PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL.
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REGIME ESTATUTÁRIO GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E CONTRATUAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. REGIMES AUTÔNOMOS, COM REGRAMENTOS PRÓPRIOS. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PREVISÃO, NO REGULAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, DE PAGAMENTO DE JOIA PARA INSCRIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO REGULAMENTAR, APÓS APROVAÇÃO PELO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR. APLICA-SE A TODOS OS PARTICIPANTES E BENEFICIÁRIOS QUE, NA OCASIÃO, NÃO ERAM ELEGÍVEIS AO BENEFÍCIO.
1. O art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
2. A Previdência Complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. Com efeito, conforme dispõe o art. 68, § 2º, da Lei Complementar n. 109/2001, a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do Regime Geral de Previdência Social.
3. O art. 40 da Lei n. 6.435/1977 estabelecia que, "para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". Já o artigo 1º da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.
4. A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Nesse diapasão, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício. 5. Os arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n.
109/2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos das entidades fechadas aplicam-se a todos os participantes e potenciais beneficiários das entidades fechadas (a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador), só sendo considerados direito adquirido do participante os benefícios a contar da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdência privada complementar. Precedentes.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1605346/BA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 28/03/2019)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | FAELBA - FUNDAÇÃO COELBA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR |
ADVOGADOS | : | ÉRIKA CASSINELLI PALMA - SP189994 |
MARIA CRISTINA FIRPO MASCARENHAS RIBEIRO E OUTRO(S) - BA0012291 | ||
RECORRIDO | : | FERNANDO SANTANA |
ADVOGADO | : | CARLOS RAFAEL DE ABREU SILVEIRA - BA0027246 |
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Fernando Santana ajuizou, em 22 de maio de 2013, "ação de cumprimento de obrigação de fazer" em face da Fundação Coelba de Previdência Complementar - FAELBA.
Afirma ser o único dependente de José Araújo Ferreira, falecido em 3 de setembro de 2003, e que, por ocasião do óbito, recebia benefício de previdência complementar do Plano Previdenciários n. 2, administrado pela entidade previdenciária recorrente.
Narra que desde 1988 "convivia em sociedade de fato homoafetiva com o beneficiário", como era de notório conhecimento público e reconhecido em ação de justificação pela 1ª Vara de Família da comarca local e pela Justiça Federal, para recebimento de benefício de pensão por morte da previdência oficial.
Assevera que, por diversas vezes, formulou à ré requerimento administrativo com o fito de obter o benefício de previdência complementar por ser o único dependente do assistido, tendo sido negado ao fundamento de que não lhe fazia jus.
Argumenta que o entendimento diverge do proferido pela Sexta Turma do STJ, no julgamento do REsp n. 543.737⁄SP, em que ficou estabelecido que o benefício da pensão por morte deve ser fixado na data do óbito, quando requerida em até 30 dias, ou na data em que ocorreu o pedido, quando requerida após aquele prazo.
Obtempera que o art. 16, I, da Lei n. 8.213⁄1991 reconhece a qualidade de dependente a companheira ou companheiro e que o regulamento do Plano de Suplementação de Aposentadoria 001, na Seção XIII, prevê o "pecúlio especial", que se assemelha à pensão por morte.
Pondera que o Plano de Benefícios 002, em vigor, é mais desfavorável, por cobrar um valor denominado "joia" para o ingresso no plano, todavia não era o que vigia na data de admissão do empregado, devendo ser observada a Súmula 288⁄TST, que só admite alterações que sejam mais favoráveis ao beneficiário do direito.
O Juízo da 22ª Vara Cível da Comarca de Salvador julgou procedente o pedido formulado na inicial.
Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça da Bahia, que negou provimento ao recurso.
A decisão tem a seguinte ementa:
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Sobreveio recurso especial da entidade previdenciária demandada, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial, omissão e violação aos arts. 460 e 535 do CPC⁄1973; 39, 40 e 42 da Lei n. 6.435⁄1977; e 7º, 12, 17 e 68 da Lei Complementar n. 109⁄2001.
Assegura a recorrente ser incontroverso que, por ocasião do falecimento do assistido, não havia beneficiário inscrito no plano de benefícios, muito embora o regulamento vigente exija, por ocasião do óbito, além do vínculo de dependência reconhecido pelo INSS, a efetiva inscrição do beneficiário no plano, mediante pagamento de "joia de inscrição de beneficiário".
Considera ser imprescindível a prévia constituição de reservas e que, se não tem conhecimento da existência de beneficiário, o cálculo atuarial passa a não considerar o benefício pós-morte - imperativo para que não ocorram desequilíbrios no plano de benefícios.
Obtempera que não procede a tese do recorrido de que deve prevalecer o regulamento do plano de benefícios vigente no momento da adesão à relação previdenciária e que a homoafetividade não é a causa determinante para a apreciação do pleito, que consiste na inexistência de oportuna inscrição e custeio do benefício.
Expõe que sustentou na apelação ser possível a inscrição do beneficiário post mortem apenas nos casos em que o regulamento do plano de benefícios contratado não exigir o pagamento de joia como cobertura do déficit criado em vista da inexistência, até essa ocasião, de beneficiário inscrito.
Diz que a Corte local, "de forma um tanto simplista, resumiu-se a invocar o precedente" da Terceira Turma contido no REsp n. 1.026.981⁄RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, que não se amolda ao caso.
Sustenta ser indiscutível que o reconhecimento da união estável viabilizaria a inscrição do recorrido como beneficiário caso o regulamento do plano de benefícios não exigisse o pagamento de joia de inscrição.
Acena que a "joia é uma espécie de 'pedágio', uma taxa calculada atuarialmente, que possibilita a constituição de reservas que garantam o benefício contratado", e que, consoante os arts. 17 e 68 da Lei Complementar n. 109⁄2001, é possível a alteração do regulamento dos planos de benefícios para assegurar o equilíbrio dos planos.
Expõe que este Colegiado, no julgamento do REsp n. 1.184.621, perfilhou o entendimento - que se amolda ao caso - de que os regulamentos dos planos de benefícios podem ser revistos em caso de apuração de deficit ou superávit decorrente de projeção atuarial que, no decorrer da relação contratual, não se confirme, pois no regime fechado de previdência privada há um mutualismo, com explícita submissão ao regime de capitalização; além de que, à luz da ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977 e da Lei Complementar n. 109⁄2001, a legislação de regência, visando resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de custeio, sempre previu a possibilidade de alteração do regulamento do plano de benefícios, inclusive dos valores das contribuições e dos benefícios. Por isso, a teor do parágrafo único do art. 17 e do § 1º do art. 68, ambos da Lei Complementar n. 109⁄2001, só há falar em direito adquirido na ocasião em que o participante preenche todas as condições para o recebimento do benefício (torna-se elegível ao benefício).
Alega que, por ocasião do falecimento do companheiro do recorrido, já estava em vigor a regra regulamentar que exige o pagamento da joia e que, se todos os demais participantes estão sujeitos a essa regra, não pode ser estabelecida solução diferente para o recorrido.
Dei provimento ao AREsp n. 755.732⁄BA para que fosse convertido no presente recurso especial.
Em vista da relevância do tema e da constatação de que o recurso devolve nuance controvertida relevante acerca da indubitável previsão regulamentar do pagamento de joia para inscrição do beneficiário - ainda não detidamente abordada na jurisprudência do STJ -, à luz do que preceitua o art. 138 do CPC, oportunizei a participação, na qualidade de amicus curiae, de entidades com representatividade adequada.
Dessarte, determinei fosse dada ciência, facultando-se-lhes manifestação, no prazo de quinze dias úteis (art. 138, Lei n. 13.105⁄2015), às seguintes entidades: Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - ANAPAR, Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas - APEP, Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP, Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização -CNSEG; e Instituto Brasileiro de Atuária - IBA.
A autarquia federal fiscalizadora Previc, como amicus curiae, declarou, in verbis:
O Instituto Brasileiro de Atuária - IBA, como amicus curiae, assim opinou:
A Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - Anapar, como amicus curiae, ponderou:
A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - Abrapp, como amicus curiae, fez estas considerações:
A Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas - APEP, como amicus curiae, sopesou:
O Ministério Público Federal assim se manifestou:
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | FAELBA - FUNDAÇÃO COELBA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR |
ADVOGADOS | : | ÉRIKA CASSINELLI PALMA - SP189994 |
MARIA CRISTINA FIRPO MASCARENHAS RIBEIRO E OUTRO(S) - BA0012291 | ||
RECORRIDO | : | FERNANDO SANTANA |
ADVOGADO | : | CARLOS RAFAEL DE ABREU SILVEIRA - BA0027246 |
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REGIME ESTATUTÁRIO GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E CONTRATUAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. REGIMES AUTÔNOMOS, COM REGRAMENTOS PRÓPRIOS. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PREVISÃO, NO REGULAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, DE PAGAMENTO DE JOIA PARA INSCRIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO REGULAMENTAR, APÓS APROVAÇÃO PELO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR. APLICA-SE A TODOS OS PARTICIPANTES E BENEFICIÁRIOS QUE, NA OCASIÃO, NÃO ERAM ELEGÍVEIS AO BENEFÍCIO.
1. O art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
2. A Previdência Complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. Com efeito, conforme dispõe o art. 68, § 2º, da Lei Complementar n. 109⁄2001, a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do Regime Geral de Previdência Social.
3. O art. 40 da Lei n. 6.435⁄1977 estabelecia que, "para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". Já o artigo 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.
4. A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Nesse diapasão, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício.
5. Os arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos das entidades fechadas aplicam-se a todos os participantes e potenciais beneficiários das entidades fechadas (a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador), só sendo considerados direito adquirido do participante os benefícios a contar da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdência privada complementar. Precedentes.
6. Recurso especial parcialmente provido.
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Como é sabido, não se caracteriza, por si só, omissão, contradição ou obscuridade quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.
Dessarte, não há falar em violação ao art. 535 do CPC⁄1973, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, não cabendo confundir omissão, obscuridade e contradição com entendimento diverso do perfilhado pela parte.
3. A principal questão controvertida consiste em saber se há possibilidade de imposição regulamentar de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar de modo a habilitá-lo a se tornar elegível ao benefício de previdência complementar post mortem.
A sentença anotou:
O acórdão recorrido, por seu turno, dispôs:
Como relatado, os fatos são incontroversos, e constam da causa de pedir que: a) por ocasião da afirmada elegibilidade ao benefício de pensão - falecimento do companheiro do autor -, realmente, o regulamento vigente do plano de benefícios previa a necessidade de inscrição de dependente mediante recolhimento de joia, além da concessão do benefício de pensão pela previdência oficial; b) a inexistência do recolhimento de joia é o óbice invocado pela entidade previdenciária ré ao pagamento (elegibilidade) do benefício de pensão.
Consigno, por oportuno, que o tema controvertido é diverso do que se discute no recurso repetitivo, REsp n. 1.435.837⁄RS - Tema 907 -, pois não se cuida de definição sobre o regulamento aplicável ao participante de plano de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar, visto que a questão limita-se em saber se é possível a exigência regulamentar de pagamento de joia para que dependente de ex-participante possa se tornar elegível ao benefício de pensão post mortem.
É imperioso observar que, muito embora mencionado a título de mero obiter dictum na sentença, a existência ou não de união estável ou homoafetividade é irrelevante para a solução da controvérsia, posto que, consoante a causa de pedir exposta na exordial e a própria contestação da ré, o autor não foi considerado elegível ao benefício em vista de não ter havido a oportuna inscrição, mediante pagamento de joia, como dependente.
Nesse diapasão, a própria sentença anota que a entidade previdenciária formulou o pedido sucessivo de recolhimento de joia no valor de R$ 214.341,86 (duzentos e quatorze mil, trezentos e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos), o que, frise-se, nem sequer é cogitado pelo autor nos autos para ensejar o suporte do custeio do benefício.
Com efeito, observa-se que, conforme precedente da Terceira Turma, inclusive mencionado no acórdão recorrido, "comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável" (REsp 1.026.981⁄RJ, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄2⁄2010, DJe 23⁄2⁄2010).
Aliás, a própria entidade previdenciária reconhece nas razões do recurso em apreço que, não fosse a questão da previsão regulamentar do pagamento da joia prevista no regulamento do plano de benefícios, nem mesmo a prévia inscrição do dependente como beneficiário caberia ser invocada como óbice ao recebimento do benefício de natureza privada e suplementar.
4. De início, anoto que o art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.
Na mesma toada, dispõe o art. 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 que o regime de previdência privada, organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal.
A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio (A Contratualidade e a Independência Patrimonial dos Planos de Benefícios, Anais do Seminário "Aspectos Fundamentais dos Fundos de Pensão", São Paulo, CEDES, 2005, p. 68).
Portanto, os planos de previdência complementar são de adesão facultativa, devendo ser elaborados com base em cálculos atuariais que, conforme o art. 43 da ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977 e o art. 23 da Lei Complementar n. 109⁄2001, ao final de cada exercício, devem ser reavaliados.
Em vista do aduzido na exordial, cumpre observar que, conforme consignado em recurso repetitivo julgado pela Segunda Seção (REsp n. 1.564.070⁄MG), a previdência complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional.
Nessa linha de pensamento, Maria Lúcia Américo dos Reis e José Cassiano Borges registram que a previdência pública e a previdência complementar no Brasil não têm sequer origem comum (REIS, Maria Lúcia Américo dos; BORGES, José Cassiano. Fundos de Pensão: regime jurídico tributário da poupança do futuro. Rio de Janeiro, ADCOAS, 2002, p. 9-10).
No entanto, diversamente do que ocorre com os participantes dos planos de previdência privada, os segurados da previdência pública submetem-se à relação jurídica de adesão compulsória, não havendo contrato, tendo em vista que os direitos e obrigações decorrem da lei. "Para o segurado, a prestação tem natureza de um direito público subjetivo" (MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 285).
Deveras, a própria Lei Complementar n. 109⁄2001 espanca quaisquer dúvidas ao proclamar a independência dos regimes e estabelecer no art. 68, § 2º que a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do regime geral de previdência social.
5. Nessa toada, cumpre frisar que, em vista das características peculiares do regime de previdência privada - que necessita da manutenção do equilíbrio atuarial do plano de custeio -, a ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977, também previa a possibilidade de revisão dos benefícios a conceder (PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 423-424).
O art. 34, I, da Lei Complementar n. 109⁄2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência privada "apenas" administram os planos, havendo, conforme dispõe o art. 35 do mesmo normativo, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional, ao qual incumbe, entre outras atribuições relevantes, definir a política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios, gestão de investimentos e plano de aplicação de recursos, alteração de estatuto e regulamentos dos planos de benefícios, nomeação e exoneração dos membros da diretoria executiva, contratação de auditor independente atuário e de avaliador de gestão) e fiscal (órgão de controle interno).
Na verdade, como se trata de relação contratual facultativa, em que a entidade fechada de previdência privada não opera com patrimônio próprio, havendo mutualismo, a legislação de regência impõe e fomenta um sentido de autorresponsabilidade à coletividade dos participantes e assistidos dos planos de benefícios ao, efetivamente, propiciar ampla participação não só no tocante à gestão, mas também no que diz respeito ao controle dos atos de gestão envolvendo o plano de benefícios.
Nesse passo, os arts. 23 e 24 da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelecem que as entidades fechadas deverão manter atualizada sua contabilidade, de acordo com as instruções do órgão regulador e fiscalizador, submetendo-a a auditores independentes, com obrigação de divulgação aos participantes, inclusive aos assistidos, das informações pertinentes aos planos de benefícios, ao menos uma vez ao ano, na forma, nos prazos e pelos meios determinados pelo órgão regulador e fiscalizador.
Outrossim, o art. 22 da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõe que, ao final de cada exercício coincidente com o ano civil, as entidades fechadas deverão levantar as demonstrações contábeis e as avaliações atuariais de cada plano de benefícios, por intermédio de pessoa jurídica ou profissional legalmente habilitado, devendo os resultados ser encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador e divulgados aos participantes e aos assistidos.
Logo, como bem assentado pela douta Ministra Isabel Gallotti, no julgamento do REsp n. 1.561.427⁄SP, as contas dos fundos mantidos pelas entidades fechadas de previdência privada devem espelhar a realidade "complexa, que não envolver apenas uma relação jurídica bilateral (como seria o caso da relação entre um banco e determinado correntista), mas as relações interdependentes entre o fundo e o patrocinador e fundo e os participantes e beneficiários; a somatória das contribuições respectivas vertidas no período; o resultado dos investimentos; a reserva de contigência, as reservas matemáticas correspondentes a cada participante e beneficiário".
É que o art. 6º da LINDB esclarece que se consideram adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer. E, na mesma toada, o art. 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 bem esclarece que os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para a elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano.
Nessa linha de intelecção, é o direito que se integrou ao patrimônio jurídico de uma pessoa que terá de ser respeitado pelas normas jurídicas, isto é, legais ou regulamentares, que surjam futuramente e eventualmente disciplinem de maneira diferente a matéria, pois a sucessão de normas no tempo não afeta o direito que se incorporou ao patrimônio jurídico (COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro comentada. São Paulo: Edipro, 2015, p. 120-122).
Por um lado, para a aferição da presença do direito adquirido, é necessário que tenha ocorrido um ato ou fato jurídico com o condão de produzir consequências jurídicas e levar a pessoa a adquirir um direito, que passe a integrar seu patrimônio jurídico (COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro comentada. São Paulo: Edipro, 2015, p. 121).
Por outro lado, como o autor não era elegível ao benefício post mortem, não se trata de incidência para o pretérito do Regulamento n. 002 do plano de benefícios, vigente na época do falecimento do assistido.
Assim, "não há falar em direito adquirido, mas em mera expectativa de direito, à aplicação das regras de concessão de benefícios vigentes por ocasião da adesão à relação contratual previdenciária, sendo apenas assegurada a incidência das disposições regulamentares vigentes na data em que cumprir todos os requisitos exigidos para obtenção do benefício, tornando-o elegível (AgInt no REsp n. 1.430.712⁄GO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄2⁄2017, DJe 24⁄2⁄2017).
No caso, segundo entendo, mutatis mutandis, aplica-se o mesmo raciocínio jurídico sufragado pela Segunda Seção no julgamento dos EDcl no REsp n. 1.135.796⁄RS, relatora p⁄ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti. Nesse precedente, Sua Excelência alinhavou:
6. De outro giro, e como ponto essencial, que não pdoe ser descuidado, ao contrato de previdência complementar, o art. 40 da Lei n. 6.435⁄1977 estabelecia que, "[p]ara garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". E o artigo 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.
Além do mais, consta na exposição de motivos da Lei Complementar n. 109⁄2001 que o regime de previdência complementar funciona basicamente como instrumento de poupança de longo prazo.
O art. 18, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações programadas e continuadas.
O art. 2º da Lei Complementar n. 109⁄2001, por seu turno, disciplina que o regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desse Diploma.
"Nesse contexto normativo, a inexistência de fonte de custeio inviabiliza o pagamento de quaisquer valores pela entidade de previdência privada, sobretudo em se tratando de fundo de pensão, uma vez impositiva a manutenção da liquidez, solvência e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, resguardando-se o interesse da universalidade dos participantes e assistidos" (REsp n. 1.245.683⁄SC, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄10⁄2015, DJe 5⁄11⁄2015).
É bem de ver que o entendimento perfilhado por este colegiado no REsp n. 1.245.683⁄SC, relator o Ministro Marco Buzzi, homenageia o princípio do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial - basilar da previdência complementar -, que se extrai dos arts. 202, caput, da CF; 40 da Lei n. 6.435⁄1977; e 1º e 3º, III, da Lei Complementar n. 109⁄2001.
Como visto, a legislação de regência impõe a prévia formação de reservas para suportar o benefício, e o requerido e deferido, no âmbito do regime próprio e contratual da previdência complementar, conduz também a uma fortuita e descabida implantação de benefício, sem que tenha havido o oportuno aporte da joia (o que nem sequer é cogitado pelo autor) .
7. No caso ora em julgamento, e na mesma linha da manifestação do Instituto Brasileiro de Atuária (órgão de classe dos atuários), o deferimento do benefício em contrariedade à disposição regulamentar que obriga o cálculo e o recolhimento de joia para possibilitar a elegibilidade de dependente ao benefício "de pensão" (post mortem) conduz ao enriquecimento sem causa, resultando em pagamento de benefício para o qual não houve a respectiva e oportuna contribuição para a capitalização e a formação da respectiva reserva matemática.
Confira-se, de forma enfática e deveras esclarecedora, o aduzido pela Previc, in verbis:
Dessarte, cumpre ressaltar que os valores destinados ao fundo comum obtido pelos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas, na verdade, pertencem aos respectivos participantes e beneficiários dos planos, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes, extraindo-se da Carta Magna que não pode haver concessão de benefício sem o correspondente prévio custeio.
Desse modo, a Lei consagra o princípio - basilar ao regime de previdência complementar - de preservação da segurança econômica e financeira atuarial da liquidez, da solvência e do equilíbrio dos planos de benefícios e afasta o regime de financiamento de caixa ou repartição, em que o acerto de contas entre receitas e despesas ocorre por exercícios.
Mutatis mutandis, menciona-se recente precedente repetitivo da Segunda Seção, REsp n. 1.312.736⁄RS, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, assim ementado:
No aludido precedente, Sua Excelência dispôs:
8. Assim, o recurso merece ser acolhido por diversos fundamentos autônomos: a) consoante a disposição constitucional e infraconstitucional de regência, o benefício de previdência complementar tem caráter autônomo e facultativo, muito embora as instâncias ordinárias imponham, ao arrepio do regulamento do plano de benefícios, um caráter de indeclinabilidade ao benefício de pensão post mortem; b) o pagamento de benefício depende de prévia e oportuna formação de reservas que lhe confiram o suporte do custeio; c) os arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador.
Com efeito, considerando a previsão regulamentar de pagamento anterior de joia para inscrição de beneficiário com vista ao benefício post mortem, diante dos diversos fundamentos apontados, data maxima venia, fica nítido que tanto o que é pedido quanto o que fora concedido pelas instâncias ordinárias têm o evidente condão de ocasionar desequilíbrio financeiro-atuarial ao plano de benefícios, em prejuízo de seus participantes e atuais e futuros beneficiários.
9. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, estabelecendo custas e honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que serão integralmente arcados pelo autor, observada a gratuidade de justiça.
É como voto.