PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA.
PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ALIMENTOS. CONVENÇÃO DE NOVA YORK. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA. CURADOR ESPECIAL. ART. 9º. § 3º, DA RESOLUÇÃO STJ 9/2005.
1. O art. 9º, § 3º, da Resolução STJ nº 9/2005 determina a nomeação de curador especial nas hipóteses de revelia, não fazendo qualquer distinção acerca da natureza do direito a ser tutelado.
2. Ainda que se trate de uma sentença de divórcio, o pleito tem por objeto a homologação apenas do capítulo relativo às "prestações alimentares devidas", nos termos do art. 4º, § 2º, da Resolução STJ nº 9/05.
3. A pretensão foi articulada pela Procuradoria-Geral da República, na qualidade de Instituição Intermediária, nos termos do art. 2º da Convenção de Nova York Sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro promulgada pelo Decreto nº 56.826/1965, bem como da Lei nº 5.478/1965, que dispõe sobre a ação de alimentos no Brasil.
4. Constam dos autos os documentos necessários ao deferimento do pedido: (i) requerimento da representante legal dos requerentes, encaminhado pelo Ministério da Justiça de Portugal para que a Procuradoria Geral da República do Brasil atuasse como interveniente; (ii) autoridade competente, consoante o seguinte trecho da sentença: "A Conservatória é competente (art. 12 do DL.
272/2001 e 13 de outubro e 271 C.R.C)"; (iii) presença de procurador do requerido com poderes especiais na data da audiência de divórcio consensual; (iv) sentença estrangeira e o acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal a ela anexado, sendo despiciendo estarem acompanhados de tradução oficial, uma vez que o idioma oficial praticado é o português, consoante já decidido nos autos da SEC nº 5.590/PT, Rel. Min. Castro Meira, DJe 28/06/2011; (v) comprovação do trânsito em julgado da decisão e a ausência de ofensa à soberania nacional ou ordem pública, nos termos dos arts. 5º e 6º, da Resolução nº 9/05 desta Corte e do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
5. As questões relativas à prescrição da pretensão de cobrança dos alimentos ou à revisão dos valores fixados desbordam do mero juízo de delibação, relacionando-se ao cumprimento da sentença, não cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o exame de matéria pertinente ao mérito, salvo para, dentro de estreitos limites, verificar eventual ofensa à ordem pública e à soberania nacional, o que não é o caso.
6. Sentença estrangeira homologada.
(SEC 9.952/EX, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/11/2014, DJe 17/11/2014)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
RELATOR | : | MINISTRO BENEDITO GONÇALVES |
REQUERENTE | : | A C P DE B D |
REQUERENTE | : | J A P DE B D |
REPR. POR | : | D R DA S |
REPR. POR | : | PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA |
ADVOGADO | : | PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA - PGR |
REQUERIDO | : | J M DE B D |
ADVOGADO | : | DEFENSORIA PUBLICA DA UNIÃO - CURADOR ESPECIAL |
EXMO. SR. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator):
A Procuradoria-Geral da República, na qualidade de Instituição Intermediária indicada nos termos da Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, promulgada pelo Decreto nº 56.826⁄1965, requereu a homologação de sentença de divórcio consensual com acordo de regulação do exercício do poder parental, proferida em 12 de novembro de 2003 pela Conservatória do Registro Civil de Évora, Portugal, com a finalidade de "possibilitar a execução das prestações alimentares", que foram fixadas em favor de A. C. P. de B. D. e de J. A. P. de B. D., ambos de nacionalidade portuguesa, a serem pagas por J. M. de B. D., português, residente no Brasil (fls. 01-02).
Não obstante o requerido tenha sido regularmente citado (fl. 109), o prazo para resposta transcorreu in albis (fl. 121).
Nomeou-se, então, curador especial, o qual contestou o pedido, alegando (fls. 129-136):
a) em preliminar, a desnecessidade de atuação do curador especial no caso e a ilegitimidade ativa da Procuradoria-Geral da República;
b) no mérito, a inaplicabilidade da Convenção de Nova York na espécie, por se tratar de sentença estrangeira de divórcio, e a prescrição da pretensão para haver as prestações alimentares e;
c) em caráter eventual, que a homologação seja apenas parcial, com efeitos ex nunc, reconhecendo-se a prescrição parcial da dívida.
Em réplica, a Procuradoria-Geral da República afirmou que o pedido visa à homologação parcial da sentença, "somente da parte da decisão que cuidou dos alimentos", e que se encontra legitimada para tanto, bem assim que a questão relativa à prescrição não tem cabimento na fase de homologação, relacionando-se apenas à execução (fls. 142-143).
Em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Edson Oliveira de Almeida, o Ministério Público Federal opinou pela "homologação da sentença estrangeira, que dispôs sobre os alimentos devidos aos menores" (fl. 143).
É o relatório.
EXMO. SR. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator):
O pedido refere-se a uma sentença de Divórcio por Mútuo Consentimento proferida em 12 de novembro de 2003 pela Conservatória do Registro Civil de Évora, Portugal, que, entre outras questões, homologou acordo relativo à prestação de alimentos aos filhos do requerido.
A curadoria especial contestou o pedido, alegando, em síntese:
a) a desnecessidade de atuação do curador especial no caso, porque "a curadoria especial do réu revel citado pessoalmente somente tem lugar em demandas envolvendo direitos indisponíveis", o que não seria a hipótese (fls. 130-131);
b) ilegitimidade ativa da Procuradoria-Geral da República e inaplicabilidade da Convenção de Nova York na espécie, por se tratar de sentença estrangeira de divórcio (fl. 131-135;
c) em caráter eventual, seja reconhecida a prescrição da pretensão para haver as prestações alimentares que a homologação seja apenas parcial, com efeitos ex nunc, reconhecendo-se a prescrição parcial da dívida (fls. 129-136).
Passa a se examinar pormenorizadamente os alegados óbices à homologação do pedido.
a) Da desnecessidade de atuação do curador especial
A indicação de curador especial está prevista no art. 9º, § 3º, da Resolução n. 9 de 2005, do Superior Tribunal de Justiça, de seguinte teor:
Como se vê, a regra determina a nomeação de curador especial nas hipóteses de revelia da parte requerida, não fazendo qualquer distinção acerca da natureza do direito a ser tutelado.
b) Aplicabilidade da Convenção de Nova York e a Legitimidade Ativa do Ministério Público Federal
Ainda que se trate de uma sentença de divórcio, o pleito tem por objeto a homologação apenas do capítulo relativo às "prestações alimentares devidas" (fl. 01), nos termos do art. 4º, § 2º, da Resolução STJ nº 9 de 2005.
A pretensão foi articulada pela Procuradoria-Geral da República, na qualidade de Instituição Intermediária, nos termos do art. 2º da Convenção de Nova York Sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro promulgada pelo Decreto nº 56.826⁄1965, bem como da Lei nº 5.478⁄1965, que dispõe sobre a ação de alimentos no Brasil.
Para melhor elucidação, reproduzo a dicção dos textos legais em comento:
Assim, justifica-se a aplicação da Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro à espécie, bem como a legitimidade ativa da Procuradoria-Geral da República para requerer a homologação da sentença estrangeira.
Passo a examinar os requisitos necessários à homologação.
Nos termos dos arts. 5º e 6º, da Resolução nº 9⁄05 desta Corte e do art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira: haver sido proferida por autoridade competente; terem as partes sido citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; ter transitado em julgado; estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil; não ofender a soberania ou ordem pública.
A pretensão merece acolhida.
No caso, constam dos autos os documentos necessários ao deferimento do pedido, a saber:
(i) requerimento da representante legal dos requerentes Sra. Dulce Rosa da Silva Pisco, encaminhado pelo Ministério da Justiça de Portugal para que a Procuradoria Geral da República do Brasil atue como interveniente (fls. 03-09);
(ii) autoridade competente, consoante o seguinte trecho da sentença: "A Conservatória é competente (art. 12 do DL. 272⁄2001 e 13 de outubro e 271 C.R.C)" (fl. 23);
(iii) presença de procurador do requerido com poderes especiais na data da audiência de divórcio consensual (fl. 22);
(iv) sentença estrangeira e o acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal a ela anexado, sendo despiciendo estarem acompanhados de tradução oficial, uma vez que o idioma oficial praticado é o português, consoante já decidido nos autos da SEC nº 5.590⁄PT, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, julgado em 09⁄06⁄2011, DJe 28⁄06⁄2011 (fl. 20⁄24). "Também dispensa chancela consular brasileira, uma vez que trata de situação jurídica aludida na Convenção para a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro concluída em Nova York, em 20 de junho de 1956", conforme asseverado pela Curadoria Especial (fl. 135).
(v) comprovação do trânsito em julgado da decisão (fl. 19).
Por fim, as questões relativas à prescrição da pretensão de cobrança dos alimentos ou à revisão dos valores fixados desbordam do mero juízo de delibação, relacionando-se ao cumprimento da sentença, não cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o exame de matéria pertinente ao mérito, salvo para, dentro de estreitos limites, verificar eventual ofensa à ordem pública e à soberania nacional, o que não é o caso. Outrossim, como é cediço, o valor dos alimentos estipulados na decisão, por sua natureza, não é imutável, podendo ser revisto a qualquer tempo (art. 471, I, do Código de Processo Civil).
A propósito, cito os seguintes julgados:
Corrobora as conclusões aventadas a manifestação ministerial (fl. 143):
Assim, foram observados os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pleito, mormente em razão de o conteúdo do título não ofender a soberania nacional, a ordem pública nem os bons costumes, consoante a dicção dos artigos 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e 5º e 6º da Resolução STJ n. 09⁄2005.
Ante o exposto, defiro o pedido de homologação parcial do título judicial estrangeiro, apenas quanto ao capítulo relativo aos alimentos fixados em favor dos ora requerentes.
É como voto.