Jurisprudência - STJ

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 841.526/RS. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA N.º 592. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO CONDICIONADA À INOBSERVÂNCIA DO DEVER ESPECÍFICO DE PROTEÇÃO PREVISTO NO ART. 5º, XLIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DE CAUSA IMPEDITIVA DA ATUAÇÃO ESTATAL PROTETIVA DO DETENTO. SUICÍDIO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RETRATAÇÃO.

1. Retornam estes autos para novo julgamento, por força do inciso II do art. 1.030 do Código de Processo Civil de 2015.

2. A decisão monocrática deu provimento ao apelo nobre para reconhecer a responsabilidade civil do ente estatal pelo suicídio de detento em estabelecimento prisional, sob o argumento de que esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que seria aplicável a teoria da responsabilização objetiva ao caso.

3. O acórdão da repercussão geral é claro ao afirmar que a responsabilização objetiva do Estado em caso de morte de detento somente ocorre quando houver inobservância do dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal.

4. O Tribunal de origem decidiu de forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursal, uma vez que não se conseguiu comprovar que a morte do detento foi decorrente da omissão do Estado que não poderia montar vigilância a fim de impedir que ceifasse sua própria vida, atitude que só a ele competia.

5. Tendo o acórdão recorrido consignado expressamente que ficou comprovada causa impeditiva da atuação estatal protetiva do detento, rompeu-se o nexo de causalidade entre a suposta omissão do Poder Público e o resultado danoso. Com efeito, o Tribunal de origem assentou que ocorreu a comprovação de suicídio do detento, ficando escorreita a decisão que afastou a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina.

6. Em juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, inciso II, do CPC/2015, nego provimento ao recurso especial.

(REsp 1305259/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 21/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.259 - SC (2012⁄0034508-6)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : CRISTIANE BUENO E OUTRO
ADVOGADO : CARLOS ALBERTO SOARES NOLLI E OUTRO(S) - PR014254
RECORRIDO : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCURADOR : ELIANA LIMA ARAÚJO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por Cristiane Bueno e Outro que, após a interposição de recurso extraordinário, retorna para julgamento pelo órgão colegiado desta Segunda Turma para fins de exame de juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, II, do CPC⁄2015, em face do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 841.526⁄RS, da relatoria do Ministro Luiz Fux.

Os recorrentes ajuizaram pleito indenizatório a fim de serem reparados pelos danos decorrentes do falecimento de familiar nas dependências de estabelecimento prisional.

O pedido foi julgado improcedente pelo juízo primevo, tendo o Tribunal de origem mantido o entendimento segundo o qual não haveria falar em responsabilização estatal no caso em comento. Nesse sentido, a ementa do acórdão da apelação (fl. 333 e-STJ):

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE PRESÍDIO ESTADUAL - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A OCORRÊNCIA DE SUICÍDIO - AUSÊNCIA DE NEXO ENTRE A SUPOSTA OMISSÃO DO ESTADO E O FALECIMENTO DO PRESO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO - RECURSO DESPROVIDO.

Nas razões do recurso especial, os recorrentes apontam violação violação dos artigos 927 e 948, ambos do Código Civil. Alegam, para tanto, que o Estado de Santa Catarina deve ser condenado ao pagamento de pensão mensal vitalícia e de indenização por danos morais pelo suicídio de detento no interior de estabelecimento prisional. A esse respeito, asseveram que "se o Estado falhou no seu dever de zelar pela incolumidade do preso, que estava sob sua guarda e vigilância, exsurge, diversamente da r. decisão a quo, a obrigação de indenizar os danos deste fato decorrentes" (fl. 348 e-STJ).

Decisão de admissibilidade às fls. 470⁄471 e-STJ.

Na decisão de fls. 496⁄500 e-STJ esta Relatoria deu provimento monocrático para o recurso especial a fim de reconhecer a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina pela morte de detento no interior de estabelecimento prisional, tendo esta decisão sido mantida pela Segunda Turma que negou provimento ao agravo interno do ente estatal, nos termos da seguinte ementa (fls. 519 e-STJ):

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO CARACTERIZADA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Na hipótese dos autos, as recorridas ajuizaram ação ordinária visando à condenação do Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização pelos danos que suportaram com o suicídio de um parente em uma cela de presidiária.
2. O Tribunal de origem não condenou o Poder Público, em razão da ausência de nexo de causalidade entre eventual omissão estatal e o falecimento do preso.
3. Contudo, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que não é necessário perquirir eventual culpa⁄omissão da Administração Pública em situações como a dos autos, já que a responsabilidade civil estatal pela integridade dos presidiários é objetiva em face dos riscos inerentes ao meio em que eles estão inseridos por uma conduta do próprio Estado.
4. Agravo regimental não provido.

Os embargos de declaração opostos pelo Estado de Santa Catarina foram rejeitados (fls. 543⁄547 e-STJ).

O Estado de Santa Catarina interpôs, então, o recurso extraordinário de fls. 558⁄565 e-STJ, tendo a Presidência desta Corte Superior determinado o sobrestamento do feito até julgamento final no RE 841.526⁄RS pelo Supremo Tribunal Federal que reconheceu repercussão geral à questão alusiva à responsabilidade civil objetiva do Estado por morte de detento.

Com o julgado da repercussão geral em referência, determinou-se a remessa dos autos à Segunda Turma para eventual juízo de retratação, nos termos no art. 1.030, II, do CPC⁄2015 (fls. 649 e-STJ).

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.259 - SC (2012⁄0034508-6)
EMENTA
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIALRESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 841.526⁄RS. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA N.º 592. JUÍZO DE RETRATAÇÃO.  RESPONSABILIZAÇÃO CONDICIONADA À INOBSERVÂNCIA DO DEVER ESPECÍFICO DE PROTEÇÃO PREVISTO NO ART. 5º, XLIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DE CAUSA IMPEDITIVA DA ATUAÇÃO ESTATAL PROTETIVA DO DETENTO. SUICÍDIO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RETRATAÇÃO.
1. Retornam estes autos para novo julgamento, por força do inciso II do art. 1.030 do Código de Processo Civil de 2015.
2. A decisão monocrática deu provimento ao apelo nobre para reconhecer a responsabilidade civil do ente estatal pelo suicídio de detento em estabelecimento prisional, sob o argumento de que esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que seria aplicável a teoria da responsabilização objetiva ao caso.
3. O acórdão da repercussão geral é claro ao afirmar que a responsabilização objetiva do Estado em caso de morte de detento somente ocorre quando houver  inobservância do dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal.
4. O Tribunal de origem decidiu de forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursal, uma vez que não se conseguiu comprovar que a morte do detento foi decorrente da omissão do Estado que não poderia montar vigilância a fim de impedir que ceifasse sua própria vida, atitude que só a ele competia.
5. Tendo o acórdão recorrido consignado expressamente que ficou comprovada causa impeditiva da atuação estatal protetiva do detento, rompeu-se o nexo de causalidade entre a suposta omissão do Poder Público e o resultado danoso. Com efeito, o Tribunal de origem assentou que ocorreu a comprovação de suicídio do detento, ficando escorreita a decisão que afastou a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina.
6. Em juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, inciso II, do CPC⁄2015, nego provimento ao recurso especial.
 
 
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Como antes relatado, os autos retornaram à apreciação desta colenda Turma em razão do disposto no art. 1.030, inciso II, do CPC⁄2015, segundo o qual:

 
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
[...]
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos
 

A decisão monocrática deu provimento ao apelo nobre para reconhecer a responsabilidade civil do ente estatal pelo suicídio de detento em estabelecimento prisional, sob o argumento de que esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido da aplicabilidade da teoria da responsabilização objetiva ao caso. Assim, seria despicienda a análise do acórdão recorrido que teria concluído pela ausência de omissão no dever de vigilância por parte do Estado de Santa Catarina.

A respeito da responsabilidade civil do Estado por morte de detento, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento, em acórdão assim ementado:

 
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil do estado, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto para as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opino doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte de detento pode ocorrer por várias causas, como v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detendo, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal assentou que incorreu a comprovação de suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário desprovido.

Observa-se, portanto, que o posicionamento adotado por este colegiado merece ser objeto de retratação. Com efeito, a despeito da correta aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao caso em comento, não há falar em responsabilização do Estado de Santa Catarina se ficou demonstrado que o Poder Público não pode evitar o sinistro, como consignado pelo Tribunal de origem às fls. 335⁄336 e-STJ:

 
Na hipótese, os requisitos para configuração da responsabilidade civil não estão preenchidos, uma vez que não se conseguiu comprovar que a morte de Antonio Ferreira dos Santos foi decorrente da omissão do Estado em guardá-lo.
Dos documentos juntadas aos autos retira-se que o falecimento de Antonio foi por ele mesmo provocado.
As fotografias juntadas à inicial (fls. 38⁄40) mostram que o detento foi encontrado dentro de sua cela já sem vida, em decorrência de enforcamento.
O laudo pericial de fls. 100⁄102 concluiu:
[...] haver ocorrido no local, objeto do presente Laudo, uma morte por asfixia. A interpretação do quadro geral do local e do exame do cadáver, descrita nos itens anteriores do presente indicam que a vítima dez uso de pedaço de lençol o qual foi confeccionado uma laço, na sequência amarrado o laço ao pescoço e à barra de ferro da janela sem a necessidade de utilização de um suporte para alcançá-la (a janela) devido à baixa altura da janela (1,93 metro distante do piso) em relação à estatura mediada da vítima (cerca de 1,70 metro de altura), ou então se escorou a vítima com os pés na meia parede que separa a cela da latrina e com o corpo na parede da janela (observar croqui anexo, local da posição do cadáver defronte para a meia parede) vinda na sequência a realizar seu intento. [...] Face ao exposto anteriormente conclui os Peritos que neste local ocorreu uma morte com características de suicídio; [...]
Visto isso, não há como acomodar o pedido de danos morais e pensionamento às autoras, porquanto o Estado de Santa Catarina, embora responsável pela guarda do de cujus, não poderia montar vigilância a fim de impedir que ceifasse sua própria vida, atitude que só a ele competia.

O cotejo entre o caso concreto e o acórdão paradigma proferido pelo Supremo Tribunal Federal evidencia que o acórdão recorrido de improcedência do pleito indenizatório deve ser mantido.

Isso porque o acórdão da repercussão geral é claro ao afirmar que a responsabilização do Estado em caso de morte de detento somente ocorre quando houver  inobservância do dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. Logo, se o Estado nada pôde fazer para evitar o sinistro, não há falar em responsabilidade civil do ente estatal, pois a conclusão em sentido contrário ensejaria a aplicação da inconstitucional teoria do risco integral.

Na hipótese em análise, o Tribunal de origem foi preciso e suficientemente claro no desenvolvimento de seus fundamentos. Em verdade, o Tribunal decidiu de forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursal, uma vez que não se conseguiu comprovar que a morte do detento foi decorrente da omissão do Estado que não poderia montar vigilância a fim de impedir que ceifasse sua própria vida, atitude que só a ele competia.

Assim, tendo o acórdão recorrido consignado expressamente que ficou comprovada causa impeditiva da atuação estatal protetiva do detento, rompeu-se o nexo de causalidade entre a suposta omissão do Poder Público e o resultado danoso. Com efeito, o Tribunal de origem assentou que ocorreu a comprovação de suicídio do detento, ficando escorreita a decisão que afastou a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina.

Com base nessas considerações, em juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, inciso II, do CPC⁄2015, nego provimento ao recurso especial.

É como voto