Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ALIMENTOS DEDUZIDA EM FACE DE EX-CÔNJUGE - AUSÊNCIA DE PEDIDO DE FIXAÇÃO DO ENCARGO NO DIVÓRCIO LITIGIOSO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E RENÚNCIA TÁCITA RECONHECIDAS NA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU - MANUTENÇÃO DA EXTI

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ALIMENTOS DEDUZIDA EM FACE DE EX-CÔNJUGE - AUSÊNCIA DE PEDIDO DE FIXAÇÃO DO ENCARGO NO DIVÓRCIO LITIGIOSO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E RENÚNCIA TÁCITA RECONHECIDAS NA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU - MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 267, VI, DO CPC), PELO ACÓRDÃO LOCAL. INSURGÊNCIA DA ALIMENTANDA.

1. Tese de violação ao art. 1.704 do Código Civil. Acolhimento.

Alimentos não pleiteados por ocasião do divórcio litigioso.

Requerimento realizado posteriormente. Viabilidade. Impossibilidade jurídica afastada. Renúncia tácita não caracterizada.

2. Não há falar-se em renúncia do direito aos alimentos ante a simples inércia de seu exercício, porquanto o ato abdicativo do direito deve ser expresso e inequívoco.

3. Em atenção ao princípio da mútua assistência, mesmo após o divórcio, não tendo ocorrido a renúncia aos alimentos por parte do cônjuge que, em razão dos longos anos de duração do matrimônio, não exercera atividade econômica, se vier a padecer de recursos materiais, por não dispor de meios para suprir as próprias necessidades vitais (alimentos necessários), seja por incapacidade laborativa, seja por insuficiência de bens, poderá requerê-la de seu ex-consorte, desde que preenchidos os requisitos legais.

4. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade jurídica do pedido e determinar que o magistrado de primeiro grau dê curso ao processo.

(REsp 1073052/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 02/09/2013)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.052 - SC (2008⁄0153518-7)
 
RECORRENTE : R M DE S
ADVOGADO : LAURINHO ALDEMIRO POERNER E OUTRO(S)
RECORRIDO : J A DE S
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
 
RELATÓRIO
 
O SENHOR MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR): Trata-se de recurso especial interposto por R M DE S, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado (fl. 133, e-STJ):
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO POSTERIOR À DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. RENÚNCIA TÁCITA AOS ALIMENTOS. ADMISSIBILIDADE EM SE TRATANDO DE RELAÇÕES MATRIMONIAIS. RECURSO DESPROVIDO.
I - Os cônjuges separados de fato ou judicialmente podem pleitear do outro consorte pensão alimentícia, em sintonia com o binômio possibilidade⁄necessidade. 
Por sua vez, a decretação do divórcio põe termo a todos os laços decorrentes da relação matrimonial, com os seus consectários, entre outros, o direito de postular alimentos, salvo se fixados anteriormente e ainda persistirem as necessidades do alimentando que deram azo a sua percepção.
II - A irrenunciabilidade aos alimentos de que trata o art. 1.707 do Código Civil refere-se somente à obrigação alimentar originada de vínculo de parentesco sangüíneo, não abrangendo as relações matrimoniais ou união estável desconstituídas. 
Nessa linha, se a mulher renuncia, ainda que de forma tácita, ao direito de percepção de alimentos em ação de divórcio, não poderá mais, a posteriori, requerer ao ex-cônjuge pensão alimentícia.
 
Nas razões do recurso especial, a insurgente aponta, além de divergência jurisprudencial, a existência de violação aos arts. 1.704 e 1.707 do Código Civil. A recorrente sustenta, em síntese, ser viável pleitear alimentos em face de ex-cônjuge, mesmo após o divórcio, ainda que inexista requerimento de fixação na própria ação de divórcio litigioso, haja vista subsistir o dever de assistência mútua.
Argumenta não caracterizar renúncia aos alimentos o fato de não requerê-los quando do divórcio, porquanto tal renúncia somente é admitida de forma expressa, sendo descabida aquela considerada tácita.
Sem contrarrazões (fl. 113, e-STJ) e, após decisão de admissibilidade do recurso especial, os autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da irresignação (fls. 133 a 136, e-STJ).
É o relatório.
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.052 - SC (2008⁄0153518-7)
 
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ALIMENTOS DEDUZIDA EM FACE DE EX-CÔNJUGE - AUSÊNCIA DE PEDIDO DE FIXAÇÃO DO ENCARGO NO DIVÓRCIO LITIGIOSO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E RENÚNCIA TÁCITA RECONHECIDAS NA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU - MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 267, VI, DO CPC), PELO ACÓRDÃO LOCAL.
INSURGÊNCIA DA ALIMENTANDA.
1. Tese de violação ao art. 1.704 do Código Civil. Acolhimento. Alimentos não pleiteados por ocasião do divórcio litigioso. Requerimento realizado posteriormente. Viabilidade. Impossibilidade jurídica afastada. Renúncia tácita não caracterizada.
2. Não há falar-se em renúncia do direito aos alimentos ante a simples inércia de seu exercício, porquanto o ato abdicativo do direito deve ser expresso e inequívoco.
3. Em atenção ao princípio da mútua assistência, mesmo após o divórcio, não tendo ocorrido a renúncia aos alimentos por parte do cônjuge que, em razão dos longos anos de duração do matrimônio, não exercera atividade econômica, se vier a padecer de recursos materiais, por não dispor de meios para suprir as próprias necessidades vitais (alimentos necessários), seja por incapacidade laborativa, seja por insuficiência de bens, poderá requerê-la de seu ex-consorte, desde que preenchidos os requisitos legais.
4. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade jurídica do pedido e determinar que o magistrado de primeiro grau dê curso ao processo.
 
   
 
 
 
VOTO
 
O SENHOR MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR): Sustenta a insurgente ser possível a deflagração de ação de alimentos, mesmo após a dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio, quando o aludido encargo não fora requerido em tal ocasião.
Argumenta, ainda, não caracterizar renúncia à percepção de assistência material o fato de não tê-lo postulado na ação de divórcio litigioso, uma vez que o ato abdicativo não pode ser presumido.
Razão assiste à recorrente.
1. A dissolução do casamento pelo divórcio, via de regra, conduz à extinção da obrigação alimentar, uma vez que, não existindo mais vínculo matrimonial, a dependência econômica outrora estabelecida é rompida, e a condução da vida de cada consorte passa a ser de responsabilidade individual.
Todavia, em atenção ao princípio da mútua assistência, mesmo após o divórcio, se um dos ex-cônjuges padecer de recursos materiais, por não dispor de meios para suprir as próprias necessidades vitais (alimentos necessários), seja por incapacidade laborativa, seja por insuficiência de bens, poderá requerê-la de seu ex-consorte, desde que não tenha renunciado aos alimentos e estejam presentes os requisitos legais.
No caso, a insurgente fora casada com o recorrido por mais de 30 anos (fls. 14, e-STJ), e propôs a ação de alimentos em 19⁄12⁄2006 (fls. 5, e-STJ), ou seja,  um ano após o trânsito em julgado da demanda de divórcio litigioso (fls. 14, e-STJ), sob o argumento de ter sido economicamente dependente do ex-marido durante todo o enlace conjugal, bem como aduz não se encontrar em condições para o exercício de atividade laboral, percebendo, a título de remuneração, parco auxílio-doença pago pela Previdência Social, situação esta, segundo afirma, apta a autorizar a fixação de alimentos.
Ora, a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias revela que a tese deduzida na inicial de alimentos é no sentido de que sobreveio uma aparente necessidade ulterior, reputada inexistente quando da negativa do pedido ainda em sede de demanda de separação judicial, conforme noticiam os autos.
E é justamente em circunstâncias como estas em que se vislumbra a pertinência do dever de assistência recíproca (art. 1.694 do CC⁄2002), idealizado para garantir a subsistência do cônjuge carente até que a situação de dependência financeira se extinga em face de posterior reestruturação econômica de sua vida.
É, pois, hipótese dos alimentos "naturais", fundado na solidariedade estampada em diversos dispositivos constitucionais (arts. 226, §5º, 229 e 230, da CF⁄88).
Assim, como a necessidade de recursos pode manifestar-se concomitantemente ao término legal do matrimônio, ou, ainda, na fase pós-divórcio, diante de fatos supervenientes, inexiste óbice à formulação do pedido de alimentos em tais condições, conforme anotam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
[...]
O término do casamento, através de separação ou divórcio, por si só, não é causa suficiente para a extinção da obrigação alimentar existente entre os consortes.
Superando enormes controvérsias doutrinárias - que, agora, fazem parte do passado longínquo - infere-se a concreta possibilidade de se obter a fixação de alimentos após a separação ou mesmo o divórcio dos cônjuges. Em suma: os alimentos entre ex-cônjuges podem ser fixados no instante da separação ou divórcio, antes da dissolução nupcial, através de demanda específica de alimentos, ou mesmo depois de dissolvido o matrimônio, por meio de ação de alimentos, afastando-se a equivocada assertiva de que somente subsistiriam, depois da dissolução, os alimentos fixados por sentença ou acordo entre as partes.
Sem dúvida, o simples fato de ter sido dissolvida a relação jurídica matrimonial não pode implicar a cessação dos efeitos que ela decorrem. São coisas distintas.
É certo que a possibilidade de pleitear alimentos depois da separação - e, em especial, depois do divórcio - é rara, pois, ordinariamente, quem precisa de pensão já pleiteou na própria ação dissolutiva de casamento. Todavia, não se pode esquecer hipóteses de necessidade superveniente imprevisíveis atingindo aquele cônjuge que, anteriormente, não precisou da assistência do outro. Situação de miséria absoluta ou doenças incuráveis ou degenerativas que, muitas vezes, comprometem a própria capacidade laborativa são hipóteses bastante ilustrativas.
SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA é enfático ao realçar o sério equívoco que seria absolutizar a afirmação de que, após o divórcio, não mais é possível reclamar alimentos do ex-cônjuge. Por isso, trinta, quarenta, cinqüenta anos de casamento não podem ser reduzidos à eficácia zero apenas porque foi decretado o divórcio. No mesmo diapasão, PAULO LÔBO: "apesar do divórcio dissolver inteiramente o casamento e o respectivo dever de assistência, o direito brasileiro, em razão do princípio da solidariedade, admite a projeção ou a transferência do dever de assistência, assegurando ao ex-cônjuge necessitado o direito aos alimentos."
Por conseguinte, o direito aos alimentos persiste após o término da relação afetiva, mesmo depois de reconhecido judicialmente este fim, somente vindo a se extinguir quando configurada uma hipótese de extinção, como a constituição de uma nova família.
É claro que a fixação de alimentos, após a separação ou o divórcio, pressupõe a inexistência de renúncia ao direito pelo interessado, conforme o justificado entendimento do Superior Tribunal de Justiça. De idêntica forma, é preciso, também, que o alimentando comprove a necessidade superveniente e a capacidade contributiva do alimentante.
[...] (FARIAS, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Direito das famílias2° ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010, págs. 700 e 701 - destacou-se)
 
Idêntica conclusão também é revelada no magistério de Maria Berenice Dias:
 
[...]
A obrigação alimentar em favor do cônjuge tem por fundamento o dever de mútua assistência. Está previsto na lei (CC 1.694), sem quaisquer restrições temporais ou limitações com referência ao estado civil dos obrigados. Logo, solvido o vínculo afetivo e havendo necessidade de um e possibilidade de outro, é estabelecido o encargo alimentar, que persiste enquanto permanecer inalterada a condição econômica-financeira de ambos os cônjuges. Tanto na separação, como no divórcio, é possível estabelecer a obrigação alimentar. Mais: fixados os alimentos na separação, ou na sua conversão em divórcio, não havendo mudança na situação de vida de qualquer das partes, persiste o encargo.
[...]
Não há como o divórcio produzir verdadeira alquimia e mudar a natureza jurídica da obrigação de alimentos, remetendo-a para o âmbito do direito obrigacional. O fato de estar dissolvida a sociedade conjugal não tem esse poder, havendo sim a possibilidade de serem buscados alimentos mesmo depois do divórcio. [...] (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,, 2009, págs. 473 e 474 - grifou-se)
 
A fim de impedir a perpetuação de situações injustas, a jurisprudência tem rechaçado a fixação ad eternum do encargo alimentar, máxime quando o demandante, efetivamente, não necessitar mais do suporte financeiro.
Por isso, o deferimento da prestação alimentícia pós-divórcio é excepcional e carregado de subjetividade, pois, além de respeitar o binômio necessidade x possibilidade, deve estar presente a latência da dissolução do vínculo conjugal. Isto é: embora já dissolvido o casamento, o desfazimento da relação sócio-jurídico deve irradiar conseqüências por sobre a vida do outro consorte, que se diz dependente, sobretudo em face de fatos supervenientes.
Tal medida visa coibir possíveis abusos, pois, uma vez transcorrido lapso suficiente a apagar qualquer vestígio da anterior vida a dois, seja no plano econômico, social e, inclusive, psíquico, não é dado ao ex-consorte requerer alimentos, alegando dificuldades financeiras, especialmente quando entre o fim da vida conjugal e o pedido de alimentos se observar a completa reestrutura e transformação da vida de cada um.
Ademais, mesmo sob o prisma da literalidade não se verifica outra solução para o caso, porquanto o art. 1.708 do mesmo diploma legal - que elenca as hipóteses de interrupção do encargo alimentar - não aponta o divórcio como uma delas.
Diga-se, também, que em nenhum outro dispositivo do Estatuto Civil há regra que obste a percepção de alimentos após o divórcio.
Desse modo, não se afigura razoável interpretar restritivamente o direito alimentar, como fez a Corte de piso, tendo em vista a sua relevância e finalidade social.
A propósito do tema em referência, transcreve-se precedente lapidar deste Superior Tribunal de Justiça, em que se reconheceu a possibilidade de a parte divorciada requerer alimentos em face de seu ex-cônjuge:
 
Direito civil. Família. Revisional de alimentos. Reconvenção com pedido de exoneração ou, sucessivamente, de redução do encargo. Dever de mútua assistência. Divórcio. Cessação. Caráter assistencial dos alimentos. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia. Condição social. Análise ampla do julgador. Peculiaridades do processo.
- Sob a perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro, o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges, reveste-se de caráter assistencial, não apresentando características indenizatórias, tampouco fundando-se em qualquer traço de dependência econômica havida na constância do casamento.
- O dever de mútua assistência que perdura ao longo da união, protrai-se no tempo, mesmo após o término da sociedade conjugal, assentado o dever de alimentar dos então separandos, ainda unidos pelo vínculo matrimonial, nos elementos dispostos nos arts. 1.694 e 1.695 do CC⁄02, sintetizados no amplamente difundido binômio – necessidades do reclamante e recursos da pessoa obrigada.
- Ultrapassada essa etapa – quando dissolvido o casamento válido pelo divórcio, tem-se a conseqüente extinção do dever de mútua assistência, não remanescendo qualquer vínculo entre os divorciados, tanto que desimpedidos de contrair novas núpcias. Dá-se, portanto, incontornável ruptura a quaisquer deveres e obrigações inerentes ao matrimônio cujo divórcio impôs definitivo termo.
- Por força dos usualmente reconhecidos efeitos patrimoniais do matrimônio e também com vistas a não tolerar a perpetuação de injustas situações que reclamem solução no sentido de perenizar a assistência, optou-se por traçar limites para que a obrigação de prestar alimentos não seja utilizada ad aeternum em hipóteses que não demandem efetiva necessidade de quem os pleiteia.
Dessa forma, em paralelo ao raciocínio de que a decretação do divórcio cortaria toda e qualquer possibilidade de se postular alimentos, admite-se a possibilidade de prestação do encargo sob as diretrizes consignadas nos arts. 1.694 e ss. do CC⁄02, o que implica na decomposição do conceito de necessidade, à luz do disposto no art. 1.695 do CC⁄02, do qual é possível colher os seguintes requisitos caracterizadores: (i) a ausência de bens suficientes para a manutenção daquele que pretende alimentos; e (ii) a incapacidade do pretenso alimentando de prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.
[...]
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 933355⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25⁄03⁄2008, DJe 11⁄04⁄2008) (grifou-se)
 
Assim, o direito aos alimentos não está atrelado ao seu prévio deferimento na ação de separação judicial ou na própria demanda de divórcio, como asseverou o Tribunal de origem, pois, mesmo cessado o vínculo matrimonial pelo divórcio, há obrigações que se protraem para além do relacionamento conjugal, e o dever alimentar é uma delas, por ser calcado no princípio da mútua assistência.
2. No tocante à caracterização de renúncia, ante a ausência de pedido de alimentos no bojo da ação de divórcio litigioso, tem-se que essa conclusão constante do aresto Estadual não se coaduna com o tratamento dado ao instituto pelo sistema jurídico.
A despeito de o Superior Tribunal de Justiça reconhecer a possibilidade da abdicação de tal direito no caso de cônjuges (vide: A propósito, veja-se o seguinte trecho do voto proferido pelo Excelentíssimo AgRg no Ag 1044922⁄SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 22⁄06⁄2010; REsp 701902⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄09⁄2005, DJ 03⁄10⁄2005; EDcl no REsp 832902⁄RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 06⁄10⁄2009, DJe 19⁄10⁄2009), a postura inerte da recorrente quando do divórcio não pode ser confundida com renúncia.
É que o renunciante efetivamente declina do direito, perdendo a possibilidade de exercê-lo, já que não mais integra sua esfera jurídica. O inerte, por sua vez, simplesmente deixa de exercê-lo, conforme sua conveniência, a qual, contudo, subordina-se a prazos fatais.
In casu, o egrégio Tribunal a quo considerou existir renúncia tácita à verba alimentar, tendo em vista a ausência de requerimento da parte, por ocasião do divórcio, conforme segue transcrição do acórdão impugnado:
De outro vértice, embora tenha a Apelante alegado que em momento algum renunciou aos alimentos, pelo que se infere dos autos, quando da decretação do divórcio, verifica-se a ocorrência de renúncia tácita, na exata medida em que, naquela ocasião, deixou de pleitear pensão alimentícia ao seu ex-cônjuge.
 
Ao contrário do entendimento esposado pelo Tribunal local, houve uma nítida inércia da requerente, conduta esta que, todavia, não caracteriza renúncia tácita.
É que, tendo em vista a relevância da finalidade do direito alimentar - garantia da subsistência humana -, é de se exigir que a renúncia seja expressa e inequívoca. Aliás, presumir a renúncia de tal direito, em momento de conturbada situação emocional, não se mostra prudente, já que, não raras as vezes, o fim da vida conjugal é marcado por aflições e desilusões que abalam, consideravelmente, o equilíbrio das partes.
Assim, no caso, não há se falar em renúncia tácita ao direito alimentar.
Veja-se, a propósito, a abalizada opinião de Yussef Said Cahali, para quem a renúncia aos alimentos é postura diversa da simples dispensa:
[...] nem 'é renúncia o declarar que não se quer exercer o direito' (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, XIV, p. 125); donde, senão disse que renuncia, demitia, ou abdicava, nem que não queria exercer o direito, a omissão não pode ser interpretada senão como atitude provisória de inexercício de direito que não perdeu, a qual corresponde à só figura de dispensa; e se não dispôs do direito [...] tem pretensão e ação para reclamar alimentos ao antigo consorte.
[...] a renúncia, pela sua gravidade, deve ser expressa, somente se admite sua presunção quando o comportamento do cônjuge, diante das circunstâncias fáticas, leva à conclusão de que renunciou àquele direito; mas os fatos devem ser inequívocos, sob pena de, em não havendo renúncia expressa, admitir-se que o cônjuge apenas dispensou a pensão, deixando de exercitar no momento da separação seu direito - seria no exame de cada caso que se deduziria a configuração de dispensa ou de renúncia (Separações Conjugais e Divórcio. 12. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 218⁄219 - destacou-se)
 
Nesse mesmo sentido, cita-se a lição de Rolf Madaleno:
[...]
Conforme José Ignácio Velasco, o repúdio de um direito ou de um patrimônio produz-se por atos concludentes, observados pela emanação de vontade e não pela declaração desta vontade, como no caso do abandono físico de um bem móvel. A renúncia a um crédito sempre requer a declaração da vontade de renunciar, porque o abandono de um crédito pela inação de sua cobrança nunca equivale à renúncia (CC, art. 111).
Assim, como a simples omissão ao direito alimentar dos cônjuges em suas separações consensuais não representava uma tácita renúncia aos alimentos do matrimôniotampouco irá gerar eficácia jurídica eventual omissão acerca de cláusula sobre o direito alimentar nas demandas de divórcio.
A renúncia jamais poderia ser extraída do mero silêncio dos cônjuges em seu divórcio judicial ou extrajudicial, sendo necessário constar cláusula expressa [...]. Já ensinava José Paulo Cavalcanti que não se confunde a renúncia com o mero não exercício de um direito, porque, no não exercício o titular não usa o seu direito, mas sua vontade não se pronuncia peal eliminação desse direito, o que acontece com clareza e eloquência na renúncia manifestada e, se porventura, o não exercício se prolonga por determinado período, ainda assim não há que ser falado em renúncia tácita, embora pudesse resultar na perda do direito por decadência ou prescrição, figuras distintas da renúncia, contudo, sabido que, se o direito a alimentos não prescreve, nenhum efeito jurídico emana do simples e deliberado silêncio ou da inadvertida omissão.  [...] (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4° ed. Forense: Rio de Janeiro, 2011, p. 869; destacou-se)
 
 
À luz dessas premissas, é juridicamente possível a prestação de alimentos entre pessoas divorciadas, não estando condicionada a obrigação alimentar ao anterior deferimento em separação judicial ou em ação de divórcio, e a falta de pedido de fixação do encargo em tais ações não pode ser tida como renúncia tácita ao direito.
3. Do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de afastar a impossibilidade jurídica do pedido e determinar que o magistrado de primeiro grau dê curso ao processo.

É como voto.