Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC/BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PRECEDENTES. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. CABIMENTO. SÚMULA 286/STJ. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ÍNDICE DA CADERNETA DE POUPANÇA. BTNF. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. DUALIDADE DE ÍNDICES INSTITUÍDA POR LEI. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

1. Julgamento do caso concreto referente ao Tema 968/STJ.

2. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

3. Prescrição vintenária da pretensão de restituição do indébito decorrente da incidência de índices de março de 1990 (Plano Collor I), uma vez que, na data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, já havia decorrido mais da metade do prazo prescricional.

Precedentes.

4. "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores" (Súmula 286/STJ).

5. O índice de correção monetária aplicável às cédulas de crédito rural, no mês de março de 1990, nos quais prevista a indexação aos índices da caderneta de poupança, é o BTN no percentual de 41,28%.

Precedentes específicos do STJ.

6. "Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato" (Tema 968/STJ).

7. Descabimento da condenação da instituição financeira mutuante a pagar juros remuneratórios na repetição de indébito, tendo em vista a ausência de má-fé daquela na aplicação do IPC ao crédito rural.

8. Carência de interesse recursal no que tange à sanção civil de repetição em dobro, sequer cominada nos presentes autos.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1552434/GO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.552.434 - GO (2015⁄0206990-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADO : RAFAEL MARTINS PINTO DA SILVA E OUTRO(S) - RS064009
RECORRIDO : PAULO DAL PONT
ADVOGADOS : MURILO COUTO LACERDA E OUTRO(S) - GO028881
    COUTO ADVOGADOS S.S.  - GO000895
INTERES.  : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL  - PB000000C
INTERES.  : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
INTERES.  : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTRO(S) - PR007295
    PATRÍCIA CARLA DE DEUS LIMA  - PR028277
INTERES.  : FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DE GOIÁS - FAEG - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : ROSIRENE PEREIRA DE SOUZA FLEURY CURADO  - GO013216
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
 
Trata-se de recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S⁄A em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE  PASSIVA. PRESCRIÇÃO⁄DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA (CONTRATO FINDO E PROVA DO ERRO). CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE ACRÉSCIMOS LEGAIS.
I - Inexiste ilegalidade, e tampouco cerceamento de defesa, na hipótese em que o juiz, verificando suficientemente instruído o processo, considera desnecessária a produção de mais provas e julga o mérito da demanda na forma antecipada.
II - A instituição financeira, como integrante do Sistema Nacional de Crédito Rural é responsável para conceder o crédito e gerenciar o negócio,figurando como parte legítima para responder à demanda que tem como objeto litigioso o contrato de financiamento rural.
III - Nas ações em que são impugnados os critérios de remuneração da caderneta de poupança e são postuladas as respectivas diferenças, no regime do Código Civil anterior, a prescrição é vintenária, segundo a regra de transição prevista no CC 2002, não havendo, 'in casu', se falar em prescrição ou decadência do direito.
IV - Inexiste impedimento jurídico a inviabilizar a demanda de repetição de indébito com suporte na alegação de aplicação indevida do fator de correção monetária sobre a dívida.
V - É assente o entendimento jurisprudencial de que os contratos findos pela quitação, admitem o exercício jurisdicional, independente da prova de erro. Precedentes do STJ.
VI - As dívidas resultantes de financiamento rural e vinculadas à remuneração da caderneta de poupança devem ser atualizadas, no período de março de 1990, segundo o índice de variação do BTNF, no percentual de 41,28%, não se aplicando a indenização pelo índice do IPC. precedentes do STJ.
VII - Com relação ao momento para a incidência dos encargos legais sobre a diferença devida à restituição dos valores cobrados a maior, é devida a correção monetária a partir do ajuizamento da ação (Lei 6.899⁄81 artigo 1° § 2°), e juros moratórios em 1% ao mês, desde a citação (NCC arts. 405 e 406).
APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (fl. 307)
 
Opostos sucessivamente quatro embargos de declaração, os primeiros foram acolhidos, com efeitos infringentes, nos termos da seguinte ementa:
DUPLO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ACLARAMENTO. EFEITOS MODIFICATIVOS.
I - O cabimento dos embargos declaratórios estão adstritos aos requisitos do CPC 535 e visam dissipar omissões, obscuridades ou contradições.
II - Excepcionalmente é pertinente os efeitos modificativos aos embargos declaratórios para corrigir decisão eivada de omissão.
III - À vista de dissipar o vício apontado mister é a elucidação da questão embargada, máxime para dirimir os termos do ato decisório que  recaem sobre matéria de ordem pública.
IV - Ao reparar o conteúdo do acórdão é consectário a retificação do ementário, o qual deve ser lavrado com a seguinte redação: "VII - O montante do indébito a ser restituído deve compreender o valor cobrado indevidamente, atualizado com base nos mesmos encargos financeiros cobrados pela instituição financeira na vigência do contrato, como única forma de se impedir o enriquecimento sem causa. VIII - Os encargos financeiros praticados pela instituição financeira no empréstimo pactuado (taxas de juros, correção monetária, capitalização de juros) devem incidir a partir do pagamento indevido, e os juros moratórios calculados em 1% ao mês, desde a citação (NCC 405 e 406). APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA". EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E ACOLHIDOS. (fl. 384)
 
Os demais embargos foram rejeitados (fls. 416⁄427, 438⁄448 e 457⁄466), tendo-se aplicado multa de 10% do valor da causa.
Nas razões do recurso especial, o banco recorrente alegou violação dos arts.  267, inciso VI, e 535, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973,  art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil de 1916, art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, § 2º, e 20 da Lei 8.024⁄1990, art. 6º da Lei 8.088⁄1990, art. 1º, § 2º, da Lei 6.899⁄1981 e arts. 4º, inciso VI, 9º e 17 da Lei 4595⁄1964, bem como divergência jurisprudencial, sob os argumentos de: (a) negativa de prestação jurisdicional; (b) "impossibilidade jurídica" da repetição do indébito com base nos mesmos encargos do contrato; (c) ausência de interesse processual na revisão de contratos findos; (d) prescrição da pretensão de cobrança de juros remuneratórios; (e) incidência do IPC de março de 1990 na atualização monetária da dívida; e (f) descabimento da repetição em dobro.
Contrarrazões às fls. 533⁄551.
O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fls. 562⁄568).
No âmbito desta Corte Superior, o recurso foi julgado intempestivo, por decisão da Presidência (fl. 576).
Contra essa decisão, houve agravo regimental (fls. 580⁄593), que foi acolhido para reconsiderar a decisão agravada (fls. 669⁄670).
Por meio da petição de fls. 621⁄652, o banco recorrente apresentou pedido de tutela provisória com o objetivo de impedir o bloqueio, via BACENJUD, de 17 (dezessete) milhões de reais, determinado pelo juízo de origem.
A tutela provisória de urgência foi concedida por decisão deste relator (fls. 662⁄666).
O recurso especial foi então afetado por esta SEÇÃO ao rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 968) para consolidar entendimento acerca das seguintes questões jurídicas: (a) cabimento ou não da incidência de juros remuneratórios na repetição de indébito apurado em favor do mutuário de contrato de mútuo feneratício; e (b) taxa de juros remuneratórios a ser aplicada na hipótese do item anterior (fl. 678).
Na sessão de julgamento de 13⁄06⁄2018, o repetitivo foi julgado, nos termos da seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 968⁄STJ. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC⁄1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC⁄BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS REMUNERATÓRIOS..
I - DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA:
1.1. Limitação da controvérsia à repetição de indébito em contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira.
2 - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC⁄2015:
2.1. Tese aplicável a todo contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira mutuante: "Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato";
3 - CASO CONCRETO:
3.1. Existência de afetação ao rito dos repetitivos da controvérsia sobre "Ilegalidade da aplicação do IPC de março de 1990 (índice de 84,32%) na correção do saldo devedor" (Tema 653⁄STJ), tornando-se inviável o julgamento do caso concreto por esta SEÇÃO.
3.2. Devolução dos autos ao órgão fracionário para julgamento do caso concreto, no momento oportuno.
4 - RECURSO ESPECIAL DEVOLVIDO À TURMA PARA JULGAMENTO DO CASO CONCRETO.
 
Houve embargos de declaração, que foram rejeitados (fl. 1014).
Em 12⁄12⁄2018, retornaram-me os autos conclusos para julgamento do caso concreto perante a TERCEIRA TURMA.
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.552.434 - GO (2015⁄0206990-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADO : RAFAEL MARTINS PINTO DA SILVA E OUTRO(S) - RS064009
RECORRIDO : PAULO DAL PONT
ADVOGADOS : MURILO COUTO LACERDA E OUTRO(S) - GO028881
    COUTO ADVOGADOS S.S.  - GO000895
INTERES.  : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL  - PB000000C
INTERES.  : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
INTERES.  : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTRO(S) - PR007295
    PATRÍCIA CARLA DE DEUS LIMA  - PR028277
INTERES.  : FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DE GOIÁS - FAEG - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : ROSIRENE PEREIRA DE SOUZA FLEURY CURADO  - GO013216
 
EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL.  DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC⁄1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC⁄BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PRECEDENTES. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. CABIMENTO. SÚMULA 286⁄STJ. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ÍNDICE DA CADERNETA DE POUPANÇA. BTNF. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. DUALIDADE DE ÍNDICES INSTITUÍDA POR LEI. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
1. Julgamento do caso concreto referente ao Tema 968⁄STJ.
2. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional.
3. Prescrição vintenária da pretensão de restituição do indébito decorrente da incidência de índices de março de 1990 (Plano Collor I), uma vez que, na data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, já havia decorrido mais da metade do prazo prescricional. Precedentes.
4. “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores” (Súmula 286⁄STJ).
5. O índice de correção monetária aplicável às cédulas de crédito rural, no mês de março de 1990, nos quais prevista a indexação aos índices da caderneta de poupança, é o BTN no percentual de 41,28%. Precedentes específicos do STJ.  
6. “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato” (Tema 968⁄STJ).
7. Descabimento da condenação da instituição financeira mutuante a pagar juros remuneratórios na repetição de indébito, tendo em vista a ausência de má-fé daquela na aplicação do IPC ao crédito rural.
8. Carência de interesse recursal no que tange à sanção civil de repetição em dobro, sequer cominada nos presentes autos.
9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
 
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
 
Eminentes colegas, o recurso especial merece ser parcialmente provido.
Inicialmente, não há falar em negativa de prestação jurisdicional por parte do Tribunal a quo, uma vez que o direito à repetição foi reconhecido com base em precedente desta Corte Superior, e os encargos da repetição foram expressamente definidos no julgamento dos embargos de declaração de fls. 384⁄404, como sendo "os mesmos índices e forma de cálculo fixados nos contratos" (fl. 403), tendo-se enfrentado toda as questões pertinentes a essa controvérsia.
Também não se verifica decurso do prazo prescricional, pois o indébito tem origem em março de 1990, na vigência do Código Civil de 1916, sendo aplicável a prescrição vintenária.
O prazo de prescrição não é alterado pelo Código Civil de 2002, uma vez que já havia transcorrido mais da metade do prazo em janeiro 2003, conforme regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PLANO ECONÔMICO. COLLOR I (MARÇO⁄1990). ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. TERMO INICIAL. LESÃO.
1. A prescrição para a restituição⁄repetição de valores pagos indevidamente em virtude de contrato bancário segue os prazos previstos no art. 177 do Código Civil de 1916 e no art. 205 do Código Civil de 2002, respeitada a norma de transição do artigo 2.028 deste último diploma legal, e tem como termo de início de contagem o momento da lesão de direito.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 613.323⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄03⁄2015, DJe 23⁄03⁄2015)
 
AGRAVO REGIMENTAL. DEMONSTRAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DO AGRAVANTE. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO PROVIDO . CÉDULA CRÉDITO RURAL. AFRONTA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. ART. 6º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. NÃO CABIMENTO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.83⁄STJ. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA EM MARÇO DE 1990. BTN F FIXADO EM 41,28%. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SIMPLES. SEM NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE ERRO. SÚMULA N. 83⁄STJ. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. REGRA DE TRANSIÇÃO. DECENAL . ART. 205 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A apreciação de afronta a dispositivo da Constituição Federal é incabível em sede de recurso especial.
2. A análise de suposta ofensa ao art. 6º da LICC após a promulgação da Constituição Federal de 1988. É insuscetível de exame na estreita via do nobre apelo.
3. É cabível a discussão, em sede de ação revisional, do contrato e suas cláusulas a fim de afastar eventuais ilegalidades.
4 É firme a orientação jurisprudencial do STJ em admitir a compensação de valores e a repetição do indébito na forma simples, sempre que constatada cobrança indevida do encargo exigido, sem ser preciso comprovar erro no pagamento.
5. É entendimento do STJ que o índice de correção incidente em março de 1990 é de 41,28% pelo BTNF.
6. O prazo prescricional nas ações de repetição de indébito é o vintenário pelo Código Civil de 1916, respeitada a regra de transição disposta no Código de 2002. 7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 84.842⁄RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25⁄06⁄2013, DJe 01⁄07⁄2013)
 
A prescrição, portanto, se consumaria em março de 2010, de modo que, em 2007 (ano do ajuizamento da ação) a pretensão não estaria prescrita.
De outra parte, a revisão de contratos findos é admitida pela jurisprudência consolidada desta Corte Superior, conforme previsto na Súmula 286⁄STJ, assim lavrada:
Súmula 286⁄STJ - A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.
 
Quanto ao mérito propriamente dito, do índice a ser aplicado na atualização do indébito em março de 1990, o acórdão recorrido não merece reforma, pois se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido da incidência do BTNF, conforme se verifica nos seguintes precedentes:
PLANO COLLOR. CÉDULA DE CREDITO RURAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE. PARA A ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS DE CÉDULAS RURAIS EMITIDAS ANTES DE 15 DE MARÇO DE 1990, VINCULADOS A REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA, DEVE SER APLICADO O MESMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO DOS SALDOS EM CRUZADOS TRANSFERIDOS AO BANCO CENTRAL (BTNF). LEI 8024⁄90 E COMUNICADO 2067⁄90, DO BACEN. RECURSO NÃO CONHECIDO. (REsp 31.594⁄MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 07⁄06⁄1994, DJ 27⁄06⁄1994)
 
 
CREDITO RURAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. EM RELAÇÃO AO MÊS DE MARÇO DE 1990, A DIVIDA RESULTANTE DE FINANCIAMENTO RURAL COM RECURSOS CAPTADOS DE DEPÓSITOS EM POUPANÇA DEVE SER ATUALIZADA SEGUNDO O ÍNDICE DE VARIAÇÃO DO BTNF. ANTE O ATRELAMENTO CONTRATUAL, E INJUSTIFICÁVEL APLICAR-SE O IPC, PARA A ATUALIZAÇÃO DA DIVIDA, SE OS DEPÓSITOS EM POUPANÇA, FONTE DO FINANCIAMENTO, FORAM CORRIGIDOS POR AQUELE ÍNDICE.
E ADMITIDA A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS EM OPERAÇÃO DE CREDITO RURAL, NA CONFORMIDADE DA REGRA EXCEPTIVA DO ART. 5. DO DECRETO-LEI 167⁄67. ENTENDIMENTO RESPALDADO PELA SUMULA NR. 93⁄STJ.
RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, PROVIDO.
(REsp 47.186⁄RS, Rel. Ministro PAULO COSTA LEITE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25⁄10⁄1995, DJ 04⁄12⁄1995)
 
Com relação aos juros remuneratórios, assiste razão ao banco recorrente.
O Tribunal de origem, ao julgar os primeiros embargos de declaração (fls. 384⁄404), aplicou à repetição do indébito os mesmos encargos financeiros pactuados no contrato de mútuo.
Esse entendimento está em dissonância com a tese fixada no julgamento do Tema 968⁄STJ, abaixo transcrito:
 
Tema 968⁄STJ - Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato. 
 
É de se reformar, portanto, o acórdão recorrido nesse ponto, excluindo-se a aplicação, sobre o indébito, dos juros remuneratórios à mesma taxa em que foram contratados.
Se os juros remuneratórios não são devidos à taxa contratada, cabe indagar se não seriam devidos com base em outra taxa, como, por exemplo, a taxa SELIC, ou a taxa de 1% prevista no CTN.
Essa controvérsia diz respeito aos frutos do indébito (juros remuneratórios), se devem ou não ser restituídos, e, em caso afirmativo, a que taxa.
O primeiro passo para se enfrentar essa controvérsia consiste em identificar a natureza da obrigação de restituir o indébito no caso concreto.
A natureza dessa obrigação, à primeira vista, parece ser o descumprimento da cláusula que estabelecia reajuste do débito com base nos índices da caderneta de poupança.
A hipótese se enquadraria, portanto, em um ato ilícito contratual, uma das fontes da responsabilidade civil.
Elemento da responsabilidade civil tradicional, ainda que contratual, é a culpa.
Nesse sentido dispõe o enunciado normativo do art. 392, segunda parte, do Código Civil, confira-se:
Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. (sem grifos no original)
 
No caso, tenho dificuldade em vislumbrar culpa do banco mutuante.
Com efeito, observa-se que a legislação instituidora do Plano Collor I, que estabeleceu uma dualidade de índices de remuneração das cadernetas de poupança.
Transcreve-se, a propósito, o art. 6º da Lei 8.024⁄1990, originária da Medida Provisória 168⁄1990, que instituiu o Plano Collor I:
Art. 6º. Os saldos das cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do art. 1º, observado o limite de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos).
 
§ 1º As quantias que excederem o limite fixado no caput deste artigo, serão convertidas, a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais iguais e sucessivas.
 

§ 2º As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN Fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimentos e a data da conversão, acrescidas de juros equivalente a 6% (seis por cento) ao ano ou fração pro rata.
 
§ 1º As quantias que excederem o limite fixado no caput deste artigo serão convertidas, a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais iguais e sucessivas, segundo a paridade estabelecida no § 2º do art. 1º desta lei. (Redação dada pela Lei nº 8.088, de 1990)
 
§ 2º As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas pela variação do BTN Fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimento e a data do efetivo pagamento das parcelas referidas no dito parágrafo, acrescidas de juros equivalentes a seis por cento ao ano ou fração pro rata . (Redação dada pela Lei nº 8.088, de 1990)
 
§ 3º Os depósitos compulsórios e voluntários mantidos junto ao Banco Central do Brasil, com recursos originários da captação de cadernetas de poupança, serão convertidos e ajustados conforme regulamentação a ser baixada pelo Banco Central do Brasil.
 
Como se depreende do enunciado normativo do § 2º, acima transcrito, os saldos de poupança excedentes a NCz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos) - que foram bloqueados pelo Banco Central - passaram a ser atualizados pelo BTN-F, ao passo que o restante permaneceu sujeito à legislação que regia a caderneta de poupança na época, sendo convertidos em cruzeiros, e remunerados pelo IPC.
Instituiu-se, assim, por força de lei, uma dualidade de índices de remuneração da caderneta de poupança.
Sobre esse ponto, merece referência o seguinte trecho do já aludido REsp 31.594⁄MG:
A Lei 8.024, de 12 de abril de 1990, que aprovou a Medida Provisória nº 168, de 15 de março do mesmo ano, implantando o chamado "Plano Collor", determinou que os saldos em cruzados das cadernetas de poupança, superiores ao limite de NCz$ 50.000,00, fossem transferidos ao Banco Central do Brasil (artigo 6º, caput, e artigo 9º), com devolução prevista para iniciar em 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais iguais e sucessivas (art. 6º, § 1º).
 
Para a atualização desses saldos transferidos ao Banco Central, a regra está no § 2º do artigo 6º: entre a data do próximo crédito de rendimentos, isto é, a partir do primeiro "aniversário" da conta após 15 de março, até a devolução integral dos saldos, a correção seria feita pela variação do BTN Fiscal. Para as contas cujo trintídio se iniciara antes de 15 de março, com primeiro aniversário depois do Plano até 15 de abril, a atualização seria feita, nesse período, de acordo com a legislação vigente até 15 de março, isto é, aplicando-se o IPC.
 
Assim, a poupança efetuada antes de 15 de março de 1990, que servira ao Banco como fonte de recursos para os financiamentos agrícolas contratados até essa data, passou a ser atualizada pela variação do BTNF.
 
É certo que o Comunicado nº 2.067, do Banco Central, de 30 de março de 1990 (DO 02⁄04⁄90, p. 6431), determinou o uso do Índices de Preços ao Consumidor (IPC) para a atualização dos saldos, mas dos saldos em cruzeiros, isto é, apenas das quantias até Cr$ 50.000,00, cuja conversão já ocorrera ou que iria ocorrer até 15 de abril, isto é, até a "data do próximo crédito de rendimento", e das contas novas em cruzeiros. As contas já existentes, com saldos além de NCz$ 50.000,00, bloqueadas junto ao Banco Central, não estão compeendidas no Comunicado, referido apenas aos saldos em cruzeiros. Daí se conclui que a correção mensal pelo índice de 0,84 (IPC), para o trintídio iniciado depois de 15 de março, apenas se aplica aos saldos em cruzeiros, e assim mesmo com exclusão daquelas contas abertas no período de 19 a 28 de março, na forma da Circular nº 1.606, de 19 de março, para as quais se aplicou a mesma variação do BTNF, para o mês de abril.
 
Adotou-se, pois, sistema misto na correção dos saldos das cadernetas de poupança: para os saldos em cruzados, a correção pelo BTNF; para os depósitos em cruzeiros, pelo IPC, na forma do Comunicado 2067⁄90. Não me parece correta a adoção de dois critérios para a atualização de quantias que tiveram na poupança popular a mesma origem, em detrimento dos titulares das cadernetas de poupança cujos saldos ficaram bloqueados, às quais foi destinada uma atualização muito inferior ao índice real da inflação. Mas aqui não se cuida de estabelecer a aceitação ou não das soluções adotadas na legislação e nos atos administrativos emanados pelo Banco Central; trata-se apenas de verificar quais os padrões diretivos que orientaram o Banco na escrituração dos valores das cadernetas de poupança que continuaram em cruzados, junto ao Banco Central. (sem grifos no original)
 
Essa dualidade de índices gerou uma ambiguidade nas cláusulas que previam remuneração com base no índice da poupança.
Ante essa ambiguidade, não causada pelo banco, tornou-se necessário optar por um índice, tendo o banco optado pelo IPC, que era o índice aplicável aos depósitos que ficaram sob custódia das instituições financeiras.
Como essa ambiguidade não foi causada pelo banco, mas pela lei (fato do príncipe), tenho dificuldade em vislumbrar culpa das instituições financeiras que aplicaram o IPC em vez do BTNF.
Não seria o caso, portanto, de se imputar responsabilidade civil ao banco.
Afastada a responsabilidade civil contratual, restam duas fontes de natureza distinta para a obrigação de restituir o indébito: o contrato (obrigação negocial) e o enriquecimento sem causa (segundo a classificação de FERNANDO NORONHA em "Direito das obrigações". 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 441 a 446).
Contratual não parece ser a natureza da obrigação de restituir, pois, sendo o mútuo um contrato unilateral, só gera deveres para o mutuário, não para o mutuante, salvo disposição em contrário (hipótese não mencionada no caso dos autos).
Resta analisar, por último, o enriquecimento sem causa como natureza da obrigação de restituir.
Aqui parece realmente estar situada a natureza da obrigação de restituir no caso dos autos.
Efetivamente, uma vez que o índice aplicado pelo banco foi considerado ilegal pela jurisprudência desta Corte Superior, surge para o banco a obrigação de restituir o valor excedente que auferiu com base nesse índice, justamente para eliminar o enriquecimento sem causa, conforme se depreende do enunciado normativo dos arts. 884 e 885 do Código Civil, abaixo transcritos:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
 
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
 
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
 
Na obrigação de restituir, a controvérsia acerca dos frutos da coisa a ser restituída pode ser resolvida com analogia à disciplina da posse, centrada na analise da boa-fé, ex vi do art. 242, p. u., c⁄c art. 1.214, caput, do CC⁄2002, abaixo transcrito:
Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
 
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.
.............................................................................
 
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
 
Resta saber, então, se o banco atuou de boa-fé.
A meu juízo, não há como excluir a boa-fé do banco, pois, conforme já salientado anteriormente, na parte referente à análise da culpa, foi a legislação e a regulamentação administrativa, e não o banco, que criaram uma dualidade de índices.
Ante esse dualidade, o banco seguiu aplicando o índice pertinente aos depósitos sob custódia das instituições financeiras.
Posteriormente, em 1995, a SEGUNDA SEÇÃO desta Corte Superior veio a pacificar o entendimento de que o índice aplicável seria o BTNF, não o IPC, que vinha sendo utilizado pelos bancos.
Nos precedentes que deram origem a esse entendimento, verifica-se o fundamento de que os saldos de poupança remunerados pelo BTNF, e bloqueados pelo Banco Central, continuavam disponíveis aos bancos para servirem de fonte para o crédito rural, embora permanecessem bloqueados aos correntistas.
Esse fundamento, a meu juízo, não é suficiente para afastar a boa-fé dos bancos, pois, de todo modo, o contrato de crédito rural não fazia essa distinção, prevendo apenas remuneração pelos mesmos índices aplicáveis às cadernetas de poupança.
Desse modo, tendo em vista a ausência de má-fé dos bancos, conclui-se que não há obrigação de restituir os frutos do capital (juros remuneratórios).
Quanto aos encargos moratórios, permanecem devidos, incidindo juros de mora desde a citação, ex vi do art. 219 do CPC⁄1973 (atual art. 240 do CPC⁄2015), e correção monetária desde o indébito.
Por fim, não se vislumbra interesse recursal no que tange à insurgência contra a sanção civil de repetição em dobro, pois essa cominação sequer foi aplicada pelo Tribunal a quo.
Destarte, o recurso especial merece ser parcialmente provido.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso especial tão somente para excluir os encargos remuneratórios da condenação à repetição do indébito.
Encargos sucumbenciais redistribuídos na proporção de metade por cada parte.
Confirma-se a tutela de urgência anteriormente deferida.

É o voto.