Jurisprudência - STJ

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONCUSSÃO (ART.

Por: Equipe Petições

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PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONCUSSÃO (ART. 316, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) PRATICADA POR DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ QUE EXIGE VANTAGEM INDEVIDA CONSISTENTE NO RATEIO DE VENCIMENTOS PERCEBIDOS POR DUAS SERVIDORAS COMISSIONADAS, COMO CONDIÇÃO PARA A INDICAÇÃO A CARGO EM COMISSÃO E SUA POSTERIOR MANUTENÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS E NÃO CONTESTADAS. TIPICIDADE CONFIGURADA. ÁLIBIS NÃO COMPROVADOS, OS QUAIS, MESMO AUTÊNTICOS, NÃO AFASTARIAM A TIPICIDADE. DOLO EVIDENCIADO. PERDA DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO, CONFORME ARTIGO 92 DO CÓDIGO PENAL, MESMO QUE APOSENTADO COMPULSORIAMENTE PELO CNJ. INDEPENDÊNCIA DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA E PENAL. OBRIGATORIEDADE DE QUE O DECRETO DE PERDA DO CARGO SEJA LANÇADO MESMO NAS HIPÓTESES EM QUE O CONDENADO JÁ SE ENCONTRE APOSENTADO, EXONERADO OU DEMITIDO EM ÂMBITO ADMINISTRATIVO. FATO 1. Ação Penal derivada do Inquérito 1.059/DF, que originou também as APns 841/DF, 885/DF e 909/DF, na qual o mesmo Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará responde por corrupção passiva, decorrente de venda de liminares em plantões judiciais, e lavagem de dinheiro. Nesta, o fato cinge-se à indicação de duas servidoras para o exercício de cargos em comissão, nomeadas respectivamente em 26/5/2011 e 21/7/2011. Valendo-se da posição hierárquica, desde a data da investidura de cada uma delas o magistrado passou a exigir, para si, vantagem mensal indevida, à ordem de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais da de menor remuneração e R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais da de maior vencimento, o que perfez, em relação à primeira, R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais) e, concernente à segunda, R$ 141.000,00 (cento e quarenta e um mil reais). Exigência que foi reiterada 49 (quarenta e nove) vezes a uma e 47 (quarenta e sete) vezes à outra. 2. Pagamentos que ocorriam mediante envelopes depositados sobre a mesa de trabalho do acusado ou mediante transferências bancárias, com manutenção de rigoroso controle por parte do réu, que mantinha contracheque das vítimas e caderno de registro de créditos, artefatos esses recolhidos em busca e apreensão realizada em seu local de trabalho. PRELIMINARESCOMPETÊNCIA: APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE Carlos Rodrigues FEITOSA, PELO CNJ, EM 19/9/2018 3. A denúncia, nesta Ação Penal, foi recebida em 2/12/2015. A instrução foi encerrada em 8/6/2016, com o interrogatório do réu Carlos FEITOSA. O despacho que intimou a defesa para a apresentação das alegações finais foi publicado em 20/9/2016, conforme fl. 455 dos autos eletrônicos. Em 28/8/2017, o processo foi remetido ao Eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relatado, para revisão. Tendo Sua Excelência afirmado a sua suspeição, a revisão coube ao Eminente Ministro Jorge Mussi, a quem o processo foi enviado em 8/9/2017. 4. No julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ, o Supremo Tribunal Federal deliberou: "Além da adoção da interpretação restritiva acima enunciada, esta Corte deve estabelecer um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais - seja do STF ou de qualquer outro órgão jurisdicional - não mais seja afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo (e.g., renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso)". 5. A Corte Suprema fixou tese definindo que, "a partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais", é "prorrogada a competência do juízo para julgar ações penais em todos os graus de jurisdição. Desse modo, mesmo que o agente público venha a ocupar outro cargo ou deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará modificações de competência". 6. Assim, ficou estabelecido o "critério do fim da instrução processual, I.e., a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais", considerado adequado a esses objetivos, por três razões: "Primeiro, trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca margem de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade da decisão dos tribunais de declínio de competência. Segundo, a definição do encerramento da instrução como marco para a prorrogação da competência privilegia, em maior extensão, o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o contato do magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal. Por fim, esse critério já foi fixado pela Primeira Turma desta Casa na AP 606-QO, sob minha relatoria, ainda que apenas em relação à renúncia parlamentar abusiva" (STF, QO na AP 937/RJ, Rel. Ministro Luis Roberto Barroso, julgado em 3/5/2018). 7. Tendo o Egrégio Supremo Tribunal Federal aprovado tese no sentido de que, publicado o despacho que intima os acusados para a apresentação das alegações finais, a competência ficou estabilizada e caberá ao Tribunal que conduziu a instrução proferir o julgamento, mesmo que o agente público deixe o cargo que ocupava, "qualquer que seja o motivo", esse é o entendimento que deve prevalecer também neste caso. 8. Aqui, como dito acima, a instrução foi encerrada em 8/6/2016, com o interrogatório do réu. O despacho que intimou a defesa para a apresentação das alegações finais foi publicado em 20/9/2016, conforme fl. 455 dos autos eletrônicos. Essa data, portanto, é a que há de ser tomada em conta como a que, de acordo com a tese definida pelo E. STF, estabiliza a competência do Superior Tribunal de Justiça Corte, nomeadamente em homenagem ao princípio da identidade física do juiz. 9. Aposentado compulsoriamente pelo CNJ o réu Carlos Rodrigues FEITOSA em 18/9/2018, essa nova condição, porque posterior ao despacho que o intimou para a apresentação das alegações finais, não desloca a competência, razão pela qual o julgamento deve ser realizado pelo STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS, FORMULADO DEPOIS DO PRAZO PARA DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES E TÃO SOMENTE NA OPORTUNIDADE DO ARTIGO 228 DO REGIMENTO INTERNO DO STJ (INDICAÇÃO DE PROVAS QUE EVENTUALMENTE DEVAM SER EXIBIDAS NA SESSÃO DE JULGAMENTO) 10. Conquanto não arguida por escrito, mas porque houve pedido da defesa de inquirição de testemunha depois de encerrada a instrução, requerimento esse que foi indeferido, analiso esse ponto, em preliminar, sob o enfoque de eventual cerceamento de defesa. Tal como dito, o pedido foi extemporâneo, formulado no prazo do artigo 228 do Regimento Interno do STJ. Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento de pedido de oitiva de testemunha conhecida da parte desde o início da marcha processual e que não foi arrolada na fase de defesa e tampouco na oportunidade legal de diligências complementares de que trata o artigo 10º da Lei nº 8.038/1990. O artigo 228 do Regimento Interno do STJ permite que as partes indiquem quais provas, entre aquelas produzidas no correr do processo, inclusive testemunhal, devem ser exibidas ou ouvidas durante o julgamento. Não se presta a inovar na legislação processual - sem deslembrar que esse prazo não consta nem na Lei nº 8.038/1990, nem no Código de Processo Penal) - e autorizar que sejam indicadas testemunhas inéditas, olvidadas na fase de defesa prévia ou na de diligências complementares (artigos 8º e 10º da Lei nº 8.038/1990). 11. Dessa forma, não havia o que autorizasse o deferimento do pedido, tanto mais porque o Regimento Interno apenas determina a intimação, depois de finalizada a instrução, para que se aponte quais das provas devam ser trazidas à sessão de julgamento. Não para a produção de prova nova, não pleiteada nas fases permitidas pela Lei nº 8.038/1990. Admitir o pedido afrontaria o princípio da paridade de armas entre acusação e defesa e implicaria subverter a lógica do processo penal, reabrindo a fase instrutória. 12. Ainda que fosse viável a constatação de alguma eventual nulidade - e não é, como atrás dito -, não poderia ser ela declarada, por força do que dita o artigo 565 do Código de Processo Penal, a dispor que "nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido". Sendo assim, se a própria defesa deixou de apontar a testemunha nas duas oportunidades que teve para assim o fazer, não pode, agora, querer se valer da própria inércia. Nulidade que não se reconhece. MÉRITOMATERIALIDADE 13. Materialidade devidamente comprovada por farta prova documental e por prova testemunhal. A existência do crime está devidamente demonstrada pelos atos de nomeação de fls. 75-77, pelo Laudo 28/2015 - SETEC/Sr/DPF/CE, juntado às fls. 11-63 do Apenso 17, especialmente pela folha 19, na qual consta tabela indicativa dos créditos de valores transferidos mensalmente das contas bancárias das vítimas secundárias e a identificação das suas contas de origem, de onde se percebe que a primeira efetivou transferências em 6/13, 8/13, 9/13, 11/13, 12/13, 1/14, 3/14, 4/14 e 5/14, que totalizaram R$ 27.315,00, para a conta do denunciado; e a segunda transferiu R$ 2.500,00 em cinco operações de R$ 500,00, cada, realizadas em 10/13, 12/13, 1/14, 2/14 e 5/14. As demais operações ocorreram em dinheiro. 14. Fato que ainda é provado pelo teor de diálogo captado em monitoramento telefônico, no qual filho do acusado, de prenome "Fernando", indaga à sua mãe sobre se o acusado "tá fazendo a metade". AUTORIA E EXAME DAS PROVAS 15. Autoria bem demonstrada, com narrativa de uma das vítimas de que a indicação para o cargo em comissão só aconteceu porque ela aceitou repassar a metade do que lhe seria devido pelo Estado ao acusado, ainda que este tenha justificado a ela que assim o seria para que ela pudesse trabalhar apenas meio expediente e, assim sendo, retribuir a concessão que lhe estava sendo feita por ele. 16. Indicação para cargo em comissão que só aconteceu diante da anuência da vítima em entregar percentual de seu vencimento ao acusado. Não há dúvida de que admitir servidor a cargo em comissão, para trabalhar meia jornada - com dispensa da integralidade do tempo normal de trabalho ao alvedrio do réu, chefe imediato -, mediante contrapartida determinante de repasse de metade do vencimento, como pressuposto para a própria investidura, caracteriza a extorsão de que trata a Lei. É de ser ver, inclusive, que não houve negociação entre a vítima secundária e o acusado, tendo uma delas narrado o diálogo: "Aí ele disse, como era só um turno, que eu receberia só a metade, entendeu?" 17. Denunciado que se aproveitou da situação de necessidade econômica de uma das ofendidas secundárias/indiretas, que assim expôs: "Eu queria ter alguma coisa, queria estudar pra concurso. Na época, eu ainda estava querendo estudar e tudo, e aí eu disse vou conseguir fazer as duas coisas, não vou ficar sem. ..". 18. A própria lesada asseverou que nenhum dos comissionados cumpria jornada integral de trabalho, de forma que a exigência de repasse de parte da remuneração em troca da redução da carga horária não pode ser tida como justificativa para a doação de metade da sua remuneração. 19. Indicações que só ocorreram sob a condição de que se dividissem os vencimentos com o Desembargador denunciado, o que caracteriza perfeitamente a extorsão matizadora de concussão. 20. Exigência que também é encontrada em relação à segunda vítima, ex-empregada terceirizada, recém-formada, que até então recebia apenas um salário mínimo e que havia trabalhado com o acusado na época em que ele exerceu o cargo de juiz de direito. Ofendida que explicou: na "situação que eu me encontrava naquela hora, eu já estava muito feliz de estar saindo de um salário mínimo para um salário bom. Então, já estava muito grata pela oportunidade que eu estava tendo. Então, na hora, assim, para mim. .. não sei se você está entendendo. ..". 21. Inexorável certeza de que o acusado se prevaleceu da penúria e parca situação econômica da vítima, oferecendo-lhe emprego público que propiciava remuneração muito mais elevada do que aquela que a servidora percebia até então, como terceirizada, mas desde que ela destinasse a ele percentual de seu vencimento. TIPICIDADE 22. O crime previsto no art. 316 do CP é espécie de extorsão praticada por funcionário público contra particular e se aperfeiçoa com a obtenção de vantagem. Não se requer constrangimento físico contra as vítimas. Dessa forma, a indicação para cargo em comissão mediante condição sine qua non de repasse de parte dos futuros vencimentos e a ameaça implícita e velada, mas sempre concreta, de exoneração pelo não rateio do percentual entabulado àquele que tem o poder para indicar a nomeação e a exoneração, notadamente quando se trata de vítimas de menor capacidade econômica, é o que basta para satisfazer o verbo nuclear do tipo. Nem se cogita que as vítimas pudessem ter a audácia de informar ao desembargador acusado que deixariam de fazer os repasses a ele, sagrando-se ilesas no cargo. 23. "Exigir" é impor como obrigação ou reclamar imperiosamente. A exigência pode ser formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob a ameaça explícita de represálias (imediatas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infligir mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira. E, nesse enredo, não há dúvida de que a imposição do repasse de parte dos vencimentos, sob pena de um mal maior, qual seja, não obter a indicação para cargo ou dele ser exonerado, perfaz o crime de concussão. Nesse sentido, o entendimento do STJ: Quinta Turma - RESP 215.459 - Rel. José Arnaldo Fonseca - j. 02.12.99 - RT 778/563. 24. Motivos determinantes da exigência que são absolutamente desimportantes. Não descaracteriza o crime que os valores embolsados pelo réu tenham sido destinados ao pagamento de festas do próprio gabinete, assinaturas de periódicos ou ajuda a estagiário. As quantias exigidas das vítimas não se classificam como contribuições espontâneas ou voluntárias para essas finalidades e em muito superam os alegados dispêndios. Basta que se verifique que foram arrecadados R$ 141.000,00 (cento e quarenta e um mil reais) de uma e R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais) de outra, respectivamente entre agosto de 2011 e junho de 2015 e entre junho de 2011 e junho de 2015, totalizando R$ 165.500,00 (cento e sessenta e cinco mil e quinhentos reais), o que em muito supera os gastos com as finalidades apontadas pelo acusado. ALEGAÇÃO DE QUE AS "CONTRIBUIÇÕES" ERAM VOLUNTÁRIAS E DESTINAVAM-SE AO CUSTEIO DE DESPESAS DO GABINETE E AJUDA A ESTAGIÁRIO CARENTE 25. Álibi invocado que nem mesmo foi demonstrado ou comprovado. Suposto estagiário carente beneficiário das "contribuições" que encerrou sua atividade no gabinete em 9/11/2011, muito embora os repasses ao acusado tenham prosseguido por mais quatro anos e só tenham sido estancados com a busca e apreensão ocorrida em seu local de trabalho, o que demonstra a ausência de liame entre os valores pagos pelos comissionados e a ajuda financeira ao hipossuficiente. Inquirição de estagiário que não foi pedida pela defesa nem na defesa prévia e nem na fase de diligências complementares (arts. 8º e 10º da Lei nº 8.038/1990). Testemunha que desde sempre era conhecida pela defesa. 26. Assinaturas de livros ou revistas não comprovadas. Ainda que essas justificativas pudessem ser tomadas como autênticas, em nada afastariam a indevida exigência de vantagem pecuniária. 27. Organizada contabilidade do crédito desses valores encontrada no correr da busca e apreensão realizada no gabinete do acusado que afasta a por ele afirmada espontaneidade dos repasses, principalmente diante do registro de entradas, mas não de saídas destinadas ao suposto estagiário carente ou ao pagamento das demais despesas que apontou. PENA 28. Pena-base fixada em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, ao valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes ao tempo do fato, acrescida de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva (artigo 71, caput, do Código Penal), tendo em vista tratar-se de exigência que se renova mês a mês, não se cuidando de crime único de efeitos protraídos, pelo que o número de vezes em que a conduta foi reiterada, 47 vezes, bem como o tempo pela qual se prolongou, quatro anos, em relação a uma das vítimas, e pena-base definida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, ao valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes ao tempo do fato - pena-base esta exasperada, em relação à primeira, por ter o réu aqui se valido da situação de penúria e necessidade da vítima -, acrescida de 2/3 (dois terços), decorrência do número de vezes em que a conduta foi repetida, 49 vezes, bem como o tempo pela qual se estendeu, quatro anos. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA EM RELAÇÃO ÀS EXIGÊNCIAS DIRECIONADAS A CHARLIENE FERNANDES DE Araújo E A ALINE GURGEL MOTA 29. Charliene Fernandes de Araújo Coser e Aline Gurgel Mota foram nomeadas, respectivamente, em 26/5/2011 e 21/7/2011, para o exercício dos cargos em comissão de Direção Judiciária Superior de Assessora de Desembargador e de Gerência e Assessoria Judiciária de Oficiala de Gabinete, as quais passaram a desempenhar as atribuições no gabinete do réu. 30. No caso dos autos, as condutas relacionadas a Charliene tiveram início em 26/5/2011, e aquelas condizentes a Aline Gurgel, em 21/7/2011. Portanto, há sobreposição de períodos na concussão praticada em relação aos dois crimes, o que permite admitir a existência de única continuidade delitiva. 31. O artigo 71, caput, do Código Penal dispõe que, "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços". Como a pena já foi exasperada em 2/3 (dois terços) no fato de maior gravidade, não há que se fazer novo acréscimo. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS 32. Não obstante a sanção cominada ao réu não ultrapasse 4 (quatro) anos, a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis impõe a determinação de regime carcerário semiaberto, à vista do disposto no art. 33, § 2º, "b", do Código Penal, e sua combinação com o § 3º do mesmo dispositivo, tudo com observância dos critérios fixados no art. 59 do mesmo diploma. Precedentes da Corte Especial (APN 466/DF, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 6/12/2017) e das Turmas (AGRG no HC 329.240/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/8/2016, DJe 2/9/2016; HC 216.936/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, julgado em 7/8/2014, DJe 14/8/2014). 33. No mais, as circunstâncias negativas do delito evidenciam que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não se mostra adequada nem suficiente, motivo pelo qual não deve ser operada. PERDA DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO 34. Conforme o artigo 92 do Código Penal, porque a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a um ano por crime praticado com violação de dever para com a Administração Pública, deve incidir o efeito específico da perda do cargo público. Trata-se de crime ligado ao exercício funcional, praticado no desempenho do cargo e com abuso dele. Como membro do Poder Judiciário, cumpria ao réu, acima de tudo, zelar pela escorreita aplicação da Lei, pela defesa da regularidade dos procedimentos e pelo combate ao crime e a quem os pratica. A integridade, a probidade e a seriedade são corolários inafastáveis do desempenho do relevante cargo de magistrado. Nessa esteira, a incidência do efeito de perdimento do cargo é imperativa, como medida adequada, necessária e proporcional, forma de se preservar a sociedade e a dignidade do Poder Judiciário do Ceará, que exige atuar de seus membros impecavelmente probo e íntegro, e sobre os quais não deve pairar qualquer suspeita de ato que atente contra a moralidade administrativa ou que suscite dúvidas sobre sua legalidade. NECESSIDADE DA DECRETAÇÃO DA PERDA DO CARGO, NÃO OBSTANTE A SANÇÃO DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA APLICADA PELO CNJ 35. O acusado, detentor de cargo vitalício, foi aposentado compulsoriamente com proventos proporcionais pelo CNJ em 18/9/2018. A aposentadoria que o levou à inatividade é resultado da aplicação da penalidade máxima cominada no artigo 42, inciso V, da Lei Complementar 37/1997 (LOMAN). O artigo 76 da Lei Estadual 9.628/1974 do Ceará, Estatuto dos Funcionários Públicos Civis daquele Estado, estipula que "O funcionário perderá o cargo vitalício somente em virtude de sentença judicial". Já o artigo 179 do mesmo Estatuto preconiza que "São independentes as instâncias administrativas civil e penal, e cumuláveis as respectivas cominações". Colhe-se ainda da citada Lei, em seus artigos 180 e 181, que "A apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo" e que "Extingue-se a responsabilidade administrativa: I - com a morte do funcionário; II - pela prescrição do direito de agir do Estado ou de suas entidades em matéria disciplinar". Por fim, o artigo 196 do mesmo Estatuto determina que "As sanções aplicáveis ao funcionário são as seguintes: I a V omissis; VI - cassação de aposentadoria"; 36. Como bem se percebe da legislação cearense (artigo 180 da Lei Estadual 9.628/1974), "a apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo". Nota-se claramente que o fato de o agente público ter perdido o cargo não afasta sua responsabilização, que, a teor do artigo 181 do mesmo diploma normativo, só se extingue com a sua morte ou com a prescrição. 37. Perduram, conforme se vê, os efeitos do exercício da função pública desempenhada para além do seu perdimento, o que fundamenta o prosseguimento da apuração da responsabilidade administrativa, que pode culminar até mesmo na pena de cassação de aposentadoria. É dizer: o Direito Administrativo preservou a sua autonomia e a sua independência, assegurando a conclusão do processo disciplinar e a incidência da pena administrativa mesmo que o servidor público tenha perdido o cargo que desempenhava por força de sentença penal condenatória ou de sentença cível de improbidade administrativa. 38. O objeto da discussão nestes autos, entretanto, trata da hipótese reversa: a autonomia e a independência do Direito Penal, designadamente na aplicação da sanção do artigo 92 do Código Penal, quando o funcionário público perdeu o cargo pela via administrativa. INDEPENDÊNCIA DA ESFERA PENAL E ADMINISTRATIVA 39. O ponto aqui analisado versa exclusivamente sobre a independência da esfera penal e administrativa. Não se está a discutir cassação da aposentadoria do acusado, muito embora, se presentes determinados pressupostos, a Procuradoria do Estado do Ceará ou o Ministério Público daquele Estado possam ingressar com ação própria objetivando a supressão do benefício, como prevê a Lei, tal como diante se verá. 40. Importa observar que a mesma repartição da competência penal e da administrativa ditada pela Lei Estadual 9.628/1974 é encontrada no artigo 125 da Lei nº 8.112/1990, o Estatuto do Servidor Civil da União, o que demonstra que a previsão cearense não é exceção à regra, mas a reafirma. Nesses termos, o servidor (em sentido amplo) responderá civil, penal e administrativamente pelos atos praticados. A independência de instâncias é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência do STF: AI 681487 AGR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, Acórdão Eletrônico DJe-022 divulgado em 31/1/2013; MS 22899 AGR, Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 2/4/2003, DJ 16/5/2003 PP-00092 Ement. Vol. -02110-02 PP-00279; 41. À vista disso, conclui-se que, embora tanto a aposentadoria compulsória com proventos proporcionais quanto o Decreto de perda do cargo conduzam ao mesmo efeito — vacância do cargo —, levando ao afastamento do agente da função pública, o fato é que a independência das instâncias impõe que assim seja - embora, como dito, o resultando, ao menos quando à vacância do cargo, possa ser o mesmo. POSSIBILIDADE DA REVERSÃO DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA PELA VIA JUDICIAL OU MESMO ADMINISTRATIVA 42. E isso se explica porque, verbi gratia, se o condenado eventualmente lograr a reversão da penalidade administrativa - seja pela via mandamental, por via de ação ordinária ou mesmo por recurso administrativo -, a ausência da declaração do efeito do perdimento do cargo no âmbito criminal implicará o seu regresso à atividade, sem que nada possa ser feito em relação a isso. Ou seja: estará impune porque o juízo criminal confiou na sanção administrativamente aplicada, que, ao fim e ao cabo, pode ser revertida pelas mais diversas vias. CONCOMITÂNCIA DO EFEITO ADMINISTRATIVO E PENAL DO AFASTAMENTO DO CARGO QUE VIGOROU DURANTE TODO O PROCESSO 43. No caso concreto, essa sobreposição de comandos vigorou - vale enfatizar - durante todo o presente processo penal. Observa-se que o acusado foi afastado cautelarmente pelo STJ da função pública exercida em 15/6/2015. Não obstante a cautelar processual-penal, o CNJ, no Processo Administrativo Disciplinar 0005022-44.2015.2.00.0000, também determinou o afastamento do magistrado, em outubro de 2015, de forma que ele ficou impedido de exercer a função pública tanto por força do processo criminal quanto por determinação lançada no processo administrativo disciplinar. 44. Se foi assim durante todo o curso da instrução, não há o que justifique que, condenado penalmente, a ele subsista apenas a sanção administrativa e que se despreze o efeito da condenação penal. Decreto DE PERDA DO CARGO PÚBLICO QUE NÃO AGRAVARÁ A SITUAÇÃO DO RÉU E NEM IMPLICARÁ APLICAÇÃO DE PENA NÃO COMINADA NA Lei Penal 45. Na prática, a sobreposição do efeito (vacância do cargo) da pena de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais à pena de perdimento do cargo decretada em Acórdão penal não implicará resultado imediato e concreto direto porque, como se disse, o magistrado já está aposentado. Todavia, a questão ganha contorno de relevância exatamente na hipótese de eventual reversão judicial ou mesmo administrativa da penalidade lançada pelo CNJ. 46. Tal qual bem enfatizado pela Eminente Ministra Nancy Andrighi, caso se tratasse de aposentadoria voluntária, haveria a possibilidade - ainda que remota - de o Tribunal de Contas entender que não estavam adimplidos os pressupostos necessários do ato e determinar o regresso do servidor ao cargo, até a satisfação dos requisitos necessários ao ato de aposentação. 47. Tratando-se, todavia, de aposentadoria compulsória de agente vitalício, a situação é ainda mais grave, porque nesta há sempre a possibilidade concreta da reversão judicial do ato administrativo, seja pela inobservância de alguma formalidade procedimental ou formal, seja pelo reexame dos pressupostos ou mesmo da reanálise da proporcionalidade da pena. 48. Dessa forma, não há como se ter a certeza de que a decisão do CNJ é imutável. Bem por isso, é fundamental que o Acórdão penal condenatório imponha, como a Lei determina, a pena de perdimento do cargo, a lattere da pena administrativa já vigente. DISTINGUISHING — APOSENTADORIA COMPULSÓRIA COM PROVENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO (PENA ADMINISTRATIVA) E PERDA DO CARGO (EFEITO DA CONDENAÇÃO PENAL) 49. Também se faz necessário, apenas ad argumentandum, o distinguishing entre a pena administrativa de aposentadoria compulsória prevista para os detentores de cargos vitalícios e a pena de perda do cargo decretada em sentença penal para os vitalícios e não vitalícios, indistintamente. 50. Se a aposentadoria compulsória é pena administrativa prevista na LOMAN, a perda do cargo ditada em sentença penal é reflexo da condenação criminal. São institutos que encontram bases, fundamentos e consequências diferentes. A perda do cargo extingue o vínculo do servidor condenado com a Administração Pública. A aposentadoria compulsória, como pena, mantém esse vínculo, mas altera a situação do servidor para "inativo". 51. Não por acaso, o Estatuto de Servidor Público do Ceará e a própria Lei nº 8.112/90 estipulam a cassação da aposentadoria daquele que foi responsabilizado administrativamente por fato praticado na condição de servidor ativo, caso já aposentado no momento do término do processo administrativo disciplinar, e ordenam que o processo de apuração interna seja ultimado. Como bem se percebe da legislação cearense (artigo 180 da Lei Estadual 9.628/1974), "a apuração da responsabilidade do funcionário processar-se-á mesmo nos casos de alteração funcional, inclusive a perda do cargo". E isso se explica justamente porque a perda do cargo e a aposentadoria compulsória são institutos diferentes que geram consequências diferentes. POSSIBILIDADE DE Decreto PERDA DO CARGO DE AGENTES VITALÍCIOS EM SENTENÇA PENAL 52. A Corte Especial do STJ sedimentou de longa data a possibilidade de determinar a perda do cargo ocupado por agentes vitalícios, como efeito secundário da condenação, nos crimes funcionais. É o que se verifica dos seguintes julgados: APN 224, Relator Ministro Luis Felipe Salomão; APN 266, Relatora Ministra Eliana Calmon; APN 300, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APN 327, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APN 422, Relator Ministro Mauro Campbell Marques; APN 675, Relatora Ministra Nancy Andrighi, entre várias outras. 53. Diante dessa distinção entre aposentadoria compulsória e perda do cargo em sentença penal, torna-se ainda mais necessário que conste do Acórdão condenatório a incidência da pena de perdimento da função pública ocupada por Carlos Rodrigues Feitosa, medida que propiciará que, em ação própria, os legitimados promovam a eventual cassação do benefício previdenciário. 54. Em obter dictum, especificamente em relação a magistrado, destaco que a Quinta Turma do STJ, no RMS 18.763/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 6/11/2005, DJ 13/2/2006 p. 832, decidiu que "prescinde de previsão legal expressa a cassação de aposentadoria de magistrado condenado à perda de cargo em sentença penal transitada em julgado, uma vez que a cassação é consectário lógico da condenação, sob de pena de se fazer tábula rasa à norma constitucional do art. 95, inciso I, da CF/88, que prevê a perda de cargo de magistrado vitalício, somente em face de sentença judicial transitada em julgado. Já no RMS 13.934/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 12/8/2003, ficou decidido que "Legítima é a cassação de aposentadoria de servidor, decorrente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória pela prática de crime cometido na atividade, que lhe impôs expressamente, como efeito extrapenal específico da condenação, a perda do cargo público". CASO CONCRETO 55. Não obstante, no caso destes autos, não se está a tratar de cassação de aposentadoria, mas de simples reconhecimento - em âmbito penal - da necessidade de Decreto de perda do cargo e da presença dos fundamentos necessários a tanto, em reforço da decisão administrativa. Eventualmente revertida esta, remanescerá a pena criminal. Daí a necessidade da declaração expressa deste efeito da condenação, ainda que o réu já esteja aposentado compulsoriamente. 56. Expostas essas premissas, percebe-se que os precedentes jurisprudenciais - AgInt no RESP 1.529.620 /DF, Rel. Min. Sebastião Reis Junior; e AGRG no RESP 1.227.116/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - invocados no início da sessão de julgamento são não se amoldam a este caso, ou a justificar a não decretação da perda do cargo (e não a cassação da aposentadoria), porque, todos eles, cuidam de hipóteses em que a perda do cargo vinha seguida da cassação da aposentadoria, na própria sentença penal. 57. Assim também o RESP 1.317.487/MT, Relatora Ministra Laurita Vaz, cujo mote da questão lá examinada era, novamente, discussão a respeito da cassação de aposentadoria de policial militar acusado de tortura e já aposentado voluntariamente no momento do julgamento. 58. Portanto, diferentemente do que foi compreendido ao início do julgamento desta Ação Penal, o que se está a sedimentar aqui é tão somente a perda do cargo público como efeito da condenação criminal, em homenagem à independência das instâncias administrativa e penal e como forma de viabilizar a concretização do efeito da condenação criminal. Se não houver modificação da pena imposta em seara administrativa, a deliberação não terá efeito prático. Do contrário, assegurará a autonomia e a independência do Direito Penal diante do Administrativo, assegurando a efetiva perda do cargo por aquele que cometeu crime contra a Administração. 59. Certo é que não se está a decretar a cassação da aposentadoria do réu, muito embora, como atrás registrado, ela possa ser obtida pela via judicial adequada e mediante ação própria a ser proposta pelos legitimados, nos termos do artigo 204 do Estatuto do Servidor Público Civil do Ceará, que dispõe que "Será cassada a aposentadoria ou disponibilidade se ficar provado, em inquérito administrativo, que o aposentado ou disponível praticou, quando no exercício funcional, ilícito punível com demissão". 60. Portanto, reafirmo a necessidade de que o réu seja penalmente condenado à perda do cargo público, conquanto dele já tenha sido afastado. EXECUÇÃO DA PENA 61. Não cabendo mais recursos ordinários, e na esteira da atual jurisprudência do STF (ARE 964246), deve ser expedido o mandado de prisão, tão logo julgados eventuais Embargos de Declaração, ou decorrido o prazo para a sua interposição, caso não protocolados. DISPOSITIVO 62. Condenação a 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e multa de 30 (trinta dias-multa), ao valor de 2 (dois) salários mínimos vigentes ao tempo dos fatos, devidamente corrigidos até o efetivo pagamento, dando-se o réu como incurso nas sanções do artigo 316, caput, do Código Penal, por 49 (quarenta e nove) vezes em relação à primeira vítima, em continuidade delitiva, na forma do artigo 71, caput, do Código Penal, e por 47 (quarenta e sete) vezes em relação à segunda, também em continuidade delitiva, na forma do dispositivo atrás citado, pena essa a ser cumprida em regime inicial semiaberto. 63. Afastamento do cargo mantido, até o trânsito em julgado. (STJ; APen 825; Proc. 2013/0320093-9; DF; Corte Especial; Rel. Min. Herman Benjamin; Julg. 08/04/2019; DJE 26/04/2019)

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