Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ROUBO SEGUIDO DE MORTE (LATROCÍNIO) COMETIDO CONTRA CORRENTISTA DE BANCO, EM VIA PÚBLICA, QUE HAVIA SACADO DETERMINADA QUANTIA EM DINHEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA. FORTUITO EXTERNO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Trata-se de ação de compensação por danos morais em decorrência do crime de roubo seguido de morte (latrocínio) cometido contra o cônjuge da autora, em via pública, após o saque de determinada quantia em dinheiro na agência bancária do réu.

2. Verificando-se que todas as questões suscitadas em apelação foram devidamente analisadas pelo Tribunal de origem, afasta-se a apontada negativa de prestação jurisdicional.

3. A instituição bancária não responde por crime de latrocínio cometido contra correntista, em via pública, por se tratar de hipótese de fortuito externo, o qual rompe o nexo de causalidade e, por consequência, afasta a responsabilidade civil objetiva, notadamente por ser a segurança pública dever do Estado.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1557323/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.557.323 - PR (2015⁄0241113-1)
 
RELATÓRIO
 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Josete Maria Niczay ajuizou ação ordinária de compensação de danos extrapatrimoniais contra o Banco Bradesco S⁄A, na qual alegou que seu cônjuge fora assassinado por bandidos após efetuar saques na agência bancária do réu. Pleiteou, assim, a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais, considerando a inobservância dos deveres de segurança exigidos das instituições financeiras para a coibição de delitos.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Ambas as partes apelaram.

O Tribunal de Justiça do Paraná, por sua vez, negou provimento ao recurso do banco e deu parcial provimento ao apelo da autora para majorar o valor arbitrado, fixando-o em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

O acórdão ficou assim ementado:

ASSALTO A CLIENTE APÓS SAIR DA AGÊNCIA BANCÁRIA COM DETERMINADA QUANTIA EM DINHEIRO. LATROCÍNIO OCORRIDO NAS PROXIMIDADES DO BANCO. CRIME CONHECIDO COMO 'SAIDINHA DE BANCO'. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DO SERVIÇO BANCÁRIO, UMA VEZ QUE NÃO FOI ASSEGURADA AO CLIENTE A PRIVACIDADE NECESSÁRIA À OPERAÇÃO BANCÁRIA, EM DETRIMENTO DO DEVER DE SEGURANÇA. NEGLIGÊNCIA. FALTA DE CUMPRIMENTO DA LEI MUNICIPAL N. 12.812⁄2008. TEORIA DO RISCO DO NEGÓCIO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO EM R$ 150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL REAIS).
 
RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL INTERPOSTO PELO RÉU BANCO BRADESCO CONHECIDO E, NO MÉRITO, NÃO PROVIDO.
 
RECURSO DE APELAÇÃO CIVIL INTERPOSTO PELA AUTORA JOSETE MARIA NICZAY CONHECIDO E, NO MÉRITO, PROVIDO PARCIALMENTE.
 
 

O réu opôs embargos de declaração, os quais foram acolhidos, em parte, apenas para sanar as omissões apontadas, sem efeitos infringentes.

Daí o presente recurso especial, em que o Banco Bradesco S⁄A alega que o acórdão recorrido violou os arts. 2º e 5º da Lei n. 7.102⁄1983; 14 e 18 do Código de Defesa do Consumidor; 186, 393, 927, 931 e 932 do Código Civil; e 331, I, 467, 469, 535, I e II, do Código de Processo Civil de 1973.

Sustenta, em síntese, que não estão presentes os requisitos da responsabilidade civil no caso, pois o fato (latrocínio) ocorreu fora da agência bancária, circunstância que afasta o nexo de causalidade.

Aduz que "não é possível vislumbrar-se qualquer culpa do Banco Bradesco ou mesmo nexo de causalidade entre sua conduta e a morte de José Niczay Sobrinho, eis que esta decorreu exclusivamente da cruel e covarde ação de criminosos que estudaram os hábitos da vítima, e, na data de pagamento dos seus funcionários, o seguiram para assaltá-lo e acabaram, também, covardemente, o assassinando" (e-STJ, fl. 376).

Reforça, ainda, que "a responsabilidade objetiva pelos danos causados é relativa a fortuito interno no que toca a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias e não com relação a roubo ou furto ocorridos fora da agência, como é o caso dos autos" (e-STJ, fl. 377).

Busca, assim, o provimento do recurso para que seja julgada improcedente a ação ou, subsidiariamente, seja reduzido o valor fixado a título de dano moral ou reconhecida a nulidade do acórdão recorrido pelo art. 535 do CPC⁄1973.

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.557.323 - PR (2015⁄0241113-1)
 
VOTO
 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

De início, não se verifica a apontada violação do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, pois todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia foram devidamente analisadas pelo Tribunal de origem. Na verdade, o recorrente alegou essa suposta violação apenas para viabilizar o acolhimento do pedido subsidiário, caso esta Corte entendesse pela falta de prequestionamento, o que não é o caso.

Quanto ao mérito recursal, a controvérsia discutida neste feito reside em saber se o banco tem responsabilidade por crime de roubo seguido de morte (latrocínio) cometido contra correntista, em via pública, após o saque de valores em espécie.

O Tribunal de origem entendeu pela responsabilização do banco sob o fundamento de que, "considerando que as instituições bancárias exercem atividade de administração do patrimônio financeiro de seus clientes posto sob sua guarda, portanto, atividade de risco, incumbe ao banco evitar o cometimento de fraudes contra os correntistas, dentre as quais a eficiência integral do serviço fornecido", sendo que, "da análise atenta dos autos, o apelante banco não logrou êxito em demonstrar a quebra do nexo causal por meio de culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro" (e-STJ, fl. 306).

Afirmou-se, ainda, que "a incolumidade do cliente, ora cônjuge da autora, não foi preservada, uma vez que a instituição financeira deixou de cumprir o que regulamenta a Lei n. 12.812⁄2008, de 25⁄06⁄2008, instituído pelo Município de Curitiba⁄PR" (e-STJ, fl. 314), a qual determina que as agências bancárias devem proporcionar atendimento reservado a seus clientes nos caixas em que houver movimentação de dinheiro, devendo, ainda, o local destinado aos clientes que ficam aguardando atendimento ser visualmente isolado dos caixas de atendimento.

Não obstante os fundamentos declinados no acórdão recorrido, entendo que a questão merece outra solução.

Vale destacar que a Segunda Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.197.929⁄PR, fixou a tese de que as instituições bancárias respondem de forma objetiva pelos danos causados aos correntistas, decorrentes de fraudes praticadas por terceiros, caracterizando-se como fortuito interno.

A ementa desse julgado foi assim redigida:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
2. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.197.929⁄PR, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 12⁄9⁄2011 - sem grifo no original)
 
 

Essa questão já se encontra, inclusive, sumulada nesta Corte Superior, conforme se verifica do enunciado n. 479:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
 
 

Impõe-se registrar, contudo, que esse entendimento aplica-se apenas às hipóteses de fortuito interno, conforme expressamente consignado tanto na referida ementa do julgado repetitivo, quanto no verbete sumular transcrito.

Aliás, por esse motivo, é que a jurisprudência desta Corte Superior reconhece a responsabilidade objetiva dos bancos por crimes ocorridos no interior de suas agências, tendo em vista o risco inerente à atividade, que envolve guarda e movimentação de altos valores em dinheiro.

Nesse sentido, a título de exemplo, cito os seguintes precedentes: AgInt no REsp 1.415.230⁄SP, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 31⁄10⁄2017; AgRg no AREsp 162.062⁄SP, Relator o Ministro Marco Buzzi, DJe 19⁄12⁄2014; REsp 1.286.180⁄BA, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe 17⁄11⁄2011; dentre outros.

No caso dos autos, o cônjuge da autora, proprietário de um restaurante na cidade de Curitiba, após sacar a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) na agência bancária do ora recorrente, foi seguido por meliantes até a frente de seu estabelecimento comercial, que ficava aproximadamente a 500 (quinhentos) metros do banco, onde foi assaltado e assassinado.

Tal o quadro delineado, não há como atribuir a responsabilidade pelo trágico acontecimento envolvendo o cônjuge da recorrida ao banco recorrente.

Com efeito, trata-se de nítido fortuito externo, o qual rompe o nexo de causalidade e, por consequência, afasta a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, notadamente porque o crime não foi cometido no interior do estabelecimento bancário, mas, sim, na frente do restaurante do cônjuge da recorrida, não se podendo olvidar que a segurança pública é dever do Estado.

Em caso similar ao presente, esta Terceira Turma já decidiu que o banco não pode ser responsabilizado por crime ocorrido em via pública, conforme se verifica do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLICA APÓS SAÍDA DE AGÊNCIA BANCÁRIA. SAQUE DE VALOR ELEVADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSENTE.
1. Autora pleiteia reparação por danos materiais e compensação por danos morais em decorrência de assalto sofrido, na via pública, após saída de agência bancária.
2. Ausente a ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 3. Na hipótese, não houve qualquer demonstração de falha na segurança interna da agência bancária que propiciasse a atuação dos criminosos fora das suas dependências. Ausência, portanto, de vício na prestação de serviços.
4. O ilícito ocorreu na via pública, sendo do Estado, e não da instituição financeira, o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos.
5. O risco inerente à atividade exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo assalto sofrido pela autora, fora das suas dependências.
6. A análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
7. Negado provimento ao recurso especial.
(REsp n. 1.284.962⁄MG, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 4⁄2⁄2013 - sem grifo no original)
 
 

Por fim, vale registrar que o suposto não cumprimento às exigências previstas na Lei Municipal n. 12.812⁄2008, a qual instituiu o atendimento reservado a clientes das agências bancárias na cidade de Curitiba onde houver manuseio de valores em espécie, não se presta para caracterizar o nexo causal, como entenderam as instâncias ordinárias.

É verdade que as medidas previstas no referido diploma legal podem dificultar a ação de bandidos, todavia, é certo também que elas não impossibilitam, em absoluto, o cometimento de crime contra vítima que tenha sacado valores em espécie. Ademais, o art. 3º da lei em comento expressamente estabelece as sanções que deverão ser aplicadas ao estabelecimento bancário que não cumprir suas determinações, variando de multa diária até a cassação do alvará de funcionamento, não podendo, por si só, caracterizar a responsabilidade do banco em relação a crimes ocorridos em via pública.

Por essas razões, dou provimento ao recurso especial para julgar improcedente a ação indenizatória, ficando a recorrida condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, devendo ser observada eventual concessão do benefício da justiça gratuita.

É o voto