Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS.

1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo.

2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva .

2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.

2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

3. CASO CONCRETO.

3.1. Aplicação da tese 2.1 para declarar válida a cláusula referente ao ressarcimento da despesa com o registro do pré-gravame, condenando-se porém a instituição financeira a restituir o indébito em virtude da ausência de comprovação da efetiva prestação do serviço.

3.2. Aplicação da tese 2.2 para declarar a ocorrência de venda casada no que tange ao seguro de proteção financeira.

3.3. Validade da cláusula de ressarcimento de despesa com registro do contrato, nos termos da tese firmada no julgamento do Tema 958/STJ, tendo havido comprovação da prestação do serviço.

3.4. Ausência de interesse recursal no que tange à despesa com serviços prestados por terceiro.

4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1639259/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.639.259 - SP (2016⁄0306899-7)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : CRISLAINE SOUZA OLIVEIRA
ADVOGADO : RAMON EMIDIO MONTEIRO E OUTRO(S) - SP086623
RECORRIDO : BANCO ITAULEASING S.A.
ADVOGADO : KONSTANTINOS JEAN ANDREOPOULOS E OUTRO(S) - SP131758
INTERES.  : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL  - PB000000C
INTERES.  : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTRO(S) - PR007295
    WAMBIER, YAMASAKI, BEVERVANÇO & LOBO ADVOCACIA  - PR002049
INTERES.  : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
 
Trata-se de recurso especial interposto por CRISLAINE SOUZA OLIVEIRA em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
ARRENDAMENTO MERCANTIL – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – TARIFAS COBRADAS INDEVIDAMENTE – PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA. Em ações de repetição de indébito, é inaplicável o disposto no inciso IV do § 3° do artigo 206 do Código Civil, por não se tratar de pretensão voltada à reparação civil, sendo incidente à espécie a regra do artigo 205 do referido diploma legal. Ademais, o termo inicial para a verificação de ocorrência da prescrição é a data do vencimento da última parcela do contrato.
 
ARRENDAMENTO MERCANTIL – COBRANÇA DE TARIFA DE CADASTRO, GRAVAME, SEGURO E OUTRAS – ADMISSIBILIDADE. A cobrança da tarifa de cadastro e outras é possível, desde que previamente pactuada entre as partes, constando expressamente do contrato realizado. De acordo com recente entendimento do STJ, essas cobranças são permitidas, devendo ser afastadas somente se houver demonstração nos autos de vantagem exagerada do agente financeiro, o que não ocorreu no caso em questão. Entendimento de acordo com o julgamento do RESP 1.255.573-RS, que firmou algumas teses para efeitos do 543-C no tocante a cobrança de tarifas bancárias. A cobrança do prêmio de seguro é legal e exigível, posto que necessário à garantia do crédito da apelante em caso do perecimento do bem arrendado.
 
ARRENDAMENTO MERCANTIL – COBRANÇA DE TARIFA DE SERVIÇO DE TERCEIROS – INADMISSIBILIDADE NA HIPÓTESE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – PERTINÊNCIA – RECURSO PROVIDO NESTA PARTE. A cobrança da tarifa de serviço de terceiros é possível, desde que previamente pactuada entre as partes, constando expressamente do contrato realizado, com a devida explicitação e fundamentação e, em não o sendo, de se a reconhecer abusiva. (fl. 109) 
 
 
Em suas razões, a parte recorrente alegou violação dos arts. 6º, inciso VIII, 42, parágrafo único, 46 e 51, IV e XII, do Código de Defesa do Consumidor, bem como aos arts. 489, inciso II, § 1º, inciso IV, e 490 do Código de Processo Civil de 2015, sob o argumento de abusividade das tarifas⁄despesas de: (a) registro do contrato; (b) serviços de terceiro; (c) inclusão eletrônica de gravame; e (d) seguro de proteção financeira. Aduziu, também, dissídio pretoriano.
Contrarrazões ao recurso especial às fls. 226⁄233.
O presente recurso foi selecionado pelo Tribunal de origem, e encaminhado a esta Corte Superior como representativo da controvérsia relativa à "validade das tarifas bancárias de inclusão de gravame eletrônico e de seguro de proteção financeira" (fl. 236).
Por meio da decisão de fls. 254⁄256, afetei o presente recurso ao rito dos recursos especiais repetitivos, para servir de representativo do Tema 972⁄STJ, em conjunto com o REsps 1.639.320⁄SP.
O referido Tema 972⁄STJ diz respeito às seguintes controvérsias:
- Validade da tarifa de inclusão de gravame eletrônico;
 
- Validade da cobrança de seguro de proteção financeira;
 
- Possibilidade de descaracterização da mora na hipótese de se reconhecer a invalidade de alguma das cobranças descritas nos itens anteriores.
 
As tarifas⁄despesas questionadas nos presentes autos, em que o valor do contrato de arrendamento foi de R$ 31.500,00, são as seguintes: (a) prêmio do seguro de proteção do arrendatário: R$ 359,93; (b) inclusão de gravame eletrônico: R$ 42,11; (c) serviços de terceiros: R$ 1.812,00; (d) registro do contrato: R$ 50,00.
Nos autos do REsps 1.639.320⁄SP, o valor do contrato de arrendamento foi de R$ 26.500,00, tendo sido cobradas as seguintes tarifas⁄despesas: (a) seguro de proteção financeira: R$ 329,93; (b) tarifa de cadastro: R$ 598,00; (c) inserção de gravame eletrônico: R$ 42,11 e (d) registro do contrato: R$ 50,00.
Na fase do art. 1.038, inciso I, do CPC⁄2015, intervieram na lide recursal, na qualidade de amicus curiae, o Banco Central do Brasil - BCB (fls. 266⁄365 e 431), a Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN (fls. 368⁄423 e 431) e, ante a inércia da Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo - DPE-SP (fls. 470⁄480).
O BCB manifestou-se, inicialmente, pelo cancelamento da afetação da controvérsia relativa à descaracterização da mora, sob o argumento de que essa matéria já se encontraria abrangida pelos Temas 28⁄STJ (o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual - juros remuneratórios e capitalização - descaracteriza a mora) e 29⁄STJ (simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor).
Quanto aos demais itens da controvérsia, entendeu que a regulação bancária não impediria a cobrança relativa à "inclusão de gravame eletrônico" e ao "seguro de proteção financeira".
O referido parecer foi lavrado com a seguinte ementa:
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segunda Seção. Recurso Especial nº 1.639.320⁄SP. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Recorrente: Valdomiro Bezerra. Recorrido: Banco Itaú BBA S.A. Recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos. Contrato bancário de arrendamento mercantil para aquisição de automóvel. Demanda de reintegração de posse promovida por instituição financeira contra cliente. Sentença de procedência. Apelação do réu parcialmente provida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Recurso especial interposto pelo consumidor, admitido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e selecionado com representativo de controvérsia. Acórdão da Segunda Seção que afeta o julgamento do recurso especial na qualidade de repetitivo sobre os temas (i) validade das cobranças de “inclusão de gravame eletrônico”; (ii) validade da cobrança de “seguro de proteção financeira” e (iii) “possibilidade de descaracterização da mora na hipótese de se reconhecer a invalidade de alguma das cobranças descritas nos itens anteriores”. Necessidade de desafetação do tema relacionado à configuração ou não da mora, considerando o julgamento da matéria no REsp Repetitivo nº 1.061.530⁄RS. A abrangência material da competência do Conselho Monetário Nacional (CMN). Inexistência de óbice, à luz da regulação bancária, da cobrança aos mutuários de “inclusão e gravame eletrônico”, referente ao “pré-gravame” de que trata a Resolução-CMN nº 4.088, de 2012, a título de ressarcimento de serviço prestado por terceiro. Também não há óbice, à luz da regulação bancária, para a cobrança referente a “seguro de proteção financeira”. (fl. 271)
 
A FEBRABAN, por sua vez, também se manifestou pelo cancelamento da afetação referente à descaracterização da mora, e, quanto ao mais, pela "regularidade" da cobrança pela inclusão do gravame eletrônico, bem como do "seguro prestamista" (fls. 422).
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por outro lado, sustentou a abusividade das tarifas⁄despesas, bem como a descaracterização da mora, uma vez que se trata de encargo incidente no período de normalidade contratual (fls. 470⁄480).
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na condição de fiscal da ordem jurídica, manifestou-se pela abusividade das tarifas, em parecer lavrado com a seguinte ementa:
Recurso Especial representativo de controvérsia. Direito Processual Civil e do Consumidor. Arts. 6º, VIII, 42, 46, 51, IV, XII e § Io, III, e 52, III, do CDC, e arts. 489, II e § Io, IV, e 490, do NCPC. Prequestionamento. Ausência. Arrendamento mercantil. Tarifas de inserção de gravame eletrônico e registro de contrato. Encargos impostos apenas no interesse da instituição financeira. Seguro de proteção financeira. Contratação exclusiva com a arrendante. Venda casada. Abusividade configurada. Dissídio jurisprudência!. Análise prejudicada. Precedentes desse Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Parecer pelo não conhecimento do recurso especial. (fl. 437)
 
Segundo informação do Banco Nacional de Demandas Repetitivas do Conselho Nacional de Justiça, há 21.264 recursos sobrestados sobre o tema da presente afetação (acesso em 25⁄10⁄2018).
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.639.259 - SP (2016⁄0306899-7)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : CRISLAINE SOUZA OLIVEIRA
ADVOGADO : RAMON EMIDIO MONTEIRO E OUTRO(S) - SP086623
RECORRIDO : BANCO ITAULEASING S.A.
ADVOGADO : KONSTANTINOS JEAN ANDREOPOULOS E OUTRO(S) - SP131758
INTERES.  : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL  - PB000000C
INTERES.  : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTRO(S) - PR007295
    WAMBIER, YAMASAKI, BEVERVANÇO & LOBO ADVOCACIA  - PR002049
INTERES.  : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
 
 
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972⁄STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME.  VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25⁄02⁄2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473⁄STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 
1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30⁄04⁄2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo.
2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC⁄2015:
2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954⁄2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva .
2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
3. CASO CONCRETO.
3.1. Aplicação da tese 2.1 para declarar válida a cláusula referente ao ressarcimento da despesa com o registro do pré-gravame, condenando-se porém a instituição financeira a restituir o indébito em virtude da ausência de comprovação da efetiva prestação do serviço.
3.2. Aplicação da tese 2.2 para declarar a ocorrência de venda casada no que tange ao seguro de proteção financeira.
3.3. Validade da cláusula de ressarcimento de despesa com registro do contrato, nos termos da tese firmada no julgamento do Tema 958⁄STJ, tendo havido comprovação da prestação do serviço.
3.4. Ausência de interesse recursal no que tange à despesa com serviços prestados por terceiro.
4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
 
 
 
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
 
Eminentes colegas, o presente recurso foi afetado ao rito dos recursos especiais repetitivos para consolidar entendimento acerca das seguintes controvérsias (Tema 972⁄STJ):
- validade da tarifa de inclusão de gravame eletrônico;
 
- validade da cobrança de seguro de proteção financeira;
 
- possibilidade de descaracterização da mora na hipótese de se reconhecer a invalidade de alguma das cobranças descritas nos itens anteriores.
 
A abordagem dessa controvérsia será realizada em tópicos distintos, iniciando pela fixação das teses, e culminando com um tópico específico sobre a aplicação das teses ao caso concreto.
1. Delimitação da controvérsia:
A controvérsia fica delimitada aos contratos bancários firmados no âmbito de uma relação de consumo, com instituições financeiras ou equiparadas, ainda que por intermédio de correspondente bancário, celebrados a partir de 30⁄04⁄2008, data de entrada em vigor da Resolução nº 3.518⁄2007, do Conselho Monetário Nacional - CMN, que disciplinou a "cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil".
Para os contratos celebrados em data anterior, não se identificou multiplicidade de recursos capaz de justificar a fixação de tese pelo rito dos recursos repetitivos.
 
2. Controle jurisdicional da regulação bancária:
A abordagem da controvérsia será realizada sob a perspectiva de dois planos normativos, o da regulação bancária, composto por normas do Conselho Monetário Nacional, expedidas com base no art. 4º da Lei 4.595⁄1964, e o do Código de Defesa do Consumidor - CDC.
Relembre-se que esta Corte Superior, no passado, já manifestou entendimento no sentido de que as normas da regulação bancária não teriam status de questão federal, não servindo, portanto, de paradigma para a interposição de recurso especial.
Nesse sentido, confira-se, por todos, o seguinte julgado:
DIREITOS COMERCIAL, ECONÔMICO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO SURGIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NECESSIDADE. MÚTUO RURAL. JUROS. TETO DA LEI DE USURA. TAXAS LIVRES. NÃO-DEMONSTRAÇÃO POR PARTE DO CREDOR DE AUTORIZAÇÃO DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. AUMENTO DOS JUROS PELO INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO DA SUM. 596⁄STF. DISSIDIO NÃO CONFIGURADO. DESSEMELHANÇA DAS SITUAÇÕES FÁTICAS. CIRCULARES E RESOLUÇÕES. IMPOSSIBILIDADE DE ANALISE. RECURSO NÃO-CONHECIDO.
I - O PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA POSTA NO RECURSO ESPECIAL E INDISPENSÁVEL, SOB PENA DE IMPOSSIBILITAR-SE O EXAME DE INSURGÊNCIA, CONSOANTE VERBETE DA SUM. 282⁄STF, AINDA QUE SE TRATE DE QUESTÃO SURGIDA NO PRÓPRIO ACÓRDÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA.
II - VEM ENTENDENDO A 4A. TURMA SER DEFESA A COBRANÇA DE JUROS ALEM DE 12% AO ANO SE NÃO DEMONSTRADA, PELO CREDOR, A PREVIA ESTIPULAÇÃO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL DAS TAXAS DE JUROS VENCÍVEIS PARA O CRÉDITO RURAL, CORRESPONDENTES A DATA DE EMISSÃO DA CÉDULA.
III - OS JUROS MORATÓRIOS, LIMITADOS, EM SE TRATANDO DE CREDITO RURAL, A 1% AO ANO, DISTINGUEM-SE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS.
AQUELES SÃO FORMAS DE SANÇÃO PELO NÃO-PAGAMENTO NO TERMO DEVIDO. ESTES, POR SEU TURNO, COMO FATOR DE MERA REMUNERAÇÃO DO CAPITAL MUTUADO, MOSTRAM-SE INVARIÁVEIS EM FUNÇÃO DE EVENTUAL INADIMPLÊNCIA OU IMPONTUALIDADE. CLAUSULA QUE DISPONHA EM SENTIDO CONTRARIO, PREVENDO REFERIDA VARIAÇÃO, E CLÁUSULA QUE VISA A BURLAR A DISCIPLINA LEGAL, FAZENDO INCIDIR, SOB AS VESTES DE JUROS REMUNERATÓRIOS, AUTÊNTICOS JUROS MORATÓRIOS EM NÍVEIS SUPERIORES AOS PERMITIDOS.
IV - NÃO SE CONFIGURA O DISSIDIO, NO TOCANTE AO LIMITE DOS JUROS, SE OS ARESTOS PARADIGMAS, INCLUSIVE O ENUNCIADO DA SUM. 596⁄STF, NÃO SE REFEREM AO CASO ESPECIFICO DO CREDITO RURAL, QUE TEM DISCIPLINA PRÓPRIA, MAS AS OPERAÇÕES FINANCEIRAS EM GERAL.
V - CIRCULARES E RESOLUÇÕES, CONQUANTO TENHAM NATUREZA NORMATIVA, NÃO PODEM SER OBJETO DA ANALISE NA INSTÂNCIA ESPECIAL, POR NÃO SE ADEQUAREM AO REQUISITO DE "LEI FEDERAL" DEFINIDO NA ALINEA "A" NO PERMISSOR CONSTITUCIONAL. (REsp 112.437⁄RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 05⁄05⁄1997, sem grifos no original)
 
Esse entendimento, contudo, vem sendo superado, especialmente a partir do julgamento do Tema 618⁄STJ, referente à validade das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), julgamento que demandou ampla exegese de normas expedidas pelo CMN.
Nessa esteira, vale mencionar os seguintes julgados das TURMAS de direito privado desta Corte Superior:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIALRECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE NO NCPC. INEXISTÊNCIA DE RAZÕES QUE JUSTIFIQUEM A REFORMA DA DECISÃO. FUNDO GARANTIDOR DE CRÉDITO. VALOR DO TETO DE GARANTIA PARA CLIENTES BANCÁRIOS. OBSERVÂNCIA DA RESOLUÇÃO DO CMN VIGENTE À ÉPOCA DA INTERVENÇÃO NA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELO BANCO CENTRAL. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. DECISÃO MANTIDA.
1. Aplicabilidade das disposições do NCPC ao caso concreto, ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9⁄3⁄2016: aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Não comporta provimento o agravo interno que não traz nenhum elemento apto a infirmar as conclusões externadas na decisão agravada.
3. Se, a despeito da ausência de menção expressa a um determinado dispositivo legal, houve discussão acerca de seu conteúdo, há prequestionamento implícito, o que autoriza o conhecimento do recurso especial.
4. As resoluções emitidas pelo CMN, porque não se ligam a nenhuma outra norma de natureza infralegal, devem ser consideradas direito federal para fins de conhecimento de recurso especial.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1.642.072⁄MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23⁄11⁄2017, DJe 18⁄12⁄2017, sem grifos no original)
 
RECURSO ESPECIAL. FUNDO GARANTIDOR DE CRÉDITOS. TESE DE VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO. COGNOSCIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INTERVENÇÃO DO BANCO CENTRAL EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ASSOCIADA AO FGC. DIREITO À GARANTIA. VALOR DO TETO. OBSERVÂNCIA À DATA DO FATO JURÍDICO, EM RAZÃO DO QUAL EXSURGE O DIREITO. RETROEFICÁCIA DA RESOLUÇÃO NOVA DO CMN AUMENTANDO A GARANTIA. INVIABILIDADE.
1. Consoante reiterados precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal, os conceitos de direito adquirido, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada não são fixados pela Constituição Federal, mas sim pela legislação infraconstitucional. Assim, o controle constitucional se restringe à garantia dos referidos direitos, enquanto o controle do conteúdo material deles é de natureza infraconstitucional. (EREsp 1.182.987⁄SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 1⁄6⁄2016, DJe 19⁄09⁄2016).
2. O art. 192, VI, da CF prevê a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de promover a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União. Dessarte, em observância ao mandamento constitucional, o art. 1º, § 1º, da Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 2.197⁄1995 autorizou a constituição de entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar mecanismo de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras, estabelecendo que as instituições financeiras, à exceção das cooperativas, que recebem depósito à vista, a prazo e em contas de poupança, dela participarão como contribuintes.
3. Conforme se extrai das Resoluções do Conselho Monetário Nacional que disciplinam a criação, estatuto e regulamento do FGC, no Brasil, houve a opção de personificar o Fundo Garantidor de Créditos, adotando-se o regime de: a) proteção explícita; b) adesão compulsória das instituições financeiras; c) contribuição fixa para o fundo de recursos; d) limite de cobertura; e) fundeamento 'ex ante'.
4. A obrigação do Fundo Garantidor de Créditos é de garantia, assim entendida como reforço de responsabilidade pessoal (garantia pessoal), institucional, autônoma e independente, consistente no compromisso público de pagar a terceiro depositante ou investidor determinada quantia até certo limite, à qual teria direito à restituição ou resgate junto à instituição financeira - que sofreu decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial, ou reconhecimento, pelo Banco Central, do Estado de insolvência.
5. É incontroverso que, por ocasião da intervenção do Banco Central na instituição financeira em que os recorridos mantinham ativos, ocorrida em 19 outubro de 2012, o limite da garantia era conforme o percebido pelos autores, e que, apenas em 24 de maio de 2013, a Resolução n. 4.222⁄2013 do Conselho Monetário Nacional autorizou a elevação do teto da garantia aos clientes das instituições financeiras associadas para o montante vindicado na exordial (R$ 250.000,00).
6. Com efeito, não é razoável interpretar que o direito à garantia exsurge por fato⁄desdobramento posterior à indisponibilidade dos depósitos ou dos investimentos, visto que a formação do fundo para custeio da garantia é prévio, e o fato jurídico - acontecimento previsto na norma jurídica infralegal -, em razão do qual exsurgiu o direito dos autores, verificou-se com a intervenção do Banco Central.
7. Recurso especial provido. (REsp 1.639.092⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄08⁄2017, DJe 03⁄10⁄2017, sem grifos no original)
 
Ressalve-se, porém, que, embora Constituição Federal tenha recepcionado a Lei 4.595⁄1964 com status de lei complementar (cf. art. 192 da CF⁄88), as normas produzidas pela autoridade regulatória bancária possuem status meramente infralegal, estando, portanto, subordinadas à lei ordinária, pelo critério da hierarquia.
Sobre esse ponto, merecem referência os abalizados entendimentos doutrinários de BRUNO MIRAGEM e de ANTÔNIO CARLOS EFING, abaixo transcritos, respectivamente:
No âmbito da regulação bancária, compete ao CMN e ao BACEN, dada sua vinculação à legalidade administrativa, também a promoção da defesa do consumidor. Nesse sentido, as normas regulatórias e a atividade de supervisão e fiscalização bancária devem observar o disposto nas normas legais de proteção do consumidor. É exigência de legalidade. Nesse sentido, não há vedação a que por normas regulatórias se estabeleçam novos direitos ou mesmo deveres a serem observados tanto por consumidores, quanto por instituições financeiras. Essas normas, contudo, devem guardar o limite já indicado da atividade regulatória em relação às leis em geral, de não contradição com as normas legais, em especial, neste particular, com a Lei 8.078⁄1990 – Código de Defesa do Consumidor. (Direito bancário. [livro eletrônico]. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014, cap. IV, item 2.5.3, sem grifos no original)
 
 
A respeito deste descompasso, não há dúvidas de que as Resoluções do Bacen, embora válidas, não excluem ou limitam a proteção concedida ao consumidor bancário pelo Código de Defesa do ConsumidorQualquer tarifa cuja cobrança não for prévia e adequadamente informada ao consumidor, que o coloque em desvantagem exagerada, ou que for incompatível com a boa-fé e a equidade (art. 51 do CDC) - ainda que arrolada em resolução do Bacen como lícita - é abusiva por força de norma de ordem pública e interesse social (art. 1.º do CDC). Desta forma, sopesadas as resoluções do Bacen a respeito das tarifas cobradas do consumidor bancário e as normas do Código de Defesa do Consumidor, evidentemente que deverão prevalecer as decorrentes da Lei 8.078⁄1990. (Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. [livro eletrônico]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. - Biblioteca de direito do consumidor. v. 12, item 7.3.2.2, sem grifos no original)
 
No âmbito jurisprudencial, a subordinação da regulação bancária às normas do Código de Defesa do Consumidor é entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.591⁄DF , em acórdão assim sintetizado em sua ementa:
ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB⁄88. ART. 170, V, DA CB⁄88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.
1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.
3. Ação direta julgada improcedente.
(ADI 2591 ED, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 14⁄12⁄2006, DJ 13-04-2007)
 
À luz desses julgados, especialmente o do Supremo Tribunal Federal, resta evidente que esta Corte Superior não pode abrir mão de exercer controle jurisdicional sobre as normas da regulação da bancária, quando confrontadas com a lei federal.
Por conseguinte, rejeita-se, de plano, o argumento de que as tarifas⁄despesas contratuais seriam válidas pelo simples fato de não contrariarem as normas da regulação bancária, uma vez que a própria regulação bancária não escapa ao controle jurisdicional.
Por outro lado, esse controle jurisdicional deve encontrar limites na discricionariedade administrativa em geral, e, em especial, na discricionariedade técnica peculiar da autoridade regulatória.
Sobre esse ponto, mencione-se o entendimento de RICARDO HENRY MARQUES DIP:
Em outros termos, o mérito de um ato regulatório ditado por agência independente não se imuniza do exame jurisdicional quando gravite em órbita vinculada à legalidade, ou ainda quando, em matéria embora discricionária, devam considerar-se os motivos e fins do ato. Mas a reserva de discricionariedade administrativa impede a discricionariedade substituinte com que o Judiciário passe, ele próprio, à tarefa de administrar – o que já se designou “modelo tecnocrático da função judicial” –, porque isso poria em xeque a diferença entre a função judicial e a função administrativa.
Por mais que o exercício de poderes administrativos deva limitar-se diante de exigências de legalidade, por motivos determinantes e pelo fim com que se praticam ou se omitem, de modo que esse exercício não fique à margem de alguma forma de possível controle judicial, o alargamento da aferição judiciária à esfera própria da discricionariedade administrativa ou política, apenas pode aí exercitar-se: (i) diante do suposto inicial de alguma remissão a maltrato de direitos fundamentais; (ii) ou, mais além, em face de razões invalidantes da omissão ou atuação administrativa, porque então nelas se apontariam defeitos de motivação ou de finalidade.
Fora desses lindes, não caberia cogitar do controle judiciário da competência discricionária de regulação, porque então esse controle judicial seria apenas um substitutivo tão discricionário quanto o poder substituído. (inAgências reguladoras no Direito Brasileiro [livro eletrônico]: teoria e prática. coord. Vladmir Passos Freitas, Fernando Quadros da Silva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014)
 
Deveras, existe um vasto campo de atuação das autoridades⁄agências reguladoras em que prevalece a discricionariedade técnica. Especificamente no âmbito do sistema financeiro, mencione-se, ilustrativamente, a fixação da meta de juros da economia (SELIC) e a fixação da meta de inflação, decisões eminentemente técnicas, insusceptíveis de controle jurisdicional quanto ao conteúdo.
A respeito do aspecto técnico da regulação do mercado financeiro, merece referência o seguinte trecho do voto proferido pelo Min. RICARDO VILLAS BOAS CUEVA no julgamento do REsp 1.270.174⁄RS, a quem peço licença para transcrever, litteris:
O mercado de serviços financeiros é, no mundo inteiro, fortemente regulado. O Brasil não é exceção. Tal nível de regulação financeira é justificado pelas particularidades do segmento, sobretudo o fato de que ele se funda na confiança, de que dele dependem os demais setores da economia e de que sua instabilidade tem repercussões macroeconônomicas de grande magnitude. Por isso mesmo, o princípio da autonomia da vontade sofre restrição bastante significativa, não sendo correto afirmar que, em matéria bancária, vale o que as partes quiserem livremente contratar. Os contratantes devem, necessariamente, observar as normas regulamentares como balizas para suas transações. Assim é que disposições regulamentares incidem sobre a maior parte das contratações financeiras. (cf. REsp 1.270.174⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10⁄10⁄2012, DJe 05⁄11⁄2012)
 
Naquele julgamento, esta Corte Superior concluiu pela validade das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), conforme o período em que tais tarifas estiveram autorizadas ou vedadas pela regulação bancária.
Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão paradigma da tese, firmada pelo rito dos recursos especiais repetitivos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36⁄2001. RECURSOS REPETITIVOS. CPC, ART. 543-C. TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF). POSSIBILIDADE.
1. "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ª Seção, REsp 973.827⁄RS, julgado na forma do art. 543-C do CPC, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012).
2. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei 4.595⁄1964, recebida pela Constituição como lei complementar, compete ao Conselho Monetário Nacional dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários, e ao Banco Central do Brasil fazer cumprir as normas expedidas pelo CMN.
3. Ao tempo da Resolução CMN 2.303⁄1996, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições financeiras era essencialmente não intervencionista, vale dizer, "a regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela instituição." 4. Com o início da vigência da Resolução CMN 3.518⁄2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pelo Banco Central do Brasil.
5. A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e a Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) não foram previstas na Tabela anexa à Circular BACEN 3.371⁄2007 e atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30.4.2008.
6. A cobrança de tais tarifas (TAC e TEC) é permitida, portanto, se baseada em contratos celebrados até 30.4.2008, ressalvado abuso devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado.
7. Permanece legítima a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual remunera o serviço de "realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente" (Tabela anexa à vigente Resolução CMN 3.919⁄2010, com a redação dada pela Resolução 4.021⁄2011).
8. É lícito aos contratantes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.
9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303⁄96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.
- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518⁄2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
- 3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.
10. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1.251.331⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28⁄08⁄2013, DJe 24⁄10⁄2013, Tema 618)
 
Essa mesma abordagem deve nortear o presente julgamento, devendo-se respeitar a discricionariedade técnica conferida pela lei à autoridade regulatória, sem, contudo, chegar ao extremo de negar aplicação ao Código de Defesa do Consumidor.
Fixada essa premissa sobre o controle jurisdicional das normas da regulação bancária, passo a analisar cada uma das controvérsias afetadas, iniciando pela despesa inclusão de gravame eletrônico, melhor denominada "pré-gravame", conforme parecer do BCB (fl. 275).
3. Despesa de pré-gravame:
A primeira particularidade dessa despesa é que não se trata propriamente de uma tarifa.
As tarifas bancárias remuneram serviços prestados pelas instituições financeiras, e estão taxativamente previstas na Resolução do Conselho Monetário Nacional - CMN nº  3.518⁄2007, dentre as quais não se encontra tarifa de pré-gravame.
Trata-se, portanto, de uma despesa com serviço prestado por terceiro, e cobrado do consumidor a título de ressarcimento de despesa.
A segunda particularidade do pré-gravame é que não se trata de um requisito de validade de eficácia perante terceiros da garantia, como ocorre com o registro do contrato no órgão de trânsito ou no cartório de títulos e documentos, ex vi do art. 1.361 do Código Civil, abaixo transcrito:
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
 
§ 1º. Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
 
§ 2º. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.
 
§ 3º. A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.
 
O pré-gravame, na verdade, é um registro adicional, de caráter privado, alimentado pelas instituições financeiras, com o objetivo de conferir maior segurança e agilidade às contratações.
Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do parecer da FEBRABAN:
[...] é uma plataforma privada, criada pelo mercado financeiro, sob a fiscalização das autoridades competentes, com o objetivo de estabelecer uma base única de informações com relação às garantias constituídas sobre veículos, permitindo, desse modo, que todos os integrantes do mercado privado e, também, órgãos executivos de trânsito [através de convênios entre a FENASEG e o DETRAN]  consigam enxergar as restrições financeiras incidentes sobre os veículos e, assim, impedindo que um mesmo veículo seja objeto de garantia em mais de uma operação de crédito. (fl. 380, rodapé)
 
Também merece transcrição seguinte trecho da manifestação da FEBRABAN, em que se descreve as etapas da constituição de um gravame sobre veículo automotor, litteris:
A compreensão do contexto em que se insere a inclusão do gravame eletrônico - e, portanto, das etapas "privadas" e "públicas" superadas para celebração de negócio envolvendo a aquisição de veículo, com pacto de alienação fiduciária - é extremamente relevante. Importa conhecer essas etapas, para compreender a que se refere cada valor cobrado e a lógica adotada para imputar a cada uma das partes negociantes os custos das atividades realizadas. Tais atividades começam no âmbito privado, com a solicitação de crédito para aquisição de veículo, e são concluídas no âmbito público, com a emissão do CRV pelo DETRAN de cada Estado, no qual constará a anotação do gravame.
As atividades no âmbito privado ficam sob a responsabilidade do banco ⁄ instituição financeira, à qual incumbirá: (a) a análise das condições financeiras de cada financiado para avaliar o risco da concessão do crédito; (b) a análise [por meio de uma consulta do banco ao Sistema Nacional de Gravames - SNG, que é coordenado pela FENASEG, por sua vez operacionalizada pela CETIP] das condições do veículo ofertado como garantia para verificar se não há impedimentos para que este seja objeto de garantia numa operação; (c) a formalização de proposta de financiamento e, havendo aceite, a inclusão do veículo na base privada de garantias [SNG], que corresponde a uma atividade de prenotação do gravame, feita por meio eletrônico, para dar visibilidade e segurança ao mercado e para subsidiar a análise que o DETRAN fará antes de proceder à anotação do gravame no CRV; (d) a formalização do contrato de financiamento de veículo; e, (e) o encaminhamento dos dados do contrato para o registro junto ao Detran, nos termos do art. 7º da Resolução Contran nº 320⁄09.
Já na etapa exclusivamente pública, as atividades são realizadas pelo DETRAN, que: (i) recebe os dados dos contratos encaminhados pelas Instituições Financeiras, procedendo ao registro das suas informações na base pública, nos termos do art. 3º da Resolução Contran nº 320⁄09; (ii) consulta o SNG para verificar se os dados da garantia conferem com aqueles que haviam sido registrados etapa privada, visando a evitar a ocorrência de fraudes; e, (iii) emite o documento com a anotação do gravame realizada com base nos dados de registro de contrato.
A descrição desse fluxo de atividades permite constatar, em primeiro lugar, que o registro de informações realizado no SNG não se confunde de maneira nenhuma com as atividades públicas de registro de contrato de financiamento e de anotação de gravame. Enquanto as informações inseridas na base privada [SNG] têm a finalidade de informar ao mercado e aos órgãos de trânsito que um veículo foi dado em garantia numa operação, o registro de contrato é uma atividade pública, realizada pelo DETRAN, que faz constar na sua base os dados dos contratos de financiamento. E, por sua vez, a anotação do gravame [que não se confunde com a inclusão eletrônica do gravame] é a inscrição, também pelo DETRAN [com base nos dados que, perante ele, são registrados e, também, a partir de consulta do SNG], no campo de anotações do CRV, do nome do credor real do veículo. (fls. 379⁄381)
 
Após descrever o pré-gravame, a FEBRABAN informou (fl. 383) cessou a cobrança desse ressarcimento após 25⁄02⁄2011.
Relembre-se que ressarcimento de despesa com serviços de terceiros era amplamente autorizado pela Resolução-CMN 3.518⁄2007, conforme se verifica no art. 1º, § 1º, inciso III, abaixo transcrito:
Art. 1º. A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.
§ 1º. Para efeito desta resolução:
I - considera-se cliente a pessoa que possui vínculo negocial não esporádico com a instituição, decorrente de contrato de depósitos, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de serviços ou de aplicação financeira;
II - os serviços prestados a pessoas físicas são classificados como essenciais, prioritários, especiais e diferenciados;
III - não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil.
(sem grifos no original)
 
Posteriormente, com a entrada em vigor da Resolução-CMN 3.954⁄2011, (publicada em 25⁄02⁄2011), passou-se a uma norma extremamente restritiva, conforme se verifica no enunciado normativo art. 17, abaixo transcrito, litteris:
Art. 17É vedada a cobrança, pela instituição contratante, de clientes atendidos pelo correspondente, de tarifa, comissão, valores referentes a ressarcimento de serviços prestados por terceiros ou qualquer outra forma de remuneração, pelo fornecimento de produtos ou serviços de responsabilidade da referida instituição, ressalvadas as tarifas constantes da tabela adotada pela instituição contratante, de acordo com a Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007, e com a Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de 2010.
 
Ante esse cenário fático e normativo, a própria FEBRABAN propôs a consolidação de uma tese no sentido de limitar validade do ressarcimento apenas se "o contrato tiver sido firmado até 25.02.2011" (fl. 385), data da entrada em vigor da Resolução-CMN 3.954⁄2011.
Para os contratos posteriores, não haveria dúvida de que a despesa com o pré-gravame seria de responsabilidade das instituições financeiras.
O Tribunal de origem também se valeu da Resolução CMN 3.518⁄2007 para julgar válida a pactuação do ressarcimento dessa despesa, fazendo analogia com o entendimento firmado por esta Corte Superior acerca das tarifas de abertura de crédito - TAC e de emissão de carnê - TEC (embora o registro do gravame não seja uma tarifa).
Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do acórdão recorrido:
No tocante às tarifas de inclusão de gravame, registro de contrato e seguro, deve ser modificada a sentença, pois a decisão não está de acordo com o recente entendimento da Corte Superior.
A Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 3.518⁄07, do BACEN, de 06.12.2007, disciplina a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Em seu artigo 1º, dispõe que:
Art. 1º - A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.
Parágrafo único Para efeito desta resolução:
(...)
III Não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil.
 
Assim, se não há proibição legal para a cobrança das taxas questionadas, e não há demonstração de vantagem exagerada, não há que se falar em abusividade na cobrança de tais valores, que foram previamente pactuados, constando expressamente do contrato assinado entre as partes.
Como no caso dos autos, não há demonstração de vantagem exagerada na cobrança das tarifas pactuadas, deve ser mantido o que foi contratado.
No julgamento do REsp 1.255.573-RS, analisado no sistema de recursos repetitivos, foi decidido sobre algumas tarifas bancárias, sendo fixadas as seguintes teses para efeitos do art. 543-C do CPC:
“1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.04.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303⁄96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.
2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518⁄2007, em 30.04.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária.
Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.
(STJ REsp 1.255.573-RS Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI 2ª Seção J. 28.08.2013). (fls. 111⁄113)
 
Em sentido contrário, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL entendeu que a inserção do gravame eletrônico seria de interesse exclusivo da instituição financeira, conforme se verifica no seguinte trecho do parecer:
Semelhante raciocínio é aplicável à exigência de tarifa de inserção de gravame eletrônico. É evidente que a instituição de gravame sobre o automóvel não é efetuada em benefício do consumidor, e sim para garantir à instituição financeira o retorno do capital vinculado ao arrendamento do bem. Assim, se apenas o banco tem interesse no serviço, revela-se notoriamente abusiva a transferência de tal encargo ao arrendatário do veículo. (fl. 443, sem grifos no original)
 
Por sua vez, a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO entendeu que essa despesa "decorre de operação ínsita à atividade bancária" (fl. 474), sendo portanto inválida a pretensão de ressarcimento em face do consumidor.
A meu juízo, razão assistiria ao MPF e à DPE-SP.
Deveras, sendo o pré-gravame um registro de caráter privado, decorrente de obrigação imposta especificamente às instituições financeiras (não uma obrigação que decorra das normas que disciplinam a constituição da garantia), sou forçado a concluir que essa despesa remunera, efetivamente, uma operação ínsita à atividade bancária, a teor das bem lançadas razões da DPE-SP, devendo, portanto, serem suportadas pelas próprias instituições financeiras.
Entretanto, a controvérsia acerca do alcance da norma autorizativa do art. 1º, § 1º, inciso III, da Resolução-CMN 3.518⁄2007, foi enfrentada recentemente por esta Corte Superior, sob a ótica da despesa com a comissão do correspondente bancário, tendo-se entendido, com ressalva de meu posicionamento pessoal, que seria válido o ressarcimento dessa despesa perante o consumidor para os contratos celebrados até 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res. CMN 3.954⁄2011.
Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão paradigma da tese:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 958⁄STJ. DIREITO BANCÁRIO. COBRANÇA POR SERVIÇOS DE TERCEIROS, REGISTRO DO CONTRATO E AVALIAÇÃO DO BEM. PREVALÊNCIA DAS NORMAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR SOBRE A REGULAÇÃO BANCÁRIA. EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR VEDANDO A COBRANÇA A TÍTULO DE COMISSÃO DO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. DISTINÇÃO ENTRE O CORRESPONDENTE E O TERCEIRO. DESCABIMENTO DA COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO EFETIVAMENTE PRESTADOS. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA ABUSIVIDADE DE TARIFAS E DESPESAS EM CADA CASO CONCRETO. 1.
DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30⁄04⁄2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo.
2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC⁄2015: 2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado;
2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954⁄2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva;
2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a:
2.3.1.
abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.
3. CASO CONCRETO.
3.1. Aplicação da tese 2.2, declarando-se abusiva, por onerosidade excessiva, a cláusula relativa aos serviços de terceiros ("serviços prestados pela revenda").
3.2. Aplicação da tese 2.3, mantendo-se hígidas a despesa de registro do contrato e a tarifa de avaliação do bem dado em garantia.
4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 1.578.553⁄SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28⁄11⁄2018, DJe 06⁄12⁄2018, sem grifos no original)
 
Desse modo, para manter coerência com esse precedente, proponho a consolidação de uma tese nos seguintes termos:
Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954⁄2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva.
 
Fixada a tese referente ao pré-gravame, passa-se ao seguro de proteção financeira.
4. Seguro de proteção financeira:
Esse seguro é uma ampliação do conhecido seguro prestamista, o qual oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro, fato que interessa tanto ao segurado (ou a seus dependentes) quanto à instituição financeira.
Sobre o seguro prestamista, ADILSON JOSÉ CAMPOY assim conceitua:
O seguro prestamista é aquele que objetiva garantir, em caso de morte ou invalidez do segurado, o cumprimento de obrigação que este tenha para com o beneficiário. Largamente utilizado pelas instituições financeiras nas operações de crédito ao consumidor, é, sem dúvida, um instrumento de alavancagem dessas operações, pois torna menor o risco de não recuperação do crédito. (Contrato de seguro de vida [livro eletrônico] São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, capitulo 12)
 
No seguro de proteção financeira, oferece-se uma cobertura adicional, referente ao evento despedida involuntária do segurado que possui vínculo empregatício, ou perda de renda para o segurado autônomo.
A inclusão desse seguro nos contratos bancários não é vedada pela regulação bancária, até porque não se trata de um serviço financeiro, conforme manifestou o BCB em seu parecer, litteris:
É dizer: do ponto de vista estrito da regulação bancária, até mesmo pelo que consta da Resolução-CMN n" 3.517, de 2007, em princípio, é legítima a cobrança de seguro de proteção financeira relacionado aos contratos de arrendamento mercantil. A luz da regulação financeira, sem levar em consideração a legislação consumerista, civil e contratual, sua cobrança pôde ser diligenciada à época da contratação a título de ressarcimento de serviços não financeiros prestados a favor do cliente, com amparo na regra expressa do art. 1º, § 1º, III, da Resolução-CMN n° 3.518, de 2007, e continua podendo ser diligenciada, pelas razões já expostas, mesmo após a revogação de tal dispositivo regulamentar. (fl. 299, sem destaques no original)
 
Em outra passagem, o BCB destaca que esse seguro contribui para a redução da taxa de juros.
Confira-se:
Não obstante seja a instituição financeira a beneficiária da indenização do seguro de proteção financeira, não se pode perder de vistas que se trata de forma de exoneração parcial ou total do consumidor de suas obrigações para o caso de ocorrência de determinados sinistros, o que, ao fim e ao cabo, redunda na mitigação de riscos do negócio, concorrendo para que sejam praticadas taxas de juros mais módicas nas contratações(fl. 298, sem grifos no original)
 
Apesar de não haver confronto com a regulação bancária, cumpre apreciar a validade dessa contratação em face da legislação consumerista.
Nesse passo, a primeira questão que vem à tona, como bem apontaram o MPF e a DPE-SP, é a proibição da venda casada, prevista no art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:            (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
 
No caso da presente afetação, os contratos celebrados nos dois recursos representativos encaminhados a esta Corte Superior dispõem sobre o seguro de proteção financeira como uma cláusula optativa.   
Transcreve-se, a propósito, a cláusula quinta do contrato juntado aos presente autos:
5. Seguro de Proteção Financeira na Itaú Seguros S.A. [x] Sim [ ] Não
 
Como se verifica, a contratação ou não do seguro era opção do consumidor, tendo sido observado, desse modo, a liberdade de contratar ou não o seguro.
Apesar dessa liberdade de contratar, inicialmente assegurada, a referida clausula contratual não assegura liberdade na escolha do outro contratante (a seguradora). Ou seja, uma vez optando o consumidor pela contratação do seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor.
É esse aspecto da liberdade contratual (a liberdade de escolher o outro contratante) que será abordado na presente afetação, sob o prisma da venda casada, deixando em aberto - até mesmo para outra afetação ou IRDR, se for o caso - a controvérsia acerca da restrição da própria liberdade de contratar.
Delimitada, assim, a controvérsia acerca da venda casada à liberdade de escolha do outro contratante, observa-se que essa espécie de venda casada já foi enfrentada por esta Corte Superior no âmbito do seguro habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH (que também prevê seguro prestamista), tendo-se consolidado a seguinte tese pelo ritos dos recursos especiais repetitivos:
Tema 54⁄STJ - É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura "venda casada", vedada pelo art. 39, I, do CDC.
 
Essa tese deu origem à Súmula 473⁄STJ, assim lavrada:
Súmula 473⁄STJ - O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.
 
Nas razões de decidir do precedente qualificado que deu origem a essa tese (REsp 969.129⁄MG), o relator, Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, valendo-se de precedente anterior da relatoria da Min.ª NANCY ANDRIGHI, já sinalizava que, em qualquer contrato bancário, configura venda casada a prática das instituições financeiras de impor ao consumidor a contratação de seguro com determinada seguradora.
Por ser pertinente ao julgamento da presente afetação, peço licença para transcrever o seguinte trecho a bem lançada fundamentação daquele repetitivo:
3.1. O seguro habitacional é exigência presente no Sistema Financeiro da Habitação desde sua origem, a qual assentou-se, por primeiro, no art. 14 da Lei n.º 4.380⁄64, que estava assim redigido: "Os adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação contratarão seguro de vida de renda temporária, que integrará, obrigatoriamente, o contrato de financiamento, nas condições fixadas pelo Banco Nacional da Habitação".
 
Nessa espécie de seguro, há, basicamente, duas formas de cobertura, quais sejam, as chamadas "MIB" (morte e invalidez permanente) e "DFI" (danos físicos no imóvel), que, como os próprios nomes indicam, são coberturas de quitação total ou parcial do saldo devedor, em casos de, respectivamente, morte ou invalidez permanente e prejuízos decorrentes de danos no imóvel, como, por exemplo, incêndio, explosão, desmoronamento (Circular SUSEP 08⁄95).
 
A celeuma que emerge da contratação obrigatória do seguro habitacional (além daquela relativa à forma de seu reajuste), no que interessa para o caso posto em julgamento, decorre do confronto entre o art. 14 da Lei n.º 4.380⁄64 e o art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que se encontra com a seguinte redação:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
 
São duas as proibições estampadas no dispositivo, quais sejam, a de condicionar a aquisição de um produto ou serviço à aquisição de outro, a chamada "venda casada", e a de limitação quantitativa na aquisição de determinado produto.
 
A vedação à "venda casada", em realidade, reafirma, no âmbito das relações de consumo, o antigo preceito do direito dos contratos, relativo a liberdade contratual, cujas faculdades a ele inerentes podem ser assim enumeradas: "a) a liberdade de contratar ou deixar de contratar; b) a liberdade de negociar e determinar o conteúdo do contrato; c) a liberdade de celebrar contratos atípicos; d) a liberdade de escolher; e) a liberdade de escolher o outro contratante; f) a liberdade de agir por meio de substitutos; g) a liberdade de forma" (Orlando Gomes. Apud. NERY Junio, Nelson. Código civil comentado. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 499⁄500).
 
No âmbito dos contratos bancários em geral, e especialmente no Sistema Financeiro da Habitação, a vedação à "venda casada" deve ser, com maior razão, combatida, tendo em vista que se está diante de contratos de adesão, com mutuários cuja hipossuficiência é manifesta.
 
Assim, muito embora o seguro habitacional seja uma exigência legal - e mesmo um benefício tanto para o mutuário quanto para o sistema, porquanto, a um só tempo, confere maior garantia a ambos, barateando, em última análise, o custo do financiamento, tendo em vista a redução dos riscos -, deve ser observada, na contratação deste seguro, a absoluta liberdade contratual, a qual, se já era reconhecida pela legislação comum, ganhou reforço com a edição do Código de Defesa do Consumidor.
 
Diante da exigência contida no art. 14 da Lei n.º 4.380⁄64, tornou-se comum a contratação casada do seguro habitacional junto ao próprio agente financeiro, e, na generalidade dos casos, por seguradora pertencente ao próprio grupo econômico do financiador.
 
Porém, o que a lei prevê é a obrigatoriedade do seguro habitacional, e não uma contratação obrigatória desse seguro com o agente financeiro, prática hodierna que, à toda evidência, vulnera as garantias legais e constitucionais dos consumidores, configurando, de fato, a "venda casada" a que alude o art. 39, inciso I, do CDC.
 
Esta Corte Superior possui entendimento pacífico sobre o tema, na esteira do acórdão paradigma de relatoria da e. Ministra Nancy Andrighi, cuja ementa ora se transcreve:
SFH. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VENDA CASADA.
- Discute-se neste processo se, na celebração de contrato de mútuo para aquisição de moradia, o mutuário está obrigado a contratar o seguro habitacional diretamente com o agente financeiro ou com seguradora por este indicada, ou se lhe é facultado buscar no mercado a cobertura que melhor lhe aprouver.
- O seguro habitacional foi um dos meios encontrados pelo legislador para garantir as operações originárias do SFH, visando a atender a política habitacional e a incentivar a aquisição da casa própria. A apólice colabora para com a viabilização dos empréstimos, reduzindo os riscos inerentes ao repasse de recursos aos mutuários.
- Diante dessa exigência da lei, tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico.
- A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada.
- Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada “venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 804.202⁄MG, Rel. Ministra  NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄08⁄2008, DJe 03⁄09⁄2008)
_________________________
 
Por outro lado, não se mostra como empecilho ao sistema a contratação do seguro habitacional com empresa diversa, como bem ressaltado no voto do aludido acórdão, uma vez que:
"A comprovação da cobertura exige tão-somente a apresentação da respectiva apólice, o que, aliás, pode condicionar a própria validade do contrato de mútuo, de maneira a garantir que o negócio não se perfectibilize sem a efetiva contratação do seguro habitacional.
Também inexiste ofensa à cláusula securitária, visto que não é a contratação do seguro que está sendo facultada, mas apenas a escolha da seguradora.
Não se vislumbra, portanto, nenhum óbice a que o mutuário celebre o seguro habitacional com a seguradora que melhor lhe aprouver, desde que a apólice apresente as coberturas exigidas pela legislação do SFH".
 
Tanto é assim, que a legislação mais recente sobre o tema prevê a possibilidade de contratação com seguradora escolhida pelo próprio consumidor.
 
Nesse sentido, é a previsão do art. 2º da M.P. 2.197-43, de 24 de agosto de 2001, com a redação dada pela recente Lei n.º 11.977, de 7 de julho de 2009:
art. 2º Os agentes financeiros do SFH somente poderão conceder financiamentos habitacionais com cobertura securitária que preveja, no mínimo, cobertura aos riscos de morte e invalidez permanente do mutuário e de danos físicos ao imóvel.
§ 1º Para o cumprimento do disposto no caput, os agentes financeiros, respeitada a livre escolha do mutuário, deverão:
I – disponibilizar, na qualidade de estipulante e beneficiário, uma quantidade mínima de apólices emitidas por entes seguradores diversos, que observem a exigência estabelecida no caput;
II – aceitar apólices individuais apresentadas pelos pretendentes ao financiamento, desde que a cobertura securitária prevista observe a exigência mínima estabelecida no caput e o ente segurador cumpra as condições estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, para apólices direcionadas a operações da espécie.
§ 2º Sem prejuízo da regulamentação do seguro habitacional pelo CNSP, o Conselho Monetário Nacional estabelecerá as condições necessárias à implementação do disposto no § 1º deste artigo, no que se refere às obrigações dos agentes financeiros.
§ 3º Nas operações em que sejam utilizados recursos advindos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR e do Fundo de Desenvolvimento Social - FDS, os agentes financeiros poderão dispensar a contratação de seguro de que trata o caput, nas hipóteses em que os riscos de morte e invalidez permanente do mutuário e de danos físicos ao imóvel estejam garantidos pelos respectivos Fundos.
 
Na mesma linha do entendimento inaugurado no REsp 804.202⁄MG, de relatoria da e. Ministra Nancy Andrighi, sobrevieram várias decisões monocráticas no mesmo sentido: REsp 605.528, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES; REsp 1.037.250, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR; Ag 1.119.686, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA; REsp 776.389, Rel. Ministro SIDNEI BENETI; REsp 512.416, Rel. Ministro PAULO FURTADO; REsp 751.876, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA; e, das Turmas de Direito Público, REsp 1.016.559, Rel. Ministro LUIZ FUX.
 
Analisando-se as razões de decidir acima transcritas, verifica-se que a única diferença para o caso da presente afetação diz respeito à liberdade de contratar, que é plena no caso da presente afetação, ao contrário do SFH, em que a contratação do seguro é determinada por lei.
Desse todo modo, uma vez tendo o consumidor optado pela contratação do seguro, essa diferença deixa de ter relevância, podendo-se, então, aplicar as mesmas razões de decidir para ambos os casos (ubi eadem ratio, ibi idem jus onde houver o mesmo fundamento, haverá o mesmo direito).
Neste norte, propõe-se a consolidação de uma tese semelhante ao enunciado da Súmula 473⁄STJ, para assim manter coerência com o precedente que deu origem a essa súmula, lembrando-se que a coerência entre precedentes passou a ter eficácia normativa no sistema processual inaugurado pelo CPC⁄2015 (cf. art. 926).
Propõe-se, portanto, a consolidação da seguinte tese:
- Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
 
5. Descaracterização da mora:
Essa última controvérsia, relativa à descaracterização da mora, havia sido incluída na afetação porque expressamente suscitada nos autos do primeiro recurso afetado (REsp 1.639.320⁄SP).
Nas razões daquele recurso especial, a parte recorrente sustentou que a abusividade das despesas de inserção de gravame, registro do contrato e seguro de proteção financeira, conduziriam à descaracterização da mora, uma vez que se trata de encargos que incidiram no período da normalidade contratual (fls. 199⁄201).
Relembre-se que a controvérsia acerca da descaracterização da mora em virtude da abusividade de encargos contratuais encontra-se consolidada nesta Corte Superior pelo rito do recursos repetitivo, conforme teses firmadas nos Temas 28 e 29⁄STJ, abaixo transcritos:
Tema 28⁄STJ - O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora.
 
Tema 29⁄STJ - A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.
 
Ante esse fato, tanto a FEBRABAN quanto o BCB sustentaram que o Tema 28⁄STJ seria suficiente para resolver a controvérsia, não havendo necessidade de outra afetação, uma vez que, não se tratando de abusividade dos juros remuneratórios ou da capitalização, não haveria que se falar em descaracterização da mora.
Deveras, analisando-se as razões de decidir do precedente qualificado que deu origem ao Tema 28⁄STJ, observa-se que a relatoria, Min.ª NANCY ANDRIGHI, fez questão de enfatizar que os encargos da normalidade que conduziriam à descaracterização da mora seriam, "notadamente", os juros remuneratórios e a capitalização, encargos essenciais do mútuo bancário, de modo que seria possível concluir, a contrario sensu, que encargos acessórios do contrato, ainda que incidentes no período da normalidade contratual, não seriam aptos a descaracterizar a mora.
Porém, como não houve uma manifestação expressa desta Corte Superior acerca da distinção entre encargos essenciais e encargos acessórios, essa questão suscita dúvidas.
Observe-se, por exemplo, que a tanto parte ora recorrente quanto a DPE-SP (fl. 479) chegaram ao entendimento oposto ao da FEBRABAN, embora também partindo do Tema 28⁄STJ, tendo concluído que a abusividade de qualquer encargo da normalidade contratual conduziria à descaracterização da mora.
Na jurisprudência desta Corte Superior também se encontram julgados em que se entendeu pela descaracterização da mora com base na abusividade de encargos acessórios, como tarifas.
Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENCARGOS ABUSIVOS NO PERÍODO DA NORMALIDADE CONTRATUAL. TARIFAS. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver na decisão obscuridade, contradição, omissão ou erro material, consoante dispõe o art. 1.022 do CPC⁄2015.
2. O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual descarateriza a mora (REsp n.
1.061.530⁄RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22⁄10⁄2008, pelo rito do art. 543-C do CPC⁄1973, DJe 10⁄3⁄2009).
3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos com efeitos infringentes, para descaracterizar a mora do contratante.
(EDcl no AgRg no AREsp 783.809⁄RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14⁄03⁄2017, DJe 20⁄03⁄2017)
 
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO E AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. LEGALIDADE DA TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO E DA TARIFA DE EMISSÃO DE CARNÊ. MATÉRIA QUE NÃO FOI OBJETO DO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO.
1.- É vedado, em sede de agravo regimental, apreciar questões que não foram objeto de impugnação no recurso especial.
2.- É assente na jurisprudência desta Corte que a descaracterização da mora do devedor dá-se no caso de cobrança de encargos ilegais no período da normalidade, o que se verifica no presente processo em que foi reconhecida a abusividade da da Taxa de Abertura de Crédito, da Tarifa de Emissão de Carnê e do IOF diluído nas prestações.
3.- O Tribunal de origem decidiu pela improcedência do pedido de ação de busca e apreensão, tendo em vista a descaracterização da mora pela cobrança de encargos excessivos. Permanecendo incólume esse fundamento, merece ser mantida a decisão quanto a esse ponto.
4.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1.312.674⁄RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22⁄05⁄2012, DJe 04⁄06⁄2012)
 
Mostra-se bastante oportuno, portanto, consolidar um entendimento acerca da descaracterização da mora nessa hipótese de abusividade encargos acessórios que incidiram no período da normalidade contratual.
E o entendimento a ser proposto não poderia ser outro senão aquele já sinalizado no precedente que deu origem ao Tema 28⁄STJ, ao se enfatizar que os encargos aptos a descaracterizar a mora seriam "notadamente" juros remuneratórios e capitalização, encargos essenciais dos contrato de mútuo bancário.
Deveras, a abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada, procedendo-se à redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
......................................................
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
 
Sobre a temática da conservação do negócio jurídico, confira-se a doutrina de BRUNO MIRAGEM:
A invalidade da cláusula contratual abusiva não atinge a integridade do contrato. Em outros termos, a nulidade da cláusula não implica a nulidade do contrato, porquanto o CDC estabelece ao juiz o dever de esforçar-se no sentido de integrar o contrato e colmatar a lacuna decorrente da nulidade pronunciada. Esta situação pela qual a invalidade de parte do contrato não contamina todo ele, é conhecida como redução do negócio jurídico. Neste sentido, tem lugar a redução do negócio jurídico, mesmo em direito civil, quando a invalidade de determinadas cláusulas do contrato não afeta as válidas, desde que não ligadas a elas por vínculos de subordinação (ou seja, que a parte que se deseja considerar válida não seja dependente do ponto de vista lógico ou funcional, da parte inválida). Trata-se, pois, de espécie de redução legal,476 determinada por força do que dispõe o artigo 51, § 2º, do CDC. (op. cit., item 2.3.4.2.2)
 
Confira-se, também, o seguinte precedente:
DIREITO COMERCIAL E BANCÁRIO. CONTRATOS BANCÁRIOS SUJEITOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALIDADE DA CLÁUSULA. VERBAS INTEGRANTES. DECOTE DOS EXCESSOS. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO CIVIL ALEMÃO. ARTIGO 170 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
1. O princípio da boa-fé objetiva se aplica a todos os partícipes da relação obrigacional, inclusive daquela originada de relação de consumo. No que diz respeito ao devedor, a expectativa é a de que cumpra, no vencimento, a sua prestação.
2. Nos contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, é válida a cláusula que institui comissão de permanência para viger após o vencimento da dívida.
3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja, a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC.
4. Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos artigos 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no artigo 170 do Código Civil brasileiro.
5. A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1.063.343⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p⁄ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12⁄08⁄2009, DJe 16⁄11⁄2010, sem grifos no original)
 
Na esteira desse entendimento, considerando que a abusividade de tarifas ou despesas acessórias do contrato bancário não contaminam a parte principal, proponho a consolidação de uma tese nos seguintes termos:
- A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
 
Fixadas as teses, passa-se ao julgamento do caso concreto.
6. Julgamento do caso concreto:
Relembre-se que as tarifas⁄despesas questionadas nos presentes autos, são as seguintes: (a) prêmio do seguro de proteção do arrendatário: R$ 359,93; (b) inclusão de gravame eletrônico: R$ 42,11; (c) serviços de terceiros: R$ 1.812,00; (d) registro do contrato: R$ 50,00.
Conforme entendimentos firmados no presente voto, a despesa com pré-gravame pode ser cobrada do consumidor caso o contrato tenha sido celebrado em data anterior a 25⁄02⁄2011.
No caso dos autos, tendo sido o contrato celebrado em 01⁄12⁄2010, deve ser reconhecida a validade do ressarcimento dessa despesa.
Porém, como bem consignou o juízo a quo, não houve comprovação da prestação desse serviço (fl. 79).
Logo, descabido o ressarcimento em face o consumidor.
De outra parte, quanto ao prêmio do seguro, já constou na fundamentação deste voto que a cláusula contratual impôs ao consumidor uma venda casada, ao vincular a contratação à seguradora indicada pela instituição financeira (do mesmo grupo econômico, inclusive).
Observe-se, contudo, que o art. 39 do CDC (práticas abusivas), diferentemente do art. 51 (cláusulas abusivas), não comina a sanção de nulidade aos contratos originados de práticas abusivas, de modo que nem sempre o contrato celebrado em venda casada será nulo, embora a prática seja ilícita, podendo dar origem à obrigação de indenizar.
Sobre esse ponto, confira-se a doutrina de BRUNO MIRAGEM:
Além da enumeração exemplificativa das condutas tipificadas como proibidas, outra característica particulariza a disciplina das práticas abusivas pelo CDC, com respeito às sanções pela violação da proibição pelos fornecedores. Neste aspecto, note-se que a regra de proibição foi econômica. Apenas estabeleceu a vedação às condutas que define, dentre outras que podem ser acrescidas mediante interpretação e concreção judicial do conceito indeterminado de prática abusiva. Nada mencionou sobre as sanções nos casos de violação da proibição. E, neste aspecto, surgem duas possibilidades de interpretação da regra: uma primeira, mais restritiva, indicaria a impossibilidade da cominação de sanções frente à ausência de previsão expressa. Outra, mais abrangente – e acolhida corretamente no direito brasileiro – de que a ausência de sanções específicas, ao tempo em que se define como proibidas certas condutas enunciadas, caracteriza o ilícito da violação da proibição. Neste caso, reconhecido o ilícito, todas as sanções que o rejeitem são admitidas.
 
Desse modo, o ilícito que causa dano gera o dever de indenizar. O mesmo se diga quando, em razão de uma prática abusiva, celebra-se um contrato – assim, por exemplo, o contrato que tenha sido celebrado mediante conduta tipificada no art. 39, IV, ou seja, pelo fato de ter havido prevalecimento da fraqueza ou ignorância do consumidor – este será inválido, se demonstrado que não houve consentimento livre e consciente do consumidor, ou parcialmente ineficaz, quando se trate de preservar vantagens asseguradas na lei. (op. cit., item 2.3.1.2)
 
No caso dos autos, contudo, a par da venda casada, também se verificou, no juízo de origem, ausência de "qualquer indício da efetiva prestação dos mencionados serviços" (fl. 79), fato que é suficiente por si só para conduzir à procedência do pedido de restituição do indébito.
Quanto à despesa com serviços de terceiros carece a parte ora recorrente de interesse recursal, uma vez que essa despesa já foi declarada abusiva pelo Tribunal de origem (fl. 114).
Por fim, quanto à despesa de registro do contrato, aplicam-se as teses firmada no julgamento do Tema 958⁄STJ, abaixo transcritas, na parte que interessa ao caso:
2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado  em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a:
 
2.3.1. Abusividade  da  cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a
 
2.3.2.  Possibilidade  de controle da onerosidade excessiva, em cada caso  concreto.
 
No caso dos autos, o serviço registro do gravame perante o órgão de trânsito foi efetivamente prestado, conforme se constata da leitura do Certificado de Registro de Veículo - CRV acostado à fl. 28.
À míngua de controvérsia específica acerca da abusividade do valor cobrado (R$ 50,00), impõe-se reconhecer a validade do ressarcimento dessa despesa.
Destarte, o recurso especial merece ser provido, em parte, tão somente quanto ao seguro de proteção financeira e à despesa com pré-gravame.
Ante o exposto, voto no sentido de propor a consolidação das seguintes teses para os fins do art. 1.040 do CPC⁄2015:
1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954⁄2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva.
 
2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
 
3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
 
No caso concreto, voto no sentido de conhecer, em parte, do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe PARCIAL PROVIMENTO para julgar parcialmente procedente o pedido em maior extensão, condenando-se a instituição financeira demandada a restituir também o indébito relativo às despesas de pré-gravame e de seguro de proteção financeira.
Mantém-se a sucumbência recíproca, conforme determinado pelo Tribunal a quo.

É o voto