Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS. BANCO SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. ART. 17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.

1. Ação indenizatória promovida por beneficiários de cheques emitidos por empresa de factoring com o propósito de ver responsabilizado civilmente apenas o banco sacado por prejuízos materiais alegadamente suportados em virtude da devolução dos referidos títulos por ausência de provisão de fundos.

2. Acórdão recorrido que, atribuindo aos beneficiários dos cheques devolvidos a condição de consumidores por equiparação, reconheceu a procedência do pedido inicial sob o fundamento de que o banco sacado não teria agido com suficiente cautela ao fornecer quantidade excessiva de talonários para sua correntista.

3. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material eventualmente causados a terceiros beneficiários de cheques emitidos por seus correntistas e devolvidos por falta de provisão de fundos.

4. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou de ser recente a relação havida entre o banco sacado e seu cliente, emitente dos referidos títulos, não revela a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários e, consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais motivos, seja o eventual benefíciário das cártulas elevado à condição de consumidor por equiparação.

Inaplicáveis ao caso, portanto, as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1508977/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 27/11/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.508.977 - SC (2014⁄0339709-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO SAFRA S A
ADVOGADOS : OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S) - DF015553
    MÁRCIO RUBENS PASSOLD E OUTRO(S) - SC012826
    ALEXANDRE NELSON FERRAZ E OUTRO(S) - SC010945
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ BARRETO NETO 
RECORRIDO : DIEGO FELIPE FREITAS
RECORRIDO : WOLNEY WILMAR ANDRADE
RECORRIDO : MARIA SALETE VIEIRA
RECORRIDO : JONI VIDAL DA FONSECA
RECORRIDO : NEIDE DE QUEIROZ
ADVOGADO : ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JÚNIOR E OUTRO(S) - SC018545
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
 
Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO SAFRA S⁄A, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ⁄SC.
Ação: indenização por danos materiais, ajuizada por JOSÉ LUIZ BARRETO NETO E OUTROS em face do recorrente, pretendendo o ressarcimento de R$ 481.503,72 (quatrocentos e oitenta e um mil, quinhentos e três reais, setenta e dois centavos), correspondente ao somatório dos vários cheques não pagos, emitidos por um dos correntistas.
Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos.
Acórdão de apelação: o TJ⁄SC, por maioria de votos, deu parcial provimento à apelação interposta pelos recorridos, para condenar o banco ao pagamento do prejuízo nominal, em valor a ser apurado em liquidação de sentença.
Acórdão dos embargos infringentes: o TJ⁄SC negou provimento aos embargos infringentes opostos pelo recorrente. Eis a ementa do acórdão:
 
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS. EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PORTADOR DO TÍTULO DE CRÉDITO NÃO CORRENTISTA DO BANCO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. DANO MATERIAL. FORNECIMENTO DE TALONÁRIOS SEM CONTROLE. OMISSÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NEXO CAUSAL. DEVER DE REPARAÇAO DO PREJUÍZO. RECURSO DESPROVIDO.
As instituições financeiras são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, pelo que respondem objetivamente por danos que causarem a clientes ou terceiros.
Comprovado que a instituição financeira mantenedora de contas de depósitos a vista, diante de casos incompatíveis com as disciplinas que regulam a Lei de Cheques, não adota as orientações inseridas na Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011, é responsável perante terceiro pela emissão de cheques sem fundos por parte do correntista.
São responsáveis civilmente os bancos que fornecem talonários de cheques a clientes sem capacidade econômica ou deixam de adotar medidas para retomada das cártulas.
 
Recurso especial: alega violação dos arts. 2º e 14, § 3º, II, do CDC, dos arts. 3º e 4º da Lei 7.357⁄85, bem como do art. 393 do CC⁄02.
Sustenta sua ilegitimidade passiva e a ausência do dever de indenizar o prejuízo dos recorridos, enquanto portadores de vários cheques sem fundos, todos emitidos por um de seus correntistas.
Afirma que "não há que se falar na existência de uma relação de consumo entre o banco sacado e o possuidor da cártula, uma vez que, no que diz respeito àquela relação, inexiste qualquer vinculação entre tais partes" (fl. 342, e-STJ).
Argumenta que "a ausência de fundos em cheques emitidos por um correntista jamais poderá vir a ser considerada como falha em um serviço prestado pela instituição financeira que só terá acesso à cártula emitida quando o seu possuidor (qualquer pessoa que o detenha, sendo possível uma infindável cadeia de circulação, vez que se trata de título autônomo) o apresentar com o objetivo de sacá-lo", e que "mesmo que se considerasse possível estabelecer a essa relação o caráter consumerista, há que se considerar a ocorrência de fato de terceiro" (fl. 344, e-STJ).
Pondera que "teve toda a cautela necessária no momento de abrir conta-corrente para a empresa THS, seguindo todas as normas do Sistema financeiro Nacional e, por consequência, àquelas ditadas pelo Banco Central do Brasil no exercício das suas funções" (fl. 344, e-STJ). Ainda, que "o fornecimento de talonários de cheque, por sua vez, é condizente com a atividade comercial desenvolvida pela empresa, que atua no ramo de factoring, 'trocando' títulos de crédito, de modo a não haver que se falar em desrespeito à regulamentação do Banco Central" (fl. 345, e-STJ).
Aduz estarem configuradas "duas relações jurídicas distintas, a relação do Banco Safra com a sua cliente THS e, a relação da THS com os seus clientes (recorrido)" e que, "se 'risco negocial' existe na hipótese, esse se encontra presente da relação entre a parte ora Recorrida e a empresa THS, dada a relação comercial de faturização, em que passados os cheques objeto da lide" (fl. 345, e-STJ).
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.508.977 - SC (2014⁄0339709-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO SAFRA S A
ADVOGADOS : OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S) - DF015553
    MÁRCIO RUBENS PASSOLD E OUTRO(S) - SC012826
    ALEXANDRE NELSON FERRAZ E OUTRO(S) - SC010945
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ BARRETO NETO 
RECORRIDO : DIEGO FELIPE FREITAS
RECORRIDO : WOLNEY WILMAR ANDRADE
RECORRIDO : MARIA SALETE VIEIRA
RECORRIDO : JONI VIDAL DA FONSECA
RECORRIDO : NEIDE DE QUEIROZ
ADVOGADO : ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JÚNIOR E OUTRO(S) - SC018545
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
 
O propósito recursal é dizer sobre a legitimidade passiva do recorrente e sobre a responsabilidade civil por danos materiais, em decorrência de falha na prestação do serviço de fornecimento de cheques, os quais foram emitidos por correntista e devolvidos por insuficiência de saldo.
 
1. Da moldura fática da demanda
Segundo o acórdão recorrido, a THS Fomento Mercantil Ltda. iniciou seu relacionamento com o Banco Safra S⁄A em 05⁄06⁄2007 e, em cerca de 3 meses já havia emitido seu cheque de nº 3.827; em cerca de 4 meses, sacado seu cheque de nº 5.566; e em cerca de 5 meses, passado sua cártula de nº 7.480.
De acordo com o TJ⁄SC, em curtíssimo espaço de tempo e de relação contratual, milhares de cheques foram entregues à empresa THS Fomento Mercantil, em números que aparentemente superavam os incontroversos 5.500 alegados na inicial.
Registrou, ainda, o TJ⁄SC que o expediente de fl. 43 atesta solicitação de baixa de mais de 300 cheques em nome da pessoa jurídica sob a justificativa de suposta quitação, todos eles com numeração inferior a 2300, portanto de títulos que não haviam sido compensados e estavam circulando, e, igualmente, que o documento de fl. 40 dá conta de idêntico pedido para outros 200 cheques em nome pessoal do administrador, todos com numeração inferior a 740.
No voto condutor dos embargos infringentes, o Desembargador Relator confirmou que “em um curto espaço de tempo, a empresa THS Fomento Mercantil, cliente da ré [recorrente], em 5 (cinco) meses já acumulava centenas e centenas de cheques, sem nenhum controle do seu fornecimento” (fl. 314, e-STJ).
O contexto delineado pelas instâncias de origem mostra-se deveras preocupante, mormente quando aliado ao fato de que, ao realizar pesquisa jurisprudencial sobre o tema – responsabilidade civil das instituições financeiras por emissão de cheques sem provisão de fundos –, são encontradas dezenas de decisões das Turmas de Direito Privado do STJ relacionadas a mesma prática ilícita, pela mesma pessoa jurídica, THS Fomento Mercantil Ltda, com títulos fornecidos pelo recorrente, Banco Safra S⁄A, em face de diversos credores. Tal prática, inclusive, ficou popularmente conhecida como “golpe do Samuca”.
Citam-se, a título exemplificativo, estes arestos: AgRg no REsp 1581531⁄SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13⁄03⁄2018, DJe 23⁄03⁄2018; AgInt nos EDcl no REsp 1575289⁄SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄02⁄2018, DJe 07⁄03⁄2018; AgInt no REsp 1606511⁄SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄10⁄2017, DJe 19⁄10⁄2017; AgInt no REsp 1585951⁄SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26⁄09⁄2017, DJe 05⁄10⁄2017; AgInt no REsp 1665081⁄SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17⁄08⁄2017, DJe 06⁄09⁄2017; EDcl no AgInt nos EDcl no REsp 1535183⁄SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07⁄02⁄2017, DJe 14⁄02⁄2017; REsp 1538064⁄SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄02⁄2016, DJe 02⁄03⁄2016; AgRg no AgRg no REsp 1538020⁄SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄12⁄2015, DJe 14⁄12⁄2015. 
Tal situação chama a atenção, por si só, mas a ela se somam os indicadores econômicos da Serasa Experian, segundo os quais, apenas até o mês de abril deste ano, foram devolvidos 789.700 cheques por insuficiência de fundos, representando mais de 2% dos cheques compensados (informação disponível em: https:⁄⁄www.serasaexperian.com.br⁄amplie-seus-conhecimentos⁄indicadores-economicos, acessado em 12⁄06⁄2018).
Os dados são, portanto, alarmantes e evidenciam um dos motivos pelos quais os cheques têm perdido sua credibilidade: enquanto as instituições financeiras não assumirem sua parcela de responsabilidade na prestação do serviço de concessão dos talonários, serão os cheques, cada vez mais, considerados títulos de alto risco, até o ponto de não serem aceitos como forma de pagamento no comércio em geral.
Veja que não se discute a responsabilidade do sacado pela obrigação cambial vinculada ao cheque emitido por seu correntista, tampouco se discute se lhe cabe garantir a existência de saldo suficiente para o pagamento do título.
O debate, ao revés, gira em torno da responsabilidade do sacado pela análise criteriosa quando do fornecimento desse instrumento de crédito aos seus clientes, afinal de contas é contra ele que o cheque é emitido e é a quem cabe registrar o motivo da devolução por ausência de provisão de fundos (alíneas 11 a 14 da tabela do Banco Central do Brasil), inclusive comunicando ao emitente, quando se tratar da segunda apresentação, sob pena de inscrição deste no cadastro de emitentes de cheques sem fundos (CCF).
Nessa toada, aliás, é pertinente destacar este trecho do voto condutor da apelação, mantido na íntegra no julgamento dos embargos infringentes:
 
2.1.a. De início, de se delinear que os autores não buscam a exigibilidade da obrigação cambial, originada da abstração do título de crédito em relação a sua causa. Por certo, não tem o banco sacado a obrigação de garantir o pagamento dos cheques sem provisão de fundos emitidos por seu correntista.
Salvo hipóteses excepcionais, como a não observância das implicações do 'cheque cruzado' (art. 45, §30, da Lei n. 7.357⁄85) ou do 'cheque a ser creditado em conta' (art. 46, §20, do mesmo diploma), em regra os únicos obrigados ao pagamento da obrigação cambial representada pelo título serão os emitentes avalistas e endossantes, consoante exegese do art. 47 da Lei do Cheque.
Pretendem os postulantes, sim, o reconhecimento da responsabilidade civil do banco réu por danos decorrentes de ato ilícito em razão do fornecimento indiscriminado, imprudente ou temeroso de talonários de cheques a dito estelionatário, títulos de crédito que foram usados como garantia de pagamento de suas relações comerciais com o emitente. Em outros termos, postulam o ressarcimento de seus danos em razão de ato ilícito da instituição bancária, mais especificamente, salientam que um ilícito contratual entre a ré e correntista irradiou efeitos para atingir injustamente terceiros. Escapa-se, assim, da temática cambial que, de outro modo, forçaria o reconhecimento da competência das Câmaras de Direito Comercial. (fls. 218-219, e-STJ – sem grifos no original)
 
Convém, ademais, ressaltar que, segundo as normas de regência, os bancos não são obrigados a fornecer talões de cheques a todos os seus correntistas. De acordo com o Banco Central do Brasil, “os bancos devem estabelecer as condições, que devem constar do contrato de abertura de conta corrente, para o fornecimento de cheques para seus clientes”, e “essas condições devem ser estabelecidas com base, entre outros, em critérios relacionados à suficiência de saldo, restrições cadastrais, histórico de práticas e ocorrências na utilização de cheques, estoque de folhas de cheque em poder do correntista, registro no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) e regularidade dos dados e documentos de identificação do correntista” (informação disponível em: http:⁄⁄www.bcb.gov.br⁄pre⁄bc_atende⁄port⁄servicos6.asp, acessado em 12⁄06⁄2018 – grifou-se).
Há, pois, um mecanismo de controle à disposição das instituições financeiras com relação à vida útil dos cheques: primeiramente, no momento em que autorizam o fornecimento dos talonários aos correntistas, desde observadas condições preestabelecidas; e, por fim, no momento da compensação, quando pagam ou recusam o pagamento do título, indicando, neste último caso, o motivo da devolução.
A propósito, no que tange às medidas de controle, o Regulamento anexo à Resolução 1.631⁄1990 prevê que, na devolução pelo motivo 12 (cheque sem fundos – 2ª apresentação), os bancos são responsáveis pela inclusão do correntista no cadastro de emitentes de cheques sem fundos (CCF), sendo obrigatória a comunicação deste por escrito. E, de acordo com a Resolução nº 2.025⁄1993 do Bacen, uma vez figurando no CCF o depositante, é proibido à instituição financeira fornecer-lhe talonário de cheques.
Atualmente, o art. 1º, § 2º, II, da Resolução nº 3.972⁄2011 do Bacen estabelece que, nos casos considerados incompatíveis com a disciplina estabelecida para o uso do cheque, a instituição financeira deve adotar, dentre outras, a suspensão do fornecimento de folhas de cheques ou até o encerramento da conta.
Ante o panorama apresentado, constata-se que, se, de um lado, não respondem as instituições financeiras pelo pagamento do cheque emitido por correntista, até porque, na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387⁄85, “existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento”; de outro, devem garantir a segurança e idoneidade do serviço de fornecimento de folhas de cheques, nos termos da lei e das normas regulamentares do Banco Central do Brasil. 
No particular, o contexto revela, justamente, uma possível deficiência na prestação desse serviço bancário, pois não se trata de um ou alguns cheques emitidos sem provisão de fundos, mas, como já dito, está-se diante de centenas – senão milhares – de cheques não pagos, fornecidos pelo recorrente a THS Fomento Mercantil Ltda.
Por todo o exposto, e diante da gravidade e da repercussão dos fatos narrados pelas instâncias de origem, torna-se necessário revisitar os conceitos, a partir de uma releitura, à luz do CDC, sobre a responsabilidade civil das instituições financeiras por emissão de cheques sem provisão de fundos.
 
2. Da legitimidade passiva do recorrente (arts. 3º e 4º da Lei 7.357⁄85)
Suscita o recorrente sua ilegitimidade passiva porque "a instituição financeira jamais poderia vir a ser responsabilizada pela ausência de fundos em cheque emitido por um de seus correntistas" (fl. 341, e-STJ).
A propósito, consoante o entendimento consolidado do STJ, as condições da ação são averiguadas de acordo com a teoria da asserção (REsp 1.605.470⁄RJ, 3ª Turma, DJe de 01⁄12⁄2016; REsp 1.314.946⁄SP, 4ª Turma, DJe de 09⁄09⁄2016), razão pela qual, para que se reconheça a legitimidade passiva para a causa (ad causam), os argumentos aduzidos na inicial devem possibilitar a inferência, em um exame puramente abstrato, de que o réu pode ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo do autor.
Isso é, a legitimidade passiva deve ser aferida a partir da relação jurídica de direito material afirmada na petição inicial e analisada à luz das causas de pedir nela deduzidas.
Na hipótese, verifica-se que os recorridos imputam ao recorrente a responsabilidade por negligência na prestação do serviço de fornecimento de centenas de cártulas de cheques a correntista que emitiu diversos títulos não pagos, causando-lhes enorme prejuízo.
Da leitura da petição inicial, infere-se que a pretensão deduzida, diferentemente do que sustenta o recorrente, não é a de responsabilizá-lo, pura e simplesmente, "pela existência de fundos em cada um dos cheques que venham a ser emitidos por seus correntistas" (fl. 343, e-STJ), senão a de responsabilizá-lo porque, sem observar as normas de regência, concedeu, indiscriminadamente, folhas de cheque a quem sabia - ou deveria saber - não possuir condições de utilizá-las, concorrendo, assim, para o mau uso do título de crédito.
Cita-se, por oportuno, este trecho da petição inicial:
 
Hoje se sabe que a emissão de volume tão impressionante de cheques por THS Fomento Mercantil Ltda. e pelo conhecido Samuca só foi possível porque Banco SAFRA S.A. fornecia àqueles clientes folhas de cheques em formulários contínuos, contendo 500 (quinhentas) unidades cada.
Observando novamente o cheque nº 005566 (doc. 07), da conta nº 001 536-1, emitido por THS Fomento Mercantil Ltda., chega-se a uma impressionante constatação: Banco Safra S.A. forneceu a seu cliente, pelo mínimo, mais de 5.500 (cinco mil e quinhentas) folhas de cheques de conta bancária com apenas seis meses de existência, vez que aberta em junho de 2007, e já em novembro daquele ano o título havia sido devolvido por insuficiência de fundos.
Ainda! A prestação de serviços viciada também se revela na Relação de Cheques (doc. 18) apresentada por THS Fomento Mercantil Ltda. a Banco Safra S.A., pela qual o cliente formalizou objeção ao pagamento de mais de 300 (trezentas) folhas de cheque da conta nº 1536-1. Da mesma forma, Samuel Pinheiro da Costa, vulgo Samuca, titular da conta nº 1529-9 e da sociedade empresária THS, "solicitou baixa" de mais de 200 (duzentas) folhas de cheques (doc. 19). Dessa maneira, centenas de consumidores foram lesados com o aval da instituição financeira aqui requerida, pois Banco Safra S.A. aceitou como justificativa bastante para esse procedimento a informação dada por seus clientes, de que já estavam quitadas as obrigações que originaram os títulos, deixando de exigir a devolução dos mesmos, que logicamente deveriam estar em poder do próprio emitente, à vista do que constou das correspondências anexas (docs. 18 e 19).
Mas não é só! Contrariando os normativos do Banco Central, o banco requerido, à apresentação daqueles títulos, devolveu-os pelo MOTIVO 20, como se verifica nos exemplares anexos (docs. 20 a 22), muito embora esteja previsto no § 10 do artigo 11, da Circular 3.050⁄2001 do Banco Central, que esse motivo "deve ser utilizado pelas instituições financeiras nas devoluções de cheques cujas folhas em branco tenham sido roubadas, furtadas ou extraviadas depois de recebidas pelo correntista."
É, pois, inegável a responsabilidade da instituição bancária tanto pela omissão em prestar serviço aos autores, como pela anterior violação dos seus deveres, admitindo como cliente empresa de factoring que não possuía autorização do Banco Central para operar. Anuiu, portanto, Banco Safra com a prática fraudulenta de meliantes que, após entabularem negócios com terceiros, deram em pagamento os cheques da instituição requerida - tudo como se pudessem, emitente e sacado, deixar de cumprir a ordem declarada no título de crédito.
As facilidades proporcionadas a estes clientes em especial, e a transgressão dos regulamentos a que deve observância como instituição financeira, dão a dimensão do lucro que Banco Safra obteve nestas transações, lesando o patrimônio dos autores através dos ilícitos diretamente perpetrados por seu mau cliente Samuca e operacionalizados a partir do instrumental oferecido pelo banco réu.
(...)
Finalmente, há previsão expressa impondo aos bancos a adoção de medidas preventivas, bem como para a efetiva reparação, dos danos materiais e morais causados pela atividade financeira desempenhada (Art. 1, V), reconhecidamente de risco.
Outras resoluções do Banco Central do Brasil definem explicitamente condutas de segurança a serem observadas, tocante à abertura e movimentação de contas, à concessão de crédito e à liberação de talonários de cheques. Consta da Resolução 1.559⁄1988 ser vedado às instituições financeiras realizar operações que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação dos riscos, com clientes emitentes de cheques sem a necessária provisão de fundos, conceder crédito ou adiantamento sem a constituição de um título de crédito adequado, representativo da dívida.
A Resolução 2.025⁄1993, por seu turno, minudencia as condições a serem observadas na abertura, manutenção e movimentação de contas de depósitos. O art. 2º estabelece, por exemplo, que a ficha-proposta relativa à conta de depósitos deverá conter cláusulas 'tratando do saldo médio mínimo exigido para manutenção da conta e condições para fornecimento de talonário de cheques. Do art. 6º consta vedação ao fornecimento de talonário de cheques ao depositante, enquanto não verificadas as informações da ficha-proposta.
Devem, pois, as entidades financeiras, observância a diversas regras de conduta impostas pelo Banco Central do Brasil, regulamentos estes expedidos com o objetivo de garantir a segurança infundida pelo Código de Defesa do Consumidor às relações consumeristas, e que levam em consideração a natureza da atividade de concessão de crédito que, ao lado do lucro que proporciona, apresenta-se de alto risco.
Assim, muito embora inexista regramento do Banco Central do Brasil explicitando, v.g., a quantidade de cheques que pode ser liberada a cada correntista, deflui dos diversos normativos ser o agente bancário responsável pelo credito que disponibiliza a seu cliente, e pela forma como instrumentaliza os correntistas.
(...)
No caso em testilha, exsurge manifesta a violação do dever de cuidado e segurança imposto às entidades que operam no mercado financeiro, porque mediante facilidades oferecidas pelo Banco Safra S.A., os clientes antes referidos, agindo dolosamente, alcançaram seu intento, frustrando o pagamento dos valores representados pelos cheques que instruem a demanda, emitidos em favor de terceiros de boa-fé.
Sem dúvida, presta serviço defeituoso a casa bancária, tal Banco Safra S.A., quando libera indiscriminadamente folhas de cheques a seus clientes, descurando da verificação do necessário respaldo financeiro em conta. Essa conduta, por desidiosa, vem sendo reprimida nos pretórios mediante a responsabilização dos bancos por cheques emitidos pelos seus clientes, sem provisão de fundos: (fls. 13-16, e-STJ - sem grifos no original)
 
Logo, a análise puramente abstrata da petição inicial permite inferir possível obrigação exigível da instituição financeira, em decorrência de suposto acidente de consumo, a autorizar sua participação no processo, enquanto fornecedora de serviço capaz de, em tese, violar direito subjetivo dos recorridos, na potencial condição de consumidores por equiparação (bystanders).
Rejeita-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva.
Ultrapassada essa questão, faz-se necessário então dizer, concretamente, se os recorridos se equiparam a consumidores e se está caracterizado o acidente de consumo, a ensejar o dever do recorrente de indenizá-los.
 
3. Da caracterização da relação de consumo (art. 2º do CDC)
Pretendem os recorridos a indenização por danos materiais, alegando terem sido vítimas de acidente de consumo, decorrente da inobservância pelo recorrente das normas de regência sobre a segurança das transações bancárias, em especial quanto à liberação de centenas de folhas de cheques, os quais foram emitidos e não pagos pelo correntista, causando-lhes vultoso prejuízo.
Não se olvida que o CDC é aplicável aos contratos bancários (súm. 297⁄STJ), assim definidos, segundo Ruy Rosado de Aguiar Junior, a partir de dois elementos: o elemento subjetivo, pelo qual se exige que um dos contratantes seja uma instituição financeira; e o elemento objetivo, segundo o qual o objeto do contrato deve estar vinculado à finalidade dessa atividade econômica, que é a intermediação do crédito indireto (Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org.). Direito do consumidor: contratos de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 4, p. 1087-1146).
Oportuno ressaltar que a intermediação do crédito, enquanto atividade econômica, impacta consideravelmente o mercado de consumo, de tal modo que qualquer ofensa à garantia de idoneidade e segurança do serviço prestado pela instituição financeira pode repercutir na esfera jurídica dos usuários, até mesmo de terceiros, alheios ao contrato bancário.
Não por outro motivo, as instituições financeiras se submetem à legislação de regência, inclusive às normas do CDC, assim também à supervisão e fiscalização do Banco Central do Brasil (Bacen), segundo as determinações do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Oportuno ressaltar, ademais, que a intermediação do crédito está fundada na confiança que o usuário deposita no banco – quanto à solidez dos serviços oferecidos – e este, por sua vez, deposita naquele – quanto a sua capacidade de pagamento –, mas essa relação de confiança se sujeita a um risco operacional, o qual, em regra, deve ser suportado pela instituição financeira, na qualidade de fornecedora.
É sob essa ótica, portanto, que se discute nos autos se, primeiro, os recorridos podem ser equiparados a consumidor, pelo fato de terem recebido vários cheques sem provisão de fundos de correntista do banco recorrente, e, segundo, se está demonstrado o acidente de consumo, consubstanciado em falha na prestação do serviço, por inobservância do dever de segurança no fornecimento e controle dos talonários fornecidos. 
 
3.1. Do consumidor por equiparação (art. 17 do CDC)
É incontroverso que os recorridos foram vítimas do conhecido “golpe do Samuca”, tendo recebido vários cheques sem fundos emitidos por THS Fomento Mercantil Ltda, pessoa jurídica correntista do recorrente, banco com o qual não mantinham vínculo jurídico prévio; ou seja, não praticaram as partes – banco (recorrente) e portadores dos cheques (recorridos) – qualquer ato de consumo, razão pela qual, à evidência, não são os recorridos qualificados como consumidores diretos, com base no art. 2º do CDC.
Noutro ângulo, porém, o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 17 do CDC constitui, segundo Bruno Miragem, “extensão para o terceiro (bystander) que tenha sido vítima de um dano no mercado de consumo, e cuja causa se atribua ao fornecedor, da qualidade de consumidor, da proteção indicada pelo regime da responsabilidade civil extracontratual do CDC” (Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 160-161). Leciona o jurista:
 
A regra da equiparação do CDC parte do pressuposto que a garantia de qualidade do fornecedor vincula-se ao produto ou serviço oferecido. Neste sentido, prescinde do contrato, de modo que o terceiro, consumidor equiparado, deve apenas realizar a prova de que o dano sofrido decorre de um defeito do produto. (Op. cit. p. 161)
 
Sergio Cavalieri Filho, ao tratar da responsabilidade civil das instituições bancárias por danos causados a correntistas e a terceiros, acrescenta que o dever de idoneidade e segurança tem natureza ambulatorial, porque acompanha o produto ou serviço por onde quer que circule durante toda a sua existência útil”. E conclui: “A responsabilidade das instituições bancárias decorre da violação do dever de segurança, do dever de não prestar serviços sem a segurança legitimamente esperada” (Reponsabilidade civil das instituições bancárias por danos causados a correntistas e a terceiros. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Nº 34. Abr-jun. p. 106).
Logo, todo aquele que é atingido pela falha na prestação do serviço bancário, seja por ato lícito ou ilícito, e ainda que não mantenha com a instituição financeira qualquer vínculo jurídico, é tratado pelo CDC como consumidor por equiparação, para fins de incidência das regras de responsabilidade objetiva por danos causados.
Nessa linha, é o entendimento da 2ª Seção do STJ, consignado no voto condutor do acórdão exarado no REsp 1.199.782⁄PR (julgado em 24⁄08⁄2011, DJe de 12⁄09⁄2011), julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, do qual se extrai o seguinte trecho:
 
3. Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação aos não correntistas.
Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para abertura de conta-corrente ou retirada de cartão de crédito, e em razão disso é negativado em órgãos de proteção ao crédito, não há propriamente uma relação contratual estabelecida entre eles e o banco.
Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva.
Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como "fatos do serviço", verbis:
 
A hipótese dos autos não merece tratamento diferenciado, porque aqui, como lá, está-se diante de terceiros que alegam ter sofrido os danos reflexos de serviço bancário falho, consubstanciado este no fornecimento indiscriminado e na posterior ausência de controle das centenas de folhas de cheques entregues pelo recorrente a correntista que não deveria recebê-las, falha essa que sustentam ter concorrido para o prejuízo suportado.
Por isso, a regra no particular não deve ser outra senão a de que os recorridos se apresentam, no contexto delineado nos autos, como consumidores por equiparação, nos termos do art. 17 do CDC, a quem se estende a proteção da responsabilidade civil objetiva do banco pelo fato do serviço.
Cabe, então, analisar se está comprovado nos autos o apontado fato do serviço, a ensejar o dever de reparação.
 
3.2. Do fato do serviço
A jurisprudência do STJ orienta que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (súm. 479⁄STJ).
Nessas circunstâncias, a 2ª Seção, em julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, afastou, expressamente, a tese da culpa exclusiva de terceiro, por entender que a responsabilidade do banco decorre do próprio risco do empreendimento (REsp 1.199.782⁄PR, julgado em 24⁄08⁄2011, DJe de 12⁄09⁄2011).
No entanto, quando se trata da devolução de cheques por insuficiência de fundos, a jurisprudência caminha em outro sentido.
Os julgados já mencionados, relativos à devolução de centenas de cheques da THS Fomento Mercantil Ltda, fornecidos pelo Banco Safra S⁄A, registram o entendimento de que “caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12)”, e, “não havendo mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa  do  Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço” (REsp 1.538.064⁄SC, 4ª Turma, julgado em 18⁄2⁄2016, DJe de 02⁄03⁄2016).
A princípio, a conclusão que se extrai do julgado é a de que as instituições financeiras, salvo quando houver mácula na conferência sobre a existência de saldo na conta, não respondem pelo mau uso dos cheques que fornece ao seu correntista.
O equívoco de tal constatação, todavia, está em assumir que o banco não tem o poder de interferir na existência útil dos cheques, quando a verdade é que ele domina tanto o início (fornecimento) como o fim (pagamento) da circulação do título.
De um lado, como dito, a instituição financeira deixa de fornecer os talonários de cheque se não estiverem preenchidas as condições predefinidas nas normas regulamentares do Bacen, relacionadas à suficiência de saldo, restrições cadastrais, histórico de práticas e ocorrências na utilização de cheques, estoque de folhas de cheque em poder do correntista, registro no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) e regularidade dos dados e documentos de identificação do correntista.
De outro lado, devolve o título quando constata a insuficiência de saldo para pagamento, informando o motivo e incluindo, no caso de segunda apresentação, o nome do devedor no cadastro de emitentes de cheque sem fundos (CCF). 
Ou seja, a instituição financeira não só interfere, como tem papel relevante na existência útil dos cheques, especialmente no que tange à segurança e ao controle do fornecimento dos talonários.
Sob essa ótica, calha trazer à baila o julgamento do AgInt no REsp 1.665.081⁄SC, referente ao “golpe do Samuca”, no qual a 3ª Turma decidiu que “a instituição financeira não pode ser responsabilizada pelos prejuízos suportados por terceiros lesados pela não compensação bancária de cheques sem provisão de fundos emitidos por seus clientes, a menos que comprovada a deficiência na prestação dos serviços bancários”.
Nessa mesma toada, ao julgar o REsp 1.538.064⁄SC (4ª Turma, julgado em 18⁄2⁄2016, DJe de 02⁄03⁄2016), também relativo ao “golpe do Samuca”, o e. Min. Raul Araújo, embora vencido, manifestou preocupação com as circunstâncias fáticas e com o que definiu como “defeito grave na prestação do serviço bancário”. Cita-se, a propósito, este trecho do voto-vista de Sua Excelência:
 
É certo, como bem assentado nos votos que me antecederam, que as instituições financeiras não têm a responsabilidade de verificar a capacidade de pagamento do cliente, nem de funcionar como garantes solidários dos cheques emitidos por seus correntistas. Em situação de normalidade, não há como se imputar ao banco sacado responsabilidade pelo pagamento de cheques devolvidos por falta de provisão de fundos.
O caso dos autos, porém, traz peculiaridades sensíveis. Como destaca o eg. Tribunal de origem, houve pedidos de cancelamento de cerca de 300 cheques emitidos pelo cliente pessoa jurídica e de 200 cheques do administrador, pessoa física, feitos à instituição financeira e atendidos por esta sem maiores cuidados. Note-se, cheques emitidos, portanto assinados, aptos a circular. Confira-se:
 
"Há mais. O expediente de fl. 33 atesta solicitação de baixa de cerca de 300 (trezentos) cheques em nome da pessoa jurídica sob a justificativa de suposta quitação, todos eles com numeração inferior a 2300, ou seja, de títulos que não haviam sido compensados e estavam circulando. Igualmente, o documento de fl. 34 dá conta de idêntico pedido para outros 200 (duzentos) cheques em nome pessoal do administrador, todos com numeração inferior a 740. Tais informações revelam que a ré autorizou milhares de cártulas à THS e seu administrador mesmo com grande número de títulos circulando, sem compensação, o que causa grande instabilidade da solvência da conta bancária. Basta ver que todos o cheque da autora são posteriores àqueles que se solicitou baixa (sic), o que revela sinais concretos da negligência nos cuidados básicos da instituição bancária e da previsibilidade da possível quebra e lesão de milhares de tomadores." (e-STJ - fl. 232; grifou-se)
 
Portanto, sob a alegação de que cerca de 500 cheques haviam sido quitados, requereu o cliente à instituição financeira a "baixa" desses cheques emitidos (v. fls. 35-36 e-STJ), sem nenhuma comprovação das quitações. Ora, se os cheques haviam sido quitados, deveriam estar na posse do correntista, que poderia tê-los apresentado à instituição financeira para, só então, solicitar a baixa. No entanto, os títulos estavam circulando, tanto assim que foram apresentados pelos portadores e, apesar disso, foram devolvidos pelo banco atendendo a simples pedido do emitente.
Esta a gravíssima falha na prestação do serviço a ensejar, data venia, a responsabilidade em tese do banco. Com efeito, acatar centenas de sucessivos pedidos de "baixa" de centenas de cheques em circulação, emitidos em valores expressivos, mediante singela afirmação do emitente de suposta "quitação", sem maiores exigências, configura inegável falha na prestação do serviço bancário, a ponto de comprometer a própria credibilidade do cheque com sua função de título de crédito.
Não se tratava de cheques em branco, que pudessem ter sido roubados em grande quantidade, de uma só vez. Tratava-se de cheques emitidos e postos em circulação com vários diferentes tomadores.
Assim, não poderia o Banco recorrente simplesmente devolver as centenas de títulos emitidos, pois não houve notícia de furto, roubo ou extravio, mas simples alegação de "quitação". Constava de referidos cheques, inclusive, a assinatura do correntista. Nesse sentido, houve grave falha na prestação do serviço bancário (possível conivência de empregado do banco), que, atendendo a pedido de cliente que alegava quitação, deu por cancelados cheques em circulação, para depois, quando apresentados, realizar sua devolução ao apresentante, contribuindo para prejudicar terceiros portadores das cártulas.
Há notícia de que alguns dos cheques relacionados como quitados foram devolvidos pelo banco pelo motivo 20, que se destina a cheques em branco, furtados, roubados ou extraviados. Veja-se o seguinte trecho da inicial:
 
Na sequência, ao receber em cobrança os cheques ali relacionados, Banco Safra S.A devolvia aqueles títulos, apondo o motivo 20 em seu verso, e assim imputando ao apresentante a pretensão de cobrança de cheque fraudado. Conforme se comprova pelo documento 03, título de crédito que consta da Relação de Cheques apresentada por THS Fomento Mercantil (doc. 4), Banco Safra S.A, ciente da inocorrência de roubo, furto ou extravio das folhas de cheque relacionadas nos documentos 04 e 05, devolveu sem pagamento os títulos, e utilizou para tanto o motivo 20, que não se destina a esse fim” (e- STJ - fl. 19)
 
Ocorre que os cheques devolvidos pelo motivo 20 (fl. 34) não podiam ser levados a protesto, tampouco ensejar a inclusão do nome do emitente no CCF (cadastro de cheques sem fundos), o que poderia ter alertado terceiros acerca da ocorrência de fraude e evitado o fornecimento de outras tantas folhas de cheque ao cliente fraudador, pois o art. 10 da Resolução nº 2.025⁄93⁄BACEN veda o fornecimento de talonário ao cliente enquanto figurar no CCF.
Como se vê, o cancelamento de centenas de cheques emitidos e em circulação pelo acatamento de simples alegação de quitação constitui defeito grave na prestação do serviço bancário, atingindo toda a cadeia de pessoas envolvidas na circulação dos cheques. Daí o reconhecimento da existência de legitimidade ativa do Banco Safra para integrar o polo passivo da demanda.
De outro lado, na hipótese dos autos, a promovente teve seu cheque devolvido corretamente pelo motivo 11, insuficiência de fundos. Assim, eventual dano estaria resumido àquele sofrido por vítimas do malogro, proporcional ao quanto as falhas no serviço bancário amplificaram a fraude perpetrada pelo cliente, o que dependeria de apuração específica. Nesse sentido, não há relação direta entre o dano eventualmente sofrido pela autora e o valor da cártula, de modo que se possa apurar o dano material pleiteado. (sem grifos no original)
 
A hipótese dos autos não difere daquele cenário descrito pelo e. Min. Raul Araújo. Basta ver o que consta do acórdão recorrido:
 
De fato, na hipótese em comento, infere-se que, em um curto espaço de tempo, a empresa THS Fomento Mercantil, cliente da ré, em 5 (cinco) meses já acumulava centenas e centenas de cheques, sem nenhum controle do seu fornecimento.
Para não incidir em tautologia, colhe-se do voto vencedor:
 
Os cheques encartados aos autos demonstram que a THS Fomento Mercantil Ltda. iniciou seu relacionamento com o banco réu em 5.6.2007 e em cerca de 3 (três) meses já havia emitido seu cheque de n. 3.827 (fl. 33); em cerca de 4 (quatro) meses sacado seu cheque de n. 5.566 (fl. 32); e em cerca de 5 (cinco) meses passado sua cártula de n. 7.480 (fl. 34). Percebe-se, portanto, que em curtíssimo espaço de tempo e de relação contratual milhares de cheques foram entregues à empresa THS Fomento Mercantil, em números que aparentemente superam os incontroversos 5.500 (cinco mil e quinhentos) alega- dos na inicial.
Há mais. O expediente de fl. 43 atesta solicitação de baixa de mais de 300 (trezentos) cheques em nome da pessoa jurídica sob a justificativa de suposta quitação, todos eles com numeração inferior a 2300, portanto de títulos que não haviam sido compensados e estavam circulando. Igualmente, o documento de fl. 40 dá conta de idêntico pedido para outros 200 (duzentos) cheques em nome pessoal do administrador, todos com numeração inferior a 740.
Tais informações revelam que a ré autorizou milhares de cártulas à THS e seu administrador mesmo com grande número de títulos circulando, sem compensação, o que causa grande instabilidade da solvência da conta bancária.
Basta ver que todos os cheques dos autores são posteriores àqueles que se solicitou baixa, o que revela sinais concretos da negligência nos cuidados básicos da instituição bancária e da previsibilidade da possível quebra e lesão de milhares de tomadores (fl. 18).
 
(...)
Na verdade, tudo isso só ocorreu porque a ré não cumpriu com as suas obrigações, isto é, não exerceu uma fiscalização preventiva, ou sequer repressiva, fornecendo a sua cliente THS Fomento Mercantil inúmeras folhas de cheques sem realizar a devida compensação, permitindo a circulação de grande número de títulos.
(...)
Deveras, na hipótese em liça, a ré não seguiu as regras estabelecidas, uma vez que disponibilizou a sua empresa cliente, THS Fomento Mercantil, em pouco tempo de abertura de conta-corrente, inúmeras folhas de cheques, que refogem à razoabilidade e aos cuidados que se espera quando do respectivo fornecimento desse título de crédito.
Não é demais lembrar que o banco réu em nenhum momento atendeu a contento o ônus que lhe incumbia o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, uma vez que não demonstrou que adotou os procedimentos legais a que está obrigado.
(...)
De tudo o que dos autos consta, verifica-se que a ré violou várias regras do Banco Central, deixando de exercer uma fiscalização preventiva, como quer a Resolução n. 2.025⁄1993, ou mesmo repressiva, consoante determina a Resolução n. 2.303⁄1996, uma vez que, como é público e notório, forneceu centenas de cheques, apesar do curto espaço de tempo de abertura de conta-corrente, à empresa THS Fomento Mercantil, sem efetuar as respectivas compensações ou mesmo liquidar um número mínimo de títulos já emitidos, pelo que, ante a imperfeição do serviço prestado, fica a instituição financeira responsável ao ressarcimento dos danos causados. (fls. 313-321, e-STJ)
 
Insta ressaltar, por fim, que, de acordo com o TJ⁄SC, o banco não produziu qualquer prova da regularidade de sua conduta, na tentativa de demonstrar eventual culpa exclusiva do emitente. Ao contrário, nos termos do voto condutor da apelação, confirmado na íntegra no julgamento dos embargos infringentes, “deixou de trazer a ficha proposta da conta corrente, documentos solicitados para a análise do risco, relação de cheques emitidos e compensados, contrato social da pessoa jurídica, data da primeira apresentação de cheque sem fundos, data da inclusão no CCF, data dos fornecimentos dos talonários, enfim qualquer documento (mesmo dentre aqueles que dispensam quebra de sigilo bancário) que possibilitasse afastar a imagem, aparentemente inafastável, de que os cheques foram entregues de modo desmedido, irresponsável, negligente e inconsequente” (fl. 233, e-STJ).
Assim, está devidamente caracterizado na espécie o fato do serviço:  ao fornecer, sem qualquer critério e em curto espaço de tempo, centenas de folhas de cheques a THS Fomento Mercantil Ltda, mesmo ciente de que grande número de títulos ainda circulava sem compensação, o Banco Safra S⁄A, efetivamente, violou o dever de segurança que lhe impõem as normas de regência (CDC e resoluções do Bacen), comprometendo a solidez do serviço prestado, e, consequentemente, incrementando o risco de que a eventual insolvência da conta bancária causasse danos a terceiros, consumidores por equiparação, como, de fato, ocorreu.
Esse risco incrementado pelo fornecedor do serviço, no entanto, não obriga o banco a indenizar o valor literal da cártula, porque não é garantidor da dívida nela inscrita, senão a ressarcir os prejuízos suportados pelas vítimas do acidente de consumo com a devolução dos cheques sem pagamento, a serem devidamente apurados em liquidação de sentença, como acertadamente decidiu o TJ⁄SC.
 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.508.977 - SC (2014⁄0339709-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO SAFRA S A
ADVOGADOS : OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S) - DF015553
    MÁRCIO RUBENS PASSOLD E OUTRO(S) - SC012826
    ALEXANDRE NELSON FERRAZ E OUTRO(S) - SC010945
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ BARRETO NETO 
RECORRIDO : DIEGO FELIPE FREITAS
RECORRIDO : WOLNEY WILMAR ANDRADE
RECORRIDO : MARIA SALETE VIEIRA
RECORRIDO : JONI VIDAL DA FONSECA
RECORRIDO : NEIDE DE QUEIROZ
ADVOGADO : ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JÚNIOR E OUTRO(S) - SC018545
 
VOTO-VISTA
VENCEDOR
 
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos para melhor exame da controvérsia em debate, tendo em vista, principalmente, a existência de dezenas de precedentes de ambas as Turmas julgadoras integrantes da Segunda Seção, nos quais firmada orientação diametralmente oposta àquela esposada pela Relatora.
Trata-se de recurso especial interposto por BANCO SAFRA S.A. (e-STJ fls. 335⁄353), com amparo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (e-STJ fls. 298⁄322).
Consta dos autos que, em dezembro de 2009, JOSÉ LUIZ BARRETO NETO e OUTROS ajuizaram ação indenizatória em desfavor do banco ora recorrente, afirmando-o responsável pelo prejuízo material que teriam suportado, no valor total de R$ 481.503,72 (quatrocentos e oitenta e um mil quinhentos e três reais e setenta e dois centavos), em virtude da devolução de cheques emitidos por dois correntistas da referida instituição financeira (THS FOMENTO MERCANTIL LTDA. e SAMUEL PINHEIRO DA COSTA) que, ao tempo do saque, encontravam-se desprovidos de fundos em conta suficientes para o cumprimento de tais ordens de pagamento.
Na petição inicial, os autores aduziram que seriam consumidores do banco sacado por equiparação (bystander) e que este seria responsável por reparar os prejuízos advindos da lesão que sofreram (devolução de cheques emitidos por correntista por falta de provisão), visto que, para tal situação, a ausência de cautela do banco réu na liberação indiscrimada de folhas de cheques a seus clientes teria contribuído de maneira significativa.
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, condenando os autores, ora recorridos, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 600,00 (seiscentos reais).
Na oportunidade, o magistrado sentenciante esposou a seguinte fundamentação:
 
"(...) não há como admitir a tese da parte autora de que a instituição financeira atuou de forma negligente ao permitir a abertura de conta e ao entregar talões de cheques a sua correntista.
Os autores não trouxeram qualquer prova da suposta atuação clandestina e irregular da empresa THS Fomento Mercantil no mercado, prova esta que era ônus seu produzir, tal qual preconiza o art. 333, I, do CPC, e esta seria, necessariamente, documental.
De outra parte, negociou elevados valores com esta empresa (R$ 481.503,72) sem verificar sua regularidade e solidez, não podendo, agora, transferir ao réu a responsabilidade por cautela que a ele próprio incumbiria quando entabulou o negócio.
Soma-se a isso, ainda, o fato de que mesmo que houvesse a prova, o fato não surtiria qualquer efeito ao deslinde da causa, pois se a relação jurídica envolve somente o banco e o correntista, excluindo terceiros, incumbe unicamente ao primeiro verificar o implemento das condições necessárias para a abertura de conta perante ele.
Além disso, se sequer há relação jurídica entre as partes, falece qualquer argumento no tocante à aplicação do CDC como postularam os autores.
Por fim, importante deixar consignado que pensar o contrário do que agora se decide, seria admitir que as instituições financeiras são responsáveis pelo pagamento de todo e qualquer cheque emitido por seus respectivos correntistas" (e-STJ fls. 124⁄125).
 
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação (e-STJ fls. 137⁄150).
A Corte de origem, por maioria de votos dos integrantes de sua Quinta Câmara de Direito Civil, deu parcial provimento ao apelo em aresto que restou assim ementado:
 
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DOS AUTORES. (1) TERCEIRO TOMADOR DE CHEQUE SEM FUNDOS. DESTINATÁRIO FINAL DO SERVIÇO PRESTADO NO MERCADO. APLICABILIDADE DO CDC. EXEGESE DO ART. 2o DO DIPLOMA CONSUMERISTA. ADEMAIS, EQUIPARAÇÃO DOS TERCEIROS BYSTANDERS. ARTS. 17 E 29 DO CDC.
- Consoante exegese do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, o terceiro tomador de cheque, mesmo sem remuneração direta ou qualquer relação anterior com o banco, caracteriza-se como consumidor, uma vez que utiliza do serviço como destinatário final, sem prejuízo da possível equiparação a que aludem os arts. 17 e 29 do Diploma consumerista.
(2) RESPONSABILIDADE POR FATO DO SERVIÇO. INVERSÃO OPE LEGIS DO ÔNUS DA PROVA. ART. 14, §3º, DO CDC. PRECEDENTES DO STJ.
- Nessa esteira, a responsabilidade civil do banco em razão do fornecimento negligente de talonários a golpista deve ser analisado sob a ótica da responsabilidade civil por fato do serviço, operando-se a inversão do ônus da prova por força legal (art. 14, §3º, do Código Consumerista), mostrando-se desnecessária a prévia determinação de inversão do ônus probatório.
(3) RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO. FORNECIMENTO DE VULTOSA QUANTIDADE DE TALONÁRIOS A CLIENTE RECENTE. OMISSÃO DE CAUTELAS NECESSÁRIAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEFEITO CARACTERIZADO E PREVISIBILIDADE DA POSSÍVEL INADIMPLÊNCIA. RISCO ASSUMIDO E EFICÁCIA SOCIAL DO CONTRATO DESRESPEITADA. ILÍCITO E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS. EXEGESE DO ART. 14 DO CDC E DOS ARTS. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, E 421 DO CC.
- O fornecimento indiscriminado de cheques a recém-contratado, sem demonstração de lastro financeiro compatível ou histórico comercial seguro, ou seja, sem análise criteriosa dos riscos de sua operação, não fornecendo a segurança que dela se espera aos consumidores beneficiários, configura defeito na prestação do serviço no mercado de consumo ou ato ilícito e negligente, contrário à função social do contrato e aos deveres de cautela próprios da atividade bancária.
- Por outro prisma, a alta probabilidade do inadimplemento das milhares cártulas, diante da análise negligente do risco e do grande número de títulos anteriores em circulação, torna o fornecimento dos talonários e sua persistência não mais atitudes inocentes e desvinculadas do dano, mas, sim, causas evitáveis e adequadas a ocasionar prejuízos aos credores, no que configurado o nexo causal.
(4) DANO INDENIZÁVEL. PAGAMENTO DO VALOR TOTAL DAS CÁRTULAS. INVIABILIDADE. MONTANTE INCRUSTADO DE JUROS USURÁRIOS. NULIDADE. RESPONSABILIDADE LIMITADA À RESTITUIÇÃO DA PARTE AO STATUS QUO ANTE. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA NECESSÁRIA.
(5) ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO.
- Com a reforma da decisão e a procedência do pleito, não se mostrando significativamente relevante a limitação quanto ao dano material, reconhece-se a sucumbência mínima dos autores e procede-se à redistribuição dos ônus sucumbenciais" (e-STJ fls. 213⁄214).
 
O banco ora recorrente opôs embargos infringentes ao julgado (e-STJ fls. 270⁄281), tendo o Grupo de Câmaras de Direito Civil do TJ⁄SC, também por maioria de votos, negado provimento a tal recurso. Eis a ementa do acórdão na oportunidade exarado:
 
"EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS. EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PORTADOR DO TÍTULO DE CRÉDITO NÃO CORRENTISTA DO BANCO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. DANO MATERIAL. FORNECIMENTO DE TALONÁRIOS SEM CONTROLE. OMISSÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NEXO CAUSAL. DEVER DE REPARAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO DESPROVIDO.
As instituições financeiras são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, pelo que respondem objetivamente por danos que causarem a clientes ou terceiros.
Comprovado que a instituição financeira mantenedora de contas de depósitos à vista, diante de casos incompatíveis com as disciplinas que regulam a Lei de Cheques, não adota as orientações inseridas na Resolução n. 3.972, de 28 de abril de 2011, é responsável perante terceiro pela emissão de cheques sem fundos por parte do correntista.
São responsáveis civilmente os bancos que fornecem talonários de cheques a clientes sem capacidade econômica ou deixam de adotar medidas para retomada das cártulas" (e-STJ fl. 303).
 
Daí a interposição do recurso especial ora em exame.
Em suas razões (e-STJ fls. 335⁄353), o recorrente aponta, além da existência de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses:
(i) arts. 2º e 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor e 393 do Código Civil - porque não seria parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, e
(ii) arts. 3º e 4º da Lei nº 7.387⁄1985 - porque, a teor do que disposto nas referidas normas legais, o banco sacado não pode ser responsabilizado pela ausência de fundos em cheques emitidos por seus correntistas
Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 369⁄380), o recurso especial foi admitido na origem (e-STJ fl. 383), motivo pelo qual ascenderam os autos.
Levado o feito a julgamento pela egrégia Terceira Turma, em 7⁄8⁄2018, após a prolação do voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso, pedi vista dos autos antecipadamente e agora apresento meu voto.
É o relatório.
Cinge-se a controvérsia a definir se (i) a instituição financeira ora recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda indenizatória e (ii) se pode ser civilmente responsabilizada por prejuízos materiais suportados por portadores de cheques sem provisão de fundos que foram emitidos por dois de seus correntistas (THS FOMENTO MERCANTIL LTDA. e SAMUEL PINHEIRO DA COSTA) em virtude de suposta falha na prestação do serviço de fornecimento de talonários de cheques.
No laborioso voto que apresentou a esta Turma julgadora na sessão de 19⁄6⁄2018, a relatora do feito concluiu pela legitimidade passiva ad causam do banco sacado bem como por restar configurado seu dever de indenizar os autores. Concluiu sua Excelência pela caracterização, na espécie, do fato do serviço, pois o banco recorrente teria fornecido, "sem qualquer critério e em curto espaço de tempo, centenas de folhas de cheque ao correntista, mesmo ciente de que grande número de títulos ainda circulava sem compensação", situação que revelaria violação do dever de segurança, justificando a reparação dos danos materiais causados a terceiros (pela devolução dos cheques por falta de provisão de fundos), que se enquadrariam, a seu ver, na conceito de consumidores por equiparação (bystanders).
Adiro apenas em parte às conclusões da relatora, visto que, pelo que se pode extrair das afirmações insertas na petição inicial e à luz da teoria da asserção, tenho o banco ora recorrente como parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda indenizatória.
Peço vênia, todavia, para divergir quanto às demais conclusões. Não vislumbro, no caso, a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários oferecidos pelo recorrente, o que por si só afasta a possibilidade de se emprestar a terceiros - estranhos à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas - o tratamento de consumidores por equiparação (art. 17 do CDC).
Na hipótese vertente, estamos diante de duas relações jurídicas completamente distintas, a primeira, de natureza consumerista, que se estabeleceu entre o banco ora recorrente e seus clientes, e a segunda, de natureza civil⁄comercial, estabelecida entre estes, na condição de emitentes de cheques, e os autores da presente demanda, beneficiários de tais títulos de crédito.
Nesse cenário, impõe-se esclarecer que ao receber cheque emitido por um de seus correntistas para saque ou depósito, cumpre ao banco sacado, em um primeiro momento, apenas aferir a existência de motivos para devolução da referida ordem de pagamento (art. 6º da Resolução do BACEN 1.682⁄1990). Verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12).
Desse modo, certo é que a prestação de serviços bancários, no tocante aos terceiros portadores do título de crédito em questão, limita-se a essa rotina de conferência e posterior pagamento ou eventual devolução.
Assim, inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não há falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos cheques resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos emitentes suficiente para sua compensação.
Diferentemente da Relatora, tenho que o fato de a empresa emitente dos cheques ser cliente do banco há poucos meses ou de haver grande número de cheques em circulação, não leva à conclusão de existência de irregularidade na abertura da conta, no fornecimento dos talonários ou de qualquer outro defeito na prestação de seus serviços, notadamente porque, no caso, a emitente é empresa que se dedica à atividade de fomento mercantil (factoring), que, como consabido, movimenta, por sua própria natureza, grande volume de recursos e, consequentemente, utiliza-se de quantidade significativa de cheques, que são emitidos como forma de dar garantia a seus investidores.
Em síntese, tenho que não há, na hipótese vertente, falha na prestação do serviço bancário e que a pretensão dos autores, por tal motivo, apesar de todo o esforço argumentativo por eles expendido na inicial, está assentada no fato de terem sido surpreendidos pela devolução de cheque desprovido de fundos.
O prejuízo por eles sofrido, portanto, decorreu apenas da conduta da empresa emitente, única responsável pelo efetivo pagamento da dívida, não havendo nexo de causalidade direto e imediato a ligar tal dano ao fornecimento de talonário pela instituição financeira.
Impõe-se anotar, ainda, que esta Corte Superior vem decidindo nesse mesmo sentido em todas as oportunidades que teve - e não foram poucas - de se debruçar sobre a questão jurídica ora controvertida, merecendo especial destaque o fato de que em quase todas essas oportunidades foram apreciadas pretensões articuladas em condições idênticas às que deram ensejo à presente demanda (ações indenizatórias promovidas em desfavor ora do próprio BANCO SAFRA S.A., ora do BANCO BRADESCO S.A., por outros beneficiários de cheques emitidos pela empresa THS FOMENTO MERCANTIL LTDA.).
A propósito, vale mencionar que a controvérsia ora em apreço foi dirimida com extrema precisão pela Quarta Turma desta Corte Superior no julgamento do REsp nº 1.538.064⁄SC, que versava a respeito de ação idêntica à presente (ajuizada por outros portadores de cheques emitidos pela própria THS FOMENTO MERCANTIL LTDA.). Na oportunidade, prevaleceu o bem lançado voto da Ministra Gallotti, ao qual me reporto por tê-lo como irrepreensível e perfeitamente aplicável ao presente caso:
 
"(...) Assim delimitada a controvérsia, observo que é pacífica a jurisprudência desta Corte que aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre instituições financeiras e seus clientes. Isso, no entanto, não permite estender a responsabilidade do banco para a relação entre correntista e o beneficiário do cheque.
Para que sejam equiparadas a consumidor as vítimas do evento, é preciso uma conduta que se relacione a um dano suportado pelo terceiro por um nexo direto de causalidade, que, como será visto, não existe. A responsabilidade objetiva, ínsita às relações de consumo, dispensa apenas a comprovação do elemento volitivo, mas ainda é preciso identificar os demais requisitos da responsabilidade civil.
Ao receber um cheque para saque ou depósito, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN 1.682⁄90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12).
Por isso, a prestação de serviços referente ao portador do título de crédito se limita a este procedimento. Não havendo nenhuma mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço. Por isso, não há a responsabilidade da instituição financeira pelas atividades de seus correntistas na utilização de cheques com má gestão de seus recursos financeiros.
Os arts. 2º, 7º e 10 da Resolução n. 2.025⁄93 do BACEN não têm o alcance que lhes emprestou a Corte de origem, em seu esforço interpretativo. Esses dispositivos apenas estabelecem regras para a elaboração da ficha-proposta a ser preenchida pelo cliente e procedimento para entrega de talonário de cheques, regras essas que não se demonstrou terem sido descumpridas, seja no momento da abertura da conta, seja quando fornecidos os específicos cheques em questão nos presentes autosEm nenhum momento essas regras impõem o ônus da fiscalização constante do saldo em conta, nem transformam as instituições financeiras em garantes da solvibilidade de seus clientes.
Não é jurídico, a partir de invocação do Código de Defesa do Consumidor, alterar a regência de título de crédito, disciplinado por lei própria, a saber, a Lei 7.357⁄85, a qual claramente distingue as responsabilidades do emitente do cheque e da instituição financeira sacada em relação ao portador.
A propósito, a lição de JOÃO EUNÁPIO BORGES:
 
'Como a letra de cambio, é o cheque título formal e abstrato, não se refletindo nele a causa determinante de sua emissão – pagamento, empréstimo, doação etc. E, na emissão e no pagamento do cheque concorrem, permanecendo inconfundíveis, duas séries de relações. As relações entre emitente e beneficiário do cheque e as que existem entre o emitente e o sacado. Efetuando o pagamento do cheque, isto é, cumprindo a ordem de seu emitente, o sacado extingue simultaneamente as duas obrigações que nele confluem: a sua para com o emitente e a deste em relação ao tomador. Fique bem claro, porém, que o sacado não se prende por nenhum vínculo ao portador do cheque que ele pagará ou deixará de pagar, tendo em que vista exclusivamente a sua relação pessoal com o emitente. E, do mesmo modo que o portador de uma letra de cambio nada pode exigir, com base nela, do sacado que não aceitou, o portador do cheque, em face da recusa de seu pagamento, deverá voltar-se imediatamente contra o emitente que é – ele e não sacado – o seu devedor. É assim o emitente o vértice comum, o ponto de convergência da dupla relação emergente do cheque; é ele quem responde perante o portador pelo pagamento do cheque, justa ou injustamente recusado pelo sacado; é a ele que responde o sacado pelo imotivado descumprimento de sua ordem. Nenhuma relação resultante do cheque existe entre o portador e o sacado.' – sublinhei. (in Títulos de Crédito, 2ª ed. 7ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 1.977, p. 162).
 
Assim, o portador do cheque, diante da devolução por insuficiência de fundos, deve voltar-se contra o emitente, não tendo título para cobrar o valor respectivo da instituição financeira, apenas mudando o rótulo da ação para responsabilidade civil baseada no Código de Defesa do Consumidor.
 
Elucidativa a doutrina de FÁBIO ULHOA COELHO:
 
'O sacado de um cheque não tem, em nenhuma hipótese, qualquer obrigação cambialO credor do cheque não pode responsabilizar o banco sacado pela inexistência ou insuficiência de fundos disponíveis. O sacado não garante o pagamento do cheque, nem pode garanti-lo, posto que a lei proíbe o aceite do título (art. 6º), bem como o endosso (art. 18, §1º) e o aval de sua parte (art. 29). A instituição financeira sacada só responde pelo descumprimento de algum dever legal, como o pagamento indevido de cheque, a falta de reserva de numerário para a liquidação no prazo de apresentação do cheque visado, o pagamento de cheque cruzado diretamente ao portador não cliente, o pagamento em dinheiro de cheque para se levar em conta etc. Ou seja, o banco responde por ato ilícito que venha a praticar, mas não pode assumir qualquer obrigação cambial referente a cheques sacados por seus correntistas.' (in Manual de Direito Comercial, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.014, p 314⁄315)
 
Não se tratando de cheque administrativo ou cheque visado, a partir do momento em que o cheque é colocado à disposição do correntista não é possível fazer um controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387⁄85 'a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento'. É insustentável pensar que as instituições bancárias só poderiam fornecer talonários aos clientes com grande potencial de pagamento, presumindo a falta de idoneidade dos correntistas.
A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento do cliente em relação a determinado valor é de quem contrata, que deve se cercar dos meios necessários para saber se, em caso de falta de provisão de fundos, terá como cobrar a quantia por outras formas.
Além do mais, o credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta de fundos. Ou até mesmo pode transferir o risco da falta de pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como nas taxas pela utilização do cartão de crédito, em que a ausência de pagamento não é sentida pelo credor, ou no deságio dos contratos de factoring, nos quais a ausência de fundos é suportada pelo faturizador.
O título de crédito é apenas uma forma de facilitar as relações comerciais posta à disposição daqueles que contratam, mas não representa a criação de responsabilidade solidária com o sacado, até porque a solidariedade no direito brasileiro não se presume, já que depende de lei. No caso, como visto, a pretendida solidariedade contraria a norma de regência do título de crédito em questão" (grifou-se).
 
O acórdão supramencionado recebeu a seguinte ementa:
 
"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. CHEQUE DEVOLVIDO SEM PROVISÃO DE FUNDOS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CONSUMIDOR EQUIPARADO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN 1.682⁄90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço.
2. Na forma do disposto no art. 4º da Lei 7.387⁄85 'a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento'.
3. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento é de quem contrata. Ademais, o credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta de fundos.
4. Recurso especial provido."
(REsp nº 1.538.064⁄SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄2⁄2016, Dje de 2⁄3⁄2016).
 
Na mesma esteira, oportuno apontar os seguintes precedentes, que bem demonstram a uniformidade da jurisprudência de ambas as Turmas integrantes da Segunda Seção a respeito do tema em debate:
 
"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIALAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES POR FALTA DE FUNDOS. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO CDC.
1 - O portador do cheque devolvido sem provisão de fundos não pode ser equiparado a consumidor, também não pode a instituição financeira ser responsabilizada pelo prejuízo causado por essa prática se foi o próprio correntista quem emitiu o cheque e não providenciou a necessária provisão. Precedentes.
2 - Agravo interno no recurso especial não provido."
(AgInt nos EDcl no REsp nº 1.575.905⁄SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22⁄5⁄2018, DJe de 28⁄5⁄2018).
 
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA DA AUTORA.
1. 'Ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, conforme previsto no artigo 6º da Resolução do BACEN 1.682⁄90. Caso o valor do título seja superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos (motivo 11 ou 12). Não havendo mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço e, portanto, não cabe, com base no Código de Defesa do Consumidor, imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço' (REsp n. 1.538.064⁄SC, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄2⁄2016, DJe 2⁄3⁄2016).
2.1 'A jurisprudência das Turmas de Direito Privado desta Corte firmou-se no sentido de que o portador do cheque, diante da devolução por insuficiência de fundos, deve voltar-se contra o emitente, não tendo título para cobrar o valor respectivo da instituição financeira, apenas mudando o rótulo da ação para responsabilidade civil baseada no Código de Defesa do Consumidor' (AgInt no REsp n. 1.665.081⁄SC, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17⁄8⁄2017, DJe 6⁄9⁄2017).
2.2. Impositiva a manutenção da decisão monocrática que excluiu a responsabilidade da casa bancária.
2. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp nº 1.581.531⁄SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13⁄3⁄2018, DJe de 23⁄3⁄2018).
 
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EMISSÃO DE CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. Consoante firme jurisprudência desta Corte, a instituição bancária não é parte legítima para figurar nas ações de indenização por danos materiais suportados pelo portador de cheque sem provisão de fundos de seus correntistas, afastando-se, por consequência, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sendo o emitente, o único responsável pelo pagamento da dívida na hipótese.
3. Agravo interno improvido."
(AgInt nos EDcl no REsp nº 1.575.289⁄SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄2⁄2018, DJe de 7⁄3⁄2018).
 
Merecem destaque, por fim, as dezenas de decisões monocráticas que têm sido proferidas pelos Ministros integrantes da Segunda Seção esposando orientação no mesmo sentido da ora externada. À guisa de exemplo: REsp nº 1.737.845⁄SC, Relator o Ministro Moura Ribeiro, DJ de 14⁄9⁄2018; REsp nº 1.695.835⁄SC, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 10⁄10⁄2017; REsp nº 1.670.730⁄SC, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 26⁄9⁄2018; AREsp nº 705.208⁄SC, Relator o Ministro Marco Buzzi, DJ de 30⁄5⁄2018; REsp nº 1.540.745⁄SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJ de 11⁄5⁄2018; REsp nº 1.683.141⁄SC, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ de 5⁄10⁄2017; REsp nº 1673249⁄SC, Relator o Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJ de 19⁄6⁄2017; REsp nº 1.403.648⁄SC, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJ de 6⁄4⁄2017; REsp nº 1.454.899⁄SCRelator o Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22⁄8⁄2016, e REsp nº 1.581.927⁄SC, Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ de 3⁄3⁄2016.
Assim, considerando, além dos fundamentos aqui apontados, (i) o julgamento de dezenas de casos análogos por ambas as Turmas integrantes da Segunda Seção; (ii) inexistência de qualquer peculiaridade que demande a adoção de solução distinta daquela alcançada nos precedentes referidos e (iii) a função desta Corte Superior de uniformizar a jurisprudência nacional, notadamente diante dos preceitos norteadores na nova ordem processual, inclusive aquele segundo o qual "Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência mantê-la estável, íntegra e coerente" (artigo 926 do CPC⁄2015 - grifou-se), com a devida vênia, tenho que o recurso especial interposto por BANCO SAFRA S.A. merece prosperar.
Ante o exposto, divergindo da relatora, dou provimento ao recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial.
Solução nesse sentido impõe que sejam invertidos os ônus sucumbenciais, pelo que ficam os autores da demanda, ora recorridos, condenados ao pagamento das despesas processuais e da verba honorária advocatícia sucumbencial, esta última arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), à luz do que estabelecia o art. 20, §4º, do CPC⁄1973.

É o voto.