Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. ESCRITURA PÚBLICA DE RECONHECIMENTO. ALIMENTOS. CLÁUSULA DE DISPENSA PRÉVIA. ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. AÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA APÓS A DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO. VIABILIDADE. IRRENUNCIABILIDADE DOS ALIMENTOS DEVIDOS NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO CONJUGAL. NULIDADE DA CLÁUSULA DE RENÚNCIA. RECURSO IMPROVIDO.

1. Tendo as partes vivido em união estável por dez anos, estabelecendo no início do relacionamento, por escritura pública, a dispensa à assistência material mútua, a superveniência de moléstia grave na constância do relacionamento, reduzindo a capacidade laboral e comprometendo, ainda que temporariamente, a situação financeira da companheira, autoriza a fixação de alimentos após a dissolução da união.

2. Direito à assistência moral e material recíproca e dever de prestar alimentos expressamente previstos nos arts. 2º, II, e 7º da Lei 9.278/96 e nos arts. 1.694 e 1.724 do CC/2002.

3. São irrenunciáveis os alimentos devidos na constância do vínculo familiar (art. 1.707 do CC/2002). Não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não pode ser admitida enquanto perdurar a união estável.

4. Reconhecida pelo eg. Tribunal a quo a necessidade da ex-companheira à percepção de alimentos em caráter transitório, assim como a capacidade contributiva do recorrente, a reforma do julgado quanto a estes aspectos mutáveis demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado na via do recurso especial (Súmula 7 do STJ).

5. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.

(REsp 1178233/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 09/12/2014)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.233 - RJ (2010⁄0019872-2)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : J K
ADVOGADOS : PAULO MALTA LINS E SILVA E OUTRO(S)
    RODRIGO FREITAS RODRIGUES ALVES E OUTRO(S)
    EDUARDO RODOLPHO MARTINS FERREIRA DE CARVALHO
RECORRIDO : A T
ADVOGADOS : ANDRÉIA LOPES BRITTO E OUTRO(S)
    DIEGO BARBOSA CAMPOS E OUTRO(S)
    GRISSIA RIBEIRO VENANCIO E OUTRO(S)
 
RELATÓRIO
 

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por J K contra v. acórdão da Quinta Câmara Cível do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Os autos dão conta de que A T ajuizou ação de alimentos em face de J K, sob o fundamento de que conviveu com o requerido por aproximadamente dez (10) anos e que, na constância da união, foi acometida por doença - câncer de pulmão - que lhe impôs restrições financeiras, tornando inviável sua subsistência exclusivamente com sua renda.

O pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar o requerido ao pagamento de prestação alimentícia no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais, até a data de 3 de junho de 2008, prevista para a alta médica da autora (fls. 843⁄847).

Interposta apelação, o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, deu provimento ao recurso, julgando improcedente o pedido. O acórdão em questão recebeu a seguinte ementa:

"DIREITO DE FAMÍLIA. PENSÃO ALIMENTÍCIA. CÔNJUGE COM CONSIDERÁVEL PATRIMÔNIO E MEIOS DE SOBREVIVÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (fl. 1.006).
 

Manejados embargos infringentes, foram acolhidos para restabelecer a sentença, nos termos do acórdão assim ementado:

 
"EMBARGOS INFRINGENTES. ALIMENTOS. INDISPENSÁVEL VERIFICAÇÃO DO BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE. PROPORCIONALIDADE.
1 - Ação de alimentos ajuizada pela ora Embargante, após a dissolução de união estável, sob a alegação de que a superveniência de moléstia grave teria reduzido consideravelmente sua capacidade para o trabalho, ocasionando-lhe sérias dificuldades financeiras; pedido de prestação de alimentos até seu total restabelecimento, previsto para junho de 2008.
2 - Cuidando-se de pretensão de alimentos, é indispensável a verificação do binômio possibilidade-necessidade, a teor do disposto no § 1º do artigo 1.694 do Código Civil. O juiz, guiando-se pela prudência e pelo bom senso, deve considerar a situação econômica das partes, de forma a averiguar a real possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentando, bem como se houve alteração na fortuna dos litigantes, observando, sempre, o princípio da proporcionalidade como critério para tal aferição.
3 - Os elementos trazidos aos autos fazem prova convincente das alegações da Embargante, sendo de se considerar que as seqüelas e a debilidade física decorrentes da doença que a acometeu decerto não permitem seu retorno às atividades laborais senão de forma lenta e gradual. O pleito de alimentos deveu-se tão-só ao fato de seu paulatino reingresso no mercado de trabalho, servindo como meio de complementar sua renda, necessidade que se presume cessada quando de sua alta médica. Em contrapartida, restou inequivocamente demonstrada a capacidade do Embargado de arcar com o pensionamento temporário requerido, por se tratar de engenheiro bem sucedido, sócio de grandes empresas de engenharia e de vasto patrimônio.
4 - O dever de sustento decorrente da união estável subsiste mesmo após a separação do casal. E ainda que da escritura declaratória de união estável conste cláusula relativa à prestação de assistência material, tal disposição não deve ser interpretada como renúncia aos alimentos, mas como mera dispensa.
Recurso a que se dá provimento." (fls. 1.096⁄1.097).
 

Opostos embargos de declaração (fls. 1.106⁄1.118), foram rejeitados (fls. 1.125⁄1.128).

Daí o presente recurso especial, interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando violação dos arts. 1.694, § 1º, 1.699, 1.707 e 1.725 do Código Civil⁄2002, dos arts. 2º, II, e 5º, caput, da Lei 9.278⁄96, dos arts. 131, 333, I, 471 e 515 do Código de Processo Civil (CPC) e dos arts. 5º, I e XXXVI, e 226, § 5º, da Constituição Federal, além de dissídio jurisprudencial.

O recorrente afirma que os alimentos foram expressamente dispensados pela recorrida mediante escritura pública de reconhecimento de união estável, lavrada em 1998, na qual ambos, autora e réu, declararam possuir capacidade financeira e dispensaram a contribuição do outro, e que a condenação do recorrente, na espécie, configura desrespeito a ato jurídico perfeito e ofensa ao princípio da isonomia.

Argumenta também que a recorrida tem padrão de vida elevado e patrimônio considerável e que sua doença não seria motivo para impor ao ex-convivente a obrigação de prestar alimentos. De outro lado, afirma que atualmente não se encontra em condições de contribuir para o sustento de outrem, sendo ele mesmo portador de doenças degenerativas graves - Mal de Parkinson Alzheimer.

Inicialmente não admitido, o recurso especial subiu a esta Corte por força de agravo de instrumento (fl. 1.292).

O em. Ministro FERNANDO GONÇALVES, nos autos da Medida Cautelar nº 16.099⁄RJ, deferiu liminar para conferir efeito suspensivo ao recurso especial (fls. 1.285⁄1.286).

Parecer do Ministério Público Federal pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 1.306⁄1.312).

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.233 - RJ (2010⁄0019872-2)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : J K
ADVOGADOS : PAULO MALTA LINS E SILVA E OUTRO(S)
    RODRIGO FREITAS RODRIGUES ALVES E OUTRO(S)
    EDUARDO RODOLPHO MARTINS FERREIRA DE CARVALHO
RECORRIDO : A T
ADVOGADOS : ANDRÉIA LOPES BRITTO E OUTRO(S)
    DIEGO BARBOSA CAMPOS E OUTRO(S)
    GRISSIA RIBEIRO VENANCIO E OUTRO(S)
 
VOTO
 
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
 

1. Inicialmente, registre-se que a alegada ofensa a dispositivos constitucionais não pode ser examinada no âmbito do recurso especial, sob pena de usurpação da competência do eg. Supremo Tribunal Federal.

Quanto aos arts. 131, 333, I, 471 e 515 do CPC, 1.725 do CC⁄2002 e 5º, caput, da Lei 9.278⁄96, não foram apreciados, sequer implicitamente, pelo eg. Tribunal a quo, mesmo após a oposição dos embargos de declaração. Ausente, assim,o indispensável prequestionamento, incidindo à espécie a Súmula 211⁄STJ, verbis:

"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo" .
 

No que se refere à apontada violação dos arts. 1.699 e 1.707 do Código Civil⁄2002 e do art. 2º, II, da Lei 9.278⁄96, sem razão o recorrente, pois estes, ao contrário do alegado, servem de fundamento jurídico à pretensão da recorrida.

Com efeito, os dispositivos legais em questão tratam, respectivamente, do direito à assistência material entre companheiros, do cabimento da ação de revisão de alimentos em caso de alteração da situação financeira das partes e, por fim, da impossibilidade de renúncia ao direito aos alimentos. Confiram-se:

Art. 2º, II, da Lei 9.278⁄96:

 
"Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes:
......................................................................................
II - assistência moral e material recíproca;"
 

Arts. 1.699 e 1.707 do CC⁄2002:

 
"Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo;"
 
.........................................................................................
 
"Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora;"
 

É inviável, ademais, a verificação de eventual ofensa ao art. 1.694, § 1º, do CC⁄2002, a teor do qual "os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".

A esse respeito, disse o eg. Tribunal de origem:

"(...) os elementos trazidos aos autos fazem prova convincente das alegações da Autora, sendo de se considerar que as sequelas e a debilidade física decorrentes da doença que a acometeu (fls. 26⁄32) decerto não permitem seu retorno às atividades laborais senão de forma lenta e gradual. Não lhe sendo mais possível arcar com todas as despesas necessárias ao seu sustento e à manutenção do padrão de vida que sempre desfrutou, o endividamento tornou-se inevitável (fls, 9 e 10; 52 e 53).
 
Em contrapartida, restou inequivocamente demonstrada a capacidade do Embargado de arcar com o pensionamento temporário requerido, por se tratar de engenheiro bem sucedido, sócio de grandes empresas de engenharia e de vasto patrimônio (fls. 134⁄137;139⁄142)" (fl. 1.099).
 

Portanto, reconhecida pelas instâncias ordinárias a necessidade da recorrida à percepção de alimentos em caráter transitório, assim como a capacidade contributiva do recorrente, a reforma do julgado quanto a estes aspectos demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado na via do recurso especial (Súmula 7 do STJ).

2. Nesses termos, a questão jurídica aqui controvertida diz respeito tão somente à possibilidade ou não de serem pleiteados alimentos pela ex-companheira, quando existir, a respeito, declaração anterior, firmada pelos companheiros nos primórdios do relacionamento, no sentido de que seriam desnecessários em razão da independência econômica das partes.

Conforme foi dito pelo eg. Tribunal de origem, "as partes viveram em união estável por dez anos, tendo-se estabelecido, através da escritura pública de fls. 18⁄19, a abdicação ao dever de mútua assistência material. À época, reconheceu-se que ambos possuíam capacidade laborativa que lhes proporcionava rendimentos suficientes para garantir a independência econômica de cada um." (fls. 1.097⁄1.098).

Segundo o que consta dos autos, são incontroversos os seguintes fatos: a) existência de escritura pública declaratória de reconhecimento de união estável, com cláusula de dispensa recíproca de alimentos, firmada pelas partes em 3 de novembro de 1998 (fl. 846); b) em 2003, ainda na constância do relacionamento, a recorrida teve diagnosticado um câncer de pulmão, dando início ao tratamento (fl. 8); e c) desfeita a união estável, que perdurou até julho de 2004, foi ajuizada a ação de alimentos, em 26 de agosto de 2004 (fl. 3).

3. A situação posta no presente caso é bastante distinta daquelas de que tratam os precedentes julgados por esta eg. Corte, em que a renúncia aos alimentos dá-se ao término da relação conjugal. Para esses casos, o entendimento está firmado no sentido de que "após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear alimentos se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de separação consensual" (AgRg no Ag 1.044.922⁄SP, desta relatoria).

Aqui, a hipótese é de prévia dispensa dos alimentos, estabelecida em declaração pública de união estável firmada no início do relacionamento, ou seja, quando ainda existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal, impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência.

No que se refere à situação econômica da recorrida, tem-se que sobreveio importante alteração ainda na constância da união, em razão da "superveniência de moléstia grave (que) teria reduzido consideravelmente sua capacidade para o trabalho, ocasionando-lhe sérias dificuldades financeiras" (fl. 1.096).

Portanto, no momento da ruptura da sociedade conjugal, a situação que antes permitira à recorrida renunciar aos alimentos já não mais existia.

Tanto assim o é que, à vista dessas particularidades, o eg. Tribunal de origem assim decidiu a questão:

"(...) os elementos trazidos aos autos fazem prova convincente das alegações da Autora, sendo de se considerar que as seqüelas e a debilidade física decorrentes da doença que a acometeu (fls. 26⁄32) decerto não permitem seu retorno às atividades laborais senão de forma lenta e gradual. Não lhe sendo mais possível arcar com todas as despesas necessárias ao seu sustento e à manutenção do padrão de vida que sempre desfrutou, o endividamento tornou-se inevitável (fls. 9 e 10; 52 e 53).
 
Em contrapartida, restou inequivocamente demonstrada a capacidade do Embargado de arcar com o pensionamento temporário requerido, por se tratar de engenheiro bem sucedido, sócio de grandes empresas de engenharia e de vasto patrimônio (fls. 134⁄137; 139⁄142).
 
Como bem salientou o douto sentenciante, o dever de sustento decorrente da união estável subsiste mesmo após a separação do casal. E ainda que da aludida escritura conste cláusula relativa à prestação de assistência material, tal disposição não deve ser interpretada como renúncia aos alimentos, mas como mera dispensa:
 
(...)
 
Ora, a grave moléstia sofrida pela Embargante é fator preponderante para o desfecho da demanda, na medida em que causou o depauperamento de suas condições econômicas ainda que temporariamente O pleito de alimentos deveu-se tão-só ao fato do paulatino reingresso da Recorrente no mercado de trabalho, servindo como meio de complementar sua renda, necessidade que se presume cessada quando de sua alta médica." (fls. 1.099⁄1.100)
 

De fato, o caso, nos termos em que colocado pelas instâncias ordinárias, não permite interpretação diversa, para dispensar o então companheiro da obrigação de prestar assistência material à ex-companheira, ainda que invocando, para tanto, termo de declaração de renúncia firmado pelas partes na constância da união, ou seja, quando vigente entre as partes o regime de convivência que impunha a ambos o dever à assistência mútua.

Com efeito, a assistência material mútua constitui tanto um direito como uma obrigação para os conviventes, nos termos do previsto no art. 2º, II, da Lei 9.278⁄96, já citado.

No mesmo sentido o previsto no art. 1.724 do CC⁄2002:

"Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito, e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos."
 

Há, ademais, no art. 1.694 do CC⁄2002, expressa previsão de obrigação alimentar entre os companheiros, nos seguintes termos:

 
"Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação."
 

Essas disposições, sabe-se, constituem normas de interesse público e, por isso, não admitem renúncia, nos termos do art. 1.707 do CC⁄2002:

 
"Art. 1.707.  Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora."
 

Nesse contexto, e não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não pode ela ser admitida na constância do vínculo familiar.

Cite-se, a propósito, a lição de Yussef Said Cahali, ao tratar da disciplina dos alimentos na união estável, à luz das regras do novo Código Civil:

 
"Não obstante o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, reafirmado no art. 1.707 do CC⁄2002, revela-se proveitosa a jurisprudência formada em torno do Código anterior, devendo ser admitida como válida e eficaz a cláusula de renúncia dos alimentos constante do acordo homologado de desfazimento da união estável.
 
Com efeito, tal como acontece com o divórcio (v., adiante, item 5.25) , que extingue o vínculo conjugal, o acordo de extinção da união estável desvincula definitivamente os ex-companheiros entre si, passando eles a ser considerados como sendo duas pessoas estranhas.
 
Entenda-se, pois, que somente seriam irrenunciáveis os alimentos devidos na constância da união estável.
 
Nesse sentido, é exaustiva a análise feita por Francisco José Cahali, no sentido da inadmissibilidade de inserção de cláusula de exclusão ou de renúncia de alimentos no contrato de convivência." (DOS ALIMENTOS, 7. ed. rev. e atual. - São Paulo, Editora RT, 2012, p. 162, grifos acrescidos).
 

No mesmo sentido o Enunciado n. 263, aprovado na III Jornada de Direito Civil, segundo o qual: "O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da 'união estável'. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de Família".

Esse, precisamente, o caso dos autos.

Conforme sobejamente afirmado, a alegada renúncia, diferentemente dos precedentes julgados por esta Corte, teria ocorrido na constância da união, daí por que foi considerada pelas instâncias ordinárias como mera dispensa, e não renúncia, conforme expresso na r. sentença de primeiro grau:

 
"(...) na união estável. O dever de alimentos existe, mesmo em tendo havido uma escritura pública declaratória de união estável aos 03⁄11⁄1998 (antes de ser diagnosticado o câncer), sendo certo que a cláusula que dispõe sobre os alimentos há de ser entendida como dispensa e não como renúncia" (fl. 846).
 

Com efeito, ante o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, decorrente do dever de mútua assistência expressamente previsto nos dispositivos legais citados, não se pode ter como válida disposição que implique renúncia aos alimentos na constância da união, pois esses, como dito, são irrenunciáveis.

Nesses termos, portanto, dissolvida a união estável, mostra-se perfeitamente possível a fixação de alimentos transitórios em favor da recorrida, nos termos do fixado pelas instâncias ordinárias.

Quanto ao dissídio jurisprudencial, os acórdãos apontados como paradigmas cuidam de situações fáticas diversas, razão pela qual não se conhece do recurso pela alínea "c".

Diante do exposto, conhece-se parcialmente do recurso especial para negar-lhe provimento, revogando-se, ademais, a liminar concedida na MC 16.099⁄RJ, que deferira efeito suspensivo ao recurso.

Esse o voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.233 - RJ (2010⁄0019872-2)
 
VOTO
 
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, acompanho integralmente o primoroso o voto de V. Exa., que bem estabeleceu a diferença entre renunciar a alimentos quando findo o vínculo conjugal, entendida válida pela jurisprudência desta Corte, e o caso ora em exame, em que se pretendeu fazer uma renúncia por escritura, no curso da união estável, à possibilidade futura de pedir alimentos em face do companheiro.
Quando as partes decidem por fim ao relacionamento e, portanto, terão tido fim também o vínculo e os deveres da assistência mútua, as partes podem, a despeito da regra de irrenunciabilidade do Código Civil, estabelecer que, como estão desfazendo o vínculo, não há mais dever de assistência recíproca, abrem mão de, no futuro, se houver uma necessidade futura, demandar alimentos. Essa renúncia é aceita como válida pela jurisprudência consolidada do Tribunal.
No caso em exame, no curso da união estável, os conviventes, em 1998, compareceram a um cartório e lavraram uma escritura pública afirmando que tinham condições de se manter, cada um deles, e que renunciavam a alimentos um do outro, mas continuaram  convivendo até o ano de 2004.
Após a data dessa escritura, sobreveio o câncer. E a sentença de primeiro grau, que foi reestabelecida pelo acórdão recorrido, deixa bem claro que a necessidade que levou a autora a ajuizar essa ação de alimentos, já no fim da união estável, mas enquanto ainda não estava declarada a dissolução da união estável, causada pela doença, foi superveniente à escritura. Ou seja, era uma situação que a autora não previu quando disse que tinha condições de se manter.
Estava vigente a união estável, e, portanto, entendeu a sentença de primeiro grau e o acórdão nos embargos infringentes que não era válido durante a união estável, assim como não seria válido durante o casamento, um cônjuge renunciar ao auxílio do outro. Penso que seja inerente à noção de casamento e também à noção de união estável que, durante a convivência, haja assistência recíproca. Trata-se de dever intrínseco ao casamento ou à união estável.
Portanto, entendeu a sentença de primeiro grau e, depois, o acórdão nos embargos infringentes que não seria válido, durante a união estável, renunciar a alimentos.
Penso que o voto de V. Exa., assim como a sentença e o acórdão recorrido, estabeleceram a melhor interpretação do Código Civil, que é a mesma da jurisprudência do nosso Tribunal, ou seja, é válida a renúncia, mas a feita ao final da união estável. Com o fim do vinculo, renuncia-se à possibilidade de pedir do ex-marido ou do ex-companheiro alimentos. Mas que a renúncia estabelecida durante a união estável, realmente, não poderia impedir um dos conviventes de demandar alimentos em função de uma necessidade surgida durante a união estável e posterior a essa escritura, que foi o câncer.
Observo, por fim, que os alimentos fixados foram temporários, apenas para ajudar a manutenção da autora na fase em que ela estava em tratamento contra o câncer, tendo a sentença expressamente dito que a alta médica finalizaria o dever de alimentos.

Conheço parcialmente do recurso especial para negar-lhe provimento, acompanhando o voto de V. Exa.