Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.

Por: Equipe Petições

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ART. 1.584, § 3º, DO CC/2002. INTERESSE DA PROLE. SUPERVISÃO. DIREITO DE VISITAS.. IMPLEMENTAÇÃO. CONVIVÊNCIA COM O GENITOR. AMPLIAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO PARENTAL. PRECLUSÃO.

1. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores.

2. As peculiariedades do caso concreto inviabilizam a implementação da guarda compartilhada em virtude da realização do princípio do melhor interesse da menor, que obstaculiza, a princípio, sua efetivação.

3. A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso especial exigiria, por parte desta Corte, o reexame de matéria fática, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ.

4. Possibilidade de modificação do direito de visitas com o objetivo de ampliação do tempo de permanência do pai com a filha menor. 5. A tese relativa à alienação parental encontra-se superada pela preclusão, conforme assentado pelo acórdão recorrido.

6. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1654111/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017)

 

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

 RECURSO ESPECIAL Nº 1.654.111 - DF (2016⁄0330131-5)

RELATÓRIO
 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por C. R. A. B., fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

"APELAÇÃO. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA. UNILATERAL. COMPARTILHADA. VISITAS. AMPLIAÇÃO. COMPANHIA. PERNOITE. BEM-ESTAR DA MENOR.
I - A guarda compartilhada, após as alterações nos arts. 1.583, 1.584 e 1.585 do Código Civil efetivadas pela Lei 13.058⁄14, deve ser a regra e o ideal a ser alcançado, no entanto a custódia física conjunta dos genitores não pode ser deferida em detrimento do melhor interesse da criança.
II - A guarda compartilhada pressupõe a divisão de responsabilidades dos genitores quanto às decisões referentes à filha, o que se torna impossível quando os pais vivem em constante litigiosidade e não possuem diálogo saudável. Mantida a r. sentença.
III - A ampliação do regime de visitas pretendida pelo pai impõe ônus excessivo sobre a filha e geraria uma rotina cansativa e confusa. Reformada, no entanto, a r. sentença, quanto à regulamentação das férias e dos feriados de Natal e Ano Novo.
IV - De acordo com o acervo probatório, não há necessidade de que a criança vá acompanhada para a casa do pai, bem como que se exclua o pernoite da visita.
V - Apelação do réu-genitor parcialmente provida. Apelação adesiva da autora-genitora desprovida" (e-STJ fl. 699 - grifou-se).
 
Noticiam os autos que a autora A. L. E. S. propôs ação de guarda unilateral e responsabilidade cumulada com regulamentação de vistas em desfavor de C. R. A. B. As partes se casaram em novembro de 2003 e tiveram as filhas gêmeas J. L. B. e G. L. B.  (maiores) e ainda A. L. B. (menor), sendo que desde 28.2.2011 o ex-casal encontra-se separado.
A autora alegou na inicial que o genitor abusa da ingestão de bebida alcoólica na presença das crianças tendo, "por várias vezes (...) recebido ligações das filhas de madrugada, que desesperadas pediam para a mãe ir buscá-las, pois o pai além de dispensar a empregada que ali devia pernoitar estava extremamente alcoolizado, ao ponto de sequer conseguir ficar de pé, sujeitando as menores inclusive a se alimentar de comidas queimadas ou temperadas com bebida alcoólica" (e-STJ fl. 5).

Afirmou que "inúmeras vezes o genitor ao retornar com as menores ao lar materno, as levava embriagado, dirigindo de forma totalmente negligente e imprudente, cortando caminhos e fugindo da polícia por não estar em condições de dirigir (...)" (e-STJ fl. 5).

Registra ter havido uma tentativa de reconciliação do ex-casal após a promessa de tratamento da doença com psiquiatras, que ministraram até mesmo medicamentos e determinaram a internação do genitor.  Contudo, consigna que o requerido, durante todo o tratamento, não abandonou o uso incontrolável de bebidas alcoólicas, um verdadeiro martírio para a família, que hoje está submetida a acompanhamento psicológico, apesar das restrições financeiras.
Requereu ao final, a decretação da guarda unilateral das filhas em favor da genitora e o necessário encaminhamento das partes ao serviços psicossocial forense.
A guarda provisória das menores restou deferida à genitora (e-STJ fl. 588).
O juízo da 3ª Vara de Família de Família e de Órfãos e Sucessões de Taguatinga⁄DF, ao julgar o Processo nº 2011.07.1.037801-3, deu parcial procedência ao pedido de guarda unilateral à autora (e-STJ fls. 588-596).
Extrai-se da fundamentação da sentença o que se segue:
"(...) O conteúdo litigioso, portanto, restringe-se à menor A. L. B., que atualmente conta com oito anos de idade, conforme se afere à fl. 24.
Feita esta consideração, observo que a situação conflituosa do casal extrapola os limites da presente lide, mas reflete de modo inequívoco sobre o estabelecimento da guarda e regime de visitas 'relativamente às menor A. L. B., o que deve ser dirimido. É o que se observa dos documentos acostados às fls. 104⁄159.
Em primeiro plano destaque-se que convívio dos filhos menores com os pais se afigura de extrema importância para o regular desenvolvimento social e emocional, sendo certo que cabe aos pais agir com responsabilidade e zelo no contato com os menores, os quais, pela condição de vulnerabilidade que lhes é inerente, estão sujeitos aos efeitos deletérios de eventual comportamento reprovável.
Em situações de normalidade, inclusive, convém que os próprios cônjuges acordem sobre a guarda dos filhos, somente se fazendo necessária a intervenção do Estado-juiz se houver fatos graves que determinem o seu disciplinamento jurisdicional, vigorando, qualquer que seja o caso, o princípio da proteção ao melhor interesse dos infantes.
Esta raiz principiológica de proteção implica na prevalência dos interesses da pessoa em desenvolvimento sobre os interesses dos próprios genitores, a ser buscada na conclusão judicial extraída a partir do caso concreto. Pode ocorrer, destarte, a aplicação da guarda unilateral ou compartilhada diante das peculiaridades que decorrem da própria natureza humana que repercutem em toda sorte de relacionamento e, como efeito mais extremo, a destituição do poder familiar.
Para efeitos didáticos, deve-se esclarecer que a guarda unilateral emerge quando esta se determina em prol de apenas um dos cônjuges, situação onde se garante ao outro que não a detenha o direito de visitas.
Há nestes casos, nitidamente, um ponto de intercessão no direito de ambos os genitores no convívio com o menor em guarda unilateral. Impera frisar, por isso, que quando o infante estiver sob os cuidados do genitor visitante haverá a exclusão da responsabilidade do guardião, sujeitando-se o visitador aos efeitos jurídicos do dano porventura sofrido pelo visitado. Assim, eventuais óbices ou restrições ao exercício do direito de visitas devem ser plausíveis e identificados com maior rigor.
Por isso, impera considerar a preferência jurídica pela guarda compartilhada, ocasião em que ambos os genitores poderão manter a guarda dos filhos, com todos os direitos e atribuições a ela inerentes, inexistindo um mero ponto de intercessão jungido ao direito de visitas. (...)
Feitas essas considerações, atenho-me ao fato de que as partes nutrem extrema beligerância quando o assunto converge para o contato com a filha menor, sendo certo que essa situação tendo a ser acirrada se houver o bloqueio completo do convívio de qualquer dos genitores com a criança, o que deve ser evitado. (...)
O problema que desencadeador da celeuma que envolve as partes e os respectivos filhos decorre, dentre outros fatores, do alcoolismo atribuído ao requerido, o que não se controverteu nos autos.
Sob essa ótica, agrego ao presente exame de mérito o conteúdo dos documentos acostados às fls 74⁄75 e 76, consistentes em relatórios médicos de C. R. A. B., ora requerido, in litteris:
'Paciente acima citado, 42 anos de idade, em acompanhamento na unidade de psiquiatria desde 18⁄04⁄2011 devido ao relato de esposa de excesso de ingesta etílica. No início do tratamento não aceitou patologia.
Evoluiu com separação no casamento. Após este fato iniciou tratamento regular com uso de medicação (donaren 50 mg + revia 50 mg + valium 10mg) com boa resposta terapêutica. Afirma uso de etílicos socialmente. Apresenta exame de enzimas hepáticas dentro da normalidade. No momento encontra-se estável porém, com alguma ansiedade devido problemas familiares ainda não resolvidos (separação litigiosa). Necessita manutenção medicamentosa + consultas médicas de rotina + psicoterapia. CID10. F41)' (...).
No curso dos autos, ademais, surgiu importante questão relativa a suposto abuso sexual sofrido por A., o que acirrou sobremaneira a situação já delicada. Nada obstante, esta suspeita restou dirimida e não comprovada. (...)
Contudo, observa-se que há necessidade de que o requerido se reaproxime de suas filhas de forma gradativa, o que deve contar com o apoio da requerente.
A esse propósito, do conjunto probatório angariado aos autos merece importante destaque o parecer técnico 224-S⁄2012, de lavra da Secretaria Psicossocial Judiciária - SEPSI, juntado às fls. 261⁄278, de onde colho o seguinte trecho conclusivo, in verbis:
'Diante do exposto e do ponto de vista psicossocial, considera-se que, no momento, J., G. e A. têm na Sra. A. e no Sr. C. R. o referencial parental e na residência da primeira, o referencial de lar. Considera-se que as necessidades básicas de alimentação, proteção e cuidados diários das adolescentes e da infante têm sido supridas no núcleo familiar materno.
Quanto às necessidades afetivas, destaca-se que J. e G. trazem consigo grande sofrimento vivenciado tanto no decorrer da relação conjugal entre ao pais, quando no processo de separação destes e que no momento optaram por um afastamento com relação ao Sr. C. R., principalmente com o propósito de se afastarem das vivências dolorosas experimentadas por estas quando do consumo excessivo de álcool por parte do pai. Acredita-se que, no momento, facultar às adolescentes tal afastamento poderá propiciar às mesmas o foco em atividades que consideram importantes e que propiciam prazer (...). Acredita-se que a relação com o pai é permeada por afeto e que os contatos com este poderão trazer benefícios ao seu desenvolvimento psicossocial. Destaca-se, entretanto, a necessidade de que os mesmos ocorram em um contexto de proteção, com a mediação de um acompanhante, tendo em vista os indícios de consumo exagerado de bebida alcoólica por parte do requerido e conseqüente exposição da infante a situações de vulnerabilidade.' (fl. 268).
Conclui-se, portanto, que a guarda unilateral se afigura de melhor adaptação ao caso em voga, devendo ser atribuída à Sra. A. L. S., ora autora, que ostenta melhores condições de exercê-la, por estar inserida na maior porção do grupo familiar, onde a infante conta com mais duas irmãs. (...) Diante da apreciação de todo o conteúdo probatório, noto que a menor A. L. B.não mais sofre riscos em companhia do requerido, uma vez que os documentos revelam substancial afastamento do alcoolismo, ao passo que convencem de que não houve a prática de abuso sexual (...)" (e-STJ fls. 588-596 - transcrição alterada para respeitar o segredo de justiça - grifou-se).
 
 
O ora recorrente apresentou apelação (e-STJ fls. 601-623), tendo a recorrida apelado adesivamente (e-STJ fls. 640-644).
O recurso do réu foi parcialmente provido e a apelação adesiva da autora desprovida nos termos da já mencionada ementa.
No recurso especial, C. R. A. B. alega violação dos arts. 1.584, § 2º e 1.584, § 3º, do Código Civil ao argumento de que deve ser deferido o pedido de guarda compartilhada da filha menor do casal. Sustenta desejar buscar a criança na escola às sextas-feiras e devolvê-la na segunda, o que não geraria "ônus excessivo sobre a filha nem geraria uma rotina cansativa e confusa", diferentemente do que atestado no acórdão recorrido. Aponta, ainda, violação do art. 6º da Lei nº 12.318⁄2010, pois a Corte local teria deixado de reconhecer a conduta de alienação parental imputada à genitora da menor, tendo em vista a falsidade da acusação de abuso sexual.
 

Após as contrarrazões, foi negado seguimento ao recurso especial, ascendendo os autos por força de decisão em agravo (e-STJ fls. 817-818).

O Ministério Público Federal opina, por meio do seu representante legal, o Subprocurador-Geral da República, Antônio Carlos Alpino Bigonha, pelo não conhecimento do recurso especial (e-STJ fls. 826-832).

É o relatório.
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.654.111 - DF (2016⁄0330131-5)
VOTO
 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):  O recurso prospera parcialmente.

(i) da Guarda compartilhada

Versam os autos acerca da guarda compartilhada, que encontra suas origens na Common Law do Direito inglês, com a denominação de joint custody. Foi a partir década de 1960 que se difundiu tal conceito pela Europa. Porém, foi nos Estados Unidos da América que a denominada guarda conjunta avançou em virtude de intensas pesquisas em decorrência da transformação das famílias.

Daí se concluir que a adoção de previsão legal da guarda compartilhada no Brasil retrata uma crescente tendência mundial - fortalecida pela Convenção de Nova Iorque sobre Direitos da Criança (ONU, 1989).

A guarda compartilhada define os dois genitores como detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos, visando manter os laços de afetividade e abrandar os efeitos que o fim da sociedade conjugal podem trazer à prole, ao passo que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando os direitos da criança e do pai (Conrado Paulino da Rosa, A Nova Lei da Guarda Compartilhada, São Paulo, Saraiva, 2015, pág. 63).

Eis a letra da lei:

"art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008) (...) § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor". (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014 - grifou-se)
 
Na hipótese, colhe-se do acórdão recorrido, de relatoria da Desembargadora Vera Andrighi:
"(...) Da guarda compartilhada
Para a solução do presente litígio devem ser preservados, primordialmente, os interesses da menor, e não a conveniência de cada um dos pais ou o desejo pessoal de ficar mais tempo com a filha. A guarda compartilhada pressupõe a divisão de responsabilidades dos genitores quanto às decisões referentes ao filho, o que se torna impossível quando os pais vivem em constante litigiosidade e não possuem diálogo saudável.
Apesar da superação do alcoolismo, defendida pelo apelante- genitor, é evidente que as divergências entre as partes permaneceminclusive referentes a questões mínimas da menor durante as visitas ao pai. Portanto, o compartilhamento da guarda entre os genitores, neste momento, apenas traria maior sofrimento e ansiedade à criança, que continuaria a vivenciar brigas e discussões referentes à sua rotina e ao seu futuro, interferindo no seu desenvolvimento saudável.
Outrossim, conforme relatado no Parecer Técnico nº 224-S12012 (fls. 261⁄78), confirmado no depoimento pessoal da menor (fl. 491), o seu referencial de lar é a residência da mãe, que tem suprido as suas necessidades básicas de alimentação, proteção e cuidados diários (...).
Conforme a r. sentença concluiu 'a guarda unilateral se afigura de melhor adaptação ao caso em voga, devendo ser atribuída à Sra. A. L. S., ora autora, que ostenta melhores condições de exercê-la, por estar inserida na maior porção do grupo familiar, onde a infante conta com mais duas irmãs' (fl. 494).
(...) Quanto ao recurso adesivo, a mãe pretende sejam mantidas as visitas acompanhadas e sem pernoite. Apesar do parecer psicossocial orientar nesse sentido, deve-se considerar que foi elaborado em 2012, quando a menor tinha 5 anos (fl. 262). Assim, naquele período inicial, foram acordadas visitas acompanhadas e sem pernoite (fl. 383).
No entanto, em 06⁄03⁄15, na r. sentença, o MM. Juiz constatou que, diante do conteúdo probatório, a menor não mais sofre riscos em companhia do genitor, uma vez que demonstrado o afastamento do alcoolismo e a inexistência de prova do alegado abuso sexual, e que seria contraditório impor a mitigação do direito de visitas quando ausentes os indícios de perigo (...) Desse modo, não há necessidade de que a criança vá acompanhada para a casa do pai, inexistindo motivo, também, para se excluir o pernoite (...)" (e-STJ fls. 697-711 - grifou-se).
 

Registre-se que a recente Lei nº 13.058⁄2014 alterou o art. 1.584, § 2º, do Código Civil, e suas diretrizes romperam paradigmas seculares. O principal mérito da novel legislação é a função pedagógica e cultural que traduz, propiciando novos parâmetros no que se refere à aplicação do modelo de guarda, que ao ser compartilhada favorece que a família, mesmo já não sendo conjugal, exista na modalidade parental.

Sua aplicação, todavia, impõe um exercício hermenêutico diante das peculiaridades dos casos concretos à luz da principiologia constitucional, especialmente no que se refere ao art. 227 da Carta, que prevê como cláusula geral a supremacia do melhor  interesse do menor. A mens legis quanto à definição do regime de guarda é, sem dúvida alguma, a proteção dos interesses do menor, o que se manifesta pelo resguardo do seu bem estar, em última análise.

Assim, a despeito de entender que a guarda compartilhada deva ser instituída independentemente da vontade dos genitores ou de acordo, o instituto não deve prevalecer quando sua adoção seja passível de gerar efeitos ainda mais negativos ao já instalado conflito, potencializando-o e colocando em risco o interesse da criança.

Remanesce no sistema a possibilidade da instituição da guarda unilateral, não obstante seja a guarda compartilhada, indiscutivelmente, a regra atual no ordenamento pátrio. É que a sua aplicação depende do caso concreto, que poderá, eventualmente, apresentar complexidade apta a seu afastamento.
Nessa toada, à luz dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, entende-se que a guarda unilateral será mantida quando houver a inaptidão de um dos genitores, o que poderá se dar de inúmeras formas, que não perpassam, necessariamente, pela perda do poder familiar ou em virtude do bem estar da criança, sempre almejado.
Nesse sentido, inclusive, já decidiu esta Corte:
"CIVIL   E   PROCESSUAL  CIVIL.  RECURSO  ESPECIAL.  FAMÍLIA.  GUARDA COMPARTILHADA. DISSENSO ENTRE OS PAIS. POSSIBILIDADE.
1.  A  guarda  compartilhada  deve ser buscada no exercício do poder familiar  entre   pais   separados,   mesmo   que   demande   deles reestruturações, concessões e adequações diversas para que os filhos possam  usufruir,  durante a formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente).
2.  Em  atenção  ao  melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das atribuições de cada um. Contudo,  essa  regra  cede  quando  os  desentendimentos  dos  pais ultrapassarem  o  mero  dissenso,  podendo  resvalar,  em  razão  da imaturidade  de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do  menor,  em  prejuízo  de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC⁄2002).
3.   Tratando   o  direito  de  família  de  aspectos  que  envolvem sentimentos  profundos  e muitas vezes desarmoniosos, deve-se cuidar da aplicação das teses ao caso concreto, pois não pode haver solução estanque  já  que  as  questões demandam flexibilidade e adequação à hipótese concreta apresentada para solução judicial.
4. Recurso especial conhecido e desprovido" (REsp nº 1.417.868⁄MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄05⁄2016, DJe 10⁄06⁄2016 - grifou-se).
 
Válido transcrever a fundamentação do voto do Ministro João Otávio de Noronha, proferido na sessão da Terceira Turma datada de 10.5.2016, por unanimidade,  no que interessa:
"(...)  Entendo que, diante de tais fatos, impor aos pais a guarda compartilhada apenas porque atualmente se tem entendido que esse é o melhor caminho, quando o caso concreto traz informações de que os pais não têm maturidade para o exercício de tal compartilhamento, seria impor à criança a absorção dos conflitos que daí, com certeza, adviriam. E isso, longe de atender seus interesses, põe em risco seu desenvolvimento psicossocial.
No voto que citei acima, da Ministra Nancy Andrighi, está consignado que a guarda compartilhada, quando litigiosa, deve constituir forma de fecundar o diálogo produtivo entre os pais, traçando linhas mestras que devem ser por eles seguidas e, na hipótese, de haver frustração,  caberá ao Estado-Juiz agir como mediador. Contudo, isso não pode representar uma experiência envolvendo a criança. Esse entendimento serve bem àqueles que, mesmo em litígio, apresentam uma linha comportamental que indica a possibilidade de haver algum acerto em prol do (s) filho (s).
Seria temerário e deporia contra os interesses da menor que a imposição da guarda se transformasse num experimento disciplinar para os pais, pois aí se estaria primando pelos interesses destes em primeiro lugar, e não dos daquele – que não deve ser tal como um objeto a ser experienciado.
Firmou-se também que, se houve substancial descumprimento das cláusulas da guarda compartilhada por parte de um dos pais, poderá igualmente haver drástica redução das prerrogativas desse genitor. Contudo, indago: com que custo para o menor? Porque, nessa hipótese, muito provavelmente já terá vivenciado situações que podem refletir negativamente na sua formação e vida adulta.
Em razão disso é que, quaisquer que sejam os entendimentos adotados, tratando-se de relações pessoais familiares, as exceções devem ser contempladas e adequadamente direcionadas. O que deve permanecer é a atenção ao interesse da menor em primeiro lugar. Tudo o que se decide tem por base e por fim tal interesse(grifou-se).

 

Na mesma linha, cita-se precedente desta relatoria:

"RECURSO   ESPECIAL.   CIVIL  E  PROCESSUAL  CIVIL.  FAMÍLIA.  GUARDA COMPARTILHADA.   CONSENSO.   DESNECESSIDADE.   LIMITES  GEOGRÁFICOS. IMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. SÚMULA Nº 7⁄STJ.
1.  A  implementação  da  guarda  compartilhada  não  se  sujeita  à transigência dos genitores.
2.  As peculiariedades do caso concreto inviabilizam a implementação da  guarda  compartilhada,  tais  como  a dificuldade geográfica e a realização  do  princípio  do  melhor  interesse  dos  menores,  que obstaculizam, a princípio, sua efetivação.
3.  Às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de  impedimento  insuperável  ao  exercício da guarda compartilhada, como por exemplo, limites geográficos. Precedentes.
4. A verificação da procedência dos argumentos expendidos no recurso especial  exigiria,  por  parte  desta  Corte,  o reexame de matéria fática, o que é vedado pela Súmula nº 7 deste Tribunal.
5. Recurso especial não provido" (REsp nº 1.605.477⁄RS, julgado em 21⁄06⁄2016, DJe 27⁄06⁄2016 - grifou-se).
 

Ainda nesse sentido, abalizada doutrina:

"(...) Quando a guarda compartilhada não for possível tendo em vista as condições fáticas presentes no caso concreto, por não atender ao melhor interesse dos filhos ou diante da falta do desejo de um dos genitores em exercê-la, permanece a guarda unilateral como opção que será conferida ao genitor que revele melhores condições para exercê-la (...)
O modelo de guarda compartilhada requer, como o próprio nome diz, compartilhamento entre pai e mãe de decisões e atitudes cotidianas em relação ao exercício dos deveres e direitos relativos aos filhos em comum. Vai muito além da 'divisão' equilibrada do tempo de convívio entre pai e mãe com os filhos.
Compartilhar a guarda significa agir em uníssono e conjunto em várias situações que, se já são de difícil condução para pais que convivem sob o mesmo teto e possuem laços afetivos que os unem, quão difícil será para pais desunidos e em discórdia, o exercício da guarda compartilhada imposta por decisão judicial!
Cada decisão relativa aos filhos a ser tomada, poderá ser motivo de novos conflitos e impasses. Partindo do princípio de que o melhor interesse dos filhos deve sempre ser preservado, temos receio de que a imposição da guarda compartilhada venha a gerar ainda maiores dissabores aos filhos já tão fragilizados por constantes desavenças. Diante dessa possibilidade, se o consenso não for construído, a guarda unilateral pode vir a ser mais aconselhável.
Nossa análise tem por base o cotidiano de nossos tribunais nos quais tramitam inúmeras ações de regulamentação de guarda de filhos que se perpetuam em casos patológicos, sendo os filhos, incontáveis vezes, tratados como simples objetos de disputas entre pais (...)
A previsão revogada nos parecia mais adequada, pois a expressão 'sempre que possível' oferecia um espaço mais amplo para que o juiz, diante da falta do acordo parental, somente a decretasse com a forte convicção de que seria em prol do bem-estar dos filhos. Com a nova previsão que impõe a guarda compartilhada justamente em casos de ausência de acordo parental, ficamos receosos dos efeitos negativos que essa imposição possa causar no cotidiano e bem-estar dessas famílias, se não for bem avaliada". (Fernanda Rocha Lourenço Levy, Guarda Compartilhada: A Mediação como Instrumento para a Construção de um Acordo Parental Sustentável, obra Coordenada por Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, 2ª Edição, Editora Gen e Método, págs. 126-128 - grifou-se)
 

Portanto,

"(...) é dever de todos os atores jurídicos e da própria doutrina e jurisprudência empreender trabalho incessante e vital de proceder à correta interpretação e aplicação das normas jurídicas, sempre tendo como referência o melhor interesse da criança e do adolescente. E com base neste norte devem ser interpretadas as alterações e novidades introduzidas pela Lei nº 13.058⁄14 no modelo da guarda jurídica dos filhos menores"(Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Guarda Compartilhada: Novo Regime da Guarda de Criança e Adolescente à Luz das Leis nº 11.698⁄2008 e nº 13.058⁄2014, obra Coordenada por Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, 2ª Edição, Editora Gen e Método, pág. 187 - grifou-se)
 
O magistrado, ao analisar hipóteses como a ora em apreço, de aplicação da guarda compartilhada, não pode se furtar a observar o princípio do melhor interesse do menor, que permeia toda e qualquer relação envolvendo conflitos dessa natureza. Tal princípio foi elevado, em verdade, à condição de metaprincípio por possuir função preponderante na interpretação das leis, em decorrência da natureza específica e vulnerável do menor.

Como observa Álvaro Villaça Azevedo, a norma fundamental do melhor interesse da criança "origina-se, entre outros Diplomas Internacionais, da Convenção sobre os Direitos da Criança, acolhida pela Resolução nº L 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, ratificada pelo Brasil em 24.9.1990, integrada, assim, no texto constitucional brasileiro, por força do § 2º de seu art. 5º". (Direito de Família, Curso de Direito Civil, Editora Atlas, pág. 234)

Registra-se, ainda, ser insindicável a revisão do impedimento insuperável para a instituição da guarda compartilhada em virtude do melhor interesse do menor atestado pelas instâncias ordinárias nos termos da Súmula nº 7⁄STJ.

(ii) do direito de visitas

É direito do filho conviver com seus pais, ainda que a guarda fique sob a exclusividade de apenas um deles, poder que não cede à guarda unilateral.

Prevê o art. 1.583, § 3º, do CC⁄2002:

"§ 3º  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008)".  (grifou-se)
 
Extrai-se do acórdão recorrido a seguinte fundamentação para afastar a ampliação do direito de visitas do pai, que apenas encontra a filha quinzenalmente, ressalvados os feriados, dias festivos e férias:
 
(...) Em relação à ampliação das visitas postulada pelo pai, ele pede para buscar a filha na escola, na sexta-feira (ou último dia útil anterior ao fim-de semana, em caso de feriado conjugado) e devolvê-la na escola, na segunda-feira (ou primeiro dia útil posterior ao fim-de-semana, em caso de feriado conjugado (fl. 520). No entanto, essa forma de visitação poderá trazer impacto na rotina escolar da criança e ansiedade, visto que ela teria de levar roupas e pertences para a escola, além do material escolar, o que geraria uma rotina cansativa, irrazoável e confusa.
A menor é uma criança de nove anos e, ainda não possui capacidade para se programar e se adaptar tão facilmente às mudanças no dia-a-dia. É necessário preservar a sua rotina semanal de estudos, além de outras atividades essenciais ao seu desenvolvimento.
Em relação à alternância dos períodos de férias escolares da menor, de fato, é mais razoável a divisão igualitária, para possibilitar a convivência com ambos os pais. Assim, as férias deverão ser divididas de forma igualitária entre os genitores, tanto as de julho quanto as de dezembro e janeiro, com permanência nos feriados de Natal com aquele que estiver responsável na primeira metade das férias; e o Ano Novo com o da segunda metade, alternando-se anualmente (...)" (e-STJ fls. 707-708 - grifou-se).
 
Ora, melhor sorte socorre o recorrente no que se refere ao direito de visitas.
A sentença consigna que "o direito de visitas deve ser regulamentado para conferir o convívio contínuo com maior liberdade entre o pai e a filha menor sob o comando do art. 1.589 do Código Civil" (e-STJ fl. 594).

Nada impede que o pai busque a criança na sexta-feira na escola e a entregue na segunda-feira também no colégio. Para tanto, basta a boa vontade de ambas as partes, tendo em vista que o pernoite no domingo não teria o condão de confundir a criança, que nasceu no dia 18.9.2003 e já possui quase 11 (onze) anos de idade.

O fato de os pais litigarem demasiadamente, e, para dizer o óbvio, desnecessariamente, sem facilitar a comunicação interpessoal por mera falta de vontade, situação lamentável, não deve impedir o direito de visitas do pai, que deve ser pleno, porquanto quinzenal.

É imprescindível que ambos os genitores se conscientizem que a filha menor, dada a idade e a fase peculiar da vida, ainda não consegue realizar as melhores escolhas e depende, diuturnamente, de seus cuidados com higiene, estudo e alimentação. É indispensável que reconheçam a necessidade de colaborarem mutuamente em tal contexto, em especial no que se refere aos cuidados básicos.

Assim, à luz do teor do art. 1.583 do CC⁄2002, permite-se que o pai busque a filha na escola às sextas-feiras do fim de semana fixado para a sua visita, ou no caso de feriado que a busque no horário do fim da aula na sua residência, podendo devolver a criança diretamente na escola na segunda-feira, ou na casa da genitora, caso seja feriado, sem nenhuma prorrogação. Essa rotina, por óbvio, é passível de ser implementada com a contribuição dos genitores, que deverão primar pelo bom convívio.
No mais, remanescem todos os termos da visita postos pelas instâncias ordinárias, passíveis de revisão pelo juízo de primeira instância caso a realidade, que é dinâmica, seja alterada.
(iii) da alienação parental
A aduzida violência sexual que teria sido perpetrada pelo réu contra a filha foi refutada judicialmente, conforme todos os laudos acostados aos autos, e tal circunstância não teve o condão de atingir a relação dos genitores com a filha. 
Saliente-se, por sua vez, que se deve evitar que a Lei nº 12.318⁄2010 sirva como instrumento de retaliação a um dos pais por meio dos filhos.
Quanto ao mais, é imprescindível superar a alegação de alienação parental que foi atingida pela preclusão, consoante se extrai do acórdão (e-STJ fl. 707).
No mais, acolhe-se o parecer do órgão ministerial quanto ao ponto:
 
"(...) Insiste o recorrente na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei 12.318⁄10, em razão da prática de alienação parental. Aponta a ocorrência de fato novo, uma vez constatada a falsidade da acusação de abuso sexual contra a filha menor, revelada durante audiência de instrução.
Pela dicção do art. 5º da Lei 12.318⁄10, havendo indício da prática de ato de alienação parental, o juiz determinará a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial.
No caso, o magistrado singular indeferiu a instauração do incidente ao argumento de que o 'laudo pericial não atestou tal situação', fls. (e-STJ) 323, decisão mantida em segundo grau com o julgamento do Agravo de Instrumento n. 2012.00.2.024410-2. Nesse julgamento concluiu-se que o 'longo histórico de abuso de bebidas alcoólicas' por parte do recorrente seria uma das causas da desarmonia familiar, não identificando nas ações da mãe real interferência na formação psicológica da filha a fim de que repudiasse o paifls. e-STJ  471⁄472.
De outra parte, o fato de a instância ordinária ter rechaçado a ocorrência de abuso sexual não induz a aplicação, de imediato, das sanções relativas à alienação parental. Para tanto, seria necessária a demonstração de vontade direta, voltada a prejudicar a convivência social e afetiva entre pai e filha.
A comunicação em juízo da suspeita de abuso sexual não assume contornos de ilicitude, ausente prova de que a mãe tinha prévio conhecimento da falsidade desta imputação, não sendo viável, nesta via especial, apurar a eventual existência de má-fé, a teor do disposto na Súmula n. 7⁄STJ.
Pelo não conhecimento do recurso, no particular" (e-STJ fls. 829-830 - grifou-se).
 

(iv) do dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial apenas no que se refere à ampliação do direito de visita quinzenal do recorrente, remanescendo incólume, no mais, o acórdão recorrido.

É o voto.
 

Jurisprudência stj