Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. ART.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO VIOLAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. FLEXIBILIZAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS. CONTRATO DE MÚTUO GARANTIDO POR PENHOR DE JOIAS SUBTRAÍDAS NA CONSTÂNCIA DO CONTRATO. FALHA NO SERVIÇO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 27 DO CDC. 5 (CINCO) ANOS.

1. Não se viola o art. 535 do CPC/1973, quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. A Corte Especial deste Egrégio Tribunal há muito decidiu que, nos casos em que a ementa do acórdão colacionado como paradigma espelha o entendimento do aresto impugnado e evidencia a divergência, os requisitos formais para a demonstração da divergência podem ser flexibilizados (EREsp 80.602/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, CORTE ESPECIAL, DJ 1/3/1999).

3. No contrato de penhor, está embutido o de depósito do bem e, por conseguinte, o dever do credor pignoratício de devolver esse bem após o pagamento do mútuo. No entanto, a guarda do bem penhorado não se configura como prestação contratual stricto sensu. A contraprestação devida nos contratos de mútuo garantido por penhor é o pagamento do valor acordado para o empréstimo.

4. O furto das joias, objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela instituição financeira e não inadimplemento contratual, devendo incidir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para as ações de indenização, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1369579/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 23/11/2017)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.369.579 - PR (2013⁄0047333-5)
 
RECORRENTE : SILVANA DIAS SILVEIRA E OUTRO
ADVOGADO : MARLI CHAVES VIANNA DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - PR018521
RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ADVOGADOS : LEANDRO DA SILVA SOARES E OUTRO(S) - DF014499
    MARCELO AUGUSTO MEZACASA E OUTRO(S) - RS061732
 
RELATÓRIO
 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

 

1. Silvana Dias Silveira e outros ajuizaram ação de indenização (fls. 1-15) em face da Caixa Econômica Federal, requerendo o ressarcimento pelo furto de joias que garantiam contrato de penhor realizado entre as partes, pois, em 27 de outubro de 2006, ocorreu um assalto na agência da recorrida, e suas joias foram subtraídas por terceiros.

Aduziram que, em decorrência do episódio, a ré se prontificou a indenizar as autoras multiplicando em 1,5 (um inteiro e cinco décimos) o valor da avaliação das joias, nos termos do pacto firmado, no entanto, muito inferior ao que pretendiam.

Asseveraram que Caixa Econômica Federal, ao prever ilusória indenização nos casos de perda ou extravio de joias empenhadas, contraria o princípio da boa-fé, essencial para a harmonia das relações de consumo.

O Juízo sentenciante (fls. 210-212), considerando o prazo de prescrição de 3 (três) anos, por se tratar de ação de reparação civil, declarou-a extinta, nos termos do artigo 269, IV, do CPC.

As autoras interpuseram apelação (fl. 218) afirmando, em suma, a não ocorrência da prescrição, tendo em vista que o prazo a ser considerado é o de 5 (cinco) anos, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, art. 27, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Analisado o recurso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a ele negou provimento, confirmando a sentença quanto ao prazo de prescrição adotado para a espécie, qual seja 3 (três) anos, conforme preceitua o art. 206, § 3º, V, do CC⁄2002. Confira-se a ementa do acórdão (fl. 259):

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
REPARAÇÃO CIVIL. CUNHO CONDENATÓRIO. INCIDÊNCIA DA PREVISÃO CONSTANTE NO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. TERMO INICIAL.
1. Tratando-se, o caso dos autos, de demanda de caráter condenatório, visando reparação civil, aplica-se para fins de apuração da prescrição o art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002.
2. O termo inicial do prazo prescricional, no caso de roubo de jóias objeto de contrato de penhor, é a data em que notificados os proprietários, pois surgiu nesse momento a actio nata para fins de ajuizamento da demanda.
3. Reconhecida a ocorrência da prescrição, a sentença é de ser mantida.
 

Foi interposto recurso especial pelas autoras com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, por negativa de vigência ao art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, assim como ao art. 206, § 3º, V, do CC⁄2002.

Afirmam que, na linha do que decidiu o acórdão paradigma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, devem ser aplicadas ao caso dos autos as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Asseveram que, da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça entende pela aplicação do CDC nas relações de penhor, em posição oposta à apresentada pelo acórdão recorrido, devendo a responsabilidade do depositário pela guarda do bem ser definida com base na relação consumerista.

Concluem que descabe entendimento diverso que imponha o afastamento do CDC à relação pactuada pelas recorrentes com a recorrida, devendo-se optar pelo prazo prescricional de 5 (cinco) anos estabelecido por aquele Diploma.

Aduzem, por fim, que a incidência do CDC é definida pela relação contratual entre as partes envolvidas no negócio jurídico e não em virtude da qualidade da demanda.

Contrarrazões apresentadas às fls. 284-287.

Juízo positivo de admissibilidade na origem, afirmando o preenchimento dos requisitos de admissibilidade (fls. 291-292).

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.369.579 - PR (2013⁄0047333-5)
 
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : SILVANA DIAS SILVEIRA E OUTRO
ADVOGADO : MARLI CHAVES VIANNA DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - PR018521
RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ADVOGADOS : LEANDRO DA SILVA SOARES E OUTRO(S) - DF014499
    MARCELO AUGUSTO MEZACASA E OUTRO(S) - RS061732
EMENTA
 

RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC⁄1973. NÃO VIOLAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. FLEXIBILIZAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS. CONTRATO DE MÚTUO GARANTIDO POR PENHOR DE JOIAS SUBTRAÍDAS NA CONSTÂNCIA DO CONTRATO. FALHA NO SERVIÇO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 27 DO CDC. 5 (CINCO) ANOS.

1. Não se viola o art. 535 do CPC⁄1973, quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. A Corte Especial deste Egrégio Tribunal há muito decidiu que, nos casos em que a ementa do acórdão colacionado como paradigma espelha o entendimento do aresto impugnado e evidencia a divergência, os requisitos formais para a demonstração da divergência podem ser flexibilizados (EREsp 80.602⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, CORTE ESPECIAL, DJ 1⁄3⁄1999).

3. No contrato de penhor, está embutido o de depósito do bem e, por conseguinte, o dever do credor pignoratício de devolver esse bem após o pagamento do mútuo. No entanto, a guarda do bem penhorado não se configura como prestação contratual stricto sensu. A contraprestação devida nos contratos de mútuo garantido por penhor é o pagamento do valor acordado para o empréstimo.

4. O furto das joias, objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela instituição financeira e não inadimplemento contratual, devendo incidir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para as ações de indenização, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

5. Recurso especial provido.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VOTO
 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Primeiramente, importa analisar a alegação apresentada em contrarrazões, consistente na deficiência da demonstração da divergência jurisprudencial entre os acórdãos paradigmas eleitos pela recorrente e o acórdão recorrido.

Desde já, saliente-se que não procede a impugnação da recorrida.

É de conhecimento deste Egrégio Colegiado que, em situações especiais, por exemplo, nos casos de dissídio notório, não se tem exigido a transcrição de trecho dos acórdãos citados como paradigmas; e nem mesmo se faça o cotejo analítico entre eles e o aresto hostilizado, mostrando-se suficiente a simples indicação das ementas dos acórdão divergentes.

Com efeito, a Corte Especial deste Egrégio Tribunal há muito decidiu que, nos casos em que a ementa do acórdão colacionado como paradigma espelha o entendimento do aresto impugnado e evidencia a divergência, os requisitos formais para a demonstração da divergência podem ser flexibilizados, nos seguintes termos:

Embora não tenha a recorrente observado o disposto no art. 255, § 1º, do Regimento Interno, uma vez que anexou apenas a cópia da ementa do acórdão paradigma publicada no Diário da Justiça, tenho por viável o conhecimento do recurso, uma vez que, além de se tratar de caso de dissídio notório, a referida ementa espelha o entendimento do aresto colacionado e evidencia a divergência.
(EREsp 80.602⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, CORTE ESPECIAL,DJ 01⁄03⁄1999)
 

No mesmo sentido, o julgado da Quarta Turma, de relatoria do Ministro Salvio de Figueiredo:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. MISSÃO CONSTITUCIONAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HERMENÊUTICA. EMBARGOS REJEITADOS.
I - A TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS QUE, POR SI SÓ, SEJAM SUFICIENTES A EVIDENCIAR A DISSONÂNCIA INTERPRETATIVA, MORMENTE NOS CASOS DE DISSIDIO NOTÓRIO, PRESTA-SE A ENSEJAR A ADMISSIBILIDADE DO ESPECIAL PELA ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL, DESDE QUE ATENDIDOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS E REGIMENTAIS.
II - A MITIGAÇÃO DO RIGOR FORMAL EM PROL DA FINALIDADE E CRITÉRIO QUE SE IMPÕE POR IMPERATIVO DA MISSÃO CONSTITUCIONAL DESTA CORTE E OBSERVÂNCIA AOS ME TODOS DE EXEGESE QUE DEVEM NORTEAR A CONDUTA DO HERMENEUTA.
(EDcl nos EDcl no REsp 9.035⁄MG, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 01⁄02⁄1993).
 

Aliás, por ocasião do julgamento do recurso citado acima (REsp n. 9.035⁄MG), o preclaro Ministro Relator muito bem se posicionou acerca da dispensa do formalismo exigido para a comprovação do dissídio. Pela clareza e precisão de suas manifestações, permito-me utilizá-las para fundamentar a possibilidade de afastamento do rigorismo procedimental:

Tenho expressado, repetidas vezes, que esta Corte tem por missão constitucional pacificar a jurisprudência nacional na interpretação do direito federal infraconstitucional, razão pela qual não pode deter-se em sutilezas de ordem formal, a impedir-lhe o cumprimento do seu objetivo maior.
A Constituição proclama como um dos pressupostos específicos do recurso especial a imprescindibilidade de interpretações divergentes envolvendo mais de um tribunal.
A Lei 8038⁄90, por seu turno, dispõe (art. 36, parágrafo) que o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado.
E o Regimento Interno, por sua vez, acrescenta, no §2º do art. 255, que "em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados".
É sabido que o método gramatical (literaI), é apenas o ponto de partida de qualquer interpretação, ao qual se agregam os demais métodos tradicionais (Iógico-sistemático, histórico e comparado) e os recomendados pela doutrina contemporânea, de muito mais reIevo teIeoIógico, axíológico, evolutivo e fundado na lógica do razoável).
Dentro desses parâmetros, vê-se que o escopo da lei é atribuir ao recorrente o ônus de demonstrar a ocorrência do dissenso interpretativo, para que o Superior Tribunal de Justiça possa manifestar-se soberanamente, dando a exegese que lhe pareça a mais acertada.
(...)
Neste sentido é que se tem posicionado esta 4ª Turma, dispensando a demonstração analítica nos casos de dissídio manifesto, nos quais a própria ementa, por si só, se mostra suficiente a tal objetivo.
 

Exatamente no rumo dos fundamentos utilizados para dizer sobre a prescindibilidade do formalismo com o escopo de comprovar a divergência alegada, naqueles casos excepcionais, é que penso devam ser igualmente afastados nas hipóteses em que a matéria controvertida for de indiscutível relevância, cuja solução recomenda seja o quanto antes entregue por esta Corte, e sempre que, por qualquer modo, a divergência se evidenciar, como no caso dos autos.

Em outras palavras, sempre que se aventar a possibilidade de a legislação federal estar sendo afrontada, por aplicação equivocada do direito por um dos tribunais pátrios, mister o abrandamento da forma pela qual deva ser demonstrada a divergência jurisprudencial, para que seja permitido o acertamento oportuno do direito.

É que sendo o Superior Tribunal de Justiça a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito, sempre que se estiver diante de hipótese de exercício dessa função institucional, acredito que as exigências formais devam ceder ao cumprimento tal mister.

No caso que se apresenta, a recorrente pretende seja definido qual o prazo prescricional que socorre à espécie, a partir da verificação do fundamento apresentado pela instância de origem, qual seja a configuração ou não de falha no serviço prestado pela recorrida.

Por esse motivo, é possível afirmar que os julgados apresentados como paradigmas estão aptos ao cumprimento deste papel, porque, de fato, analisaram hipóteses semelhantes ao caso ora investigado e, em todos eles a conclusão foi pela configuração da falha no serviço e, consequentemente, pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, contrariamente ao decidido pelo Tribunal Paranaense.

Com efeito, os paradigmas apresentados pela recorrente, um deles julgado pela Terceira Turma deste Sodalício (REsp n. 1.133.111⁄PR), afirmaram tanto a ocorrência de vício no fornecimento do serviço (contrato de penhor), como reconheceram a natureza consumerista da relação, a atrair a incidência do diploma especial e, consequentemente, o prazo prescricional nele previsto, enquanto que o acórdão recorrido afirma tratar-se "o caso dos autos, de demanda de caráter condenatório, visando reparação civil", para, ato contínuo, impor a incidência do dispositivo do Código Civil de 2002.

Foi diante desse quadro que argumentou a recorrente, na empreitada de demonstrar as interpretações divergentes dadas pelos acórdãos confrontados (fl. 272):

Balisa-se, pois, equivocadamente, no caráter condenatório da demanda para afastar a incidência do Código Consumerista e aplicar a prescrição de 03 (três) anos.
A vingar essa tese, todas as demandas de caráter condenatório oriundas das relações de consumo terão afastadas a aplicabilidade do estatuto especial do consumidor, pelo entendimento do C. Tribunal a quo, fato que por si só representaria tolhimento injusto do direito do consumidor.
A incidência do CDC é definida pela relação contratual entre as partes envolvidas no negócio jurídico e não em virtude da qualidade da demanda.
Assim, face à divergência de interpretação, dada pelo Tribunal a quo, daquela atribuída por outros tribunais, inclusive este E. Superior Tribunal de Justiça, é perfeitamente cabível o recurso especial.
(...)
Portanto, para a relação contratual, cujo objeto foi o penhor das joias das autoras junto à instituição financeira, representada pela ré, cabe aplicar o CDC, lei especial protetora das relações de consumo e da prestação de serviços, que determina o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, devendo-se afastar, por completo, o CC⁄2002, inaplicável ao caso em tela.
 

Ressalte-se, ademais, casos em que o STJ relevou o cumprimento das formalidades da interposição do especial pela alínea "c", quando a divergência se mostrou perfeitamente compreensível, como no julgamento do REsp n. 1.456.140⁄SP, de relatoria do ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que, na ocasião, afirmou que, além da mitigação dos rigores do formalismo nos casos em que o dissídio jurisprudencial é por demais notório, merecem ser mitigadas as exigências de forma, nos casos em que a "divergência está bem demonstrada, com a indicação dos paradigmas que examinaram situação assemelhada à dos autos e com fundamentos também de natureza infraconstitucional". Confira-se:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NOTÓRIO. REQUISITOS FORMAIS. FLEXIBILIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO N.º 284⁄STF. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. DEVIDA.
1. Possível o conhecimento do recurso especial interposto com arrimo na alínea "c" do permissivo constitucional, quando, além de notório, é perfeitamente inteligível o dissídio jurisprudencial suscitado.
2. O depósito judicial da quantia devida para efeito de garantia do juízo não impede a incidência da multa prevista no art. 475-J, do CPC⁄73.
3. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.
4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(AgInt no REsp 1456140⁄SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 23⁄08⁄2016)
 

Anote-se, por fim, que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, mesmo nos casos em que o recurso especial é interposto apenas pela alínea "c" do artigo 105 da Constituição Federal, imprescindível se mostra a indicação do artigo legal tido como violado ou que tivera sua vigência negada, pois o dissídio jurisprudencial se baseia na interpretação divergente da lei federal, providência regularmente atendida pela ora recorrente.

Merece, pois, ser conhecido o recurso especial.

3. A controvérsia dos autos consiste na definição do prazo prescricional a ser adotado para o ajuizamento de ação de indenização por furto de joias utilizadas como garantia de mútuo em contrato de penhor subscrito com a Caixa Econômica Federal.

Ao examinar a questão, a sentença de piso se manifestou nos seguintes termos (fls. 211-212):

Prescrição
A prescrição pode ser pronunciada de ofício pelo juiz, consoante autorização do artigo 219, § 5º, do CPC. Diante de tal permissivo, passo a analisá-la no presente caso.
(...)
No presente caso, entendo que somente há falar em início do prazo prescricional a partir da comunicação às autoras do furto ocorridoAntes desta ciência, não é possível entender que se iniciou o curso do prazo prescricional, na medida em que não se pode caracterizar a inércia da parte.
Consoante 'comunicado de sinistro ao cliente', anexados ao evento 35 (RECIBO4 e RECIBO5), as autoras tiveram conhecimento da ocorrência do furto em outubro de 2006. Destarte, este é o termo quo da contagem do prazo prescricional.
Tratando-se de ação de reparação civil, o prazo de prescrição é de 03 (três) anos, na forma do art. 206, §3º, V, do Código Civil:
Art. 206. Prescreve:
(...) §3º Em três anos:
(...) V - a pretensão de reparação civil;
Assim, o termo final do prazo de prescrição foi novembro de 2009.
Considerando que a presente ação foi ajuizada em 30⁄04⁄2010, operou-se a prescrição.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, declaro extinta a presente ação em razão da prescrição, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, IV, do CPC.
 

O Tribunal de Justiça Paranaense, analisando o recurso da autora, decidiu nos moldes da sentença (fls. 122-126):

Como bem consignou a Magistrada de primeiro grau, a pretensão das apelantes está fulminada pela prescrição.
Na forma do art. 206, § 3º, V, do Código Civil Brasileiro de 2002, é de 03 (três) anos o prazo prescricional da pretensão à reparação civil, segundo se pode ver a seguir:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação civil;
In casu, a prescrição é trienal por tratar-se de pretensão que visa a reparação de natureza civil, decorrente de alegado prejuízo causado às autoras em razão de assalto na agência da ré em que foram roubadas jóias que eram objeto de contrato de penhor, ou seja, a presente ação possui cunho condenatório, pois o que as autoras esperam, ao final, é receber a indenização, de modo que a hipótese dos autos enquadra-se como pretensão de reparação civil, sujeita à regra prescricional do art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002, não se cogitando da aplicação da regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil, pois os contratos foram firmados quando já vigente a nova regra civil.
E não se fale na incidência, na hipótese, da previsão constante no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de um dano ocasionado pelo produto ou pela prestação do serviço, mas sim de reparação civil em decorrência do assalto sofrido pela ré e que resultou na subtração do patrimônio das autoras.
A previsão constante no dispositivo da Lei Consumerista é de 'reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço', ressaltado o início da contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, o que se diferencia da situação em exame, pois o dano resultou de fato produzido por terceiro, de forma que a reparação é a civil por força da responsabilidade atribuída à demandada por força do contrato firmado com as autoras.
Por isso a incidência da norma contida no art. 206, § 3º, V, do Código Civil e a inegável ocorrência da prescrição, pois desde a data em que as recorrentes foram notificadas do assalto, e de que suas jóias haviam sido roubadas, em 2006, até o ajuizamento da presente demanda, em 30⁄04⁄2010, transcorreram mais de três anos.
De se notar, o termo inicial do prazo prescricional no caso em exame, foi a data em que notificadas as autoras, pois surgiu nesse momento a actio nata para fins de ajuizamento da demanda.
(...)
Portanto, a teor da fundamentação, somados os precedentes colacionados, pertinentes à matéria, não é de se dar guarida à pretensão das apelantes, devendo ser mantida a sentença.
 

4. De início, parece imprescindível a definição da natureza da relação existente entre as partes e, ainda e principalmente, a análise do fato que fundamenta a ação. 

Com efeito, alega a recorrente a necessidade de aplicar-se à hipótese o prazo prescricional previsto no art. 27 do CDC, uma vez que o furto das joias, objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela ora recorrida, Caixa Econômica.

Nesse ponto, anoto que não é novidade que a relação existente entre as instituições financeiras e seus clientes configura relação de consumo, questão já há muito definido por esta Corte de Justiça.

Com efeito, no que diz respeito à natureza da relação existente entre os pactuantes do contrato objeto deste recurso, a orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça reconhece a submissão das instituições financeiras aos princípios e às regras do Código de Defesa do Consumidor. Nessa esteira, inclusive, o enunciado da Súmula 297⁄STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

De fato, no contrato de penhor celebrado com a Caixa, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nessa avença, a avaliação, além de unilateral, é focada precipuamente nos interesses da recorrida, culminando num valor de avaliação sempre inferior ao preço do mercado varejista de joias.

E foi com base nessa assertiva que esta egrégia Turma deliberou, especificamente no caso do contrato de penhor celebrado com a Caixa Econômica, no tocante à indenização por danos materiais, que a cláusula que limita a indenização pelo furto, roubo ou extravio da joia empenhada é abusiva e, por consequência, nula.

Nesse sentido, julgado da relatoria do eminente Ministro Raul Araújo:

CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. FURTO. FORTUITO INTERNO. RECONHECIMENTO DE ABUSO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM FACE DE EXTRAVIO DOS BENS EMPENHADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 51, I, DO CDC. OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. No contrato de penhor é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nesse contexto, deve-se reconhecer a violação ao art. 51, I, do CDC, pois mostra-se abusiva a cláusula contratual que limita, em uma vez e meia o valor da avaliação, a indenização devida no caso de extravio, furto ou roubo das joias que deveriam estar sob a segura guarda da recorrida.
2. O consumidor que opta pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a joia empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, pois, certamente, obteria um valor maior.
3. Anulada a cláusula que limita o valor da indenização, o quantum a título de danos materiais e morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso, sempre com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1155395⁄PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 29⁄10⁄2013)
 

Com efeito, a aplicação dos instrumentos normativos de proteção previstos no diploma consumerista e, em especial, o diferenciado sistema de invalidades, de que é exemplo o art. 51 da Lei 8.078⁄90, não estão ancorados na mesma racionalidade contratual liberal que inspirou o Código Civil.

Destarte, a Lei 8.078⁄90 inaugurou um sistema normativo regido, entre outros princípios, pelos da vulnerabilidade do consumidor (artigo 4º, I), de sua defesa pelo Estado (inciso II) e da harmonização e da proteção contra as práticas e cláusulas abusivas (inciso III e IV) e, nessa linha, os princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, que serviram de base ao Código Napoleônico e ainda têm espaço considerável no atual Código Civil, não são capazes de afastar a incidência da normatividade do Código do Consumidor, lastreado em valores específicos.

O contrato de penhor traz embutido o de depósito do bem e, por conseguinte, o dever do credor pignoratício de devolver esse bem após o pagamento do mútuo.

Foi nesse rumo de ideias que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou que, quando o credor é banco e o bem dado em garantia fica depositado em cofre, não é possível admitir o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar, devendo-se considerar esse tipo de evento como um fortuito interno, inerente à própria atividade, incapaz de afastar, enfim, a responsabilidade do depositário.

Nessa mesma linha, inclusive, andou a Segunda Seção, ao analisar o REsp n. 1.199.782⁄PR, de minha Relatoria, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, concluindo que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.

Confira-se a ementa do acórdão:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1199782⁄PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 12⁄09⁄2011)
 

Na jurisprudência da Seção, em tema bastante correlato com o que ora se aprecia, acórdão relatado pelo douto Ministro Marco Buzzi:

RECURSO ESPECIAL (ART. 105, III, "A" E "C" DA CFRB) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS - FURTO A COFRE DE BANCO - INOCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO - ARESTO ESTADUAL RECONHECENDO A RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
(...)
4. Suposta violação ao art. 1058 do CC⁄1916, correspondente ao art. 393 do CC⁄2002, que elenca a força maior e o caso fortuito como causas de exclusão da responsabilidade civil. Inocorrência.
5. Súmula 479⁄STJ - "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
6. A disponibilização de cofre em banco a clientes evidencia nítida relação contratual com multiplicidade de causas, defluentes da concorrência de elementos comuns aos ajustes de locação, de depósito e de cessão de uso, sem que qualquer dessas modalidades prepondere sobre as demais, decorrendo dessa natureza heterogênea um plexo de deveres aos quais se aderem naturalmente uma infinidade de riscos.
7. Por isso, mais do que mera cessão de espaço ou a simples guarda, a efetiva segurança e vigilância dos objetos depositados nos cofres pelos clientes são características essenciais a negócio jurídico desta natureza, razão pela qual o desafio de frustrar ações criminosas contra o patrimônio a que se presta a resguardar constitui ônus da instituição financeira, em virtude de o exercício profissional deste empreendimento torná-la mais suscetível aos crimes patrimoniais, haja vista a presunção de que custodia capitais elevados e de que mantém em seus cofres, sob vigilância, bens de clientes.
8. Daí porque é inarredável a conclusão de que o roubo ou furto perpetrado contra a instituição financeira, com repercussão negativa ao cofre locado ao consumidor, constitui risco assumido pelo fornecedor do serviço, haja vista compreender-se na própria atividade empresarial, configurando, assim, hipótese de fortuito interno.
(...)
11. Recurso especial desprovido.
(REsp 1250997⁄SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄02⁄2013, DJe 14⁄02⁄2013)
 

Valiosa também é a doutrina de Sergio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo:

Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I).
(Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 256-257)
 

Assim, diante deste quadro, penso que o prazo de 5 (cinco) anos previsto no CDC é o aplicável à hipótese em análise.

Há, a meu ver, nos casos de roubo de joias objeto de contrato de penhor ligado ao mútuo, falha no serviço prestado pela instituição financeira, a impor a incidência da norma especial.

Destarte, conforme previsto no art. 14 do Diploma Consumerista, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

E o código define serviço defeituoso no § 1º daquele artigo:

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
 

Zelmo Denari esclarece o conceito de serviço defeituoso previsto no dispositivo acima mencionado:

O § 1º do art. 14 oferece critérios de aferição do vício de qualidade do serviço prestado, e o item mais importante, neste particular, é a segurança do usuário, que deve levar em conta: o modo do fornecimento do serviço; os riscos da fruição; e a época em que foi prestado o serviço.
O dispositivo enfocado é mera adaptação da norma que conceitua o 'produto defeituoso', prevista no art. 6º da Diretiva n. 374⁄85 da CEE e no § 1º do art. 12 do nosso Código de Defesa do Consumidor.
O serviço presume-se defeituoso quando é mal apresentado ao público consumidor (inc. I), quando sua fruição é capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável expectativa (inc. II), bem como quando, em razão do decurso de tempo, desde a sua prestação, é de se supor que não ostente sinais de envelhecimento (inc. III)."
(GRINOVER, Ada pellegrini...[et al.]. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 203)
 

5. Importa ainda reconhecer que diferente é a situação em que o consumidor toma em aluguel um cofre de banco, quando o negócio jurídico é exatamente a locação do espaço. Aqui, a subtração do bem custodiado, deixado no espaço locado da instituição financeira, a meu ver, constituiria inadimplemento contratual, uma vez que a obrigação a cargo do banco é especificamente a guarda do bem.

De fato, o furto de bens custodiados em cofre de instituição financeira, contratada para tanto, insere-se no espectro dos riscos inerentes à atividade desenvolvida pela casa bancária, a qual tem responsabilidade objetiva ante a aplicação da teoria do risco empresarial e a incidência do Código de Defesa do Consumidor, não configurando, portanto, força maior ou caso fortuito, de sorte a manter-se íntegro o nexo de causalidade.

Nessa trilha de ideias, é inarredável a conclusão de que "o roubo ou furto perpetrado contra a instituição financeira, com repercussão negativa ao cofre locado ao consumidor, constitui risco assumido pelo fornecedor do serviço, haja vista compreender-se na própria atividade empresarial, configurando, assim, hipótese de fortuito interno”. (PELUSO. Cezar. Coord. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2010, p. 393).

Essa a lição encontrada no magistério de Carlos Roberto Gonçalves:

Não resta nenhuma dúvida de que o banqueiro responde contratualmente perante os clientes pelas deficiências, inclusive em casos de subtração ilícita de objetos e valores depositados pelos clientes nos cofres que lhe são postos à disposição, tenha ou não havido violência.
(...)
Quem toma em locação um cofre de banco objetiva colocar em segurança os objetos que pretende ali depositar. O banco, ao oferecer esse serviço de segurança, assume um dever de vigilância e, portanto, uma obrigação de resultado e não simples obrigação de meio. Ao fazê-lo, passa a responder, portanto, pelo conteúdo do cofre. Entender de outra forma seria desconfigurar o contrato na sua finalidade específica. Identificada como de resultado, a obrigação da instituição bancária somente pode ser excluída diante do caso fortuito ou da força maior.
Mesmo assim, a natureza dos serviços de segurança oferecidos e da obrigação assumida exigem que faça a prova da absoluta inevitabilidade ou irresistibilidade do desfalque do patrimônio colocado sob sua custódia, devendo-se considerar, por exemplo, que o furto ou o roubo, como fatos previsíveis, não podem conduzir à aceitação do caso fortuito, mas sim, ao reconhecimento de que terá falhado o esquema de segurança e vigilância prestado pelo banco.
(Responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 409-411)
 

É bem verdade que, recentemente, esta Turma decidiu afastar a incidência do prazo prescricional previsto no art. 27 do Diploma Especial, fazendo incidir a norma do Código Civil, por entender que, no caso concreto, o fato que subsidiava a ação de indenização não constituíra falha no serviço, mas sim inadimplemento contratual.

Na ocasião, o contrato em exame era de seguro, em que se discutia o direito à indenização do autor em face de pagamento a menor da indenização securitária.

Confira-se a ementa do julgado a que se faz referência:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NECESSIDADE DE QUE AS ALEGAÇÕES SEJAM VEROSSÍMEIS, OU O CONSUMIDOR HIPOSSUFICIENTE. AFIRMAÇÃO DE FATO POSITIVO. ÔNUS DA PROVA DE QUEM AFIRMA. PRAZO PRESCRICIONAL DO ART. 27 DO CDC. RESTRITO AOS CASOS EM QUE SE CONFIGURA FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. REGRA ESPECIAL, PREVISTA NO CC, ESTABELECENDO PRESCRIÇÃO ÂNUA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. PERDAS E DANOS. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA, QUE SEGUINDO A SORTE DA PRINCIPAL, PRESCREVE CONJUNTAMENTE.
1. Por um lado, a Corte local não vislumbrou indícios de veracidade na tese acerca do afirmado requerimento administrativo e superveniente negativa de pagamento da diferença da indenização securitária, e a inversão do ônus da prova não ocorre em todas as situações em que a relação jurídica é de consumo, pois é preciso que as alegações sejam verossímeis, ou a parte seja hipossuficiente. Por outro lado, em linha de princípio, quem afirma um fato positivo tem de prová-lo com preferência a quem sustenta um fato negativo.
2. O pagamento a menor de indenização securitária nada tem a ver com reparação de danos causados por fato do produto ou serviço, requisito essencial para a aplicação do prazo prescricional descrito no art. 27 do CDC. Com efeito, e em vista também do critério de hermenêutica da especialidade, em matéria de indenização de seguro, a prescrição é ânua, tratada no art. 206, § 1º, II, do CC⁄2002.
3. Consoante se extrai do art. 92 do CC, obrigação principal é aquela cuja existência independe de qualquer outra. A obrigação acessória vindicada depende da existência da obrigação principal, pois a ela se encontra vinculada, já que possui, por finalidade, o cumprimento subsidiário da obrigação principal, que alegadamente não foi cumprida.
4. Os danos emergentes e⁄ou lucros cessantes, ocasionados pelo pagamento a menor do seguro, decorrem da própria lei, que estabelece que, em caso de inexecução contratual, cabem perdas e danos, incluídos os eventuais prejuízos efetivos e lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Por isso, em vista da clara relação de dependência, deve seguir a sorte da obrigação principal, não se submetendo a prazo prescricional diverso da pretensão de cobrança de indenização securitária.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1277250⁄PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 06⁄06⁄2017)
 

Cumpre observar que a questão analisada já havia sido dirimida pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento do REsp 574.947⁄BA, relatora Ministra Nancy Andrighi, em que ficou definido incidir o prazo prescricional ânuo previsto do Código Civil. Nesse precedente, Sua Excelência dispôs:

Discute-se a regra aplicável, se do art. 178, § 6º, II, do CC⁄1916, correspondente ao art. 206, § 1º, inc. II, do CC⁄02, ou do art. 27, caput, do CDC.
A matéria encontra-se perfeitamente prequestionada.
Prefacialmente, urge definir a natureza jurídica da atividade securitária, a qual, por ter sido expressamente incluída no conceito de serviço, consoante disposto no art 3º, § 2º, do CDC, insere-se no Direito do Consumidor.
Assim, o art. 27, caput, do CDC, dispõe ser qüinqüenal o prazo de prescrição concernente à reparação de danos causados por "fato do produto ou do serviço", extraindo-se o seguinte entendimento da (...)
No processo em análise, foi pactuado contrato de seguro contra roubo e⁄ou incêndio.
Com a concretização do sinistro, o serviço a ser fornecido pela seguradora-recorrente consistirá tão-somente no pagamento do valor segurado na apólice.
A ausência de pagamento, ou, como ocorre na espécie, o pagamento efetuado a menor, caracteriza induvidosamente inadimplemento no cumprimento das prestações avençadas (= inexecução contratual), e não defeito na prestação do serviço oferecido pela seguradora.
 

O acórdão ficou assim ementado:

Direito civil e do consumidor. Ação de cobrança de valor complementar. Indenização securitária. Inadimplemento. Pagamento a menor. Prazo prescricional.
- O não cumprimento das obrigações por parte do segurador consistentes no ressarcimento dos danos sofridos pelo segurado constitui inadimplemento contratual, e não fato do serviço.
- Caracterizada a inexecução contratual, é ânuo o prazo prescricional para ação de cobrança de valor complementar de indenização securitária.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 574.947⁄BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJ 28⁄06⁄2004)
 

6. A hipótese em análise, contudo, é diferente, devendo, portanto, incidir o prazo previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor para a ação de indenização por danos materiais e morais, como pretende o recorrente.

Isso porque, uma vez mais afirme-se, no caso dos autos, a indenização requerida não se fundamenta no inadimplemento contratual, nada obstante a base da natureza jurídica entre as partes seja o contrato regido pelo CDC.

A guarda do bem penhorado é, sim, obrigação da instituição financeira, isso não se discute, mas não é prestação contratual stricto sensu. De fato, a contraprestação devida nos contratos de mútuo garantido por penhor é o pagamento do valor acordado para o empréstimo.

Noutro ponto, ainda que no caso deste recurso também tenha havido pagamento a menor ou a Caixa não tenha concordado em pagar o valor de mercado das joias, esse não era o objeto do contrato estipulado com o consumidor (mútuo). Essa obrigação apenas surgiu pela falha ocorrida no serviço do Banco, com o furto da joia. 

No ponto, em situação assemelhada, confira-se outro julgado do STJ que reconheceu a falha de serviço prestado, no âmbito de relação de consumo, em detrimento do inadimplemento contratual:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DAS PREMISSAS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ÓBICE NA SÚMULA N. 7⁄STJ.
1. Cuida-se de ação indenizatória por vício na prestação de serviço da empresa recorrente, contratada pela CEAM - Companhia Energética do Amazonas, para implementar a substituição de postes na Rodovia AM-240, e, no desempenho de sua função, ao promover a derrubada de árvores, ocorreu a danificação da cerca de propriedade da Recorrida, que resultou na fuga de animais de seu rebanho.
2. O Tribunal de origem, soberano na análise do material fático probatório dos autos, deixou consignado que houve falha na prestação do serviço de instalação de postes, o que atrairia a incidência do prazo prescricional do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor para o ajuizamento da presente ação de indenização.
3. A revisão das premissas do acórdão recorrido demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 desta Corte de Justiça.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1527271⁄AM, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30⁄06⁄2015)
 

No recurso destacado, assim como no especial em exame, reconheceu-se, em ação indenizatória, tratar-se de falha na prestação de serviço da empresa recorrente, contratada para implementar a substituição de postes em Rodovia, ao promover a derrubada de árvores, causando danos à cerca de propriedade da recorrida, que resultou na fuga de animais de seu rebanho.

Cite-se, ainda, julgado de relatoria do preclaro Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO A BANCO. SUBMISSÃO A TORTURA, VIOLÊNCIA FÍSICA, MORAL E SEXUAL NO CURSO DE CÁRCERE PRIVADO DA FAMÍLIA DE GERENTE DA INSTITUIÇÃO ASSALTADA.
(...)
3. Evidente o nexo de causalidade entre a conduta patentemente negligente da instituição financeira, a representar falha na atividade fim por ela prestada, consubstanciada na ausência de condições básicas de segurança no estabelecimento bancário, conforme reconhecido pelas instâncias de origem.
4. Ausência de segurança e condenável prática da condução de valores pelo gerente entre municípios e em carro próprio a despertar o interesse dos criminosos, garantiu-lhes ambiente propício para o cometimento dos abjetos crimes à família do seu funcionário, enquanto este era conduzido ao estabelecimento para concretizar o roubo.
5. Em que pese se possa vislumbrar a incidência de normas do CDC a estender a caracterização de consumidor a todas as vítimas de um acidente de consumo (art. 17), com a falha na prestação dos serviços bancários da qual adveio danos a terceiros, a Corte de origem analisou, no caso, a culpa da instituição financeira, mostrando-se irrelevante examinar a questão na perspectiva da responsabilidade objetiva.
6. Insindicável o valor arbitrado pela instância de origem a título de indenização pelos danos morais quando não se revele exagerado, à luz dos graves fatos considerados no acórdão (estupro, violência física, moral, tortura, a que submetidos os indenizados), tendo-se por atraído o enunciado 7⁄STJ.
7. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1337920⁄MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 08⁄10⁄2015)
 

Por fim, transcreve-se julgado de relatoria da ilustre Ministra Nancy Andrighi, que além de reconhecer como falha na prestação de serviço a publicação incorreta de nome e número de assinante em listas telefônicas, geradora de dano ao consumidor, aplicou, para a ação de indenização intentada, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, conforme proposto neste voto:

Consumidor. Recurso especial. Danos decorrentes de falha na prestação do serviço. Publicação incorreta de nome e número de assinante em listas telefônicas. Ação de indenização. Prazo.
Prescrição. Incidência do art. 27 do CDC e não do art. 26 do mesmo código.
- O prazo prescricional para o consumidor pleitear o recebimento de indenização por danos decorrentes de falha na prestação do serviço é de 5 (cinco) anos, conforme prevê o art. 27 do CDC, não sendo aplicável, por conseqüência, os prazos de decadência, previstos no art. 26 do CDC.
- A ação de indenização movida pelo consumidor contra a prestadora de serviço, por danos decorrentes de publicação incorreta de seu nome e⁄ou número de telefone em lista telefônica, prescreve em cinco anos, conforme o art. 27, do CDC.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 722.510⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 01⁄02⁄2006)
 

7. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de  cassar a sentença e o acordão, estabelecendo o prazo de cinco anos (art. 27 do CDC) para a prescrição da ação de indenização, determinando o retorno dos autos ao juízo de piso para o prosseguimento da demanda.

É como voto