), bem como desta até o presente julgamento, não transcorreu o referido lapso temporal, não há falar em prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto, restando hígida a condenação.
10. Da execução imediata
Aderindo à orientação do Supremo Tribunal Federal (HC 126.292, Plenário, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 17-5-2016), entendimento confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADC 43 e 44 (5-10-2016), bem como reafirmado em sede de repercussão geral (ARE 964246 RG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 25-11-2016), este Regional voltou a compreender que a execução imediata de uma decisão de segundo grau em matéria penal, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal).
Portanto, restando superada a tese adotada em precedente contrário daquele Excelso Pretório (HC 84.078), e revigorada a exegese compendiada na súmula 267, do Superior Tribunal de Justiça, esta Corte consolidou sua jurisprudência no enunciado 122:
"Encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou extraordinário".
Cabe pontuar, à guisa de explicitação, que havendo porção não unânime no acórdão, inexatidão material ou ponto que demande esclarecimento ou complementação, o prazo para apresentação dos recursos supramencionados estará interrompido, se forem oferecidos embargos infringentes e de nulidade, ou de declaração àquele julgado, e, o sendo, atendam os seus pressupostos de admissibilidade e/ou cabimento (STF, AI 583960 - AgR, 1ª Turma, relator Ministro Roberto Barroso, DJe 28-8-2015, e STJ, AgInt no REsp 1.424.222, 1ª Turma, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 13-3-2018). Nesse caso, isto é, não sendo negado seguimento pelo Relator, a jurisdição de segundo grau estará encerrada tão logo sejam julgados (STJ, HC 430.198-SP, 5ª Turma, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 21-03-2018, e TRF4, EINUL 5008572-31.2012.4.04. 7002, 4ª Seção, relator Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, juntados em 10-04-2016).
Assim, uma vez (a) decorrido o prazo para interposição de Embargos Infringentes e de Nulidade ou para oposição de Embargos de Declaração ao acórdão, (b) apresentados tais recursos, (b.1) não forem admitidos pelo Relator ou (b.2) forem julgados, deve ser comunicado o juízo de origem para que dê cumprimento aos termos da decisão de segundo grau.
11. Conclusão
Mantida a condenação do réu pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, uma vez comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem assim o dolo do agente, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e inexistindo causas excludentes.
A pena privativa de liberdade restou mantida em 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída pelas penas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo vigente ao tempo do efetivo pagamento.
Lapso prescricional não verificado, restando hígida a pretensão punitiva estatal.
Determinado que seja comunicado o juízo de origem para que dê cumprimento aos termos da decisão de segundo grau, uma vez implementadas as condições previstas neste julgamento.
12. Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de não conhecer da apelação criminal e comunicar o juízo de origem para que dê cumprimento aos termos da decisão de segundo grau, uma vez implementadas as condições previstas neste julgamento.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000700113v6 e do código CRC c2d78cd7.
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Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Data e Hora: 1/3/2019, às 17:5:29
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2019 14:17:15.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5001237-92.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: ZEFERINO AGOSTINETTO (RÉU)
ADVOGADO: EDUARDO TERGOLINA TEIXEIRA (DPU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
VOTO REVISÃO
Peço vênia para divergir do encaminhamento de voto proposto pelo eminente Relator, mormente no tocante à aplicação do princípio da insignificância.
1. Inicialmente, cumpre referir que no meu entender não ocorreu a preclusão sobre o tema.
Malgrado a tese da insignificância tenha sido usada como fundamento para a rejeição da denúncia, esta decisão restou revista por esta Corte em sede de recurso em sentido estrito. Tenho, todavia, que o provimento de referido recurso tem por condão, apenas, substituir a rejeição da decisão, determinando o seu recebimento para ulteriores termos do processo. Trata-se, a meu sentir, de decisão precária, que não opera trânsito em julgado (formal) para a defesa no tocante à tese da insignificância. Neste momento processual o exame da exordial é bastante limitado, de modo a verificar o preenchimento de requisitos formais e sua aptidão, na forma do art. 395 e seguintes, do CPP.
Em caso análogo, assim decidiu as Cortes Regionais:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E PROSSEGUIMENTO DO FEITO. NATUREZA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA SIMPLES. IRRECORRIBILIDADE. ART. 581, DO CPP. TAXATIVIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. 1. Recurso em Sentido Estrito interposto de decisão denegatória da absolvição sumária, com a determinação do prosseguimento da Ação Penal, fundamentando-se na presença de indícios que a Recorrente recebera, indevidamente, benefício do Programa Bolsa Família por mais de 03 (três) anos, quando era funcionária da Prefeitura de Santana do Ipanema/AL e, posteriormente, enquanto Vereadora do Município. 2. De acordo com o art. 397-A do Código de Processo Penal, o juiz, ao receber a denúncia, determinará ao réu a apresentação da resposta, e, poderá optar pela absolvição sumária caso presente a existência manifesta de causa excludente da ilicitude, de causa excludente da culpabilidade do agente (salvo inimputabilidade), a atipicidade do delito ou a ocorrência de causa extintiva da punibilidade. 3. A decisão que nega a absolvição sumária e determina o prosseguimento do feito é irrecorrível, não podendo ser impugnada via recurso em sentido estrito, em face da ausência de previsão legal e também devido à taxatividade do rol previsto no art. 581, do CPP. 4. Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade, previsto expressamente no art. 579, do CPP, porque não se trata de recurso erroneamente interposto, mas sim de recurso não previsto em lei, sendo que a decisão denegatória do pedido de absolvição sumária, tem natureza jurídica de decisão interlocutória simples, e por isso, irrecorrível, sem, todavia, ser configurada a preclusão, podendo a qualquer momento ser rediscutida a matéria em sede de apelação. 5. Não conhecimento do Recurso em Serntido Estrito.UNÂNIME
(RSE - Recurso em Sentido Estrito - 1598 0000621-88.2011.4.05.8001, Desembargador Federal Geraldo Apoliano, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::27/02/2012 - Página::239.)
PENAL PROCESSO PENAL. DECISÃO DENEGATÓRIA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO COM EXTENSÃO RESTRITA. RECURSO NÃO PROVIDO. I - A decisão denegatória da absolvição sumária não encontra previsão no rol taxativo do art. 581 do CPP. Assim como a decisão que recebe a denúncia, aquela que fincada no art. 397 do CPP afasta a absolvição sumária ainda em fase embrionária do processamento, depois da defesa preliminar, retrata confirmação do juízo positivo de admissibilidade, então a par dos argumentos trazidos pela defesa e ostentando natureza jurídica de interlocutória simples, em regra, irrecorrível, pois não há preclusão das vias impugnativas sobre seu objeto, podendo ser reexaminado por ocasião do recurso de apelação, após a instrução. II – O que se pretende com o art. 387 do CPP, com a redação dada pela Reforma, é assegurar ao acusado o reconhecimento imediato de situações claras a seu favor, sem a necessidade de qualquer enfrentamento de controvérsias em seu desfavor. Ora, se o juiz não pode verificar nada disso da defesa preliminar, pretender levar a discussão ao Tribunal, por meio de recurso, é de todo contrário ao interesse do acusado, pois antes mesmo que a instrução prossiga, com os debates das partes, o enfrentamento das contraditas e das teses que possam surgir, o Tribunal será provocado a se pronunciar sobre o que a defesa preliminar foi ou não capaz de provar, e se confirmar a decisão do juiz, sob esse exíguo prisma, poderá lançar sobre a causa um juízo que venha a contaminar aquilo que ainda virá a ser debatido na instrução. III - Excepcionam-se as causas extintivas da punibilidade apontadas no art. 397, IV do CPP, e que já por força do art. 61 do CPP, poderiam ser apreciadas a qualquer tempo, inclusive através do recurso em sentido estrito, fincado no art. 581, IX do CPP. Recurso em sentido estrito conhecido apenas nessa extensão. IV - O estelionato previdenciário assume a qualificação doutrinária de crime permanente, pois ocorre mediante uma primeira fase comissiva, a da aplicação da fraude com a concessão e início do pagamento do benefício, prosseguindo-se na segunda fase omissiva, através da qual o sujeito ativo permanece mantendo em engano o sujeito passivo, recebendo o benefício fraudulento em detrimento dos cofres públicos, ação e resultado são permanentes. Não há, portanto, prescrição. V - Recurso não provido.Decisao Nulan
(RSE- RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 0000410-32.2009.4.02.5115, ABEL GOMES, TRF2.)
Todavia, mais relevante que esses precedentes de outros Tribunais, colho deste e. TRF4 julgado da 4ª Seção que, apreciando tema similar ao objeto deste recurso, assentou:
PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONTRABANDO DE CIGARROS. COISA JULGADA. PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA. 1. A inaplicabilidade do princípio da insignificância ao caso dos autos - estabelecida na irrecorrida decisão que reformou a absolvição sumária com base no reconhecimento da insignificância - não operou a coisa julgada acerca do tema. 2. Possibilidade de rediscussão do tema em sede de embargos infringentes, mormente porque as turmas especializadas em matéria criminal vêm se utilizando do quantitativo de 500 maços como balizador da fronteira entre significância e insignificância da conduta no contrabando de cigarros. 3. Inaplicável o princípio da insignificância ao caso concreto pois, em que pese a quantidade apreendida ser inferior ao patamar de 500 maços, utilizado pelas turmas especializadas em matéria criminal, o contexto da apreensão em estabelecimento comercial caracteriza a lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, a saúde pública da coletividade. 4. Mantida a decisão do recurso em sentido estrito que afastou a aplicação do princípio da insignificância. (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES Nº 5017385-18.2015.404.7107, 4ª Seção, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/07/2018)
Assim, não há impossibilidade de reexame da (a)tipicidade, na perspectiva da insignificância, a luz da própria instrução probatória.
2. Do princípio da insignificância
O princípio da insignificância é a justificação para limitar a atuação do direito penal nos delitos de menor relevância ou repercussão. LUIZ FLÁVIO GOMES, servindo-se da doutrina abalizada de CLAUS ROXIN, registra que "é justamente o que permite, na maioria dos tipos legais, excluir desde logo danos de pouca importância" (Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3. Ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 51).
Com efeito, "... o Direito Penal, pela adequação típica, só deve intervir nos casos de lesão jurídica de gravidade relevante. Se a perturbação social decorrente da conduta praticada for mínima, não há óbice para que se possa reconhecer a sua atipicidade. Certas ações, em que pese sua tipificação pelo legislador, não apresentam caráter penal relevante e deveriam estar excluídas da área de proibição estatuída pela lei penal." (Agravo de Execução Penal nº 5012839-46.2012.404.7002/PR).
3. Aplicação da insignificância
A insignificância afasta a tipicidade material do delito, podendo ser aplicada, ao crime de descaminho, quando o crédito tributário não exceder determinados limites. O STF já chancelou a aplicação do princípio, desde que balizada pelos seguintes vetores objetivos: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC nº 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello).
No tocante aos tributos iludidos, inicialmente o limite foi fixado em R$ 1.000,00, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.469/97 (art. 20 da MP 1.542-28/97), tendo sido elevado para R$ 2.500,00, pelo art. 20 da Lei nº 10.522, de 19/07/2002 (art. 20 da MP 2176-79/2001), considerado o somatório do Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 2003.70.03.014536-6, 4ª SEÇÃO, Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, D.E. 13/01/2009). Este patamar foi majorado para R$ 10.000,00, pela alteração decorrente da Lei nº 11.033, de 21/12/2004, ao art. 20 da Lei nº 10.522, de 19/07/2002. Por fim, restou fixado em R$ 20.000,00 pela Portaria MF nº 75, de 22/03/2012 (art. 2º).
É importante dizer que não há ilegalidade na referida portaria, pois desde a edição do Decreto-Lei n º 1.569/77, já se conferia tal prerrogativa ao Ministro da Fazenda, na forma do art. 5º ("... o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor"). Tal autorização também está presente nas Leis nº 7.799/89 (art. 65, § único) e nº 8.112/90 (art. 54).
4. A insignificância e a internalização de cigarros
Em se tratando de internalização irregular de cigarros, tanto no descaminho (importação irregular), quanto no contrabando (importação proibida), a natureza do delito inviabiliza o reconhecimento da insignificância. Haverá casos em que o magistrado pode recorrer ao princípio da insignificância para excluir a tipicidade da conduta. Contudo, certamente tal não ocorrerá na seara da ilusão tributária, mas sim sopesadas outras circunstâncias do caso que permitam chegar-se à conclusão de que prática não é relevante para o direito penal.
A 2ª Turma do STF denegou HC em que se discutia a aplicação do princípio da insignificância em favor de pacientes surpreendidos portando cigarros de origem estrangeira desacompanhados de regular documentação. Nesse sentido, constou no precedente HC 110.964/SC: "Enquanto o contrabando corresponde à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, o descaminho corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, todavia elidido, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo da mercadoria".
Nesse diapasão, ressalto que o objeto material sobre o qual recai a conduta criminosa é a mercadoria proibida (proibição absoluta ou relativa). Em outras palavras, o objetivo precípuo dessa tipificação legal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei. O STF, no HC 110964/SC, tratando da incidência do aludido postulado em casos de prática do crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (Lei 10.522/2002, art. 20), destacou que a conduta configuraria contrabando, uma vez que o objeto material do delito em comento tratar-se-ia de mercadoria proibida.
Não se cuida, por isso, de tão somente levar em conta o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública, cujo desvalor da ação autoriza maior reprovabilidade. Portanto, não é relevante o imposto sonegado, mas sim a saúde pública, bem jurídico efetivamente tutelado, posição compartilhada pelo Superior Tribunal de Justiça, que atesta a inaplicabilidade do princípio da insignificância ao contrabando de cigarros (AGRESP 201300465977, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:28/05/2013 ..DTPB:.).
5. Do caso concreto
No caso dos autos, em que pese se tratar de contrabando de cigarros, a quantidade diminuta - 230 (duzentos e trinta) maços - permite a aplicação do princípio da insignificância, pois a quantidade de mercadorias não é suficiente para causar dano relevante ao bem referido, tendo em vista que os cigarros poderiam ser acessados por um número muito restrito de pessoas.
A importação de quantidade mínima de cigarros não é relevante para o Direito Penal uma vez que: (a) não representa perigo social; (b) não representa uma conduta de alto grau de reprovabilidade; (c) apresenta grau de periculosidade mínimo; e (d) causaria dano inexpressivo ou nulo à saúde pública, assim como a outros bens jurídicos tutelados pelo tipo penal.
Dar ao acusado tratamento semelhante ao dispensado aos importadores ou transportadores de grande quantidade de cigarros seria demasiado oneroso e desproporcional. As penalidades administrativas, inclusive o perdimento da mercadoria, são suficientes para a prevenção geral e especial de condutas como esta, não podendo se falar em infração penal.
Destaco que, à época em que julgada a apelação interposta pelo MPF em face da absolvição sumária, esta Turma adotava parâmetro mais rígido para fins de aplicação do princípio da insignificância ao contrabando de cigarros. Atualmente, porém, este Colegiado, assim como a 7ª Turma desta Corte, entende que casos como o presente ensejam o reconhecimento da atipicidade material da conduta. Nesse sentido:
DIREITO PENAL. CONTRABANDO. ART. 334-A, §1º, INCISO V, DO CÓDIGO PENAL. PEQUENA QUANTIDADE DE CIGARROS APREENDIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. HABITUALIDADE. IRRELEVÂNCIA. DIREITO PENAL DO FATO. ENTENDIMENTO DA 4ª SEÇÃO DESTA CORTE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Esta Corte vem adotando posicionamento, com base em Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância aos casos de contrabando de cigarros, porquanto afora a falta de registro no órgão nacional de controle (ANVISA), a atividade ilícita em questão também soa atingir o erário, a indústria, a saúde, bem como o disposto no art. 3º, § 2º e § 3º, da Lei 9.294/96 (o que não ocorre com o descaminho de outras mercadorias) merecendo assim, via de regra, gradação elevada de reprovabilidade. 2. Viável, contudo, a aplicação do princípio da insignificância em casos excepcionais em que a quantidade de cigarros contrabandeados não excede uma caixa, ou seja, 500 maços. 3. A 4ª Seção deste Tribunal, em revisão de seu posicionamento anterior, decidiu que para fins de incidência do princípio da insignificância devem ser levados em conta somente os aspectos objetivos do fato, sem qualquer incursão nos aspectos subjetivos do agente, sendo irrelevante a existência de procedimentos administrativos da Receita Federal, inquéritos, ações penais em andamento ou condenações transitadas em julgado. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5026937-17.2017.404.0000, 7ª TURMA, Juiz Federal GERSON LUIZ ROCHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/06/2017)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. CONTRABANDO DE CIGARROS ESTRANGEIROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA. ÍNFIMA QUANTIDADE. ATIPICIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Considerando que o contrabando de cigarros estrangeiros viola o bem jurídico saúde pública, o princípio da insignificância jurídica reserva-se para os casos de ínfima quantidade, assim entendida 01 (caixa) ou 500 (quinhentos) maços, presumindo-se a destinação comercial a partir desse montante. 2. Recurso desprovido para manter a decisão que rejeitou a denúncia por atipicidade. (TRF4, RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5003047-92.2017.404.7002, 8ª TURMA, Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/06/2017)
PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. QUANTIDADE MÍNIMA. DANO À SAÚDE PÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. Em se tratando de contrabando, o reconhecimento da insignificância para fins de exclusão da tipicidade não ocorre na seara da ilusão tributária, mas na relevância ou não da prática delituosa para o direito penal. 2. A importação de 500 (quinhentos) maços de cigarros não é relevante para o direito penal, pois: (a) não representa perigo social; (b) não representa uma conduta de alto grau de reprovabilidade; (c) apresenta grau de periculosidade mínimo, e (d) causaria dano inexpressivo ou nulo à saúde pública, assim como a outros bens jurídicos tutelados pelo tipo penal. 3. Apelação criminal desprovida. (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5002644-60.2016.404.7002, 8ª Turma, JOÃO PEDRO GEBRAN NETO)
Sendo este o entendimento adotado atualmente, momento em que cabe a esta Corte confirmar ou reformar a sentença prolatada pelo juízo de origem, impõe-se sua aplicação ao caso em tela, a despeito do decidido anteriormente.
Portanto, no caso em apreço, em razão da ínfima quantidade de cigarros estrangeiros importados, entendo que a conduta é insignificante para o Direito Penal e, por conseguinte, atípica.
6. Conclusão
Em síntese, deve ser provido o recurso defensivo para absolver o réu com base na aplicação do princípio da insignificância, em razão da quantidade ínfima de cigarros, incapaz de lesar a saúde pública, nos termos do artigo 386, III, do CPP.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação criminal.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Revisor, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000794548v3 e do código CRC 9e57441a.
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5001237-92.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: ZEFERINO AGOSTINETTO (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. CRIME DO ARTIGO 334-A, §1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL AFASTADA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. PRECLUSÃO MATERIAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA. DESPROVIMENTO.
1. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento do delito de contrabando quando presentes indícios de transnacionalidade delitiva.
2. A competência para o processo e o julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens. Inteligência da Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça.
3. Agentes criminosos flagrados com cigarros sabidamente de origem alienígena, para fins comerciais, incidem no crime disposto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, ainda que inexistam provas de terem participado diretamente da importação ou transporte, atraindo, com isso e pela incidência sumular em epígrafe, a competência da Justiça Federal para o processamento do feito.
4. Uma vez que a insignificância penal restou, expressamente, afastada por esta Corte no caso em análise, inviável o reexame da tese despenalizante, porquanto preclusa a matéria. Eventual alteração jurisprudencial não tem o condão de afastar, em face da segurança jurídica, os efeitos da preclusão.
5. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas, bem assim o dolo do acusado, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e inexistindo causas excludentes, mantém-se a condenação do réu pela prática do crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal.
6. O enunciado sumular 122 deste Regional, aderindo à orientação do Supremo Tribunal Federal (HC 126.292, Plenário, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 17-5-2016), entendimento confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADC 43 e 44 (05-10-2016), bem como reafirmado em sede de repercussão geral (ARE 964246 RG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJe 25-11-2016), autoriza que a decisão de segundo grau irradie, integralmente, seus efeitos, é dizer, em toda a extensão do que tiver sido provido pelo julgamento, uma vez (a) decorrido o prazo para interposição de Embargos Infringentes e de Nulidade ou para oposição de Embargos de Declaração, nos casos em que esses forem cabíveis, ou (b) se tiverem sido apresentados tais recursos, (b.1) não forem admitidos pelo Relator, (b.2) assim que forem julgados.
7. Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, não conhecer da apelação criminal e comunicar o juízo de origem para que dê cumprimento aos termos da decisão de segundo grau, uma vez implementadas as condições previstas neste julgamento, vencido o Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000700310v4 e do código CRC b65c1e8b.
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Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/02/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5001237-92.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
REVISOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: ZEFERINO AGOSTINETTO (RÉU)
ADVOGADO: EDUARDO TERGOLINA TEIXEIRA (DPU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/02/2019, na sequência 22, disponibilizada no DE de 11/02/2019.
Certifico que a 8ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 8ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, NÃO CONHECER DA APELAÇÃO CRIMINAL E COMUNICAR O JUÍZO DE ORIGEM PARA QUE DÊ CUMPRIMENTO AOS TERMOS DA DECISÃO DE SEGUNDO GRAU, UMA VEZ IMPLEMENTADAS AS CONDIÇÕES PREVISTAS NESTE JULGAMENTO, VENCIDO O DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
VOTANTE: JUIZ FEDERAL NIVALDO BRUNONI
LISÉLIA PERROT CZARNOBAY
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Divergência em 26/02/2019 18:49:08 - GAB. 82 (Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO) - Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO.
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2019 14:17:15.