Jurisprudência - STJ

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REGIME ESTATUTÁRIO GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E CONTRATUAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. REGIMES AUTÔNOMOS, COM REGRAMENTOS PRÓPRIOS. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PREVISÃO, NO REGULAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, DE PAGAMENTO DE JOIA PARA INSCRIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO REGULAMENTAR, APÓS APROVAÇÃO PELO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR. APLICA-SE A TODOS OS PARTICIPANTES E BENEFICIÁRIOS QUE, NA OCASIÃO, NÃO ERAM ELEGÍVEIS AO BENEFÍCIO.

1. O art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.

2. A Previdência Complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. Com efeito, conforme dispõe o art. 68, § 2º, da Lei Complementar n. 109/2001, a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do Regime Geral de Previdência Social.

3. O art. 40 da Lei n. 6.435/1977 estabelecia que, "para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". Já o artigo 1º da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.

4. A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Nesse diapasão, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício. 5. Os arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n.

109/2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos das entidades fechadas aplicam-se a todos os participantes e potenciais beneficiários das entidades fechadas (a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador), só sendo considerados direito adquirido do participante os benefícios a contar da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdência privada complementar. Precedentes.

6. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1605346/BA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 28/03/2019)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

 
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.605.346 - BA (2015⁄0174669-3)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : FAELBA - FUNDAÇÃO COELBA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
ADVOGADOS : ÉRIKA CASSINELLI PALMA  - SP189994
    MARIA CRISTINA FIRPO MASCARENHAS RIBEIRO E OUTRO(S) - BA0012291
RECORRIDO : FERNANDO SANTANA
ADVOGADO : CARLOS RAFAEL DE ABREU SILVEIRA  - BA0027246
 
RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Fernando Santana ajuizou, em 22 de maio de 2013, "ação de cumprimento de obrigação de fazer" em face da Fundação Coelba de Previdência Complementar - FAELBA.

Afirma ser o único dependente de José Araújo Ferreira, falecido em 3 de setembro de 2003, e que, por ocasião do óbito, recebia benefício de previdência complementar do Plano Previdenciários n. 2, administrado pela entidade previdenciária recorrente.

Narra que desde 1988 "convivia em sociedade de fato homoafetiva com o beneficiário", como era de notório conhecimento público e reconhecido em ação de justificação pela 1ª Vara de Família da comarca local e pela Justiça Federal, para recebimento de benefício de pensão por morte da previdência oficial.

Assevera que, por diversas  vezes, formulou à ré requerimento administrativo com o fito de obter o benefício de previdência complementar por ser o único dependente do assistido, tendo sido negado ao fundamento de que não lhe fazia jus.

Argumenta que o entendimento diverge do proferido pela Sexta Turma do STJ, no julgamento do REsp n. 543.737⁄SP, em que ficou estabelecido que o benefício da pensão por morte deve ser fixado na data do óbito, quando requerida em até 30 dias, ou na data em que ocorreu o pedido, quando requerida após aquele prazo.

Obtempera que o art. 16, I, da Lei n. 8.213⁄1991 reconhece a qualidade de dependente a companheira ou companheiro e que o regulamento do Plano de Suplementação de Aposentadoria 001,  na Seção XIII, prevê o "pecúlio especial", que se assemelha à pensão por morte.

Pondera que o Plano de Benefícios 002, em vigor, é mais desfavorável, por cobrar um valor denominado "joia" para o ingresso no plano, todavia não era o que vigia na data de admissão do empregado, devendo ser observada a Súmula 288⁄TST, que só admite alterações que sejam mais favoráveis ao beneficiário do direito.

O Juízo da 22ª Vara Cível da Comarca de Salvador julgou procedente o pedido formulado na inicial.

Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça da Bahia, que negou provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MORTE DO SEGURADO. COBRANÇA PELO COMPANHEIRO. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NO CONTRATO DE SEGURO AO COMPANHEIRO DO SEGURADO⁄DE CUJUS QUANDO ESTE NÃO INDICAR BENEFICIÁRIOS, DESDE QUE RESTE DEMONSTRADA A UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Conforme documento acostado às fls. 53⁄54, o autor⁄apelado convivia em união estável com o segurado⁄de cujus, tanto que recebe o beneficio de pensão por morte da previdência oficial, conforme carta de concessão às fls. 22⁄21.
A este respeito, sabe-se que é dispensável a indicação prévia de companheiro para que o mesmo faça jus à percepção do beneficio, desde que esteja devidamente comprovada a união estável, consoante entendimento consolidado do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Dito isso, restando comprovada a legitimidade do apelado na condição de companheiro do segurado⁄de cujus em uma relação de união estável, impõe-se, portanto, a responsabilização do apelante quanto ao pagamento dos valores concernentes ao seguro na forma estabelecida na sentença de 1° grau.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Sobreveio recurso especial da entidade previdenciária demandada, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas c, da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial, omissão e violação aos arts. 460 e 535 do CPC⁄1973; 39, 40 e 42 da Lei n. 6.435⁄1977; e 7º, 12, 17 e 68 da Lei Complementar n. 109⁄2001.

Assegura a recorrente ser incontroverso que, por ocasião do falecimento do assistido, não havia beneficiário inscrito no plano de benefícios, muito embora o regulamento vigente exija, por ocasião do óbito, além do vínculo de dependência reconhecido pelo INSS, a efetiva inscrição do beneficiário no plano, mediante pagamento de "joia de inscrição de beneficiário".

Considera ser imprescindível a prévia constituição de reservas e que, se não tem conhecimento da existência de beneficiário, o cálculo atuarial passa a não considerar o benefício pós-morte - imperativo para que não ocorram desequilíbrios no plano de benefícios.

Obtempera que não procede a tese do recorrido de que deve prevalecer o regulamento do plano de benefícios vigente no momento da adesão à relação previdenciária e que a homoafetividade não é a causa determinante para a apreciação do pleito, que consiste na inexistência de oportuna inscrição e custeio do benefício.

Expõe que sustentou na apelação ser possível a inscrição do beneficiário post mortem apenas nos casos em que o regulamento do plano de benefícios contratado não exigir o pagamento de joia como cobertura do déficit criado em vista da inexistência, até essa ocasião, de beneficiário inscrito.

Diz que a Corte local, "de forma um tanto simplista, resumiu-se a invocar o precedente" da Terceira Turma contido no REsp n. 1.026.981⁄RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, que não se amolda ao caso.

Sustenta ser indiscutível que o reconhecimento da união estável viabilizaria a inscrição do recorrido como beneficiário caso o regulamento do plano de benefícios não exigisse o pagamento de joia de inscrição.

Acena que a "joia é uma espécie de 'pedágio', uma taxa calculada atuarialmente, que possibilita a constituição de reservas que garantam o benefício contratado", e que, consoante os arts. 17 e 68 da Lei Complementar n. 109⁄2001, é possível a alteração do regulamento dos planos de benefícios para assegurar o equilíbrio dos planos.

Expõe que este Colegiado, no julgamento do REsp n. 1.184.621, perfilhou o entendimento - que se amolda ao caso - de que os regulamentos dos planos de benefícios podem ser revistos em caso de apuração de deficit ou superávit decorrente de projeção atuarial que, no decorrer da relação contratual, não se confirme, pois no regime fechado de previdência privada há um mutualismo, com explícita submissão ao regime de capitalização; além de que, à luz da ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977 e da Lei Complementar n. 109⁄2001, a legislação de regência, visando resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de custeio, sempre previu a possibilidade de alteração do regulamento do plano de benefícios, inclusive dos valores das contribuições e dos benefícios. Por isso, a teor do parágrafo único do art. 17 e do § 1º do art. 68, ambos da Lei Complementar n. 109⁄2001, só há falar em direito adquirido na ocasião em que o participante preenche todas as condições para o recebimento do benefício (torna-se elegível ao benefício).

Alega que, por ocasião do falecimento do companheiro do recorrido, já estava em vigor a regra regulamentar que exige o pagamento da joia e que, se todos os demais participantes estão sujeitos a essa regra, não pode ser estabelecida solução diferente para o recorrido.

Dei provimento ao AREsp n. 755.732⁄BA para que fosse convertido no presente recurso especial.

Em vista da relevância do tema e da constatação de que o recurso devolve nuance controvertida relevante acerca da indubitável previsão regulamentar do pagamento de joia para inscrição do beneficiário - ainda não detidamente abordada na jurisprudência do STJ -, à luz do que preceitua o art. 138 do CPC, oportunizei a participação, na qualidade de amicus curiae, de entidades com representatividade adequada.

Dessarte,  determinei fosse dada ciência, facultando-se-lhes manifestação, no prazo de quinze dias úteis (art. 138, Lei n. 13.105⁄2015), às seguintes entidades: Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - ANAPAR, Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas - APEP, Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - ABRAPP, Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização -CNSEG; e Instituto Brasileiro de Atuária - IBA.

A autarquia federal fiscalizadora Previc, como amicus curiae, declarou, in verbis:

6. Assim, tendo em vista que a controvérsia sob análise encarta real possibilidade de trazer reflexos a todas as inúmeras Entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPC, quanto ao seu equilíbrio financeiro e atuarial e, via de consequência, afetar os participantes dos planos de benefícios geridos por referidas entidades, sobressai o nítido interesse da PREVIC.
7. Solicitado posicionamento da área técnica da PREVIC, foi exarado o despacho CGAT Nº 0002619C (anexo), o que gerou a cota 5⁄2016⁄CGRJ⁄PROC- PREVIC⁄PGF⁄AGU da Procuradoria Federal junto a Previc, da qual esta peça é adaptação.
8. A DITEC, conforme salientado, manifestou- se por meio de Despacho CGAT nº 0002619, conforme trechos a seguir (grifos nossos):
[...]
4. Recebida a referida solicitação nesta Coordenação Geral para Alterações CGAT, e em linha com as competências atribuídas a esta Coordenação Geral, cumpre informar que imprescindível se faz observar os ditames do art. 17 da Lei Complementar nº 109⁄2001, em especial seu parágrafo único, in verbis:
Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam- se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria. (grifamos) 5. Neste sentido, e em conformidade com o disposto acima, entende-se que não se pode garantir disposições constantes quando do ingresso do participante no plano de benefícios, mas sim àquelas vigentes quando reunidos os requisitos de elegibilidade aos benefícios previstos no plano. É este o entendimento aplicado em toda e qualquer alteração regulamentar que nesta CGAT é protocolada.
6. Ainda, no entendimento desta CGAT, o dispositivo supracitado, visa garantir o equilíbrio e solvência do próprio plano de benefícios, uma vez que o regime de previdência privada, em linha com o art. 1º da referida Lei Complementar, é "baseado na constituição de reservas que garantam o benefício". Portanto, só podem ser concedidos benefícios para os quais houve o prévio custeio e consequente formação de reservas garantidoras, em linha com o art. 18 da Lei Complementar nº 109⁄2001.
7. Por sua vez, em relação "à razoabilidade de imposição regulamentar de prévio e oportuno pagamento de joia para inscrição de novo beneficiário" informamos que se trata de cláusula comum em regulamentos de planos de benefícios estruturados sob a modalidade de benefício definido e contribuição variável. A referida imposição se faz necessária, especialmente, quando há alteração no grupo familiar de participantes já em gozo de benefício, uma vez que tal mudança pode acarretar elevação, sem ter sido previamente custeada, da reserva matemática necessária para o pagamento daquele benefício previamente definido.
 
9. Do exposto, evidencia-se a posição institucional da PREVIC quanto possíveis danos ao equilíbrio atuarial do plano de custeio do plano de benefícios e da existência de razoabilidade de imposição regulamentar de prévio e oportuno pagamento de joia para inscrição de novo beneficiário, bem como da legalidade do entendimento de que não se pode garantir disposições constantes quando do ingresso do participante no plano de benefícios, mas sim àquelas vigentes quando reunidos os requisitos de elegibilidade aos benefícios previstos no plano.
 
 

O Instituto Brasileiro de Atuária - IBA, como amicus curiae, assim opinou:

Nos planos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), quando há condicionamento do pagamento de joia e esta não tenha sido paga por algum motivo, a inclusão de um beneficiário nessas condições, teria como resultado a oneração do plano e a penalização dos outros participantes, dado que ocasionaria um desequilíbrio atuarial resultando em déficit ou redução de superávit do plano, dependendo da situação financeira do mesmo na data da referida inclusão.
 
 

A Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - Anapar, como amicus curiae, ponderou:

No caso concreto objeto da ação em julgamento, o participante aderiu ao fundo de pensão em primeiro de junho de 1985, tendo falecido em três de setembro de 2003, sendo que seu cônjuge, portanto pensionista do “de cujus”, iniciou sua relação com o participante em 1988.
O início do relacionamento é posterior à data em que o participante aderiu ao plano administrado pela entidade de previdência. Por esta razão, a entidade de previdência se recusou a conceder o benefício ao pensionista, mesmo sendo ele titular da pensão previdenciária pública.
O regulamento 1 a que aderiu o participante “de cujus” não previa a figura da “jóia” para concessão do benefício denominado de pecúlio especial, concedido ao assistido no momento em que falece o participante titular. O regulamento 2, de forma diversa, e mais prejudicial ao pensionista, prevê a cobrança de “jóia” para a concessão do benefício.
[...]
Na percepção da presente entidade, o caso em questão demanda a proteção do direito adquirido do participante assistido; a proteção do direito acumulado pelo participante ativo; bem como o ato jurídico perfeito representado pelo regulamento original, sendo que qualquer mudança superveniente do contrato previdenciário que venha em prejuízo do participante ativo e assistido (como é o caso da cobrança da “jóia” na presente situação), ofende os três institutos jurídicos referidos.
[...]
O ato jurídico que originou o direto do participante é, sem sombra de dúvidas, perfeito, pois, respeitando a lei vigente à época do fato, perfectibilizou-se, garantindo a segurança da relação jurídica suscitada pelas partes. Assim, a relação jurídica existente entre o participante, a patrocinadora e o fundo de pensão, que confere o direito às garantias originárias do contrato, continuarão existindo, tal qual disposta em sua origem, respeitada a lei vigente à época da assinatura do contrato previdenciário entre as partes, mesmo com as alterações regulamentares promovidas em momento futuro.
 
 

A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - Abrapp, como amicus curiae, fez estas considerações:

O único fundamento invocado pelo acórdão recorrido da lavra do TJ⁄BA para negar provimento ao recurso de apelação da FAELBA foi o de que seria “dispensável a indicação prévia de companheiro para que o mesmo faça jus à percepção do benefício, desde que esteja comprovada a união estável” (fls. 296 dos autos eletrônicos).
[...]
Conforme se observa da redação do art. 1º da Lei Complementar nº 109⁄2001, os princípios norteadores do Regime de Previdência Privada são, inclusive conforme delineia o art. 202 da CF: autonomia frente ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS; caráter complementar; adesão facultativa; contratualidade; e capitalização, com base em cálculos atuariais, ou seja, constituição prévia de reservas garantidoras dos benefícios contratados.
[...]
Observa-se, por oportuno, que regras de outro Regime de Previdência só valem na Previdência Complementar Fechada se constarem nos textos dos contratos previdenciários (Regulamentos dos planos de benefícios).
Na verdade, com base no dispositivo constitucional e nos dispositivos legais anteriormente transcritos, não há dúvidas de que, em face da autonomia entre os regimes previdenciários, a concessão de complementação de pensão por morte no âmbito da Previdência Complementar dependerá do cumprimento das cláusulas contratuais previstas no regulamento do plano previdenciário.
No caso, independentemente de a inscrição do novo beneficiário, após a morte do participante, decorrer de união homoafetiva, deverão ser observados os requisitos específicos previstos no regulamento do plano de benefícios da Fundação Recorrente (pagamento de joia), os quais visam manter o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de benefícios.
Em outras palavras, o caso concreto sub judice envolve um fato superveniente que demanda o pagamento de joia para fazer frente à elevação do compromisso do plano previdenciário em face da não esperada inscrição de novo beneficiário do participante falecido. Logo, em tal situação, é indiferente se esse novo beneficiário é um dependente homo afetivo, um cônjuge ou um filho.
[...]
A concessão de um benefício previdenciário complementar leva em consideração, mediante a efetivação de complexos cálculos atuariais, todo o período em que realizada a capitalização das reservas (formação do custeio) e as diversas variáveis que ocorreram no aludido período e que impactaram diretamente no valor do benefício (p. ex.: reajustes salariais contribuições vertidas, número de participantes, beneficiários inscritos, performance dos investimentos e etc.).
Desse modo, se acolhida a pretensão do Autor, estar-se-ia admitindo a concessão de benefício a pessoa não contemplada nos cálculos atuariais, ou seja, tal variável (existência de beneficiário) não foi considerada, para fins de cálculo atuarial, no período de formação do custeio, não tendo, portanto, sido vertidas as contribuições necessárias para lastrear o pagamento do benefício de pensão por morte ora requerido.
[...]
Tal regra não se mostra abusiva, na medida em que, admitir a inscrição de beneficiário sem o pagamento da respectiva joia, significaria frustrar completamente o princípio do mutualismo inerente às relações previdenciárias de natureza privada, causando desequilíbrio financeiro e atuarial ao plano de benefícios, em notório prejuízo aos demais participantes e assistidos.
 
 

A Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas - APEP, como amicus curiae, sopesou:

Consta dos autos do processo anexo com o cálculo elaborado pelo atuário do responsável pelo plano, expediente JM⁄2023⁄2008, o valor da JÓIA de inscrição do Recorrido correspondente a R$ 214.341,86 (duzentos e catorze mil, trezentos e quarenta e um reais, e oitenta e seis centavos).
Consta ainda que o Recorrido se insurgiu contra a regra que dispõe sobre o pagamento da JOIA estabelecida no Regulamento do Plano de Benefícios Previdenciários nº 002, ao fundamento de que a regra anterior, vigente à época da adesão do falecido no mencionado plano, não apresentava tal exigência, sendo, portanto, indevida.
Somente em 06⁄07⁄2009, ou seja, quase (06) seis anos após o falecimento do participante e quase (1) um ano após a concessão do benefício previdenciário pelo INSS, o Recorrido, ao fundamento de que era companheiro e dependente daquele, ajuizou a ação em exame em face da entidade Recorrente, que a contestou sob o fundamento de que obsta a pretensão do Recorrido a ausência de inscrição no plano, e especialmente porque, nos termos do Regulamento do Plano, a inclusão de dependente no rol de beneficiários, após o falecimento do participante assistido é condicionada à necessidade do pagamento da JÓIA em razão da inexistência do respectivo custeio.
[...]
Dentro desse processo de capitalização, analisa-se o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras dos benefícios, na expectativa de que se consiga cumprir integralmente as obrigações assumidas. Para tanto, indispensável nessa tarefa é a colaboração do atuário, que é o técnico especializado em matemática superior que atua, de modo geral no mercado econômico-financeiro, promovendo pesquisas e estabelecendo planos e políticas de investimentos e amortizações e, em seguro privado e social, calculando probabilidades de eventos, avaliando riscos e fixando prêmios, indenizações, benefícios e reservas matemáticas.
Portanto, em linhas gerais, a função do atuário em uma entidade fechada de previdência complementar é aferir as condições de solvabilidade dos planos e sugerir que se adotem medidas eficientes para que o plano seja permanentemente mantido em condições saudáveis, utilizando-se, dentre outras, de técnicas relativas ao regime financeiro, às taxas de juros e às premissas biométricas.
Esse procedimento visa ao equilíbrio atuarial, podendo os planos experimentar períodos em que os ativos garantidores são maiores do que o passivo obrigacional, quando haverá superávit.
No entanto, sendo o passivo maior do que o ativo, o plano enfrentará um déficit, determinando medidas eficazes a fim de restabelecer o plano, com vistas à garantia do pagamento dos benefícios futuros.
Aliado ao equilíbrio atuarial deve estar o equilíbrio financeiro que se afere através do confronto da liquidez dos ativos econômicos com a exigibilidade do passivo atuarial, cuja apuração se convencionou chamar de Asset Liability Management (ALM).
Em outras palavras, não basta o equilíbrio atuarial, é necessário apurar- se a capacidade de tornar investimentos em moeda apta a pagar aposentadorias e pensões.
[...]
Como o contrato é celebrado para perdurar durante muitas dezenas de anos, porque as obrigações previdenciárias são de longo prazo, eventualmente o plano pode encontrar-se diante de fatores imprevisíveis que ameacem o seu equilíbrio, quando, então, poderão ser necessárias modificações das condições nele dispostas, sendo válidas e legítimas tais alterações.
A Teoria da Imprevisão, fundada na onerosidade excessiva, combinada com o disposto no art. 13, II, da Lei Complementar nº 108⁄2001, autoriza que essas modificações sejam feitas unilateralmente pelo Conselho Deliberativo das entidades fechadas de previdência complementar, através da alteração dos regulamentos dos planos de custeio e de benefícios.
Para permitir a continuidade do plano, com a consequente garantia do pagamento dos benefícios previdenciários, essas alterações podem ser imediatamente aplicadas aos contratos em curso, nos termos do art. 17, da Lei Complementar nº 109⁄2001.
Em linhas gerais, a produção imediata dos efeitos das novas regras justifica-se pela preponderância, em um sistema previdenciário, da tutela imediata do bem comum sobre a garantia individual da segurança jurídica, pois atende aos anseios de uma coletividade e não de cada participante tomado isoladamente.
Portanto, fato notório e de especial relevância é a possibilidade da alteração das premissas que sustentam o plano, tendo-se em vista que as obrigações pactuadas entre os fundos de pensão e seus participantes são de longo prazo.
Enfim, concluiu-se pela evidente possibilidade de dano ao equilíbrio atuarial do plano de custeio do plano de benefícios, caso seja mantida a decisão da instância ordinária que determina o pagamento da pensão por morte ao recorrido, sem que seja obrigado a pagar previamente a joia calculada nos termos do regulamento do plano de benefícios.
Outrossim, não só é razoável a imposição regulamentar que determina o prévio e oportuno pagamento da joia para a inscrição de novo beneficiário, como também só haverá viabilidade atuarial para a concessão da pensão ao recorrido, se ele proceder ao prévio pagamento da joia. Logo, a viabilidade atuarial do pagamento da pensão exige a reforma da decisão proferida pelas instâncias ordinárias para condicioná-lo à prévia inscrição mediante o pagamento da joia.
 
 

O Ministério Público Federal assim se manifestou:

A quaestio juris colocada nestes autos consiste na possibilidade de imposição regulamentar - na hipótese, superveniente à adesão do participante de plano de benefícios previdenciários -, de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar, de modo a torná-lo apto à elegibilidade ao benefício contratual.
[...]
Desse modo, deve ser parcialmente provido o recurso especial interposto pela FAELBA - FUNDAÇÃO COELBA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, por ofensa ao art. 535, II, do CPC⁄1973, (correspondente ao art. 1022, II, do CPC⁄2015), com a consequente anulação do julgamento proferido em sede de embargos declaratórios e consequente retorno dos autos à origem, a fim de que haja manifestação expressa do órgão julgador acerca das matérias suscitadas nos embargos declaratórios opostos pela recorrente, inclusive com a intimação do recorrido para a apresentação de contrarrazões aos aclaratórios, ante o risco de a decisão nele proferida prejudicar-lhe o direito até então reconhecido em seu favor (efeitos infringentes).
Se for superada a preliminar acima citada, com o conhecimento e julgamento do recurso especial por essa Corte Superior, entende-se que, no mérito, ele comporta provimento, uma vez que o thema decidendum (possibilidade de imposição regulamentar - no caso, superveniente à adesão do participante de plano de benefícios -, de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de benefícios, de modo a torná-lo apto à elegibilidade ao benefício contratual), encontra amparo na regulamentação, doutrina e julgado desse Superior Tribunal de Justiça no tocante à previdência privada de caráter complementar.
[...]
Contudo, de acordo com os dispositivos acima citados, as alterações realizadas nos regulamentos dos planos de benefícios aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, somente havendo direito adquirido do participante aos benefícios, se e quando da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade previstas no regulamento do respectivo plano.
Mas não é só. No tocante às controvérsias relativas a qual legislação deve ser aplicada nos casos de previdência privada complementar - se as normas da data da adesão ao plano ou se as normas da data do preenchimento dos requisitos exigidos para obtenção do benefício -, esse Tribunal Superior tem entendido, em hipóteses similares ao caso concreto, que deve ser aplicado o regulamento do plano de benefícios vigente à época em que o benefício se tornou elegível.
[...]
Dentro dessa realidade, levando-se em consideração que as normas legais e a jurisprudência aplicada em hipóteses similares asseguraram o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial das entidades de previdência privada, deve ser aplicado o regulamento do plano de benefícios vigente à época em que o benefício se tornou elegível, exsurgindo plenamente legítima a exigência de pagamento de joia para inscrição de dependente, até porque tal previsão estatutária já existia ao tempo do decesso do participante⁄associado (tempus regit actum).
 
 

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.605.346 - BA (2015⁄0174669-3)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : FAELBA - FUNDAÇÃO COELBA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
ADVOGADOS : ÉRIKA CASSINELLI PALMA  - SP189994
    MARIA CRISTINA FIRPO MASCARENHAS RIBEIRO E OUTRO(S) - BA0012291
RECORRIDO : FERNANDO SANTANA
ADVOGADO : CARLOS RAFAEL DE ABREU SILVEIRA  - BA0027246
EMENTA

PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REGIME ESTATUTÁRIO GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E CONTRATUAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. REGIMES AUTÔNOMOS, COM REGRAMENTOS PRÓPRIOS. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PREVISÃO, NO REGULAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, DE PAGAMENTO DE JOIA PARA INSCRIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO REGULAMENTAR, APÓS APROVAÇÃO PELO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR.  APLICA-SE A TODOS OS PARTICIPANTES E BENEFICIÁRIOS QUE, NA OCASIÃO, NÃO ERAM ELEGÍVEIS AO BENEFÍCIO.

1. O art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.

2. A Previdência Complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. Com efeito, conforme dispõe o art. 68, § 2º, da Lei Complementar n. 109⁄2001, a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do Regime Geral de Previdência Social.

3. O art. 40 da Lei n. 6.435⁄1977 estabelecia que, "para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". Já o artigo 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.

4. A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio. Nesse diapasão, a previsão de pagamento de joia para inscrição de beneficiário é coerente com o regime financeiro de capitalização, por implicar elevação de projeção de despesas, sem que tenham sido previamente custeadas, mediante a formação da reserva matemática necessária para o pagamento do novo benefício. 

5. Os  arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos das entidades fechadas aplicam-se a todos os participantes e potenciais beneficiários das entidades fechadas (a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador), só sendo considerados direito adquirido do participante os benefícios a contar da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdência privada complementar. Precedentes.

6. Recurso especial parcialmente provido.

 
 
  
 
VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Como é sabido, não se caracteriza, por si só, omissão, contradição ou obscuridade quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.

Dessarte, não há falar em violação ao art. 535 do CPC⁄1973, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, não cabendo confundir omissão, obscuridade e contradição com entendimento diverso do perfilhado pela parte.

3. A principal questão controvertida consiste em saber se há possibilidade de imposição regulamentar de pagamento de joia para inscrição de beneficiário no plano de previdência complementar de modo a habilitá-lo a se tornar elegível ao benefício de previdência complementar post mortem.

A sentença anotou:

Narrou que foi informado ao autor sobre a necessidade de pagamento de joia, no valor de R$ 214.341,86, insurgindo o mesmo a cumprir tal exigência. Pugnou pela improcedência da lide ou caso seja julgada procedente, que seja determinado ao autor a solvência da inscrição de benefíciário.
[...]
No caso vertente, o autor comprovou a existência da união estável com o participante falecido, inclusive sua condição de dependente perante o INSS (fls. 53⁄54). O fato de estar ou não inscrito como beneficiário do participante no plano não pode ser considerada como condição sine qua non para a concessão do benefício, mormente diante da não inscrição de nenhum dependente [...]. Acrescente-se a isso que a união estável entre o requerente e o extinto consagrou-se após a adesão do participante no plano.
 

 

O acórdão recorrido, por seu turno, dispôs:

Conforme documento acostado às fls. 53⁄54, o autor⁄apelado convivia em união estável com o segurado⁄de cujus, tanto que recebe o beneficio de pensão por morte da previdência oficial, conforme carta de concessão às fls.
22⁄23.
A este respeito, sabe-se que é dispensável a indicação prévia de companheiro para que o mesmo faça jus à percepção do benefício, desde que esteja devidamente comprovada a união estável.
Nesse diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entende o tema da forma seguinte:
PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSAO POR MORTE. COMPANHEIRA NAO DESIGNADA NO PLANO. CABIMENTO. A previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares. Assim, incontroversa a união estável, como no caso, a companheira de participante de plano dessa natureza faz jus à pensão por morte, mesmo não estando expressamente inscrita no instrumento de adesão. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 844.522⁄MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄12⁄2006, DJ 16⁄04⁄2007, p. 214).
"Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação.
Pensão post mortem. (...) - Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque" a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares ".- (...) Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de previdência privada complementar , a cuja competência estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ.Recurso especial provido" . (REsp 1026981⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄02⁄2010, DJe 23⁄02⁄2010) (Grifos aditados).
Dito isso, restando comprovada a legitimidade do apelado na condição de companheiro do segurado⁄de cujus em uma relação de união estável, impõe-se, portanto, a responsabilização do apelante quanto ao pagamento dos valores concernentes ao seguro na forma estabelecida na sentença de 1° grau.
 

Como relatado, os fatos são incontroversos, e constam da causa de pedir que: a) por ocasião da afirmada elegibilidade ao benefício de pensão - falecimento do companheiro do autor -, realmente, o regulamento vigente do plano de benefícios previa a necessidade de inscrição de dependente mediante recolhimento de joia, além da concessão do benefício de pensão pela previdência oficial; b) a inexistência do recolhimento de joia é o óbice invocado pela entidade previdenciária ré ao pagamento (elegibilidade) do benefício de pensão.

Consigno, por oportuno, que o tema controvertido é diverso do que se discute no recurso repetitivo, REsp n. 1.435.837⁄RS - Tema 907 -, pois não se cuida de definição sobre o regulamento aplicável ao participante de plano de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar, visto que a questão limita-se em saber se é possível a exigência regulamentar de  pagamento de joia para que dependente de ex-participante possa se tornar elegível ao benefício de pensão post mortem.

É imperioso observar que, muito embora mencionado a título de mero obiter dictum na sentença, a existência ou não de união estável ou homoafetividade é irrelevante para a solução da controvérsia, posto que, consoante a causa de pedir exposta na exordial e a própria contestação da ré, o autor não foi considerado elegível ao benefício em vista de não ter havido a oportuna inscrição, mediante pagamento de joia, como dependente.

Nesse diapasão, a própria sentença anota que a entidade previdenciária formulou o pedido sucessivo de recolhimento de joia no valor de  R$ 214.341,86 (duzentos e quatorze mil, trezentos e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos), o que, frise-se, nem sequer é cogitado pelo autor nos autos para ensejar o suporte do custeio do benefício.

Com efeito, observa-se que, conforme precedente da Terceira Turma, inclusive mencionado no acórdão recorrido, "comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável" (REsp 1.026.981⁄RJ, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄2⁄2010, DJe 23⁄2⁄2010).

Aliás, a própria entidade previdenciária reconhece nas razões do recurso em apreço que, não fosse a questão da previsão regulamentar do pagamento da joia prevista no regulamento do plano de benefícios, nem mesmo a prévia inscrição do dependente como beneficiário caberia ser invocada como óbice ao recebimento do benefício de natureza privada e suplementar.

4. De início, anoto que o art. 202 da Constituição Federal consagra o regime de financiamento por capitalização ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar (rectius, suplementar) - baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado -, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social.

Na mesma toada, dispõe o art. 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 que o regime de previdência privada, organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal.

A constituição de reservas no regime de previdência privada complementar deve ser feita por meio de cálculos embasados em estudos de natureza atuarial que prevejam as despesas e garantam, em longo prazo, o respectivo custeio (A Contratualidade e a Independência Patrimonial dos Planos de Benefícios, Anais do Seminário "Aspectos Fundamentais dos Fundos de Pensão", São Paulo, CEDES, 2005, p. 68).

Portanto, os planos de previdência complementar são de adesão facultativa, devendo ser elaborados com base em cálculos atuariais que, conforme o art. 43 da ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977 e o art. 23 da Lei Complementar n. 109⁄2001, ao final de cada exercício, devem ser reavaliados.

Em vista do aduzido na exordial, cumpre observar que, conforme consignado em recurso repetitivo julgado pela Segunda Seção (REsp n. 1.564.070⁄MG), a previdência complementar e o Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional.

Nessa linha de pensamento, Maria Lúcia Américo dos Reis e José Cassiano Borges registram que a previdência pública e a previdência complementar no Brasil não têm sequer origem comum (REIS, Maria Lúcia Américo dos; BORGES, José Cassiano. Fundos de Pensão: regime jurídico tributário da poupança do futuro. Rio de Janeiro, ADCOAS, 2002, p. 9-10).

No entanto, diversamente do que ocorre com os participantes dos planos de previdência privada, os segurados da previdência pública submetem-se à relação jurídica de adesão compulsória, não havendo contrato, tendo em vista que os direitos e obrigações decorrem da lei. "Para o segurado, a prestação tem natureza de um direito público subjetivo" (MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 285).

Deveras, a própria Lei Complementar n. 109⁄2001 espanca quaisquer dúvidas ao proclamar a independência dos regimes e  estabelecer no art. 68, § 2º que a concessão de benefício pela previdência complementar independe do benefício do regime geral de previdência social.

5. Nessa toada, cumpre frisar que, em vista das características peculiares do regime de previdência privada - que necessita da manutenção do equilíbrio atuarial do plano de custeio -, a ab-rogada Lei n. 6.435⁄1977, também previa a possibilidade de revisão dos benefícios a conceder (PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 423-424).

É dizer: "seja sob a égide da Lei nº 6.435⁄1977 (arts. 34, § 1º, e 42, IV) ou da Lei Complementar nº 108⁄2001 (arts. 4º e 6º) e da Lei Complementar nº 109⁄2001 (arts. 17 a 22), sempre foi permitida à entidade fechada de previdência privada alterar os regulamentos dos planos de custeio e de benefícios como forma de manter o equilíbrio atuarial das reservas e cumprir os compromissos assumidos diante das novas realidades econômicas e de mercado que vão surgindo ao longo do tempo. Por isso é que periodicamente há adaptações e revisões dos planos de benefícios a conceder, incidindo as modificações a todos os participantes do fundo de pensão após a devida aprovação" (REsp 1443304⁄SE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26⁄5⁄2015, DJe 2⁄6⁄2015)  pelo Órgão  público fiscalizador.

O art. 34, I, da Lei Complementar n. 109⁄2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência privada "apenas" administram os planos, havendo, conforme dispõe o art. 35 do mesmo normativo, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional, ao qual incumbe, entre outras atribuições relevantes, definir a política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios, gestão de investimentos e plano de aplicação de recursos, alteração de estatuto e regulamentos dos planos de benefícios, nomeação e exoneração dos membros da diretoria executiva, contratação de auditor independente atuário e de avaliador de gestão)  e fiscal (órgão de controle interno).

Na verdade, como se trata de relação contratual facultativa, em que a entidade fechada de previdência privada não opera com patrimônio próprio, havendo mutualismo, a legislação de regência impõe e fomenta um sentido de autorresponsabilidade à coletividade dos participantes e assistidos dos planos de benefícios ao, efetivamente,  propiciar ampla participação não só no tocante à gestão, mas também no que diz respeito ao controle dos atos de gestão envolvendo o plano de benefícios.

Nesse passo, os arts. 23 e 24 da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelecem que as entidades fechadas deverão manter atualizada sua contabilidade, de acordo com as instruções do órgão regulador e fiscalizador, submetendo-a a auditores independentes, com obrigação de divulgação aos participantes, inclusive aos assistidos, das informações pertinentes aos planos de benefícios,  ao menos uma vez ao ano, na forma, nos prazos e pelos meios determinados pelo órgão regulador e fiscalizador.

Outrossim, o art. 22 da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõe que, ao final de cada exercício coincidente com o ano civil, as entidades fechadas deverão levantar as demonstrações contábeis e as avaliações atuariais de cada plano de benefícios, por intermédio de pessoa jurídica ou profissional legalmente habilitado, devendo os resultados ser encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador e divulgados aos participantes e aos assistidos.

Logo, como bem assentado pela douta Ministra Isabel Gallotti, no julgamento do REsp n. 1.561.427⁄SP, as contas dos fundos mantidos pelas entidades  fechadas de previdência privada devem espelhar a realidade "complexa, que não envolver apenas uma relação jurídica bilateral (como seria o caso da relação entre um banco e determinado correntista), mas as relações interdependentes entre o fundo e o patrocinador e fundo e os participantes e beneficiários; a somatória das contribuições respectivas vertidas no período; o resultado dos investimentos; a reserva de contigência, as reservas matemáticas correspondentes a cada participante e beneficiário".

De fato, consoante o paradigma deste Colegiado invocado no recurso, "os regulamentos dos planos de benefícios podem ser revistos, em caso de apuração de déficit ou superávit, decorrentes de projeção atuarial que no decorrer da relação contratual não se confirme, pois no regime fechado de previdência privada há um mutualismo, com explícita submissão ao regime de capitalização. Dessarte, os vigentes arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar 109⁄2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador, só sendo considerados direito adquirido do participante os benefícios a partir da implementação de todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento vigente do respectivo plano de previdência privada complementar. Precedentes. (REsp n. 1.184.621⁄MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24⁄4⁄2014, DJe 9⁄5⁄2014).
Com efeito, como pontuado pelo Ministério Público Federal, a uníssona jurisprudência do STJ sempre admitiu a alteração do regulamento de benefícios, atingindo aqueles que ainda não eram elegíveis.
Note-se:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL⁄2015. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO ESTADUAL. AFRONTA AO ARTIGO 535, II, DO CPC⁄73. INEXISTÊNCIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. AUMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. EQUACIONAMENTO DE DÉFICIT. POSSIBILIDADE. ART. 21, § 1°, DA LC 109⁄2001. SÚMULA N° 83⁄STJ. PRECEDENTES.
1. Nos termos do artigo 1.021, § 1º, do Código de Processo Civil⁄2015 é inviável o agravo interno que deixa de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada.
2. Os embargos de declaração só se prestam a sanar obscuridade, omissão ou contradição porventura existentes no acórdão, não servindo à rediscussão da matéria já julgada no recurso.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "os regulamentos dos planos de benefícios evidentemente podem ser revistos, em caso de apuração de déficit ou superávit, decorrentes de projeção atuarial que no decorrer da relação contratual não se confirme, pois, no regime fechado de previdência privada, há um mutualismo, com explícita submissão ao regime de capitalização". (REsp 1184621⁄MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24⁄4⁄2014, DJe 9⁄5⁄2014).
4. Agravo interno não conhecido.
(AgInt no AREsp 1081813⁄SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 20⁄03⁄2018, DJe 04⁄04⁄2018)
 

É que o art. 6º da LINDB esclarece que se consideram adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer. E, na mesma toada, o art. 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 bem esclarece que os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para a elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano.

Nessa linha de intelecção, é o direito que se integrou ao patrimônio jurídico de uma pessoa que terá de ser respeitado pelas normas jurídicas, isto é, legais ou regulamentares,  que surjam futuramente e eventualmente disciplinem de maneira diferente a matéria, pois a sucessão de normas no tempo não afeta o direito que se incorporou ao patrimônio jurídico (COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro comentada. São Paulo: Edipro, 2015, p. 120-122).

Por um lado, para a aferição da presença do direito adquirido, é necessário que tenha ocorrido um ato ou fato jurídico com o condão de produzir consequências jurídicas e levar a pessoa a adquirir um direito, que passe a integrar seu patrimônio jurídico (COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro comentada. São Paulo: Edipro, 2015, p. 121).

Por outro lado, como o autor não era elegível ao benefício post mortem, não se trata de incidência para o pretérito do Regulamento n. 002 do plano de benefícios, vigente na época do falecimento do assistido.

Assim, "não há falar em direito adquirido, mas em mera expectativa de direito, à aplicação das regras de concessão de benefícios vigentes por ocasião da adesão à relação contratual previdenciária,  sendo apenas assegurada a incidência das disposições regulamentares vigentes na data em que cumprir todos os requisitos exigidos para obtenção do benefício, tornando-o elegível (AgInt no REsp n. 1.430.712⁄GO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄2⁄2017, DJe 24⁄2⁄2017).

No caso, segundo entendo, mutatis mutandis, aplica-se o mesmo raciocínio jurídico sufragado pela Segunda Seção no julgamento dos EDcl no REsp n. 1.135.796⁄RS, relatora p⁄ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti. Nesse precedente, Sua Excelência alinhavou:

Dessa forma, os direitos não podem ser considerados adquiridos com a mera adesão ao contrato de previdência privada, segundo o regulamento da época da adesão, mas apenas quando formada a reserva financeira para o pagamento do benefício, após o adimplemento de todas contribuições necessárias, na forma do regulamento em vigor e alterações legais e regulamentares que forem ditando a forma de cálculo das contribuições, até o momento em que cada assistido se torne elegível ao benefício. (Grifei)
 
 

6. De outro giro, e como ponto essencial, que não pdoe ser descuidado, ao contrato de previdência complementar, o art. 40 da Lei n. 6.435⁄1977 estabelecia que, "[p]ara garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais". E o artigo 1º da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime de previdência privada é baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício.

Além do mais, consta na exposição de motivos da Lei Complementar n. 109⁄2001 que o regime de previdência complementar funciona basicamente como instrumento de poupança de longo prazo.

O art. 18, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 estabelece que o regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações programadas e continuadas.

O art. 2º da Lei Complementar n. 109⁄2001, por seu turno, disciplina que o regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desse Diploma.

"Nesse contexto normativo, a inexistência de fonte de custeio inviabiliza o pagamento de quaisquer valores pela entidade de previdência privada, sobretudo em se tratando de fundo de pensão, uma vez impositiva a manutenção da liquidez, solvência e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, resguardando-se o interesse da universalidade dos participantes e assistidos" (REsp n.  1.245.683⁄SC, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄10⁄2015, DJe 5⁄11⁄2015).

É bem de ver que o entendimento perfilhado por este colegiado no REsp n. 1.245.683⁄SC, relator o Ministro Marco Buzzi, homenageia o princípio do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial - basilar da previdência complementar -, que se extrai dos arts. 202, caput, da CF; 40 da Lei n. 6.435⁄1977; e 1º e 3º, III, da Lei Complementar n. 109⁄2001.

Como visto, a legislação de regência impõe a prévia formação de reservas  para suportar o benefício, e o requerido e deferido, no âmbito do regime próprio e contratual da previdência complementar, conduz também a uma fortuita e descabida implantação de benefício, sem que tenha havido o oportuno aporte da joia (o que nem sequer é cogitado pelo autor) .

7. No caso ora em julgamento, e na mesma linha da manifestação do Instituto Brasileiro de Atuária (órgão de classe dos atuários), o deferimento do benefício em contrariedade à disposição regulamentar que obriga o cálculo e o recolhimento de joia para possibilitar a elegibilidade de dependente ao benefício "de pensão" (post mortem) conduz ao enriquecimento sem causa, resultando em pagamento de benefício para o qual não houve a respectiva e oportuna contribuição para a capitalização e a formação da respectiva reserva matemática.

Confira-se, de forma enfática e deveras esclarecedora, o aduzido pela Previc, in verbis:

Neste sentido, e em conformidade com o disposto acima, entende-se que não se pode garantir disposições constantes quando do ingresso do participante no plano de benefícios, mas sim àquelas vigentes quando reunidos os requisitos de elegibilidade aos benefícios previstos no plano. É este o entendimento aplicado em toda e qualquer alteração regulamentar que nesta CGAT é protocolada.
6. Ainda, no entendimento desta CGAT, o dispositivo supracitado, visa garantir o equilíbrio e solvência do próprio plano de benefícios, uma vez que o regime de previdência privada, em linha com o art. 1º da referida Lei Complementar, é "baseado na constituição de reservas que garantam o benefício". Portanto, só podem ser concedidos benefícios para os quais houve o prévio custeio e consequente formação de reservas garantidoras, em linha com o art. 18 da Lei Complementar nº 109⁄2001.
7. Por sua vez, em relação "à razoabilidade de imposição regulamentar de prévio e oportuno pagamento de joia para inscrição de novo beneficiário" informamos que se trata de cláusula comum em regulamentos de planos de benefícios estruturados sob a modalidade de benefício definido e contribuição variável. A referida imposição se faz necessária, especialmente, quando há alteração no grupo familiar de participantes já em gozo de benefício, uma vez que tal mudança pode acarretar elevação, sem ter sido previamente custeada, da reserva matemática necessária para o pagamento daquele benefício previamente definido.

 

Dessarte, cumpre ressaltar que os valores destinados ao fundo comum obtido pelos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas, na verdade, pertencem aos respectivos participantes e beneficiários dos planos, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes, extraindo-se da Carta Magna que não pode haver concessão de benefício sem o correspondente prévio custeio.

Desse modo, a Lei consagra o princípio - basilar ao regime de previdência complementar - de preservação da segurança econômica e financeira atuarial da liquidez, da solvência e do equilíbrio dos planos de benefícios e afasta o regime de financiamento de caixa ou repartição, em que o acerto de contas entre receitas e despesas ocorre por exercícios.

Mutatis mutandis, menciona-se recente precedente  repetitivo da Segunda Seção, REsp n. 1.312.736⁄RS, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira,  assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VERBAS REMUNERATÓRIAS (HORAS EXTRAORDINÁRIAS). RECONHECIMENTO PELA JUSTIÇA TRABALHISTA. INCLUSÃO NOS CÁLCULOS DE PROVENTOS DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CUSTEIO. MODULAÇÃO DE EFEITOS DA DECISÃO. POSSIBILIDADE DE RECÁLCULO DO BENEFÍCIO EM AÇÕES JÁ AJUIZADAS. CASO CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Teses definidas para os fins do art. 1.036 do CPC⁄2015 a) "A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria."
[...]
3. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1312736⁄RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08⁄08⁄2018, DJe 16⁄08⁄2018)
 

No aludido precedente, Sua Excelência dispôs:

Assim como existe distinção entre as relações de trabalho e as de previdência privada, o contrato de previdência complementar também é independente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sendo certo que a espécie contratual aqui discutida possui caráter civilista (contratual).
[...]
É no regulamento do plano que são estipulados os benefícios, os pressupostos para sua concessão, a forma de aporte de recursos, a aplicação do patrimônio, os requisitos de elegibilidade e outros aspectos que formam o conjunto de direitos e obrigações entre as partes (entidade de previdência privada, patrocinadores, participantes e beneficiários).
[...]
Além de estabelecer a distinção entre as relações de trabalho e de previdência privada, como destacado, o art. 202 da CF⁄1988, com a redação dada pela EC n. 20⁄1998, consagrou o regime de capitalizaçãoEsse regime financeiro pressupõe a constituição de reservas que garantam o benefício contratado, mediante o prévio recolhimento das contribuições vertidas pelo participante e pelo patrocinador, bem como os rendimentos auferidos com os investimentos realizados.
[...]
Ao contrário do regime financeiro de caixa ou de repartição simples – em que as contribuições dos trabalhadores ativos ajudam a financiar os benefícios que estão em gozo, como ocorre no RGPS –, o regime de capitalização, adotado na previdência complementar, tem como princípio a impossibilidade de haver benefício sem prévio custeio. Assim, para cada plano de benefícios, deve-se formar uma reserva matemática que, de acordo os cálculos atuariais, possibilitará o pagamento dos benefícios contratados.
As reservas matemáticas "são provisões técnicas que as entidades têm que constituir dentro do sistema contábil para que, em cada momento fiquem registradas todas as suas responsabilidades em relação aos compromissos assumidos para com os participantes; depois a lei exige que tais provisões encontrem contrapartida específica no ativo da entidade" (PÓVOAS, Manoel Sebastião Soares. Previdência Privada. Filosofia, Fundamentos Técnicos, Conceituação Jurídica. São Paulo. Ed. Quartier Latin, 2007, p. 426).
[...]
Assim, a viabilidade dessa espécie de regime depende necessariamente da manutenção do equilíbrio entre as reservas existentes no fundo específico – formado pelas contribuições tanto dos participantes quanto dos patrocinadores, bem como pela rentabilidade das aplicações e dos investimentos dessas contribuições – e os valores pagos aos participantes e assistidos, a título de benefícios.
[...]
Com efeito, diante da exigência legal de se adotar o regime de capitalização e da necessidade de manter o equilíbrio atuarial do plano de benefícios, interpretação que se dá ao contrato de previdência complementar deve visar à preservação desse equilíbrio, tendo sempre em conta os interesses da coletividade dos participantes do plano.
Qualquer alteração nas relações individuais entre entidade e participante que traga mudança nas regras de custeio e de concessão de benefícios pode ter reflexo nas reservas garantidoras do plano, impondo o equacionamento exigido pelo art. 21 da Lei Complementar n. 109⁄2001.
Ademais, para se cumprir a função social do contrato, é essencial observar o princípio do mutualismo. Não se pode admitir a concessão de benefício extemporâneo e maior do que o previsto ao se formar o fundo de reserva em favor de determinado assistido, em detrimento da coletividade dos participantes, assistidos e beneficiários, sob pena de malogro do próprio
 

8. Assim, o recurso merece ser acolhido por diversos fundamentos autônomos: a) consoante a disposição constitucional e infraconstitucional de regência, o benefício de previdência complementar tem caráter autônomo e facultativo, muito embora as instâncias ordinárias imponham, ao arrepio do regulamento do plano de benefícios, um caráter de indeclinabilidade ao benefício de pensão post mortem; b) o pagamento de benefício depende de prévia e oportuna formação de reservas que lhe confiram o suporte do custeio; c) os arts. 17, parágrafo único, e 68, § 1º, da Lei Complementar n. 109⁄2001 dispõem que as alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão público fiscalizador.

Com efeito, considerando a previsão regulamentar de pagamento anterior de joia para inscrição de beneficiário com vista ao benefício post mortem, diante dos diversos fundamentos apontados, data maxima venia, fica nítido que tanto o que é pedido quanto o que fora concedido pelas instâncias ordinárias têm o evidente condão de ocasionar desequilíbrio financeiro-atuarial ao plano de benefícios, em prejuízo de seus participantes e atuais e futuros beneficiários.

9. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, estabelecendo custas e honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que serão integralmente arcados pelo autor, observada a gratuidade de justiça.

É como voto.