Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BALAS. LARVAS EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR.

1. Ação ajuizada em 06/03/2015. Recurso especial interposto em 23/06/2017 e concluso ao Gabinete em 03/05/2018.

2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado.

3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.

5. Na hipótese dos autos, ao encontrar larvas no interior de bombons no momento de sua retirada da embalagem, é evidente a exposição negativa à saúde e à integridade física ao consumidor.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1744321/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018⁄0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS  - RJ073376
    ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI  - RJ163183
    EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186068
    EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO  - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S⁄A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA  - RJ159808
    FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES  - RJ183218
    CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ  - RJ171747
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

Cuida-se de recurso especial interposto por SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI, exclusivamente com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ⁄RJ.

Ação: de indenização de danos materiais e de reparação de danos morais, ajuizada pela recorrente em face de ARCOR DO BRASIL LTDA. e LOJAS AMERICANAS S⁄A, em razão da presença de larvas em bombons de chocolate consumidos pela recorrente, que foram fabricados pela ARCOR e comercializados pelas LOJAS AMERICANAS.

Sentença: julgou parcialmente procedente, condenando as recorridas ao pagamento de indenização por dano material, consistente na devolução dos valores pagos na aquisição dos bombons, mas negou a condenação de reparação por danos morais, por entender que não ficou comprovada a ingestão das mencionadas larvas pela recorrente.

Acórdão: em apelação interposta pela recorrente, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, em julgamento assim ementado:

Apelação Cível. Ação de Indenização por danos materiais e morais. Vício do produto. Parte autora relata que adquiriu produto dos réus _ bombons – impróprio ao consumo comprovado por laudo do Instituto Carlos Éboli.
Sentença de procedência condenando as rés apenas quanto aos danos materiais.
Apelação da parte autora com pretensão de reforma para julgar procedente o pedido de condenação em danos morais.
Não houve comprovação nos autos de que a autora tenha ingerido o produto, bem como tenha sido internada pelo fato.
Dano moral não configurado, a mera aquisição do produto com vício, por si só, não gera dano moral, mostrando-se, assim, incapaz de ensejar abalo psicológico ou ofensa considerável a direito da personalidade. Precedentes do STJ.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
 

Recurso especial: alega a existência de dissídio jurisprudencial acerca do tema contidos nos autos.

Admissibilidade: o recurso não fora admitido pelo Tribunal de origem (e-STJ fls. 427-429). Após a interposição de agravo em recurso especial, decidiu-se pela conversão do agravo para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 482).

É O RELATÓRIO.

 

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018⁄0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS  - RJ073376
    ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI  - RJ163183
    EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186068
    EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO  - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S⁄A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA  - RJ159808
    FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES  - RJ183218
    CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ  - RJ171747
EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BALAS. LARVAS EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR.
1. Ação ajuizada em 06⁄03⁄2015. Recurso especial interposto em 23⁄06⁄2017 e concluso ao Gabinete em 03⁄05⁄2018.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
5. Na hipótese dos autos, ao encontrar larvas no interior de bombons no momento de sua retirada da embalagem, é evidente a exposição negativa à saúde e à integridade física ao consumidor.
6. Recurso especial provido.
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.744.321 - RJ (2018⁄0097074-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : SIRLEI MAKOSKI CAVALCANTI
ADVOGADOS : NEIDE NASCIMENTO DE JESUS  - RJ073376
    ROBERTO FLÁVIO CAVALCANTI  - RJ163183
    EMILY ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186068
    EVELYN ALMEIDA MARQUES NOVAES  - RJ186066
RECORRIDO : ARCOR DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : PEDRO PAULO FAVERY DE ANDRADE RIBEIRO  - SP117626
RECORRIDO : LOJAS AMERICANAS S⁄A
ADVOGADOS : PEDRO HENRIQUE AUGUSTO CORRÊA DA SILVA  - RJ159808
    FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES  - RJ183218
    CRISTIANE DANTAS DORMÉA DE QUEIROZ  - RJ171747
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária sua ingestão ou se o fato de encontrar larvas ao retirar bombons de suas embalagens é suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa.

I – Da violação ao art. 12 do CDC

A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto de gênero alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física. Por exemplo, veja-se o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE GARRAFA DE REFRIGERANTE CONTENDO CORPO ESTRANHO EM SEU CONTEÚDO. NÃO INGESTÃO. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. OFENSA AO DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA.
ARTIGOS ANALISADOS: 4º, 8º, 12 e 18, CDC e 2º, Lei 11.346⁄2006.
1. Ação de compensação por dano moral, ajuizada em 20⁄04⁄2007, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10⁄06⁄2013.
2. Discute-se a existência de dano moral na hipótese em que o consumidor adquire garrafa de refrigerante com corpo estranho em seu conteúdo, sem, contudo, ingeri-lo.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1424304⁄SP, Terceira Turma, julgado em 11⁄03⁄2014, DJe 19⁄05⁄2014)
 

Nas hipóteses em que há ingestão do produto em condições impróprias, conforme salientei no julgamento do REsp nº 1.252.307⁄PR (Terceira Turma, DJe 08⁄08⁄2012), “o sentimento de repugnância, nojo, repulsa que [...] poderá se repetir toda vez que se estiver diante do mesmo produto” dá ensejo a “um abalo moral passível de compensação pecuniária”.

De fato, grande parte do dano psíquico advém do fato de que a sensação de ojeriza “se protrai no tempo, causando incômodo durante longo período, vindo à tona sempre que se alimenta, em especial do produto que originou o problema, interferindo profundamente no cotidiano da pessoa” (REsp nº 1.239.060⁄MG, Terceira Turma, 18⁄05⁄2011).

Na hipótese dos autos, contudo, há a peculiaridade de não ter havido ingestão, ainda que parcial, do produto contaminado. É certo que, conforme estabelecido no acórdão recorrido, o corpo estranho – um anel indevidamente contido em uma bolacha recheada – esteve prestes a ser engolido pelo filho dos recorrentes, sendo cuspido no último instante.

Apesar da divergência jurisprudencial no âmbito desta Corte e com todo o respeito à posição contrária, parece ser o entendimento mais justo e adequado à legislação consumerista aquela que dispensa a ingestão, mesmo que parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos.

Isso porque, com base no CDC, a doutrina explica que “são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor” (Rizzatto Nunes. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2012, p. 229).

Por outro lado, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.

A insegurança, portanto, é um vício de qualidade que se agrega ao produto ou serviço como um novo elemento de desvalia e que transcende a simples frustração de expectativas. Daí a denominação de “fato do produto e do serviço” trazida pelo CDC, pois se tem um vício qualificado pela insegurança que emana do produto⁄serviço.

Na lição de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno Miragem (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2ª ed., 2006, p. 261):

"A teoria da qualidade [...] bifurcar-se-ia, no sistema do CDC, na exigência de qualidade-adequação e de qualidade-segurança , segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido haveria vícios de qualidade por inadequação (art. 18 e ss.) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17). O CDC não menciona os vícios por insegurança, e sim a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e a noção de defeito; esta terminologia nova, porém, é muito didática, ajudando na interpretação do novo sistema de responsabilidade."
 

É necessário, assim, indagar se a hipótese dos autos alberga um mero vício (de qualidade por inadequação, art. 18, CDC) ou, em verdade, um defeito⁄fato do produto (vício de qualidade por insegurança, art. 12, CDC).

A sistemática implementada pelo CDC protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco sua segurança e, por conseguinte, sua saúde, integridade física, psíquica etc. Segundo o art. 8º do CDC “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores ”. Existe, portanto, um dever legal, imposto ao fornecedor, de evitar que a saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco.

Desse dever legal decorre a responsabilidade do fornecedor de “reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos” (art. 12, CDC).

Segundo o CDC, “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera (...), levando-se em consideração (...) o uso e os riscos” razoavelmente esperados (art. 12, § 1º, II, CDC). Em outras palavras, há defeito – e, portanto, fato do produto – quando oferecido risco dele não esperado, segundo o senso comum e sua própria finalidade. Assim, a hipótese não é de mero vício (o qual, como visto, não congrega um fato extrínseco; na espécie, consubstanciado no risco oferecido).

O CDC é paradigmático porque, “observando a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na ideia de garantia implícita do sistema da common law (implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que dele se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo sistema do CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores”. (MARQUES, C.; BENJAMIN, A.; e MIRAGEM, B. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2ª ed., 2006, p. 258).

É indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o consumidor a risco, na medida em que, ao encontrar larvar no momento de retirar o produto adquirido de sua embalagem, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto.

De todo o exposto, deflui-se que o dano indenizável decorre do risco a que fora exposto o consumidor. Ainda que, na espécie, a potencialidade lesiva do dano não se equipare à hipótese de ingestão do produto contaminado (diferença que necessariamente repercutirá no valor da indenização), é certo que, conquanto reduzida, aquela também se faz presente na hipótese em julgamento.

II – Dos danos morais

Segundo a jurisprudência desta Corte, pode-se definir dano moral como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade (REsp 1426710⁄RS, Terceira Turma, julgado em 25⁄10⁄2016, DJe 09⁄11⁄2016).

No mesmo sentido, a doutrina de Carlos Alberto BITTAR afirma que os danos morais são aqueles relativos “a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como entes sociais, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto”. (Reparação civil por danos morais. S. Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 35). Sobre o tema, contudo, este Tribunal mantém posicionamento pacífico segundo o qual simples dissabores ou aborrecimentos são incapazes de causar danos morais, como é possível perceber no julgamento do REsp 202.564⁄RJ (Quarta Turma  julgado em 02⁄08⁄2001, DJ 01⁄10⁄2001, p. 220) e do REsp 1.426.710 (julgado em 25⁄10⁄2016, DJe 08⁄11⁄2016).

A jurisprudência do STJ, incorporando a doutrina desenvolvida acerca da natureza jurídica do dano moral, conclui pela possibilidade de compensação independentemente da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano.

Assim, em diversas oportunidades se deferiu indenização destinada a compensar dano moral diante da simples comprovação de ocorrência de conduta injusta e, portanto, danosa. Essa concepção também encontra raízes no valor da solidariedade social, albergado pela Constituição Republicana em seu art. 3º, inc. I. 28. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes:

“A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador constituinte, estabelece em nosso ordenamento um princípio jurídico inovador, a ser levado em conta não só no momento da elaboração da legislação ordinária e na execução de políticas públicas, mas também nos momentos de interpretação e aplicação do Direito, por seus operadores e demais destinatários, isto é, por todos os membros da sociedade. Se a solidariedade fática decorre da necessidade imprescindível da coexistência humana, a solidariedade como valor deriva da consciência racional dos interesses em comum, interesses esses que implicam, para cada membro, a obrigação moral de 'não fazer aos outros o que não se deseja que lhe seja feito'. Esta regra não tem conteúdo material, enunciando apenas uma forma, a forma da reciprocidade, indicativa de que 'cada um, seja o que for que possa querer, deve fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro. É o conceito dialético de 'reconhecimento' do outro”. (Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 110-112)
 

Assim, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do art. 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança à risco concreto.

Não se ignora que, em situações semelhantes à hipótese em julgamento, o STJ eximiu os fornecedores do dever de indenizar o consumidor por não ter havido ingestão do produto com corpo estranho no interior de produto.  Assim, no REsp 1.131.139⁄SP (Quarta Turma, DJe 01⁄12⁄2010), o produto oferecido à venda se encontra impróprio ao consumo, mas, antes de ser ingerido pelo consumidor, o vício foi detectado.  Da mesma forma, no julgamento do AgRg no Ag 276.671⁄SP (Terceira Turma, DJ 08⁄05⁄2000), esta Corte afirmou que “simples aquisição do produto danificado, uma garrafa de refrigerante contendo um objeto estranho no seu interior, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não revela, a meu ver, o sofrimento descrito pelos recorrentes como capaz de ensejar indenização por danos morais”. Nesse emsmo sentido: REsp 747.396⁄DF, Quarta Turma, DJe 22⁄03⁄2010; AgInt no REsp 1597890⁄SP, Terceira Turma, DJe 14⁄10⁄2016.

Como exposto anteriormente, respeitando esse entendimento, divergimos de sua conclusão, por entender presente um risco potencial de dano à saúde e à integridade física e psíquica. De fato, recentemente esta Turma considerou existente a configuração de danos morais, conforme julgamento abaixo ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE PACOTE DE BISCOITO RECHEADO COM CORPO ESTRANHO NO RECHEIO DE UM DOS BISCOITOS. NÃO INGESTÃO. LEVAR À BOCA. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. 1. Ação ajuizada em 04⁄09⁄2012. Recurso especial interposto em 16⁄08⁄2016 e concluso ao Gabinete em 16⁄12⁄2016.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrialização, é necessária sua ingestão ou se o simples fato de levar tal resíduo à boca é suficiente para a configuração do dano moral.
3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC.
5. Na hipótese dos autos, o simples "levar à boca" do corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1644405⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄11⁄2017, DJe 17⁄11⁄2017)

 

Na hipótese dos autos, conforme narrado acima, foram encontradas larvas nos bombons do tipo butter toffee no momento em que elas foram desembaladas pelos consumidores. Nessa circunstância, é evidente a exposição a risco nessas circunstâncias, o que necessariamente deve afastar a necessidade de ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. Exigir que, para a necessidade de reparação, houvesse a necessidade que os consumidores deglutissem essas larvas parece não encontrar qualquer fundamento na legislação de defesa do consumidor.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, para condenar as recorridas, de forma solidária, ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Incide sobre esse montante a correção monetária a partir da data da prolação da sentença, por força da Súmula 362⁄STJ, fluindo os juros moratórios a partir do evento danoso, à luz da Súmula 54⁄STJ.

Ficam os ônus sucumbenciais sob a responsabilidade do recorrido, fixando-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

 

Documento: 91891662 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO