RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. ANULAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO. MANOBRA DOLOSA DO SÍNDICO. AUMENTO DA PRÓPRIA REMUNERAÇÃO. PRO LABORE. AJUDA DE CUSTO. VIOLAÇÃO DE NORMA CONVENCIONAL. PRAZO QUADRIENAL. ART. 178, § 9º, V, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação ordinária ajuizada em 27/7/2011 visando a nulidade de deliberação de assembleia geral extraordinária realizada em 19/9/1991 que aprovou gratificação em favor do síndico, denominada ajuda de custo, no valor de 2 (dois) salários mínimos.
3. O acórdão recorrido assenta que o pedido de declaração de nulidade de assembleia condominial não está subordinado a prazo prescricional ou decadencial, mas, em nome da segurança jurídica, reconhece a incidência do prazo de 10 (dez) anos, nos termos do art.
202 do Código Civil de 2002.
4. Sob a égide do Código Civil de 1916, é de 4 (quatro) anos o prazo para postular a anulação de decisão de assembleia condominial tomada com vício de consentimento (dolo).
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1552041/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por ANDRÉ LUIS ROSA SOTER DA SILVEIRA, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado:
II - Devido à necessidade de segurança jurídica, os Tribunais adotaram entendimento jurisprudencial segundo o qual, para os pedidos de declaração de nulidade, embora esse defeito não se convalide com o tempo, se aplica o maior prazo extintivo previsto no ordenamento jurídico. Art. 205 do CC, dez anos. Considerada a data do ajuizamento da ação, decorreu esse prazo extintivo. Mantida a sentença por outro fundamento.
III - Os honorários advocatícios serão fixados mediante apreciação equitativa do Juiz, observadas as alíneas 'a', 'b' e 'c' do § 3º do art. 20 do CPC. Mantido o quantum arbitrado para a verba honorária.
IV - Apelação desprovida" (fl. 322 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 333-342 e-STJ).
Em suas razões (fls. 346-364 e-STJ), o recorrente sustenta violação dos arts. 169 e 2.028 do Código Civil de 2002.
Defende que os atos nulos não se submetem à prescrição ou à decadência, haja vista que, em tais casos, os vícios não se convalidam pelo decurso do tempo.
Afirma que não há prazo para propor a ação declaratória de nulidade de assembleia condominial na qual questiona a deliberação a respeito do pagamento em dobro de pró-labore a sindico sem observar o quorum previsto na Convenção.
Acrescenta que a assembleia geral extraordinária teve a presença de somente 9 (nove) dos 312 (trezentos e doze) condôminos, o que representa apenas 2,88% (dois vírgula oitenta e oito por cento) dos interessados.
Afirma que na data do ajuizamento da ação (27⁄7⁄2011) já havia transcorrido mais da metade do prazo de 20 (vinte) anos, não podendo, dessa forma, aplicar a regra geral de prescrição prevista no atual código civil.
Suscita a divergência jurisprudencial com acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Com as contrarrazões (fls. 474-489 e-STJ), e admitido o apelo especial (fls. 491-492 e-STJ), os autos ascenderam a esta Corte Superior.
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
Não merece prosperar a irresignação.
O acórdão impugnado pelo presente recurso foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
A controvérsia consiste em definir, sob a égide do Código Civil de 1916 (CC⁄1916), o prazo para anular deliberação de assembleia condominial, diante da alegada inobservância do quórum previsto na respectiva convenção.
(i) Histórico da demanda
ANDRÉ LUIS ROSA SOTER DA SILVEIRA (recorrente) ajuizou "ação declaratória c⁄c pedido de tutela antecipada" (fl. 2 e-STJ) contra o CONDOMÍNIO NOVO HORIZONTE (recorrido) postulando o reconhecimento da nulidade de assembleia geral extraordinária (AGE) que criou gratificação em favor do síndico, denominada ajuda de custo, no valor de 2 (dois) salários mínimos.
Aduziu, em síntese, que "para mudar qualquer artigo⁄termo da Convenção Coletiva da AOS 05, exige-se 2⁄3 dos Condôminos presentes Assembléia Geral, ou seja, 208 (66,66%) dos 312 Condôminos que residem na AOS 05" (fl. 3 e-STJ). Assevera que a deliberação ora questionada violou os arts. 28 e 35 da convenção condominial.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido inaugural ao reconhecer a decadência, aplicando-se o art. 179 do CC⁄2002, segundo o qual,"quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato" (fls. 245-252 e-STJ).
Interposta apelação (fls. 255-283 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, consoante os seguintes termos:
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 333-342 e-STJ), sobrevindo o presente recurso especial, por meio do qual pretende, em síntese, ver afastada a prescrição decenal indevidamente reconhecida pela Corte local.
(ii) Prazo para impugnar deliberação de assembleia condominial
No caso dos autos, a assembleia geral extraordinária (AGE), realizada em 19⁄9⁄1991 (fls. 45-47 e-STJ), criou a verba denominada ajuda de custo, a ser paga ao síndico em acréscimo ao pró-labore de 2 (dois) salários mínimos. A decisão assemblear apresenta o seguinte conteúdo: "Aprovada, portanto, a proposta do condômino Aguiar, no sentido de que o síndico terá, além do pró-labore, a ajuda de custo de dois salários-mínimos" (fl. 46 e-STJ).
Por sua vez, a demanda foi nominada de "ação declaratória c⁄c pedido de tutela antecipada" (fl. 2 e-STJ), contendo, ao final, os seguintes pedidos:
É cediço que o requerimento autoral deve ser compreendido a partir do exame lógico-sistemático da petição inicial, em conformidade com a causa de pedir e com os pedidos. Desse modo, é irrelevante o nome jurídico dado à ação, cabendo ao órgão julgador definir os limites da demanda.
A propósito:
Nesse contexto, apesar de a ação ter sido denominada de declaratória, extrai-se da leitura da petição inicial que a pretensão anulatória ali articulada não está fundada na suposta ocorrência de nulidade absoluta, mas somente na violação de regramento interno do condomínio, daí porque não procede a alegação de que a demanda não está sujeita a prazos decadenciais e prescricionais.
Com efeito, os casos de nulidade absoluta decorrem de expressa ofensa a preceitos de ordem pública, motivo pelo qual podem ser alegados por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, assim como ser pronunciados de ofício pelo juiz, consoante estabelecem os arts. 145 e 146 do Código Civil de 1916:
Assim, no julgamento do Recurso Especial nº 196.312-RJ ficou assentado ser "anulável o ato de alteração de convenção do condomínio aprovado sem requisito exigido na convenção", sendo "prescritível a pretensão anulatória" (REsp 196.312⁄RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado Aguiar, Quarta Turma, julgado em 23⁄2⁄1999, DJ 29⁄3⁄1999). Portanto, não é imprescritível a demanda, haja vista que a causa de pedir eleita pelo recorrente não está relacionada com um caso de nulidade absoluta.
Como visto, o objetivo do recorrente é a desconstituição de deliberação realizada em 19⁄9⁄1991, contrária às disposições da convenção condominial, diante da atitude intencional do síndico em aumentar o seu pró-labore.
Desse modo, resulta evidente que os contornos delimitados na petição inicial indicam que a hipótese se inclui no inciso V do § 6º do art. 178 do CC⁄1916:
Isso porque o condomínio é instituído por ato entre vivos ou por testamento registrado no Cartório de Registro de Imóveis, em conformidade com o art. 4º da Lei nº 4.591⁄1964. Surge da coexistência de interesses privados, cuja convivência harmônica dependerá da elaboração de disciplina interna das relações entre os condôminos e os administradores, bem como do rateio de despesas, da regulação do uso de áreas comuns e da responsabilidade disciplinares.
Com esse enfoque, as normas da convenção condominial, do regimento interno e as deliberações tomadas em assembleia geral têm natureza obrigacional, visto que são criadas dentro da esfera de autonomia privada. No entanto, embora a jurisprudência reconheça a natureza estatutária da convenção (REsp nº 1.458.404-RS e REsp nº 1.169.865-DF), isso não retira a origem contratual ou negocial das obrigações assumidas pelos condôminos.
Não por outro motivo o art. 9º da Lei nº 4.591⁄1964 alude à expressão contrato, nos seguintes termos:
Nessa linha é o magistério de Pedro Elias Avvad:
Arnaldo Rizzardo perfilha desse entendimento:
Além disso, a causa de pedir está fundada na alegada existência de manobra dolosa por parte do síndico em aumentar o seu pró-labore de 2 (dois) para 4 (quatro) salários mínimos, com a manifesta intenção de prejudicar os demais condôminos em decorrência da aprovação de uma verba em total descompasso com as normas condominiais, consoante a seguinte transcrição:
Sobre o tema:
Nesse cenário, não se pode perder de vista que a prescrição "serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e ações" (MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado - tomo 6. Campinas: Bookseller, 2000, pág. 135). Com efeito, a existência de prazos prescricionais demasiadamente elevados (20 anos), como postula o recorrente, atentam contra a própria segurança jurídica pretendida pelo ordenamento jurídico.
Ademais, malgrado o art. 178, § 9º, V, do CC⁄1916 referir-se a uma hipótese de prescrição, considera-se, em verdade, como prazo decadencial, tendo em vista que está ligada a uma tutela jurisdicional desconstitutiva (REsp 1.201.529⁄RS, Relator Ministro Sidnei Beneti, Relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 11⁄3⁄2015, DJe 1º⁄6⁄2015).
Assim, como o ato impugnado foi praticado em 19⁄9⁄1991, a pretensão formulada pelo recorrente em 27⁄11⁄2011 (fls. 2 e-STJ) está fulminada pela decadência, devendo ser mantido o acórdão recorrido por fundamentos diversos.
Por fim, também configuraria verdadeiro absurdo jurídico permitir a um único condômino, passadas quase duas décadas de aplicação pacífica da norma assemblear, postular a desconstituição judicial com o propósito de impor a restituição de ajuda de custo recebida ao longo desse período por síndicos que, de boa-fé, tenham exercido tal mister. Acrescente-se, ainda, que a revogação de decisão assemblear pode ser realizada por meio de deliberação dos próprios condôminos, pondo fim a qualquer contenda acerca da questão ora discutida.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto