Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. CONDENAÇÃO EM LUCROS CESSANTES. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. FIXAÇÃO DO VALOR DEVIDO PELA PERDA DA CHANCE. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA EXERCEU ATIVIDADE EMPRESARIAL. LAUDO PERICIAL BASEADO EM DANO HIPOTÉTICO. LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. JULGAMENTO: CPC/15.

1. Ação de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais, em fase de liquidação de sentença por arbitramento, de que foram extraídos estes recursos especiais, interpostos em 12/03/2018 e 13/03/2018 e distribuídos ao gabinete em 04/07/2018.

2. O propósito dos recursos especiais consiste em decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a violação da coisa julgada, na liquidação de sentença por arbitramento, em virtude da aplicação da teoria da perda de uma chance para calcular os lucros cessantes; (iii) a comprovação dos lucros cessantes.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I e II, do CPC/15.

4. De acordo com o CC/02, os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.

5. A perda de uma chance não tem previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, tratando-se de instituto originário do direito francês, recepcionado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a ideia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar.

6. Nos lucros cessantes há certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há certeza da probabilidade perdida de se auferir uma vantagem. Trata-se, portanto, de dois institutos jurídicos distintos.

7. Assim feita a distinção entre os lucros cessantes e a perda de uma chance, a conclusão que se extrai, do confronto entre o título executivo judicial - que condenou a ré à indenização por lucros cessantes - e o acórdão recorrido - que calculou o valor da indenização com base na teoria perda de uma chance - é a da configuração de ofensa à coisa julgada.

8. Especificamente quanto à hipótese dos autos, o entendimento desta Corte é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada.

9. Recurso especial de OPTICAL SUNGLASSES LTDA conhecido e desprovido. Recurso especial de VERPARINVEST S/A conhecido e provido.

(REsp 1750233/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.233 - SP (2018⁄0155563-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : OPTICAL SUNGLASSES LTDA
ADVOGADOS : WALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO  - SP092158
    FLÁVIO JOÃO NESRALLAH  - SP124543
RECORRENTE : VERPARINVEST S⁄A
ADVOGADOS : EDUARDO DE OLIVEIRA LIMA  - SP146157
    LUIZ FELIPE PEREIRA GOMES LOPES  - SP184149
RECORRIDO : OS MESMOS
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
 
Cuida-se de recursos especiais interpostos por OPTICAL SUNGLASSES LTDA (primeira recorrente) e VERPARINVEST S⁄A (segunda recorrente), fundamentados, ambos, na alínea "a" do permissivo constitucional.
Ação: de rescisão contratual c⁄c indenização por perdas e danos, em fase de liquidação de sentença por arbitramento, ajuizada por OPTICAL SUNGLASSES LTDA, em face de VERPARINVEST S⁄A, em virtude do descumprimento do contrato de locação de loja de uso comercial do Shopping Eldorado Pamplona, bem como do contrato de cessão de direito de uso e fruição relativo a tal locação, celebrados entre as partes.
Decisão interlocutória: em razão da falta de elementos para apuração dos lucros cessantes devidos à OPTICAL SUNGLASSES LTDA, porque não chegou a exercer suas atividades, o Juízo de primeiro grau, na liquidação de sentença por arbitramento, homologou laudo pericial baseado em balanços contábeis de outra loja de mesma marca comercial, estabelecida em shopping de outra região da cidade de São Paulo, para chegar ao valor da indenização.
Acórdão: deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto por VERPARINVEST S⁄A, para, com base na teoria da perda da chance e em prestígio ao princípio da razoabilidade, fixar o quantum indenizatório em 50% do valor eleito na decisão interlocutória proferia pelo 1ª grau de jurisdição. Eis a ementa do julgado:
 
Indenização. Rescisão contratual. Inadimplemento na entrega de loja em shopping center jamais construído. Negócio empresário não implementado pela agravada em decorrência do inadimplemento do construtor agravante. Lucros cessantes apurados com base em dados contábeis de loja de mesmo porte e espécie em shopping de outra região. Possibilidade de presunção dos lucros cessantes pelo critério eleito. Fixação em quantum desarrazoado. Aplicação da teoria da perda da chance. Indeniza-se a perda da chance de obter o lucro estimado, face aos riscos do negócio a impactarem a performance comercial. Fixação do quantum em 50 % do valor contido no decisum agravado. Parcial provimento.
 
Embargos de declaração de fls. 322⁄327 (e-STJ): opostos por VERPARINVEST S⁄A, foram rejeitados.
Embargos de declaração de fls. 377⁄382 (e-STJ): opostos por OPTICAL SUNGLASSES LTDA, foram rejeitados.
Recurso especial de OPTICAL SUNGLASSES LTDA: alega a violação dos arts. 10, 502, 503, 505, 507, 509, § 4º, e 1.022, I, todos do CPC⁄15, bem como do art. 402 do CC⁄02.
Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta a violação da coisa julgada, na medida em que o Tribunal de origem, “ao substituir a condenação ao pagamento de lucros cessantes por uma indenização decorrente da aplicação da 'teoria da perda da chance', acabou por alterar indevidamente o comando decisório sobre o qual já se havia operado a coisa julgada” (e-STJ, fls. 421).
Afirma que “o cálculo dos lucros cessantes foi baseado em dados objetivos de outra loja da Recorrente⁄Exequente, aberta em outro Shopping da mesma cidade, e na mesma época em que ocorreria a inauguração do Shopping Eldorado Pamplona, projetando 'para 5 (cinco) anos, período de duração do Contrato'” (fl. 424, e-STJ) e, por isso, não se justifica a aplicação da teoria da perda da chance.
Defende, citando jurisprudência do STJ, que “os lucros cessantes, em caso de descumprimento de obrigação contratual de entrega de imóvel, são presumidos” (fl. 424, e-STJ).
Conclui que “o v. acordão recorrido, além afrontar a coisa julgada, também inovou no processo, uma vez que trouxe à colação fundamento teórico ('perda da chance') sobre o qual nenhuma das partes havia se manifestado anteriormente” (fl. 425, e-STJ).
Recurso especial de VERPARINVEST S⁄A: alega violação dos arts. 502, 503, 505, 509, § 4º, e 1.022, todos do CPC⁄15, e dos arts. 402 e 403, do CC⁄02. 
Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta ofensa à coisa julgada, pois o título judicial transitado em julgado determinou que os lucros cessantes seriam objeto de apuração por arbitramento na fase de liquidação, de forma que se a recorrida OPTICAL SUNGLASSES LTDA não os comprovasse nessa ocasião, nada haveria para ser recomposto. Afirma que a referida decisão transitada em julgado não fez menção à aplicação da teoria da perda de uma chance como parâmetro para o cálculo da indenização devida.
Sustenta que o TJ⁄SP "reconheceu que a atividade empresária não se realizou", o que, segundo a jurisprudência do STJ, "afasta a indenização em lucros cessantes por ausência de sua comprovação" (fls. 401-402, e-STJ). Defende a impossibilidade de se "indenizar lucros cessantes hipotéticos ou mesmo a perda de uma chance irreal e incerta" (fl. 403, e-STJ).
É o relatório.
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.233 - SP (2018⁄0155563-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : OPTICAL SUNGLASSES LTDA
ADVOGADOS : WALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO  - SP092158
    FLÁVIO JOÃO NESRALLAH  - SP124543
RECORRENTE : VERPARINVEST S⁄A
ADVOGADOS : EDUARDO DE OLIVEIRA LIMA  - SP146157
    LUIZ FELIPE PEREIRA GOMES LOPES  - SP184149
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C⁄C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. CONDENAÇÃO EM LUCROS CESSANTES. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. FIXAÇÃO DO VALOR DEVIDO PELA PERDA DA CHANCE. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA EXERCEU ATIVIDADE EMPRESARIAL. LAUDO PERICIAL BASEADO EM DANO HIPOTÉTICO. LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. JULGAMENTO: CPC⁄15.
1. Ação de rescisão contratual c⁄c indenização por danos materiais, em fase de liquidação de sentença por arbitramento,  de que foram extraídos estes recursos especiais, interpostos em 12⁄03⁄2018 e 13⁄03⁄2018 e distribuídos ao gabinete em 04⁄07⁄2018.
2. O propósito dos recursos especiais consiste em decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a violação da coisa julgada, na liquidação de sentença por arbitramento, em virtude da aplicação da teoria da perda de uma chance para calcular os lucros cessantes; (iii) a comprovação dos lucros cessantes.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I e II, do CPC⁄15.
4. De acordo com o CC⁄02, os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.
5. A perda de uma chance não tem previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, tratando-se de instituto originário do direito francês, recepcionado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a ideia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar.
6. Nos lucros cessantes há certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há certeza da probabilidade perdida de se auferir uma vantagem. Trata-se, portanto, de dois institutos jurídicos distintos.
7. Assim feita a distinção entre os lucros cessantes e a perda de uma chance, a conclusão que se extrai, do confronto entre o título executivo judicial – que condenou a ré à indenização por lucros cessantes – e o acórdão recorrido – que calculou o valor da indenização com base na teoria perda de uma chance – é a da configuração de ofensa à coisa julgada.
8. Especificamente quanto à hipótese dos autos, o entendimento desta Corte é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada.
9. Recurso especial de OPTICAL SUNGLASSES LTDA conhecido e desprovido. Recurso especial de VERPARINVEST S⁄A conhecido e provido.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.233 - SP (2018⁄0155563-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : OPTICAL SUNGLASSES LTDA
ADVOGADOS : WALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO  - SP092158
    FLÁVIO JOÃO NESRALLAH  - SP124543
RECORRENTE : VERPARINVEST S⁄A
ADVOGADOS : EDUARDO DE OLIVEIRA LIMA  - SP146157
    LUIZ FELIPE PEREIRA GOMES LOPES  - SP184149
RECORRIDO : OS MESMOS
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
 
O propósito dos recursos especiais consiste em decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a violação da coisa julgada, na liquidação de sentença por arbitramento, em virtude da aplicação da teoria da perda de uma chance para calcular os lucros cessantes; (iii) a comprovação dos lucros cessantes.
Examino os recursos conjuntamente, haja vista a similaridade das matérias neles tratadas.
 
  1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Acerca da apontada violação da coisa julgada e da comprovação e quantificação dos lucros cessantes, consta do acórdão recorrido:
 
Evidenciada nos autos a dificuldade enfrentada pelo juízo a quo na quantificação da indenização. A sentença fixara a obrigação de indenizar lucros cessantes, assim como o acórdão condicionara o pagamento à efetiva comprovação de ocorrência de danos.
O fato da loja da agravada jamais ter entrado em operação implicou incontornável falta de parâmetros de faturamento próprio que pudesse servir de esteio para a quantificação do lucro que deixara de ter em razão do inadimplemento do agravante.
Face a possibilidade de esvaziamento dos comandos judiciais veiculados pela sentença e pelo acórdão, o que implicaria reprovável desoneração do agravante quanto às responsabilidades pelo seu inadimplemento contratual, o juízo a quo, lastreado em laudo pericial, formou convicção no sentido suprir a falta de dados decorrentes da frustrada operação comercial.
Apoiou-se, assim, em dados contábeis apurados pelo perito, relativos a empreendimento comercial de mesmo porte, mesma marca, mesmo escopo negociai, estabelecido em centro comercial análogo, embora em região diversa da mesma cidade de São Paulo.
Deve-se convir que era isso ou resignar-se à ineficácia da obrigação contida no acórdão liquidando, o que se deve a todo custo evitar, não só em prestígio do trabalho envidado pelas partes, mas sobretudo em razão de toda a atividade jurisdicional desenvolvida em processo de grande complexidade e longa duração.
Nesse passo, entendo que andou bem o juízo a quo, não se sustentando a tese de que não se pode chegar ao quantum indenizatório se necessário valer-se da presunção, mormente como no caso dos autos, em que o parâmetro utilizado foi o de loja de mesma marca, instalada também em shopping de grande movimentação, assim como se esperava fosse a movimentação no shopping que jamais foi construído.
Entretanto, e aqui com todas as vênias ao entendimento contrário, vê-se que a quantificação da indenização a título de lucros cessantes carece de algum reparo, para que se acautele quanto ao risco de violação ao princípio da razoabilidade e de inadequada chancela judicial ao enriquecimento sem causa.
É que, em se tratando a atividade empresária um negócio essencialmente de risco, não há como se aferir com certeza se o estabelecimento que jamais vigou performaria comercialmente tal como aquele que serviu de parâmetro no laudo pericial.
Inúmeros são os fatores que alteram a percepção de sucesso do empreendimento empresário, indo desde a localização, perfil de consumidor na região, acessibilidade e, fundamentalmente, a administração da unidade de negócio.
As dificuldades do caso em tela impõem uma reflexão em busca de um ponto médio entre os extremos que aqui se quer evitar: de um lado o esvaziamento do comando judicial por falta de parâmetros atinentes ao próprio negócio que jamais entrou em operação; de outro, o enriquecimento sem causa decorrente de critério que desconsidere os riscos do negócio como sua localização, sua administração etc. (fls. 300-301, e-STJ)
 
Vê-se, portanto, que, sem adentrar no acerto ou desacerto do julgamento, foram devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional.
À vista disso, não há omissão a ser suprida ou contradição a ser esclarecida, de modo que não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I e II, do CPC⁄15.
 
  • DA VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA
Segundo consta do acórdão recorrido, o título executivo judicial está lavrado nestes termos, no que toca aos lucros cessantes:
 
Os lucros cessantes serão objeto de apuração na fase de liquidação, conforme determinado pelo r. Juízo a quo; se a Apelada não os comprovar nessa ocasião, nada haverá por ser recomposto. (fl. 313, e-STJ).
 
Diante disso, o Juízo de primeiro grau exarou “decisão homologatória de laudo pericial proferida em liquidação por arbitramento que, à mingua de elementos para apuração de lucros cessantes de empresa que jamais entrou em operação comercial em shopping que não foi construído, apoiou-se em balanços contábeis de outra loja de mesma marca comercial, estabelecida, entretanto, em shopping de outra região da cidade de São Paulo, para chegar ao valor da indenização” (fl. 299, e-STJ – grifou-se). O valor apurado pelo perito foi de R$ 741.258,76 (setecentos e quarenta e um mil, duzentos e cinquenta e oito reais e setenta e seis centavos), atualizado até maio de 2015.
Ao analisar o agravo de instrumento interposto pela VERPARINVEST S⁄A contra essa decisão, o TJ⁄SP reconheceu a “incontornável falta de parâmetros de faturamento próprio que pudesse servir de esteio para a quantificação do lucro que deixara de ter em razão do inadimplemento do agravante” (fl. 300, e-STJ) mas, aplicando a teoria da perda da chance, entendeu ser razoável fixar a indenização em 50% do valor apurado no laudo pericial. Eis os fundamentos do acórdão recorrido, quanto a essa questão:
 
Entretanto, e aqui com todas as vênias ao entendimento contrário, vê-se que a quantificação da indenização a título de lucros cessantes carece de algum reparo, para que se acautele quanto ao risco de violação ao principio da razoabilidade e de inadequada chancela judicial ao enriquecimento sem causa.
É que, em se tratando a atividade empresária um negócio essencialmente de risco, não há como se aferir com certeza se o estabelecimento que jamais vigou performaria comercialmente tal como aquele que serviu de parâmetro no laudo pericial.
Inúmeros são os fatores que alteram a percepção de sucesso do empreendimento empresário, indo desde a localização, perfil de consumidor na região, acessibilidade e, fundamentalmente, a administração da unidade de negócio.
As dificuldades do caso em tela impõem uma reflexão em busca de um ponto médio entre os extremos que aqui se quer evitar: de um lado o esvaziamento do comando judicial por falta de parâmetros atinentes ao próprio negócio que jamais entrou em operação; de outro, o enriquecimento sem causa decorrente de critério que desconsidere os riscos do negócio como sua localização, sua administração etc.
Essa busca encontra remanso na doutrina francesa da perda da chance - perte d'une chance -, segundo a qual, na melhor inteligência de seu escopo conceituai, não se persegue a indenização do dano de forma absoluta, do lucro que não se concretizou ou da perda que não se evitou.
Isso porque o que sucumbiu foi a chance de se obter o lucro ou evitar a perda, a qual, essa sim, deve ser indenizada. O conceito de que ora se socorre na busca de solução para o presente caso funda-se, portanto, na admissibilidade de ressarcimento quando, para além de simples possibilidade, havia razoável probabilidade de se auferir lucro ou se evitar perda.
(...)
Mutatis mutandi, na ausência de parâmetros concretos de faturamento própria da loja agravada, lícito se tome por parâmetro dados contábeis de loja análoga e de mesmo porte, mas, e todavia, sem se descuidar de que para ela havia, quando muito, apenas uma expectativa de performance comercial equiparável à daquela tomada por parâmetro.
Indeniza-se a chance perdida de lucro e não o que efetivamente se lucraria ou o que se teria perdido, eis que o resultado estimado estaria a depender de efetiva concretização do lucro, vale dizer, de fatores voláteis atinentes à localização do negócio, trânsito de consumidores, acuidade e perspicácia na administração da unidade negociai etc.
Portanto, partindo-se da premissa de que aplicável ao caso em tela a solução proposta pela teoria da perda da chance, razoável adotar-se premissa equitativa na quantificação da indenização dos lucros cessantes.
O dever de cautela quanto ao risco de chancela do enriquecimento sem causa recomenda adoção de um ponto médio entre, de um lado, o extremo contemplado no decisum agravado e, de outro, o esvaziamento do comando judicial transitado em julgado consistente desoneração do agravante quanto às consequências de seu inadimplemento.
Razoável, portanto, fixar-se a indenização em 50% do valor apurado no laudo pericial e tomado pelo juízo a quo como o valor a ser indenizado à agravada. (fl. 301-303, e-STJ – grifou-se)
 
Ambas as recorrentes se insurgem contra o acórdão, alegando a violação da coisa julgada: a OPTICAL SUNGLASSES LTDA, por entender que o TJ⁄SP não poderia substituir os lucros cessantes calculados pelo perito – cuja condenação consta do título executivo judicial – pela aplicação da teoria da perda de uma chance; a VERPARINVEST S⁄A, ao argumento de que, não tendo sido comprovados os lucros cessantes, porque sequer havia se iniciado a atividade empresarial, nada é devido, como determinado no acórdão de apelação transitado em julgado.
 
2.1. Da distinção entre os lucros cessantes e a perda de uma chance
Para que se possa resolver a questão, faz-se necessário, primeiramente, distinguir os lucros cessantes da perda de uma chance.
De acordo com o CC⁄02, os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.
Trata-se, portanto, de indenização por danos futuros – e não por danos eventuais ou hipotéticos, que sequer são indenizáveis.
Nessa linha, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, citando Agostinho Alvim, esclarecem que “a sua demonstração [dos lucros cessantes] autoriza a condenação atual, pois vem a ser a evolução de um fato prejudicial já devidamente verificado”, e arrematam: “basta que seja certo quanto à sua existência futura” (Curso de Direito Civil: Obrigações. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 612). Explicam, a propósito, os autores:
 
Anote-se, no tocante aos lucros cessantes, a impossibilidade de reparação de um dano patrimonial meramente hipotético. Ao contrário do que possa parecer em leitura despercebida, o termo razoavelmente (art. 402 do CC) não concerne ao montante que a vítima deixou de auferir, mas a um lucro que “provavelmente” ingressaria no seu patrimônio”. Ao credor ou a vítima incumbe a prova em juízo acerca da existência de um prejuízo futuro e provável. O magistrado abstrairá o ato ilícito a ponto de perceber se, pela linha normal de previsibilidade, a vítima certamente auferiria um acréscimo patrimonial. (Obra citada. p. 612-613 – grifou-se)
 
Noutra toada, a perda de uma chance não tem previsão expressa no nosso ordenamento jurídico, tratando-se de instituto originário do direito francês, recepcionado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a ideia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar.
Segundo Sergio Cavalieri Filho, em sua clássica obra Programa de Responsabilidade Civil, “caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima” (grifou-se). Nessa linha, afirma o doutrinador que “a indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem” (Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 108-109).
Novamente, calha a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, para quem, “entre o dano certo e o dano hipotético pode existir uma terceira via, com significado e efeitos próprios”, referindo-se à teoria da perda de uma chance (Obra citada. p. 615). A partir dessa premissa, concluem:
 
Percebemos imediatamente que a perda de uma chance se diferencia do lucro cessante. No lucro cessante há uma probabilidade objetiva de que o resultado em expectativa aconteceria, se não houvesse o dano. Em sentido diverso, na perda de chance, esta expectativa é aleatória, pois havia um grau de probabilidade de obtenção da vantagem (dano final), sendo impossível afirmar que o resultado aconteceria se o fato antijurídico não se concretizasse. Em suma, não há certeza do prejuízo ou do benefício – que é hipotético -, mas, inegavelmente, há a certeza da perda da ocasião, da oportunidade dissipada. (Obra citada. p. 615 – grifou-se)
 
Sobre o tema, a 4ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.190.180⁄RS (julgado em 16⁄11⁄2010, DJe de 22⁄11⁄2010), considerou a perda de uma chance como “algo intermediário entre o dano emergente e os lucros cessantes”:
 
A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.
 
Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem.
Trata-se, portanto, de dois institutos distintos.
 
2.2. Do confronto entre o título executivo judicial e o acórdão recorrido    
Assim feita a distinção entre os lucros cessantes e a perda de uma chance, a conclusão que se extrai, do confronto entre o título executivo judicial – que condenou a VERPARINVEST S⁄A à indenização por lucros cessantes – e o acórdão recorrido – que calculou o valor da indenização com base na teoria da perda de uma chance – é a da configuração de ofensa à coisa julgada.
Isso porque o comando contido no título executivo judicial impõe a reparação da vantagem efetivamente perdida por OPTICAL SUNGLASSES LTDA, porque não construído o shopping pela VERPARINVEST S⁄A (lucros cessantes), e não a reparação da perda da oportunidade de auferir aquela vantagem (perda de uma chance), a qual, comparativamente, representa, em termos de indenização, uma importância significativamente menor – no particular, 50% do valor calculado pelo perito a título de lucros cessantes.
Logo, constatada a inovação do TJ⁄SP ao julgar o agravo de instrumento na liquidação de sentença por arbitramento, reduzindo o valor da indenização com base na perda de uma chance, afasta-se a aplicação dessa teoria e, a partir do contexto delineado no acórdão recorrido, passa-se à análise dos recursos especiais sob a ótica da comprovação dos lucros cessantes.
 
  • DA COMPROVAÇÃO DOS LUCROS CESSANTES
No particular, o TJ⁄SP registrou no acórdão recorrido que “o fato da loja da agravada [OPTICAL SUNGLASSES LTDA] jamais ter entrado em operação implicou incontornável falta de parâmetros de faturamento próprio que pudesse servir de esteio para a quantificação do lucro que deixara de ter em razão do inadimplemento do agravante [VERPARINVEST S⁄A]” (fl. 300, e-STJ).
Registrou, ademais, que, “na ausência de parâmetros concretos de faturamento próprio da loja agravada, lícito se tome por parâmetro dados contábeis de loja análoga e de mesmo porte” (fl. 302, e-STJ).
Nesse contexto, de um lado, a OPTICAL SUNGLASSES LTDA argumenta que os lucros cessantes foram devidamente apurados no laudo pericial homologado pelo Juízo de primeiro grau, porque calculados segundo o comando da sentença liquidanda e com base em “dados objetivos de outra loja da Recorrente⁄Exequente, aberta em outro Shopping da mesma cidade, e na mesma época em que ocorreria a inauguração do Shopping Eldorado Pamplona, projetando 'para 5 (cinco) anos, período de duração do Contrato'” (fl. 424, e-STJ).
De outro lado, a VERPARINVEST S⁄A defende a ausência de comprovação dos lucros cessantes, porquanto, constatado que não foi iniciada a atividade empresarial, não há previsão objetiva de ganhos.
Quanto aos lucros cessantes, a jurisprudência do STJ orienta que a sua configuração “exige mais do que a simples possibilidade de realização do lucro, requer probabilidade objetiva e circunstâncias concretas de que estes teriam se verificado sem a interferência do evento danoso, não podendo subsistir a condenação ao pagamento de lucros cessantes baseada em meras conjecturas e sem fundamentação concreta” (REsp 1.658.754⁄PE, Terceira Turma, julgado em 14⁄08⁄2018, DJe de 23⁄08⁄2018; AgInt nos EDcl no AREsp 110.662⁄SP, Quarta Turma, julgado em 05⁄06⁄2018, DJe de 12⁄06⁄2018; AgInt no REsp 1.465.610⁄RR, Quarta Turma, julgado em 12⁄09⁄2017, DJe de 15⁄09⁄2017; REsp 1.347.136⁄DF, Primeira Seção, julgado em 11⁄12⁄2013, DJe de 07⁄03⁄2014).
Especificamente quanto à hipótese dos autos, o entendimento desta Corte é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada (AgInt no AREsp 964.233⁄SP, Quarta Turma, julgado em 04⁄04⁄2017, DJe de 23⁄05⁄2017; REsp 846.455⁄MS, Terceira Turma, julgado em 10⁄03⁄2009, DJe de 22⁄04⁄2009; REsp 253.068⁄SP, Terceira Turma, julgado em 17⁄12⁄2002, DJ de 04⁄08⁄2003).
Oportuno, aliás, é o ensinamento de Caio Mario da Silva Pereira de que não é possível indenizar o chamado “dano remoto”, que seria consequência indireta do inadimplemento, “envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de concorrer outros fatores que não fosse apenas a execução a que o devedor faltou, ainda que doloso o seu procedimento” (Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. vol. 2. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 215).
Com efeito, na espécie, se a atividade empresarial sequer teve início, não há elementos suficientes para que se afira a razoável probabilidade de que os lucros reclamados pela OPTICAL SUNGLASSES LTDA de fato ocorreriam, sobretudo porque sofrem interferência de diversos outros fatores externos, citados, inclusive, no acórdão recorrido, como “localização, perfil do consumidor na região, acessibilidade e, fundamentalmente, a administração da unidade de negócio” (fl. 301, e-STJ).
É dizer, a perda dos lucros não se revela, nessa hipótese, como um prejuízo futuro e provável por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.
Não por outro motivo, aliás, o voto condutor do acórdão exarado pelo TJ⁄SP, em diversas passagens, traz à tona a ideia de lucro hipotético, a saber: “fato da loja da agravada jamais ter entrado em operação implicou incontornável falta de parâmetros de faturamento próprio” (fl. 300, e-STJ); “não há como se aferir com certeza se o estabelecimento que jamais vingou performaria [sic] comercialmente” (fl. 301, e-STJ); “as dificuldades do caso em tela impõem uma reflexão em busca de um ponto médio entre os extremos que aqui se quer evitar” (fl. 301, e-STJ); “na ausência de parâmetros concretos de faturamento própria da loja agravada, lícito se tome por parâmetro dados contábeis de loja análoga e de mesmo porte, mas, e todavia, sem se descuidar de que para ela havia, quando muito, apenas uma expectativa de performance comercial equiparável à daquela tomada por parâmetro” (fl. 302, e-STJ).
No mais, os dados contábeis de loja análoga e de mesmo porte só servem como parâmetro de faturamento e lucro dela própria.
Logo, não comprovados os lucros cessantes de OPTICAL SUNGLASSES LTDA, “nada haverá para ser recomposto”. É o que determina o título executivo judicial.
 
  • DA CONCLUSÃO
Forte nessas razões, CONHEÇO dos recursos especiais para NEGAR PROVIMENTO ao de OPTICAL SUNGLASSES LTDA e DAR PROVIMENTO ao de VERPARINVEST S⁄A, a fim de reconhecer a ausência de comprovação dos lucros cessantes.
 

 

Documento: 90444027 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO