Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. CIVIL.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE DE APART-HOTEL. PARALISAÇÃO DAS OBRAS. AÇÃO RESOLUTÓRIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. CONSUMIDOR FINAL. AFASTAMENTO. INVESTIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. AFERIÇÃO. NECESSIDADE. FUTURA ADMINISTRADORA DE SERVIÇOS HOTELEIROS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CADEIA DE FORNECIMENTO. DESCARACTERIZAÇÃO. OFERTA E PUBLICIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INEXISTÊNCIA. INFORMAÇÃO CLARA. ATUAÇÃO ESPECIFICADA. ADQUIRENTE. CIÊNCIA EFETIVA. POOL DE LOCAÇÃO. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. CONTRATAÇÃO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. As questões controvertidas na presente via recursal são: a) definir se o Código de Defesa do Consumidor se aplica às ações de resolução de promessa de compra e venda de imóvel não destinado à moradia do adquirente (finalidade de investimento) e b) delinear se a futura administradora de empreendimento hoteleiro, cujas obras foram paralisadas, possui legitimidade passiva ad causam, juntamente com a promitente vendedora, a intermediadora e a incorporadora, em demanda resolutória e reparatória de contrato de aquisição de unidades de apart-hotel.

3. O adquirente de unidade imobiliária, mesmo não sendo o destinatário final do bem e apenas possuindo o intuito de investir ou auferir lucro, poderá encontrar abrigo da legislação consumerista com base na teoria finalista mitigada se tiver agido de boa-fé e não detiver conhecimentos de mercado imobiliário nem expertise em incorporação, construção e venda de imóveis, sendo evidente a sua vulnerabilidade. Em outras palavras, o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), não abrangendo em seu âmbito de proteção aquele que desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.

4. O apart-hotel (flat services ou flats) é um prédio de apartamentos com serviços de hotelaria. No caso, é incontroverso que o empreendimento se destina a aluguéis temporários. Como não é permitido aos condomínios praticarem atividade comercial, e para haver a exploração da locação hoteleira, os proprietários das unidades devem se juntar em uma nova entidade, constituída comumente na forma de sociedade em conta de participação, apta a ratear as receitas e as despesas das operações, formando um pool hoteleiro, sob a coordenação de uma empresa de administração hoteleira. 5. Na hipótese, é inegável que a promissária compradora era investidora, pois tinha ciência de que as unidades habitacionais não seriam destinadas ao próprio uso, já que as entregou ao pool hoteleiro ao anuir ao Termo de Adesão e ao contratar a constituição da sociedade em conta de participação para exploração apart-hoteleira, em que integraria os sócios participantes (sócios ocultos), sendo a Blue Tree Hotels a sócia ostensiva. Pela teoria finalista mitigada, a Corte local deveria ao menos aferir a sua vulnerabilidade para fins de aplicação do CDC.

6. Na espécie, não há falar em deficiência de informação ou em publicidade enganosa, porquanto sempre foi divulgada claramente a posição da BTH no empreendimento, tendo se obrigado, nos termos da oferta ao público e dos contratos pactuados, de que seria tão somente a futura administradora dos serviços hoteleiros após a conclusão do edifício, sem ingerência na comercialização das unidades ou na sua construção. Reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam.

7. Deve ser afastada qualquer responsabilização solidária da recorrente pelo não adimplemento do contrato de promessa de compra e venda das unidades do apart-hotel, seja por não integrar a cadeia de fornecimento relativa à incorporação imobiliária, seja por não compor o mesmo grupo econômico das empresas inadimplentes, seja por também ter sido prejudicada, visto que sua pretensão de explorar o ramo hoteleiro na localidade foi tão frustrada quanto a pretensão da autora de ganhar rentabilidade com a aquisição e a locação das unidades imobiliárias.

8. Recurso especial provido.

(REsp 1785802/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 06/03/2019)

 

 

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.785.802 - SP (2018⁄0071256-8)
RECORRENTE : BLUE TREE HOTELS & RESORTS DO BRASIL S⁄A
ADVOGADOS : WALTER ALEXANDRE BUSSAMARA  - SP147588
    JOÃO PAULO GUIMARÃES DA SILVEIRA  - SP146177
    FERNANDA HENGLER DINHI  - SP198990
RECORRIDO : MARIA CRISTINA OMETTO PAVAN
ADVOGADO : BRUNO COSTA BEHRNDT E OUTRO(S) - SP305548
INTERES.  : PARINTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
INTERES.  : CARRERI GIGANTE IMOVEIS LTDA
INTERES.  : ARVORE AZUL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA
ADVOGADO : HERCULES PRACA BARROSO  - SP264355
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por BLUE TREE HOTELS & RESORTS DO BRASIL S.A. (BTH), com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Noticiam os autos que MARIA CRISTINA OMETTO PAVAN (promissária compradora) ajuizou ação resolutória e reparatória contra PARINTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (incorporadora), CARRERI GIGANTE IMÓVEIS LTDA. (intermediadora), ÁRVORE AZUL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA. (promitente vendedora) e a ora recorrente (futura administradora de serviços hoteleiros) visando a resolução de contratos de aquisição de 3 (três) unidades imobiliárias (apart-hotel) do empreendimento Blue Tree São Carlos⁄SP, o ressarcimento dos valores pagos e a compensação por danos morais, haja vista a paralização das obras há quase 2 (dois) anos sem a perspectiva de conclusão e de entrega dos apartamentos.
O magistrado de primeiro grau, após acolher a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da ora recorrente, BLUE TREE HOTELS & RESORTS, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial nos seguintes termos:
 
"(...)
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para (a) extinguir o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva, com fulcro no art. 485, VI do CPC, em relação BLUE TREE HOTELS & RESORTS DO BRASIL, condenando a autora em honorários advocatícios arbitrados no montante de R$ 1.000,00; (b) resolver os contratos mencionados na inicial (c) condenar as rés ÁRVORE AZUL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, GIGANTE IMÓVEIS LTDA e PARINTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de R$ 740.000,00, com atualização monetária pela tabela do TJSP a partir de cada desembolso e juros moratórios de 1% ao mês desde a citação, condenando-as, ainda, nas verbas sucumbenciais, arbitrados os honorários em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do § 2º do art. 85 e 86, parágrafo único, ambos do CPC, diante da sucumbência mínima do polo ativo, apenas em relação aos danos morais. JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização em danos morais" (fls. 428⁄429).
 
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação na Corte de Justiça local, o qual foi parcialmente provido para "(...) reconhecer a responsabilidade solidária da Blue Tree pela inexecução do contrato" (fl. 500), condenando-a, ainda, "(...) na sucumbência, nos termos da sentença, a ser partilhada com as demais Rés" (fl. 500).
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
 
"Compromisso de compra e venda - Responsabilidade de futura administradora de imóveis, que emprestou marca ao empreendimento - Cessão de marca concorre fortemente para segurança e celebração de negócio - Integração à cadeia de fornecimento justifica responsabilidade solidária (CDC 7º e 18) - Empresa que participa da oferta se obriga ao resultado (CDC 30 segundo jurisprudência do STJ) - Dano moral inexistente - Recurso parcialmente provido" (fl. 494).
 
Os embargos de declaração opostos foram acolhidos somente para "(...) majorar os honorários de 10% para 11% do valor da condenação (CPC, 85, § 11)" (fl. 507).
No recurso especial, a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 485, VI, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC⁄2015); 265 do Código Civil (CC); 29 e 43, I e II, da Lei nº 4.591⁄1964 e 2º e 7º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Sustenta, em síntese, que "(...) foi incluída no polo passivo dessa demanda, sob o fundamento de que sua responsabilidade decorreria apenas e tão somente do fato de seu nome ter constado no dossiê de venda e material publicitário do empreendimento" (fl. 512), mas restou claro que sua atuação aconteceria em momento futuro, após a entrega das unidades, quando então passaria a administrar o condomínio de acordo com padrões hoteleiros.
Aduz que não existe nenhuma relação contratual com a autora no que se refere à obrigação de construir e entregar as unidades imobiliárias.
Argui que não faz parte da cadeia de consumo, tampouco é fornecedora direta, visto que apenas passaria a explorar os serviços de hotelaria depois de concluída a obra, de modo que deve ser afastada a sua condenação em indenizar, em solidariedade, a promissária compradora, já que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide.
Acrescenta que a legislação consumerista não incide na hipótese dos autos, porquanto a demandante seria investidora do empreendimento e não a destinatária final do bem.
Por fim, alega que o
"(...) Código de Defesa do Consumidor é lei específica e se destina a proteger o consumidor naquilo que tem de buscar para a satisfação de suas necessidades diretas de ser humano, como destinatário final, ou seja, bens de consumo, categoria na qual não se enquadra o imóvel adquirido para investimento" (fl. 520).
 
Após a apresentação de contrarrazões (fls. 532⁄544), o recurso foi inadmitido na origem (fls. 545⁄546), mas, por ter sido provido agravo em juízo de retratação, foi determinada a reautuação do feito.
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.785.802 - SP (2018⁄0071256-8)
EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE DE APART-HOTEL. PARALISAÇÃO DAS OBRAS. AÇÃO RESOLUTÓRIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. CONSUMIDOR FINAL. AFASTAMENTO. INVESTIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. AFERIÇÃO. NECESSIDADE. FUTURA ADMINISTRADORA DE SERVIÇOS HOTELEIROS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CADEIA DE FORNECIMENTO. DESCARACTERIZAÇÃO. OFERTA E PUBLICIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INEXISTÊNCIA. INFORMAÇÃO CLARA. ATUAÇÃO ESPECIFICADA. ADQUIRENTE. CIÊNCIA EFETIVA. POOL DE LOCAÇÃO. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. CONTRATAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. As questões controvertidas na presente via recursal são: a) definir se o Código de Defesa do Consumidor se aplica às ações de resolução de promessa de compra e venda de imóvel não destinado à moradia do adquirente (finalidade de investimento) e b) delinear se a futura administradora de empreendimento hoteleiro, cujas obras foram paralisadas, possui legitimidade passiva ad causamjuntamente com a promitente vendedora, a intermediadora e a incorporadora, em demanda resolutória e reparatória de contrato de aquisição de unidades de apart-hotel.
3. O adquirente de unidade imobiliária, mesmo não sendo o destinatário final do bem e apenas possuindo o intuito de investir ou auferir lucro, poderá encontrar abrigo da legislação consumerista com base na teoria finalista mitigada se tiver agido de boa-fé e não detiver conhecimentos de mercado imobiliário nem expertise em incorporação, construção e venda de imóveis, sendo evidente a sua vulnerabilidade. Em outras palavras, o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), não abrangendo em seu âmbito de proteção aquele que desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.
4. O apart-hotel (flat services ou flats) é um prédio de apartamentos com serviços de hotelaria. No caso, é incontroverso que o empreendimento se destina a aluguéis temporários. Como não é permitido aos condomínios praticarem atividade comercial, e para haver a exploração da locação hoteleira, os proprietários das unidades devem se juntar em uma nova entidade, constituída comumente na forma de sociedade em conta de participação, apta a ratear as receitas e as despesas das operações, formando um pool hoteleiro, sob a coordenação de uma empresa de administração hoteleira.
5. Na hipótese, é inegável que a promissária compradora era investidora, pois tinha ciência de que as unidades habitacionais não seriam destinadas ao próprio uso, já que as entregou ao pool hoteleiro ao anuir ao Termo de Adesão e ao contratar a constituição da sociedade em conta de participação para exploração apart-hoteleira, em que integraria os sócios participantes (sócios ocultos), sendo a Blue Tree Hotels a sócia ostensiva. Pela teoria finalista mitigada, a Corte local deveria ao menos aferir a sua vulnerabilidade para fins de aplicação do CDC.
6. Na espécie, não há falar em deficiência de informação ou em publicidade enganosa, porquanto sempre foi divulgada claramente a posição da BTH no empreendimento, tendo se obrigado, nos termos da oferta ao público e dos contratos pactuados, de que seria tão somente a futura administradora dos serviços hoteleiros após a conclusão do edifício, sem ingerência na comercialização das unidades ou na sua construção. Reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam.
7. Deve ser afastada qualquer responsabilização solidária da recorrente pelo não adimplemento do contrato de promessa de compra e venda das unidades do apart-hotel, seja por não integrar a cadeia de fornecimento relativa à incorporação imobiliária, seja por não compor o mesmo grupo econômico das empresas inadimplentes, seja por também ter sido prejudicada, visto que sua pretensão de explorar o ramo hoteleiro na localidade foi tão frustrada quanto a pretensão da autora de ganhar rentabilidade com a aquisição e a locação das unidades imobiliárias.
8. Recurso especial provido.
 
 
 
 
 
 
 
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
As questões controvertidas na presente via recursal são: a) definir se o Código de Defesa do Consumidor se aplica às ações de resolução de promessa de compra e venda de imóvel não destinado à moradia do adquirente (finalidade de investimento) e b) delinear se a futura administradora de empreendimento hoteleiro, cujas obras foram paralisadas, possui legitimidade passiva ad causam, juntamente com a promitente vendedora, a intermediadora e a incorporadora, em demanda resolutória e reparatória de contrato de aquisição de unidades de apart-hotel.
 
1. Da resolução de contrato de aquisição de unidade de apart-hotel, do CDC e da legitimidade passiva ad causam da recorrente
 
De início, impende asseverar que aos contratos de incorporação imobiliária, embora regidos por princípios e normas que lhes são próprios (Lei nº 4.591⁄1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família.
Com efeito, o incorporador e o construtor podem ser enquadrados no conceito de fornecedor, vinculando-se a uma obrigação de dar (transferência definitiva) e de fazer (construir), ao passo que o adquirente, sendo destinatário final da unidade habitacional, caracteriza-se como consumidor.
Apesar de o Código de Defesa do Consumidor incidir na dinâmica dos negócios imobiliários em geral, resta saber se também se aplica nas ações de resolução propostas por promissário comprador de unidade imobiliária cujo destino não seja de moradia, mas de exploração comercial, como no caso: empreendimento hoteleiro. É que, nessa hipótese, o bem não vai ser retirado do mercado para consumo final. Ao contrário, o propósito é de investimento.
Como cediço, quanto à caracterização da relação de consumo, consoante o art. 2º do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Desse modo, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria.
Por isso fala-se em destinatário final econômico (e não apenas fático) do bem ou serviço, haja vista que não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal, a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem ou em outra forma indireta. A relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário).
Todavia, cumpre ressaltar que a teoria finalista pode ser mitigada em alguns casos, quando comprovada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica da pessoa física ou jurídica adquirente, ainda que integre o serviço ou o produto adquirido nas suas próprias atividades econômicas, a exemplo de autônomos, microempresas e empresários individuais (REsp nº 1.266.388⁄SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 17⁄2⁄2014).
Logo, com base na teoria finalista mitigada, o adquirente de unidade imobiliária, mesmo não sendo o destinatário do bem e apenas possuindo o intuito de investir ou auferir lucro, poderá encontrar abrigo da legislação consumerista se tiver agido de boa-fé e não detiver conhecimentos de mercado imobiliário nem expertise em incorporação, construção e venda de imóveis, sendo, pois, evidente a sua vulnerabilidade.
Em outras palavras, o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), não abrangendo, portanto, em seu âmbito de proteção aquele que desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.
Na espécie, a autora firmou compromisso de compra e venda de 3 (três) unidades de apart-hotel, no empreendimento Blue Tree São Carlos⁄SP, com as empresas ÁRVORE AZUL (promitente vendedora), PARINTINS (incorporadora) e GIGANTE IMÓVEIS (intermediadora), os quais não foram entregues em virtude da paralização das obras.
Por sua vez, a BLUE TREE HOTELS & RESORTS DO BRASIL S.A. (BTH), ora recorrente, celebrou os seguintes contratos com a PARINTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.: (i) Contrato Particular de Prestação de Serviços Técnicos e de Administração Condominial Pré-Operacional, com Licenciamento de Uso de Logomarca, (ii) Contrato Particular de Prestação de Serviços de Administração Condominial e Comodato de Áreas Comuns e (iii) Contrato de Constituição de Sociedade em Conta de Participação para Exploração Apart-Hoteleira.
Com base no material publicitário e na licença de uso da marca, o Tribunal estadual considerou que a BTH compunha a cadeia de fornecimento, sendo parte legítima para figurar na ação resolutória e reparatória proposta pela adquirente, devendo ser condenada em solidariedade com as demais corrés, apesar de restar claro que sua participação somente iria se dar em momento posterior, isto é, após a finalização do empreendimento e a efetiva entrega das unidades, já que apenas atuaria como administradora do condomínio, de caráter hoteleiro.
Confira-se:
"(...)
Começo pela legitimidade passiva e responsabilidade da Blue Tree.
A Blue Tree é empresa hoteleira de grande renome e batiza o empreendimento, em cujo material publicitário a marca 'Blue Tree' é ubíqua, chegando a ocupar os anúncios com exclusividade (fls. 31, por ex.). É óbvio que a participação da Blue Tree contribuiu enormemente para a comercialização do empreendimento e no convencimento da Apelante sobre a segurança do negócio, podendo-se concluir que a Blue Tree contribuiu, sim, de maneira importante para a celebração do contrato. Tendo participado da cadeia de fornecimento, entendo que deva responder solidariamente pela inexecução do contrato, nos termos da Lei (CDC 7º p. ú. e 18 'caput').
No mais, a Lei obriga o fornecedor às informações e publicidade veiculadas (CDC 30). Ao participar da publicidade do empreendimento, a Blue Tree obviamente vinculou-se ao negócio e obrigou-se a seu sucesso nos termos ofertados. (...)
(...)
Assim, entendo que a Apelada efetivamente é responsável solidária pela inexecução do contrato (CDC 7º, 18 e 30)" (fls. 496⁄498).
 
Como cediço, o apart-hotel (flat services ou flats) é um prédio de apartamentos com serviços de hotelaria. No caso, a partir dos contratos assinados pela autora e da oferta ao público, é incontroverso que o empreendimento seria destinado a aluguéis temporários (a turistas e executivos, por exemplo). Ademais, como não é permitido aos condomínios praticarem atividade comercial, e para haver a exploração da locação hoteleira, os proprietários das unidades deveriam se juntar em uma nova entidade, constituída na forma de sociedade em conta de participação, apta a ratear as receitas e as despesas das operações, formando um pool hoteleiro, sob a coordenação da empresa de administração hoteleira (BTH).
Verifica-se, assim, que a autora adquiriu as unidades imobiliárias para investimento pessoal ou empresarial, não sendo, portanto, destinatária final dos bens, o que descaracterizaria, a princípio, a relação de consumo.
De fato, o pool de locações corresponde à associação de vários proprietários que, em conjunto com uma empresa de administração hoteleira, disponibiliza seu flat para locação como se fosse um apartamento de hotel, por meio de um contrato de adesão com a administradora do edifício. Isso proporciona investimento com rentabilidade superior ao aluguel residencial ou convencional, pois isenta tanto o investidor quanto o usuário de problemas característicos da lei do inquilinato.
Na hipótese dos autos, a promissária compradora tinha ciência de que as unidades habitacionais não seriam destinadas ao próprio uso, visto que as entregou ao pool hoteleiro ao anuir ao Termo de Adesão e ao contratar a constituição da sociedade em conta de participação para exploração apart-hoteleira, em que integraria os sócios participantes (sócios ocultos), sendo a BTH a sócia ostensiva.
Desse modo, é inegável que a autora era investidora (a conta em participação é melhor qualificada como um contrato de investimento conjunto do que um tipo societário), de forma que, pela Teoria Finalista mitigada, a Corte local deveria, ao menos, aferir a sua vulnerabilidade para fins de aplicação do CDC.
No entanto, tal questão fica superada, pois, como assinalado na sentença, a recorrente é parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide, já que "(...) observa-se a sua total desvinculação com o empreendimento imobiliário e construção, inexistindo fundamento para que lhe seja reconhecida a obrigação de indenizar" (fl. 427).
É dizer, mesmo que se procedesse à análise casuística e se chegasse à conclusão de que a autora, ora recorrida, seria de fato vulnerável e a ela seria aplicável o CDC, ainda assim é de rigor reconhecer a ilegitimidade passiva da BTH para a causa.
Isso porque a BTH não integrou a cadeia de fornecimento concernente à incorporação imobiliária, porquanto se obrigou a apenas administrar os serviços hoteleiros, a ocorrer apenas após a conclusão do empreendimento, integrando, para esse mister, juntamente com os adquirentes (pool de locações), uma sociedade em conta de participação.
Logo, como houve a frustração do empreendimento, cuja construção não foi finalizada, sua pretensão de explorar o ramo hoteleiro na localidade foi tão prejudicada quanto a pretensão da autora de ganhar rentabilidade com a aquisição e a locação das unidades imobiliárias.
Assim, não há falar em deficiência de informação ou em publicidade enganosa, resultando igualmente inaplicável o precedente firmado no REsp nº 1.365.609⁄SP (Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25⁄5⁄2015), visto que sempre foi divulgada claramente a posição da BTH no empreendimento, tendo se obrigado nos termos da oferta ao público e dos contratos pactuados, de que seria tão somente a futura administradora dos serviços hoteleiros, sem ingerência na comercialização das unidades ou, ainda, na sua construção.
Nesse contexto, deve ser afastada qualquer responsabilização solidária da recorrente pelo não adimplemento do contrato de promessa de compra e venda das unidades do apart-hotel, seja por não integrar a cadeia de fornecimento relativa à incorporação imobiliária, seja por não compor o mesmo grupo econômico das empresas inadimplentes, seja por ter sido também prejudicada, visto que foi frustrada a atividade econômica da sociedade em conta de participação formada juntamente com os adquirentes para a exploração comercial do pool de locações.
 
2. Do dispositivo
 
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam da recorrente, restabelecendo a sentença.

 

É o voto.