EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. DESCAMINHO. CRIME DO ARTIGO 334, §1º (COM REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.008/2014), DO CÓDIGO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS. DELITO DO ARTIGO 293, §1º, DO CÓDIGO PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO TETO DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Em se tratando de suposta prática do delito de descaminho, previsto no artigo 334 do Código Penal, e sendo o montante dos impostos federais iludidos, com a introdução irregular de mercadorias estrangeiras, inferior ao limite mínimo de relevância administrativa (R$20.000,00), aferível a insignificância penal, excluindo-se a tipicidade da conduta, desimportando se a conduta foi perpetrada em momento pretérito ao advento da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda. 2. Apelação desprovida. (TRF4, ACR 5000213-71.2012.4.04.7203, OITAVA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 11/03/2019)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000213-71.2012.4.04.7203/SC
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: CLARICE MADALENA ROCKENBACK MARTINS (RÉU)
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de CLARICE MADALENA ROCKENBACK MARTINS (nascida em 11-5-1962), imputando-lhe a prática dos delitos dos artigos 334, §1º, alínea “c” (com redação anterior à Lei 13.008/2014), e 293, §1º, inciso III, alínea “b”, do Código Penal, assim narrando os fatos (evento 1, INIC1, do feito originário):
“Em 10 de julho de 2008, CLARICE MADALENA ROCKENBACH MARTINS, no exercício de atividade comercial, mantinha em depósito e expunha à venda, na empresa LOGYTECK COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA ME, da qual é sócia-admnistradora, localizada em Joaçaba/SC, mercadorias de origem estrangeira importadas clandestinamente, com ilusão dos tributos devidos.
As mercadorias irregularmente mantidas em depósito constituemse em brinquedos, bolsas, mochilas, calculadoras, espumantes, vinhos, além de artigos de bazar, conforme Relação de Mercadorias de fls. 263/284 e 302.
Na mesma oportunidade, CLARICE MADALENA foi flagrada expondo à venda, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, produtos de procedência estrangeira (quatro relógios de pulso), desprovidos do selo oficial obrigatório pela legislação tributária (Instrução Normativa SRF 504/2005 e art. 46 da Lei n° 4.502/64), os quais se encontram discriminados no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n° 0920300-00109/08 (processo administrativo-fiscal n°10925.002004/2008-10, fl. 283).
A conduta praticada pela acusada restou constatada, quando Policiais Federais, na Operação ‘Not Up’, de posse do Mandado de Busca e Apreensão expedido pelo MM. Juiz da Vara Federal Joaçaba/SC, nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal n° 2008.72.03.001368-3/SC (fls. 49/51), efetuaram buscas na empresa LOGYTECK COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA ME, localizada na Av. XV de Novembro, Centro, em Joaçaba/SC, cujo Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão encontra-se às fls. 73/74.
Os produtos clandestinos restaram apreendidos, consoante atesta o Mandado de Busca e Apreensão e o Auto Circunstanciado, sendo posteriormente encaminhados à DRF/Joaçaba/SC, conforme dispõe a certidão fl.174-verso, para a lavratura do Auto de Infração (fls. 172 e 173/174 e verso).
As mercadorias apreendidas, avaliadas, após deduzidos os produtos passíveis de devolução, totalizam R$68.424,58 (sessenta e oito mil quatrocentos e vinte e quatro reais e ciquenta e oito centavos). Os tributos federais iludidos perfazem R$44.624,80 (quarenta e quatro mil seiscentos e vinte e quatro reais e oitenta centavos), consoante o Relatório de Diligência elaborado pela Unidade Fazendária relativo aos processos administrativos-fiscais n°10925.002004/2008-10 e 10925.000269/2009-64 (fls. 307/313, IPL).
A autoria e materialidade restam comprovadas pelo Mandado de Busca e Apreensão e Auto Circunstanciado (fls.172/174); pelos Autos de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e o Relatório de Diligências acima citados (260/284, 300/302 e 307/313); pela Oitava Alteração Contratual da empresa LOGYTEC COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA ME, atestando em sua Cláusula 8.1, que a denunciada era, à época dos fatos, a responsável pela administração da empresa (fls.192/200); pelas declarações da acusada CLARICE MADALENA que confessou ser a responsável pela administração da empresa e proprietária das mercadorias apreendidas; depoimento dos ex-funcionários da empresa, que em acareação realizada pela Delegacia da Polícia Federal confirmaram que a administração cabia a CLARICE MADALENA (fls. 324/328 e 336); e demais documentos que instruem o Inquérito Policial e o Pedido de Busca e Apreensão.”
A peça incoativa foi recebida em 3-2-2012 (evento 3, idem).
Instruído o feito, sobreveio sentença única para este feito e para o Pedido de Restituição de Mercadorias Apreendidas 5002788-47.2015.4.04.7203, publicada em 4-9-2017 (evento 263, idem), julgando improcedente a pretensão acusatória para absolver a ré em relação aos crimes dos artigos 334, §1º, alínea “c” (com redação anterior à Lei 13.008/2014), e 293, §1º, inciso III, alínea “b”, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação (evento 267, idem), sustentando a inaplicabilidade do patamar de R$20.000,00 (vinte mil reais) para fins de aferição de insignificância penal no caso concreto, uma vez que o fato delituoso foi perpetrado em momento pretérito ao advento da portaria 75 do Ministério da Fazenda.
Apresentadas as contrarrazões (evento 283, idem), vieram os autos a este Regional.
Em seu parecer, o órgão ministerial manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 10).
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000707022v2 e do código CRC 09566bd5.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Data e Hora: 1/3/2019, às 17:5:29
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2019 14:24:40.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000213-71.2012.4.04.7203/SC
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: CLARICE MADALENA ROCKENBACK MARTINS (RÉU)
VOTO
A controvérsia cinge-se à (in)aplicabilidade da insignificância penal ao caso nos autos.
1. Contextualização dos fatos
Consoante narrado na peça acusatória, em 10-7-2008, no município de Joaçaba/SC, a ré manteve em depósito e expôs à venda mercadorias importadas clandestinamente, com ilusão de tributos no montante de R$ R$44.624,80 (quarenta e quatro mil, seiscentos e vinte e quatro reais e oitenta centavos). Nas mesmas condições de tempo em lugar, a acusada manteve em depósito e expôs à venda, no exercício de atividade comercial, 4 (quatro) relógios de pulso de procedência estrangeira, desprovidos de selo oficial obrigatório determinado pela legislação tributária. Em laudo pericial realizado pela Polícia Federal durante a instrução processual, o valor estimado dos tributos devidos foi retificado para R$17.369,64 (dezessete mil, trezentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos – evento 113, LAUDO2, da ação penal originária).
2. Insignificância penal
Sustenta o recorrente a aplicabilidade do patamar de R$10.000,00 (dez mil reais) para fins de aferição de insignificância penal no caso concreto, uma vez que o fato delituoso foi perpetrado em momento pretérito ao advento da portaria 75 do Ministério da Fazenda, que veda o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais).
A questão a ser enfrentada diz respeito à excludente da insignificância, invocada, usualmente, em obséquio às noções de fragmentariedade ou intervenção mínima do Direito Penal, campo do conhecimento jurídico no qual se faz sentir, com maior intensidade, o jus imperi, enquanto manifestação da prerrogativa exclusivamente estatal de criminalizar determinados comportamentos humanos.
É nessa ambiência que o Poder Judiciário, mercê da ponderação entre os princípios da proporcionalidade, da proibição do excesso, de um lado, e o da proteção insuficiente, de outro, tem empreendido uma releitura do conceito de tipicidade, a fim de superar a ótica exclusivamente formal, e, no mais das vezes, pessoal (direito penal do autor), para assim evoluir da concepção que a vê a partir da mera subsunção, é dizer, apriorística, da conduta à descrição da norma incriminadora, para um prisma material, segundo o qual à tipificação faz-se indispensável a ocorrência, real ou ao menos potencial, de uma ofensa significativa ao bem jurídico tutelado (direito penal do fato).
Por isso, creio que há eventos que, devidamente contextualizados no mundo da vida (não apenas o das normas), não se apresentem investidos de contextura ou repulsa social suficientes a justificar a atuação do Direito Penal.
Nessa perspectiva, entendo que em se tratando de duas faces de uma mesma moeda, não se revela proporcional, ao menos na concepção tripartite, e constitucional, desse conceito jurídico, que a mesma lei que autoriza, de um lado, a Administração Tributária a transigir com a cobrança de créditos, direitos ou valores de até um determinado valor, que poderiam ser arrecadados em face de condutas de contribuintes que violam a legislação fiscal, sanitária ou aduaneira, de outro, não possa ser invocada para desobrigar o Poder Judiciário a processar e julgar casos penais relacionados a esses mesmos fatos.
A falta de razoabilidade desse proceder é flagrante, pois se delitos como o descaminho (artigo 334 do Código Penal), o impropriamente chamado contrabando (porque o dolo do agente faz-se voltado, na realidade, à aquisição, do/no exterior, de produtos por um preço ou qualidade melhor do que os produzidos no país, isto é, não a perturbar os controles sanitários, estimular concorrência desleal com a indústria brasileira ou prejudicar a economia nacional), a também impropriamente chamada apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do Código Penal), a sonegação (artigos 337-A do Código Penal e 1º da Lei 8.137/90), e o não recolhimento de encargos legais devidos (artigo 2º da Lei 8.137/90) têm, em essência, na ilusão, na evasão, e no não repasse de créditos, direitos, e valores aos cofres públicos o móvel dessas condutas, não há o menor sentido (e sobretudo justiça) em deixar-se de cobrar a receita gerada com tais práticas, caso menor ou igual a determinado montante apontado como necessário ao ajuizamento de ações judiciais, e submeter-se o respectivo devedor (ou responsável) ao jus puniendi, pois ou bem a expressão financeira do fato (a dívida) trouxe prejuízo à receita pública, à economia ou à indústria nacionais, devendo por isso ser objeto de cobrança (o menos) ou, sendo irrelevante, não deve aparelhar a pretensão punitiva (o mais).
Estabelecida essa premissa, cabe pontuar a existência de alguns vetores, que, na dicção do Supremo Tribunal Federal (HC 84.412), conformam a aplicação da excludente: (a) a mínima ofensividade da conduta, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Da mesma forma, a jurisprudência, ao menos em sentido predominante, tem recusado o reconhecimento da insignificância do fato quando, apesar de a lesão ao bem jurídico for de ínfima expressão financeira, os antecedentes do agente e o contexto da sua conduta revelarem (a) a reincidência, (b) a destinação comercial das mercadorias e dos produtos, bem como uma quantidade que não seja compatível com o uso pessoal (sobretudo nos casos de descaminho, e infrações a ele assemelhadas, como no caso do impropriamente chamado contrabando, v.g. de 500 maços de cigarros), e (c) a existência de outra circunstância que autorize, por indução, e não presunção, a conclusão de que o crime não se trata de um evento fortuito, mas o seu meio de vida.
Todavia, e considerando a natureza constitucional do tema (artigo 5º, inciso XXXIX), a casuística deste Regional sempre teve em mente os pronunciamentos da Suprema Corte, e essa, ao menos em sua composição anterior, compreendia que a aplicação da indigitada excludente devia ser objeto de uma análise, exclusivamente, objetiva (RE 514531, 2ª Turma, relator Ministro Joaquim Barbosa, D.E. 06-3-2009; e HC 94502, 1ª Turma, relator Ministro Menezes Direito, D.E. 19-3-2009).
Portanto, e de acordo com esses precedentes, uma primeira conclusão que se irradiava era a de que o Estado, porque titular do poder sancionador, podia fazer concessões em face de valores axiológicos eleitos pelo legislador como transigíveis, e, nessa medida, o Estado-Juiz afastar a tipicidade quando a conduta a ser perseguida criminalmente não tivesse violado, a modo significativo, aqueles bens jurídicos, podendo, assim, ser tolerada socialmente.
Do quanto se viu, estava-se a tratar de incriminação; logo, fazia-se intuitivo que isso remetia à idéia geral de punibilidade, de modo que a conduta humana que se visava proscrever, porque tida como não significante, havia de ser considerada isoladamente (artigo 119 do Código Penal), salvo se entre ela e outras, igualmente apontadas em desfavor do autor do fato, estivesse presente a conexão, demonstrado algum liame subjetivo ou comprovada a continuidade.
E isso porque, sendo a tipicidade um conceito conectado ao princípio constitucional da legalidade (artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal), em relação ao qual se faz vedada qualquer interpretação extensiva ou analógica, à insignificância não se poderia opor óbice de matriz pretoriano; logo, não legislativo, que tivesse o condão, ao fim e ao cabo, de conduzir à caracterização, artificial, do injusto penal, mercê do cômputo não individualizado, mas cumulativo, por exemplo, da expressão financeira do crédito, direito ou valor evadido ou iludido, constatado em distintas autuações, e apurado, igualmente, em diversos procedimentos administrativos.
Nesse sentido, entendia-se que os argumentos ancorados numa suposta habitualidade, ainda que embasados na presunção de legitimidade dos atos administrativos, não se revelavam bastantes em si para configurar a justa causa penal, e, dessa maneira, violavam, já então, o artigo 5º, LIV, da Constituição Federal.
Por outro lado, o segundo impedimento, porque assentado no exame da maior ou menor reprovabilidade da conduta, e das condições pessoais do agente (direito penal do autor), mais se afeiçoavam à noção de culpabilidade, juízo informador da dosagem de pena (artigo 59 do Código Penal), e não, propriamente, da tipicidade objeto da insignificância.
A propósito, recorria-se à súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, que vedava, e ainda proíbe, a utilização de inquéritos policiais ou ações penais em andamento (rectius procedimentos sem culpa formada) para agravar a pena-base, isto é, orientação que consagrava, e ainda consagra, o direito penal do fato.
Assim, e perfilhando-se essa linha de raciocínio, não se cogitava da soma (ou do cômputo reunido) de valores apurados em diferentes apreensões ou notificações fiscais, mas sim daqueles relativos à expressão financeira do tributo devido em relação a cada fato gerador, salvo as exceções vistas alhures.
Prestigiando essa solução, e mantendo a jurisprudência em vigor quando de sua composição anterior, a Seção Criminal deste Regional, já com seus membros atuais, fixou o entendimento de que a excludente deve ser objeto de exame individualizado, é dizer, eventuais registros pretéritos na seara administrativa e/ou criminal, não podem ser considerados para tal fim.
Ilustrativo dessa decisão, e de outras mais recentes (EINUL 5013379-89.2015.4047002 e 5004838-32.2013.404.7101, julgados na sessão de 09-03-2017), é o seguinte julgado:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. (...) REITERAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. 1 e 2. Omissis. 3. Como corolário do direito penal do fato, a habitualidade não pode obstaculizar o reconhecimento da insignificância penal. 4. Para a consideração da insignificância penal, deve-se considerar cada fato ilícito praticado isoladamente, sendo irrelevante a existência de outros registros administrativos de apreensão envolvendo o mesmo agente. 5. Embargos infringentes e de nulidade providos." (TRF4, 4ª Seção, EINUL 5005227-48.2012.404.7005, Relator p/Acórdão Des. Federal João Pedro Gebran Neto, D.E. 12-9-2014)
A par desse debate sobre poder ser reconhecida a habitualidade, à guisa, também, de procedimentos administrativos ou ações penais em andamento, a Seção também registra instigante precedente, no qual a oscilação da jurisprudência perante o Supremo Tribunal Federal, bem como aspecto pontual realçado por alguns dos seus componentes, conduziu à conclusão espelhada na ementa abaixo:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETRO. PORTARIA MF Nº 75/2012. REITERAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DIREITO PENAL DO FATO. 1. Omissis. 2. Em decorrência do direito penal do fato, a 4ª Seção deste Tribunal decidiu que para fins de incidência do princípio da insignificância deve ser levado em conta somente o valor dos tributos, em tese, sonegados, sem qualquer incursão nos aspectos subjetivos do agente, sendo irrelevante a existência de procedimentos administrativos da Receita Federal, inquéritos, ações penais em andamento ou condenações transitadas em julgado. 3. Recurso provido." (TRF4, 4ª Seção, EINUL 5006200-41.2014.404.7002, Relatora p/ Acórdão Des. Federal Cláudia Cristina Cristofani, D.E. 13-3-2015)
No entanto, essa orientação veio a refluir:
"PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. DESCAMINHO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. Havendo comprovação de reiteração na prática do crime de descaminho, em face de outras condenações transitadas em julgado por fatos símeis, afasta-se a aplicação do princípio da insignificância." (TRF4, 4ª, Seção, EINUL 5004959-8.2015.4.04.7205, Relator p/ Acórdão Des. Federal Márcio Antônio Rocha, D.E. 27-4-2018)
Com efeito, ao ver da tese que se viu vencedora nessa ocasião, sufragada pelo voto de desempate proferido pela Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Vice-Presidente deste Regional, o atual entendimento, em ambas as turmas do Excelso Pretório, é no sentido de que, se o reconhecimento do reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, configura um dos vetores, erigidos por aquele Colegiado, como pressuposto para a incidência da excludente, essa se vê inviabilizada ante a reincidência, em sentido estrito (compreensão majoritária) ou nos casos de criminosos contumazes (exegese minoritária).
Sem embargo, tenho para mim como irrefutáveis, e plenas de cientificidade, as considerações deduzidas pela Ministra Rosa Weber, ao relatar o HC 120.438. Disse Sua Excelência:
"Enfatizo que, segundo a jurisprudência consolidada desta 1ª Turma, apesar de tratar-se de critério subjetivo, a reincidência deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, pois não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou a análises discricionárias. O criminoso reincidente apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser considerada materialmente típica (HC 109.739/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012). Nessa linha, representaria, o reconhecimento da insignificância, para agente com registros criminais pretéritos, estímulo para a prática reiterada de pequenos crimes sem punição. É o que emerge dos precedentes, v.g., HC 110.951, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011).
Ressalvo, no particular, a minha visão. Se a insignificância afeta a chamada tipicidade material - vale dizer, implica atipicidade da conduta -, antecedentes criminais não se mostram aptos a inibir a aplicação do princípio no caso concreto, uma vez pertinentes a categoria dogmática estranha à tipicidade. Assim, antecedentes criminais, por maior gravidade que ostentem, não ensejam a tipificação criminal de conduta que, pela insignificância da ofensa perpetrada ao bem jurídico protegido, não lhe tenha causado lesão de relevo. Nessa ótica, com a devida vênia, a vida pregressa do indivíduo não se mostra hábil a transformar em crime fato que, pelo dano insignificante causado ao bem jurídico objeto da tutela penal, materialmente não se subsume no tipo previsto em lei.
Acato, todavia, a firme orientação desta Turma no que não admite a aplicação do princípio da bagatela quando o indivíduo possui registro criminais pretéritos."
Exato, reincidência não é circunstância elementar - o STF rejeitou, sob regime de repercussão geral, a recepção do artigo 25 da Lei de Contravenções Penais pela Constituição de 1988 (RE 583.523) - mas agravante prevista no artigo 61, I, do Código Penal (RE 453.000); logo, conectada à dosimetria, e, no que tange à sua alegada relação de prejudicialidade quanto à indigitada excludente, compreendo que a apontada exceção recebeu temperamento por parte do próprio STF, é dizer, o Tribunal não a reconheceu indistintamente; aliás, considerou necessário conjugar o seu exame ao do indispensável reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, sob dúplice perspectiva: do desvalor ético-social da conduta, e do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.
Nesse sentido, reputo absolutamente necessária a reprodução do seguinte fragmento do voto do Ministro Roberto Barroso, proferido por ocasião do julgamento, conjunto, dos HC 123.108, 123.533 e 123.734:
"71. Partindo da premissa de que a insignificância exclui a tipicidade material, não é possível que a aplicação do princípio dependa de circunstâncias pessoais do agente ou de fatores atinentes a etapa posterior da análise do delito (culpabilidade). Esta conclusão corresponde ao meu atual pensamento sobre a matéria, após detida reflexão à luz da doutrina, da jurisprudência e da realidade do sistema carcerário no Brasil. No entanto, tendo em vista a atual compreensão da Corte sobre o tema, vislumbro dificuldades para a aceitação desta conclusão com todas as suas consequências, razão pela qual passo a expor um encaminhamento menos ambicioso, com o fim de produzir um consenso mínimo e afastar possíveis inquietações que orientam outros pontos de vista legítimos."
O aresto em questão restou assim ementado:
"PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (‘conglobante’), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipóteses de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, §2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente." (STF, Plenário, HC 123.108, Relator Ministro Roberto Barroso, DJe 01-02-2016)
Essa interpretação tem sido prestigiada por julgados mais recentes:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A aplicação do Princípio da Insignificância, na linha do que decidido por esta Corte, pressupõe ofensividade mínima da conduta do agente, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão jurídica causada e ausência de periculosidade social. (Precedente). 2. No julgamento conjunto dos HC's 123.108, 123.533 e 123.734 (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 01.02.2016) o Plenário desta Corte firmou o entendimento de que, no delito de furto simples, a reincidência não impede, por si só, a possibilidade de atipia material. Também foi acolhida a tese de que, afastada a possibilidade de reconhecimento do princípio da insignificância por furto, 'eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, §2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade'. 3. No caso em análise, trata-se de furto simples de um botijão de gás usado, avaliado em R$80,00 (oitenta reais), em que a res furtiva, além [sic] ser de pequena monta, foi restituída à vítima. Ademais, não está caracterizada a habitualidade delitiva específica em delitos patrimoniais. 4. Recurso provido para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o paciente do delito de furto." (STF, 2ª Turma, RHC 140.017, Relator Ministro Edson Fachin, DJe 27-6-2017)
Resumindo: a jurisprudência majoritária do STF sinaliza que (a) a mera existência de inquéritos ou processos em andamento não se revela hábil a excluir a aplicação do princípio da insignificância, somente a condenação transitada em julgado (HC 111.016 e 107.500); (b) a reincidência não afasta, a modo apriorístico, a aplicação da excludente; porém, outra poderá ser a solução nos casos de multirreincidência ou quando essa for específica (HC 119.303 e 123.108), e (c) contumácia e reincidência são conceitos penais diversos (HC 118.089).
Esse, ao menos a meu ver, o atual "estado da arte" ou o ponto de inflexão do debate.
Estabelecidos os alicerces da controvérsia, reafirmo que o exame da insignificância de uma conduta conduz à desnecessidade de sua punibilidade, e há de ser feito, regra geral, a modo objetivo, a partir do grau de lesão, real ou potencial, que o bem juridicamente tutelado pela norma incriminadora tiver sido exposto pela ação humana. No entanto, e tendo em vista os temperamentos admitidos pelo Supremo Tribunal Federal nessa matéria, passo a admitir que esse juízo também deva levar em conta, excepcionalmente, e conforme o contexto do caso concreto, e dos registros anteriores em nome do agente, outras variáveis como a (i) multirreincidência, e (ii) a reincidência específica.
No que tange à expressão da lesão ao bem juridicamente tutelado, a Seção Criminal deste Regional, à luz das Cortes Superiores (STF, HC 92.438, relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 19-8-2008 e STJ, HC 109.494, relatora Desembargadora convocada Jane Silva, decisão monocrática publicada em 05-9-2008), havia firmado o entendimento de que nos crimes previstos nos artigos 1º e 2º, da Lei 8.137/90; 168-A, 334 (hoje 334 e 334-A) e 337-A, todos do Estatuto Repressivo, aquela correspondia ao resultado financeiro obtido pelo agente com a evasão ou a ilusão tributárias a que dera causa, cujo valor consolidado (assim entendido o crédito principal, e acessórios, salvo quanto aos delitos chamados, impropriamente, de apropriação indébita previdenciária, e contrabando, bem como o de descaminho, quando houvesse sido aplicada nestes dois últimos casos a pena de perdimento), todavia, não podia exceder o patamar previsto no artigo 20, caput, da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004, de R$10.000,00 (dez mil reais), então considerado irrisório pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União.
Nada obstante, sobreveio, em 22-3-2012, a Portaria 75 do Ministério da Fazenda (DOU 26-3-2012), determinando, no seu artigo 1º, II, "o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais)".
Calha referir que, em que pese o artigo 62, §1º, I, "b", da Constituição Federal, vede a edição de medidas provisórias que versem sobre Direito Penal e Direito Processual Penal, o referido dispositivo em nada contribui ao deslinde da presente controvérsia, uma vez que a Portaria do Ministério da Fazenda não institui questões sobre essas matérias.
Referido regramento foi editado no uso das atribuições conferidas àquele Ministério pelo inciso II do artigo 87 da Constituição Federal e tendo em conta as disposições do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77, do parágrafo único do artigo 65 da Lei 7.799/89 e do artigo 54 da Lei 8.212/91, que assim lhe autorizam:
"Decreto-Lei 1.569/77:
"Art. 5º. Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor."
Lei 7.799/89:
"Art. 65. Omissis.
Parágrafo único. O Ministro da Fazenda poderá dispensar a constituição de créditos tributários, a inscrição ou ajuizamento, bem assim determinar o cancelamento de débito de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, observados os critérios de custos de administração e cobrança."
Lei 8.212/91:
"Art. 54. Os órgãos competentes estabelecerão critério para a dispensa de constituição ou exigência de crédito de valor inferior ao custo dessa medida.'"
Dessa forma, uma vez alterado o valor padrão até então utilizado pela Administração Tributária para firmar o desinteresse na reparação da lesão fiscal, corolário dessa solução, também legislativa, é a extensão desse parâmetro à esfera judicial-penal, do que resulta o reconhecimento da falta de tipicidade da conduta.
A propósito, saliente-se que os delitos tipificados nos artigos 168-A (e 2º, da Lei 8.137/90), 334 e 334-A (salvo a hipótese em que não tenha havido a aplicação da penalidade de perdimento), do Código Penal, dispensam a prévia constituição do respectivo crédito tributário para a sua consumação, diferentemente das condutas em relação as quais se constata evasão, em sentido lato, dos tributos devidos (artigo 337-A do Código Penal e 1º, da Lei 8.137/90).
Nessa mirada, o valor das contribuições sociais previdenciárias e/ou os tributos, direitos e valores iludidos/evadidos, devido à época do fato ou apurado por ocasião da constituição do crédito tributário, e seus acessórios, conforme o caso, é a grandeza que orienta a subsunção dessa conduta ao parâmetro legal, e financeiro, adotado enquanto critério objetivo da extensão do dano ao bem jurídico.
E, por outro lado, a adoção do paradigma administrativo para a movimentação da máquina judiciária não se faz a modo estanque, mas sim dinâmico, a fim de que a referida grandeza econômica possa preservar seu status de atualidade face às despesas incidentes com a referida postulação judicial, que, como consabido, variam ao longo do tempo.
Logo, não há razoabilidade em pretender-se que a bagatela seja examinada segundo o brocardo tempus regit actum, pois a natureza jurídica do citado recurso hermenêutico não é a de uma elementar do tipo penal, como ocorre, por exemplo, com as denominadas normais penais em branco, mas somente a de um critério valorativo que informa a ausência de ofensividade da conduta, e isso a partir da adoção de um balizador que orienta a equação custo x benefício relativa à cobrança do crédito tributário.
Portanto, é intuitivo que se o ajuizamento da execução na seara cível não tiver se iniciado em momento pretérito ao da eventual alteração do citado parâmetro de insignificância (o valor mínimo para justificar a cobrança fiscal), os custos agregados por ocasião de uma iniciativa superveniente desse jaez (valor consolidado), porque contemporâneos à data dessa deflagração, é que deverão orientar a citada análise, e não aqueles vigentes na data do fato (crédito principal).
A propósito, é de se anotar que o quantum iludido (artigo 334 e 334-A, ambos do Código Penal, nesse caso quando o dolo do agente estiver voltado, na realidade, à aquisição, do/no exterior, de produtos por um preço ou qualidade melhor do que os produzidos no país, isto é, não a perturbar os controles sanitários, estimular concorrência desleal com a indústria brasileira ou prejudicar a economia nacional), "apropriado" (artigo 168-A, do Código Penal) ou não repassado (artigo 2º, da Lei 8.137/90), seja porque à míngua de previsão legal ou nos respectivos tipos penais, não é atualizado para fins de verificação dessa operação.
Voltando-se ao parâmetro legal, e financeiro, é dizer, objetivo, para o reconhecimento da insignificância, cumpre destacar-se que a suposta impossibilidade de a Portaria 75 do Ministério da Fazenda substituir a norma insculpida no artigo 20 da Lei 10.522/2002, não possui maior relevância à aplicação do princípio em debate.
E isso porque, ainda que o referido ato administrativo não possa revogar dispositivo de lei, tal circunstância não altera o fato de que a fixação do mínimo de R$20.000,00 (vinte mil reais) para o ajuizamento de execuções fiscais passou a servir de paradigma para os servidores destinatários da norma.
Assim, o fato de a Lei 10.522/2002 estabelecer o mínimo de R$10.000,00 (dez mil reais) para o ajuizamento de execuções fiscais, em princípio, não impede que o órgão fazendário estabeleça limite maior para tanto, o que demonstra, indubitavelmente, ausência de prejuízo para a vítima (União) e a irrelevância da conduta para o Direito Penal.
Não me escapa que a Seção Criminal deste Regional havia fixado o entendimento no sentido de ser inaplicável o parâmetro da Portaria MF 75/2012 para fatos que lhe são anteriores, uma vez que essa é a orientação que restou consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1254869, 6ª Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19-9-2013, e AgRg no REsp 1384797, 5ª Turma, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe 29-11-2013).
Nada obstante, compreendo que a tese segundo a qual haveria como que uma incidência retroativa do referido parâmetro administrativo, a tisnar o fato de que tal prerrogativa é privativa da lei, enquanto norma primária, encerra controvérsia dotada de nítido cunho constitucional, a ser superada a partir da conjugação dos princípios da reserva legal e da retroatividade da lei penal mais benéfica, a qual, tendo sido submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal, foi solvida, por suas duas Turmas, no sentido da incidência daquele novo patamar para fatos pretéritos (HC 118000, 2ª Turma, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 17-9-2013, e HC 118067, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 09-4-2014).
Assim é que aquele Colegiado, alinhando-se a esse entendimento, reviu sua orientação:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PORTARIA MF Nº 75/2012. RETROATIVIDADE. (...) 1. Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de descaminho considerando (a) o somatório de tributos iludidos (II e IPI), (b) o parâmetro fiscal de R$ 20 mil estabelecido pela Portaria MF nº 75/2012. 2. A data do fato é irrelevante, em razão da recente orientação do Supremo Tribunal Federal que entende aplicável o critério de R$ 20 mil, inclusive para fatos ocorridos anteriormente à vigência da Portaria MPF nº 75/2012. 3 e 4. Omissis. 5. Embargos infringentes e de nulidade providos." (TRF4, 4ª Seção, EINUL 5005227-48.2012.404.7005, Relator p/ Acórdão Des. Federal João Pedro Gebran Neto, D.E. 12-9-2014)
Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF - R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO. 1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO - Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. 3. Recurso especial provido para cassar o acórdão proferido no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0000196-17.2015.4.01.3803/MG, restabelecendo a decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia - SJ/MG, que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrente pela suposta prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal, ante a atipicidade material da conduta (princípio da insignificância). Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada." (STJ, 3ª Seção, REsp 1.709.029, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 04-4-2018)
Dito isso, e admitindo a incidência imediata do indigitado patamar regulamentar, relembre-se, secundado em lei, tenho que o balizador para aferição da insignificância nos delitos chamados, impropriamente, de apropriação indébita previdenciária, e contrabando (quando o dolo do agente estiver voltado, na realidade, à aquisição, do/no exterior, de produtos por um preço ou qualidade melhor do que os produzidos no país, isto é, não a perturbar os controles sanitários, estimular concorrência desleal com a indústria brasileira ou prejudicar a economia nacional), de descaminho (nestes dois últimos casos, quando houver sido aplicada a penalidade de perdimento, salvo as hipóteses de destinação comercial das mercadorias e dos produtos, bem como uma quantidade que não seja compatível com o uso pessoal), e no de não recolhimento de encargos devidos aos cofres públicos, é o crédito, direito ou valor tributário iludido ou não repassado, cujo valor principal seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), ao passo que nos delitos em que tenha havido evasão (em sentido lato), o valor consolidado da dívida fiscal, ou seja, acrescida dos seus consectários legais, até aquele mesmo limite.
No caso concreto, conforme os dados constantes no Laudo de Perícia Criminal Federal 1416/2012 (evento 113, LAUDO2, da ação penal originária), os produtos estrangeiros apreendidos foram avaliados em R$34.739,29 (trinta e quatro mil, setecentos e trinta e nove reais e vinte e nove centavos), com ilusão tributária estimada em R$17.369,64 (dezessete mil, trezentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos).
A propósito, em se tratando de prática, em tese, dos crimes capitulados nos artigos 334 e 334-A, do Código Penal (esse nos casos em que o dolo do agente estiver voltado, na realidade, à aquisição, do/no exterior, de produtos por um preço ou qualidade melhor do que os produzidos no país, isto é, não a perturbar os controles sanitários, estimular concorrência desleal com a indústria brasileira ou prejudicar a economia nacional), resta assente a orientação de que o cálculo do montante do crédito fiscal federal iludido deve basear-se tão somente na cobrança do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), porquanto, do ponto de vista tributário, não há incidência de PIS e COFINS sobre a introdução em solo pátrio de bens estrangeiros que são objeto de pena de perdimento, de acordo com o artigo 2º, inciso III, da Lei 10.865/2004. Por outro lado, fazendo a norma incriminadora alusão a impostos, não há lugar para, em obséquio ao princípio da legalidade estrita, estender-se aquele conceito unívoco à noção de tributos, compreensível, esse sim, de outras espécies tributárias.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. ART. 334, DO CÓDIGO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PIS E COFINS NO CÁLCULO DOS TRIBUTOS ELIDIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI 10.522/2002. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Omissis. 2. Esta Corte tem entendimento jurisprudencial no sentido de que para fins de aplicabilidade do princípio da bagatela, ao delito de descaminho, não se leva em consideração, no montante do valor devido do crédito tributário, os valores correspondentes às contribuições do PIS e da COFINS, já que não incidentes sobre bens estrangeiros que tenham sido objeto de pena de perdimento, conforme dicção do art. 2º, III, da Lei nº 10.865/04. 3. Agravo regimental não provido." (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.351.919, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe 10-10-2013)
Nessa senda, o quantum estimado das exações devidas na hipótese em testilha, diante da suposta importação de mercadorias forâneas sem regularidade fiscal, corresponde à importância inferior ao limite mínimo de relevância administrativa, permitindo o reconhecimento da insignificância da conduta noticiada.
Nesses termos, mantenho a decisão exarada pelo magistrado a quo, negando-se provimento à apelação criminal.
3. Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação criminal.
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000213-71.2012.4.04.7203/SC
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: CLARICE MADALENA ROCKENBACK MARTINS (RÉU)
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. DESCAMINHO. CRIME DO ARTIGO 334, §1º (COM REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.008/2014), DO CÓDIGO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS. DELITO DO ARTIGO 293, §1º, DO CÓDIGO PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO TETO DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE. DESPROVIMENTO.
1. Em se tratando de suposta prática do delito de descaminho, previsto no artigo 334 do Código Penal, e sendo o montante dos impostos federais iludidos, com a introdução irregular de mercadorias estrangeiras, inferior ao limite mínimo de relevância administrativa (R$20.000,00), aferível a insignificância penal, excluindo-se a tipicidade da conduta, desimportando se a conduta foi perpetrada em momento pretérito ao advento da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda.
2. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação criminal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000707024v3 e do código CRC 309eb5c8.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/02/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000213-71.2012.4.04.7203/SC
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
REVISOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)
APELADO: CLARICE MADALENA ROCKENBACK MARTINS (RÉU)
ADVOGADO: MARCO ANTONIO VASCONCELOS ALENCAR JUNIOR
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/02/2019, na sequência 25, disponibilizada no DE de 11/02/2019.
Certifico que a 8ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 8ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO CRIMINAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
VOTANTE: JUIZ FEDERAL NIVALDO BRUNONI
LISÉLIA PERROT CZARNOBAY
Secretária
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