Jurisprudência - STJ

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. LAVAGEM DE DINHEIRO. SUPOSTA SEITA RELIGIOSA. NULIDADES. NÃO CONSTATAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE PARA INTERROMPER ATIVIDADES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. Hipótese na qual os recorrentes foram denunciados pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts.

2º, caput, da Lei nº 12.850/2013, 171 (seis vezes) e 299 (cinco vezes) do Código Penal e 1º da Lei nº 9.613/98, não se sustentando a alegação de não preenchimento do requisito contido no art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal. 2. A jurisprudência desta Corte Superior que possui entendimento pacificado no sentido de que, nas hipóteses de flagrante delito de crime permanente - no caso, organização criminosa -, não há falar em autorização judicial - e, portanto, limitação de horário - para os policiais adentrarem residência alheia.

3. O sigilo decretado na fase investigativa, harmônico com a natureza tanto inquisitiva quanto sigilosa do inquérito policial, tem por intuito garantir a efetividade das apurações, e não o direito dos recorrentes. Desse modo, eventual desrespeito a tal determinação, com vazamento da data e ora do cumprimento do mandado à imprensa - por mais censurável que possa ser -, deve ser objeto de apuração por meio das vias próprias. 4. Eventual irregularidade na fase investigativa, ainda que venha a ser comprovada, não possui o condão de afetar a ação penal. Isso porque o inquérito policial é peça meramente informativa, que visa munir o órgão responsável pela acusação dos elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não consistindo, portanto, em fase obrigatória da persecução penal.

5. A alegação de uso indevido de algemas pela autoridade policial no momento da prisão não foi objeto de análise pela Corte a quo, de modo que não pode ser conhecida diretamente por este Tribunal, dado o óbice à supressão de instância. 6. Ademais, "não obstante o enunciado 11 da Súmula Vinculante prescreva que "só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado", a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que tal eiva possui natureza relativa, devendo ser arguida oportunamente, e com a devida demonstração do prejuízo suportado pelo réu" (HC 387.476/PR, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017).

7. As alegações de ausência de laudos de busca e apreensão nos autos discriminando os bens retidos, e de que as crianças presentes no local teriam sido separadas de seus pais sem acompanhamento do Conselho Tutelar, versam ambas sobre matéria que escapa do âmbito constitucionalmente definido do habeas corpus, remédio constitucional que visa à proteção da liberdade do indivíduo de ir e vir, não devendo, pois, ser conhecidas. 8. Não tendo a alegação de incompetência do juízo para a expedição dos mandados de prisão e de busca e apreensão, cumpridos em comarca diversa, sido objeto de conhecimento pela Corte a quo, incide também nesse ponto o óbice de supressão de instância. 9. Não obstante, é de se considerar que Petrópolis e Itaguaí estão ambas localizadas no Estado do Rio de Janeiro, sendo comarcas contíguas e de fácil comunicação. Nesse sentido, o cumprimento de mandado expedido por uma comarca em outra diversa, sem prévia comunicação do juízo local, consiste, quando muito, em mera irregularidade, não sendo suficiente para gerar a nulidade do processo. 10. As alegações de que a prisão de dois dos recorrentes, que são advogados, não foi acompanhada por representante da OAB, e de que as imputações seriam decorrente de retaliação da polícia e do Ministério Público, consistem em reiteração de teses contidas no RHC 90.377/RJ, o que impede o conhecimento do recurso no ponto. 11. Mostra-se devidamente fundamentada a prisão preventiva em hipótese na qual os recorrentes são acusados de delitos graves, supostamente perpetrados em organização erigida em forma de seita religiosa e que apresenta histórico de anos de atuação, primeiramente no Estado do Maranhão - onde foram relatadas práticas de crimes de lesão corporal gravíssima (com emasculação de integrantes), atentado violento ao pudor, estelionato, falsificação de documento público e falsidade ideológica -, posteriormente no Estado de São Paulo e, dessa vez, no Rio de Janeiro. Atente-se, ainda, que o líder da organização, DONATO BRANDÃO COSTA, já foi condenado e cumpriu pena por crimes de mesma natureza no Maranhão. 12. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que se justifica a decretação de prisão de membros de organização criminosa como forma de interromper suas atividades. 13.

As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública.

14. O entendimento desta Corte é assente no sentido de que, estando presentes os requisitos autorizadores da segregação preventiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para afastá-la. 15. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(RHC 87.092/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 28/02/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 87.092 - RJ (2017⁄0170469-5)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE : DONATO BRANDAO COSTA (PRESO)
RECORRENTE : MARCO AURELIO NEVES LIMA (PRESO)
RECORRENTE : DINA CELIA MARTINS CARVALHO SOARES (PRESO)
RECORRENTE : ZELIA PEIXOTO MONDEGO (PRESO)
RECORRENTE : FRANCISCO MARCELINO SENA (PRESO)
RECORRENTE : JOSE ALEXANDRE SANTOS MAIA JUNIOR (PRESO)
RECORRENTE : ALEKS DA SILVA MAIA (PRESO)
RECORRENTE : LIONETE LIMA SILVA (PRESO)
RECORRENTE : ALAN LIMA DOS SANTOS (PRESO)
RECORRENTE : ROMULO CESAR DEODATO CASTELLO BRANCO (PRESO)
RECORRENTE : DAYANNE DUARTE BARROS DA SILVA (PRESO)
RECORRENTE : ADRIANA MOTA FACUNDE LIMA (PRESO)
RECORRENTE : LUCRECIA PIRES DE ANDRADE (PRESO)
RECORRENTE : JANILCE DE JESUS MORAIS CIDREIRA (PRESO)
RECORRENTE : JOSIVALDO SOARES NERES MARTINS (PRESO)
ADVOGADO : REINALDO MAXIMO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) - RJ134652
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
 

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto por DONATO BRANDÃO COSTA e OUTROS contra acórdão da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC nº 0029300-12.2017.8.19.0000).

Extrai-se dos autos que os recorrentes foram denunciados pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 2º, caput, da Lei nº 12.850⁄2013, 171 (seis vezes) e 299 (cinco vezes) do Código Penal e 1º da Lei nº 9.613⁄98. A decisão que recebeu a denúncia decretou a prisão preventiva, que foi cumprida em 5⁄5⁄2017.

Alegando nulidades e buscando a revogação da prisão, a defesa impetrou a ordem originária, que foi denegada pelo Tribunal a quo, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 126⁄175):

"HABEAS CORPUS. PACIENTES QUE RESPONDEM AÇÃO PENAL ASSIM AUTUADA E CLASSIFICADA NO JUÍZO DA CULPA: ESTELIONATO (ART. 171, CP), 6x N⁄F CONCURSO DE PESSOAS (ARTS 29 A 31, CP); CONCURSO MATERIAL (ART. 69, CP) N⁄F FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP), 5X; CONCURSO DE PESSOAS (ART. 29 A 31, CP); CONCURSO MATERIAL (ART. 69, CP) N⁄F "LAVAGEM" OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS OU VALORES ORIUNDOS DA CORRUPÇÃO (ART. , INCISO V, LEI 9613⁄98), 16X; CONCURSO DE PESSOAS (ARTS. 29 A 31, CP); CONCURSO MATERIAL (ART. 69, CP) N⁄F CONCURSO MATERIAL (ART. 69, CP); ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (LEI 12.850⁄2013). HABEAS CORPUS AO ARGUMENTO DAS SEGUINTES NULIDADES A VICIAR ATOS DECISÓRIOS E DILIGÊNCIAS ORDENADAS: "NULIDADE 1 - DO MANDADO DE PRISÃO E BUSCA E APREENSÃO EFETUADOS PELA TIPIFICAÇÃO SOMENTE POR (CHARLATANISMO) ART. 283 CP; NULIDADE - 2: INVASÃO AO DOMICILIO ANTES DAS 06:00H DA MANHA SEM PREVIA APRESENTAÇÃO DO MANDADO; NULIDADE 3 - DA QUEBRA DO SIGILO E SEGREDO DE JUSTIÇA POR PARTE DOS POLICIAIS E AFASTAMENTO DO SIGILO DOS AUTOS EFETUADO SOMENTE APÓS AS PRISÕES, EFETUADAS, PORÉM, COM A PRESENÇA DE TELEVISÃO E EXPOSIÇÃO EM PROGRAMA JORNALÍSTICO; NULIDADE 4 - DO USO INJUSTIFICADO DE ALGEMAS DESOBEDIÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE 11 DO STF; NULIDADE 5 - AUSÊNCIA DOS LAUDOS DE BUSCA E APREENSÃO NOS AUTOS - DIVERSOS BENS PESSOAIS DOS PACIENTES APREENDIDOS DESNECESSARIAMENTE E DO MANDADO MERAMENTE GENÉRICO; NULIDADE 6 - CRIANÇAS SENDO SEPARADAS DE SEUS PAIS SEM APOIO DO CONSELHO TUTELAR, E SENDO REMOVIDAS DO LOCAL EM VIATURA POLICIAL ONDE ESTAVAM TAMBÉM NA MESMA VIATURA SEUS PAIS PRESOS E ALGEMADOS; NULIDADE 7 - DA AUTORIZAÇAO E PARTICIPAÇÃO DO JUIZ DEPRECANTE QUE SERIA O JUÍZO DE ITAGUAÍ- RJ; NULIDADE 8 - DA AUSÊNCIA DE REPRESENTANTE DA OAB⁄RJ NA DILIGÊNCIA; NULIDADE 9 - DA PRÉVIA REPRESENTAÇÃO DISCIPLINAR EM FACE DA PROMOTORA MARIA LOURDES FÉO POLÔNIO E DOS DELEGADOS ALEXANDRE ZIEHE E JULIANA MENESCAL". COM FULCRO EM TAIS ALEGAÇÕES, 0 PEDIDO ENCERRA: "a) CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR PARA QUE SEJA CONCEDIDA LIBERDADE PROVISÓRIA COM APLICAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO A TODOS OS ACUSADOS, EXPEDINDO-SE, POR CONSEGUINTE, OS RESPECTIVOS ALVARÁS DE SOLTURA UMA VEZ QUE TODAS AS DILIGENCIAS REALIZADAS PELA AUTORIDADE POLICIAL FORAM FEITAS DE FORMA IRREGULAR E ARBITRARIA, TORNANDO-SE NULAS SEUS ATOS; b) REQUER A ANULAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO E TUDO DAÍ DERIVADO INCLUSIVE A DEVOLUÇÃO DE TUDO QUE FOI APREENDIDO DE FORMA IRREGULAR E ARBITRARIA, OU SEJA SEM LAUDOS PRÉVIO E SEM A PRESENÇA DO OFICIAL DE JUSTIÇA; c) REQUER QUE QUANDO A AUTORIDADE COATORA FOR INSTADA A APRESENTAR INFORMAÇÕES, QUE APRESENTE TAMBÉM, CASO ESTEJAM EM SEU PODER, OS LAUDOS DAS DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO ASSINADAS POR OFICIAL DE JUSTIÇA; D) REQUER, AINDA SEJA OFICIADA À POLÍCIA CIVIL PARA QUE APRESENTE OS LAUDOS DAS COISAS APREENDIDAS ASSIM COMO ESPECIFIQUE DE QUEM É CADA OBJETO, TUDO EM REFERENCIAS AS DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO REALIZADAS; E) SEJA EXPEDIDO POR ESSA CÂMARA OFÍCIO AO CONSELHO TUTELAR DE TERESÓPOLIS COM O INTUITO DE SABER INFORMAÇÕES SOBRE AS CRIANÇAS LEVADAS PELOS POLICIAS SEM A PRESENÇA NO DIA DE UM CONSELHEIRO TUTELAR; F) AO FINAL, REQUER A DEFESA A CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR, GARANTINDO-SE AOS PACIENTES O USO E GOZO DO SEU DIREITO DE DEFENDER-SE DAS ACUSAÇÕES MINISTERIAIS EM LIBERDADE E TER DE VOLTA SEUS PERTENCES PARA ASSIM SE DEFENDER E DE UMA FORMA REGULAR PODER COLABORAR COM A JUSTIÇA". Louvada a combatividade e o inconformismo apaixonado da defesa técnica, verifica-se que a maioria das alegações trazidas no HC não possuem o condão de nulificar os atos atacados, porque com eles não guardam qualquer relação de causa e efeito, interdependência ou mesmo prejudicialidade derivada da inobservância de requisito objetivo, a inquina-los, assim, de ilegais. De fato, recebem o título de "questões preliminares", porém, tecnicamente, não o são. De curial sabença, a via eleita é de estreitíssima larqueza e permite, apenas, a discussão que envolva o exame da legalidade e⁄ou abuso de poder advindo do ato atacado. Não poderá, portanto, servir a mandamental como instrumento de coerção ou obstáculo à ampla desenvoltura da ação penal ou mesmo intimidar as providências de natureza cautelar que eventualmente se impusessem à época ultimar, desde essas providências se vejam justificadas, obedeçam às balizas legais e não constituam abuso de poder. Na esteira desse raciocínio, portanto, verifica-se que algumas das matérias trazidas na exordial refogem por completo aos contornos objetivos da impetracão, conforme referidos anteriormente, v.g. na parte em que se alega "Nulidade 3 - da quebra do sigilo e segredo de justiça por parte dos policiais e afastamento do sigilo dos autos somente após as prisões, efetivadas com a presença de televisão e exposição em programa jornalístico", "Nulidade 4 - do uso injustifiçado de algemas - desobediência da Súmula Vinculante 11 do STF", "Nulidade 5 - ausência de laudos de busca e apreensão nos autos e bens apreendidos desnecessariamente", "Nulidade 6 - crianças sendo separadas de seus pais sem apoio do conselho tutelar, e sendo removidas do local em viatura policial onde estavam também na mesma viatura seus pais presos e algemados", "Nulidade 7 - autorização e participação do Juiz deprecante que seria o Juízo de Itaguaí", "Nulidade 8 - ausência de representante da OAB⁄RJ na diligência" e "Nulidade 9 - da prévia representação disciplinar em face da promotora Maria Lourdes Féo Polônio e Menescal", suscitando nesta sede um leque de temas que, pela sua total impropriedade e manifesta inadequação à via eleita, de plano, DEIXO DE CONHECER. Subsistem, então, as questões diretamente jungidas ao mote da mandamental, quais sejam, as chamadas "Nulidade 1 - do mandado de prisão e busca e apreensão efetuados pela tipificação somente por (charlatanismo) art. 283 CP" e "Nulidade - 2: invasão ao domicilio antes das 06:00⁄7 da manhã sem previa apresentação do mandado". Não há falar-se em nulidade do mandado de prisão por não constarem expressamente os crimes imputados aos pacientes, se a decisão que decretou a prisão preventiva e ordenou a respectiva diligência o amparou e acompanhou. Trata-se de mera irregularidade. 0 que deve ser observado é se o decreto prisional apresenta adequada motivação. No caso concreto, a decisão proferida pela autoridade coatora está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, ficando demonstrada a gravidade concreta dos delitos cometidos. Quanto ao segundo tema, não há prova nos autos de que o Mandado Judicial tenha sido cumprido em horário anterior às 06:00hs, valendo lembrar que a própria lei processual não oferece distinção acerca do período compreendido como "dia" (CPP, art. 245), deixando essa definição a cargo da doutrina e da interpretação do caso concreto na forma da jurisprudência. Contudo, há de ser considerado que a diligência foi, sim, cumprida à luz do dia, ainda que não a pleno, é verdade, mas, de fato, tendo este já se iniciado, como bem assim demonstram os fotogramas vistos no sítio eletrônico fornecido pelo próprio impetrante às fls. 09 da inicial (http:⁄⁄gl.globo.com⁄rj⁄região serrana⁄noticia⁄suspeitos-de-mutilar- criancas-em-seita religiosa-sao-presos- na-serra-do-rio.ghtml). De outro giro, há de se considerar, também, que dentre há de se considerar, também, que dentre os crimes imputados se incluem alguns de caráter permanente, ou seja, cujo momento da consumação se prolonga no tempo, o que, de per si, já autorizaria a ação policial, independentemente de hora e mandado. No mais, a decisão combatida se mostra tecnicamente irretocável, encontrando-se devidamente motivada, com suas raízes de valor fincadas nos elementos do caso concreto, evidenciados o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, trazendo fundamentos convincentes e devotados à garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal. Por conta do exposto, não se vislumbra qualquer constrangimento ilegal a justificar a mandamental, razão pela qual, CONHEÇO PARCIALMENTE DA IMPETRAÇÃO, DENEGANDO A ORDEM REQUESTADA" (fls. 127⁄136).

 

No presente recurso, a defesa alega que o mandado de prisão e busca e apreensão foi embasado em crime de menor potencial ofensivo - charlatanismo, tipificado no art. 283 do Código Penal. Afirma, desse modo, que não resta cumprido o requisito contido no art. 313, inciso I do Código de Processo Penal. Acrescenta ainda que nem os promotores abraçaram essa tese acusatória (e-STJ fl. 207), já que tal delito não constou da denúncia. Assim, defende que essa imputação não poderia, portanto, embasar a prisão.

Por outro lado, sustenta que, embora o mandado de prisão e de busca e apreensão tenha sido exarado pelo juiz da Comarca de Petrópolis, foi cumprido em Itaguaí⁄RJ - comarca distinta - sem que tenha sido expedida carta precatória. Desse modo, a prisão seria nula devido à incompetência do juízo. Sustenta que o decreto preventivo careceu de fundamentos concretos.

Alega, ainda, que foi desrespeitada a inviolabilidade de domicílio, já que o mandado teria sido cumprido antes das 6h da manhã. Relata que a polícia de Petrópolis⁄RJ invadiu à noite o domicílio dos Pacientes na cidade de Itaguaí⁄RJ, algemou os moradores e sequer leu o mandado, ou seja, uma sequência de abusos que deve ser erradicada por meio da decretação da nulidade do processo em questão desde seu nascedouro (e-STJ fl. 214).

Sustenta que a busca e apreensão foi efetivada com a presença da imprensa, a despeito de ter sido decretado sigilo do inquérito policial, e que foram indevidamente utilizadas algemas, em contrariedade à Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal.

Descreve que não foram consignados nos autos os bens apreendidos, por meio de laudo das diligências empreendidas. Afirma que o mandado foi genérico, ensejando a apreensão de bens sem qualquer ligação com os supostos crimes, e que este não foi lido no momento da diligência. Invoca a teoria da árvore dos frutos envenenados.

Relata, por outro lado, que as crianças foram separadas de seus pais durante a abordagem sem que estivesse presente o conselho tutelar.

Argumenta que dois dos recorrentes eram advogados, e que a prisão deles foi realizada sem o acompanhamento de um representante da OAB.

Defende que as acusações decorrem de retaliação por os recorrentes terem denunciado abusos supostamente praticados no bojo de investigação anterior, e porque, em ocasião anterior, nem a polícia nem o Ministério Público conseguiram incriminar os pacientes pelo crime de sequestro (...), assim a polícia e o Ministério Público, imbuídos de nítido sentimento de vingança, criaram os crimes que agora são imputados aos pacientes, em nítida represália por terem sido denunciados por seus crimes de abuso de autoridade e de tortura (e-STJ fl. 236).

Afirma que o decreto preventivo carece de fundamentação idônea, destacando as circunstâncias pessoais favoráveis.

Requer, assim, o reconhecimento das nulidades alegadas, com a revogação da prisão, se for o caso com aplicação de medidas cautelares diversas, e determinação de devolução de todos os bens apreendidos de forma irregular, bem como comunicação ao Conselho Tutelar para que informe o paradeiro das crianças levadas pela autoridade policial no dia da prisão de seus pais.

A liminar foi indeferida pelo Vice-Presidente em exercício da Presidência, Exmo. Min. Humberto Martins  (e-STJ fls. 427⁄433).

Informações às e-STJ fls. 437⁄455 e 473⁄592.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso (e-STJ fls. 459⁄469 e 594⁄598).

É o relatório.

 
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 87.092 - RJ (2017⁄0170469-5)
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
 

Busca-se, no presente recurso, o reconhecimento das seguintes nulidades:

1) Mandado de prisão embasado em crime com pena máxima inferior a 4 anos;

2) Invasão de domicílio antes das 6h da manhã e sem prévia apresentação do mandado;

3) Quebra do sigilo das investigações devido à presença da imprensa na ocasião do cumprimento do mandado;

4) Uso indevido de algemas durante a diligência;

5) Ausência de laudos de busca e apreensão nos autos discriminando os bens retidos, muitos dos quais não teriam relação com o delito imputado, em decorrência de o mandado ter sido lavrado de forma genérica;

6) Separação das crianças presentes no local de seus pais sem acompanhamento do Conselho Tutelar;

7) Incompetência do juízo que determinou a busca e apreensão, por ser de Comarca diversa;

8) Prisão de recorrentes advogados sem a presença da OAB;

9) Motivação vingativa por parte da polícia local e do Ministério Publico, que teriam apresentado imputações falsas como retaliação por investigação frustrada anterior contra os recorrentes.

Passo a análise de cada tópico de forma individualizada.

Em relação à primeira alegação, de que o mandado de prisão seria motivado por crime cuja pena máxima não satisfaz o requisito do art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal, verifica-se que o magistrado singular decretou a prisão dos acusados e determinou a expedição de mandado de busca e apreensão na mesma decisão que recebeu a denúncia.

Ora, a própria defesa relata que o crime de charlatanismo nem mesmo foi incluído da exordial acusatória, de modo que não se sustenta a afirmação de que foi tal delito que motivou a prisão. De fato, eis o que se extrai da decisão que decretou a prisão preventiva:

No que tange ao perigo da liberdade, importa que se garanta o transcurso seguro e regular do processo sem pressões para as vítimas. Ademais, há de se garantir a ordem pública, evitando a reiteração criminosa. A dinâmica da ação é audaciosa e perdura desde longa data a prática de delitos de estelionatos, falsidades ideológicas, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa. Tudo se estruturou a partir de uma seita religiosa fundada no Estado do Maranhão, em que eram cometidos crimes gravíssimos de lesão corporal, atentado violento ao pudor, estelionato, falsificação de documento público e falsidade ideológica, passando a seita a exercer suas atividades também no Estado de São Paulo e agora nesta Comarca, demonstrando à sociedade que os denunciados não têm compromisso com residência fixa no distrito da culpa, podendo se evadir, colocando em risco a aplicação da lei penal ao final.

Ou seja, o juiz singular recebeu a denúncia que acusava os recorrentes da suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 2º, caput, da Lei nº 12.850⁄2013, 171 (seis vezes) e 299 (cinco vezes) do Código Penal e 1º da Lei nº 9.613⁄98 e, com base nesses delitos, decretou a prisão. Resta, portanto, atendido o requisito contido no art. 313, inciso I do Código de Processo Penal.

Em relação à segunda alegação, de que o mandado foi cumprido antes das 6h da manhã, assim se manifestou o Tribunal a quo (e-STJ fls. 126⁄175):

Prosseguindo, agora quanto ao segundo tema, não há prova nos autos de que o Mandado Judicial tenha sido cumprido em horário anterior às 06:00hs, valendo lembrar que a própria lei processual não oferece distinção acerca do periodo compreendido como "dia" (CPP, art. 245), deixando essa definição a cargo da doutrina e da interpretação do caso concreto na forma da jurisprudência.

Para alguns, o mandado judicial de busca deveria ser cumprido entre 6h e 18h, com alargamento até às 20h. Outros entendem que o cumprimento da busca seja realizado entre o "alvorecer e o anoitecer", conforme vislumbram doutrinadores do escol de 6. Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2013).

Em linha de pensamento bastante assemelhada, o entendimento no sentido de que, enquanto houver luz solar a diligencia poderá ser efetuada, já que em alguns paises não há sequer o desaparecimento do sol.

Contudo, há de ser considerado que a diligência foi, sim, cumprida à luz do dia, ainda que não a pleno, é verdade, mas, de fato, tendo este já se iniciado, como bem assim demonstram os fotogramas vistos no sítio eletrônico fornecido pelo próprio impetrante às fls. 09 da inicial, cujo endereço é (httpserrana⁄noticia⁄suspeitos-de-mutilar-criancas-em-seitareligiosa -sao- presos-na-serra-do-rio.ghtml).

De outro giro, há de se considerar, também, que dentre os crimes imputados se incluem alguns de caráter permanente, ou seja, cujo momento da consumação se prolonga no tempo, o que, de per si, já autorizaria a ação policial, independente de mandado.

(...)

Logo, seja pela vertente da ausência de provas da alegada violação, ausência de definição do conceito "dia" na lei penal processual ou pelo fato de que o crime permanente autoriza a ação policial para cessa-lo, independente de hora, local ou preexistência de ordem judicial, resta superada a questão.

 

Quanto à questão, convém considerar que, de fato, o conceito de dia não é explícito no Código de Processo Penal, havendo divergência quanto à questão na doutrina. Autores como Bento de Faria, Tourinho Filho e Júnio Fabbrini Mirabete adotam um critério objetivo - início às 6h da manhã - enquanto Magalhães Noronha e Guilherme de Souza Nucci se inclinam por conceituar o dia como o período que medeia o alvorecer e o anoitecer (NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Processo Penal e Execução Penal, 13ª ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: ed. Forense, p. 487).

De fato, tal conceito parece mais acertado, uma vez que o intuito do direito fundamental contido no art. 5, inciso XI, da Constituição Federal, é garantir o repouso noturno do indivíduo em sua casa, impedindo que tal descanso seja interrompido, senão por circunstâncias excepcionais. Entretanto, adotando-se o critério objetivo - que, por um lado, tem por vantagem sua dureza, tornando mais fácil aferir eventual abuso -, pode-se criar ocasiões em que a garantia resta violada, em especial durante vigência de horário de verão, e em certos locais, nos quais o Sol eventualmente se ergue muito após as 6h da manhã. Nessas circunstâncias, esse momento é, indiscutivelmente, noite.

No caso, o Tribunal a quo aduz que, por meio da observação das fotos da operação, é possível perceber que a operação foi efetivada em momento da aurora. Tal discussão, porém, além de inclinar-se para o campo do exame de provas - que se mostra incompatível com a via eleita -, parece irrelevante na hipótese, uma vez que entre os delitos imputados está o de organização criminosa, nos termos do art. 2º da Lei nº 12.850⁄13, o qual tem natureza jurídica de crime permanente.

Ora, a jurisprudência desta Corte Superior que possui entendimento pacificado no sentido de que, nas hipóteses de flagrante delito, não há falar em autorização judicial - e, portanto, limitação de horário - para os policiais adentrarem residência alheia. Nessa linha:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE ABSTRATA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A garantia constitucional ao domicílio é excepcionada nas hipóteses de flagrante delito, situação em que se enquadra o crime permanente de tráfico de drogas pela posse de substância entorpecente.

2. Não atende à constitucional exigência da motivação dos requisitos alternativos da prisão preventiva (riscos à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal) a fundamentação em fatos considerados no exame do flagrante, na determinação de autoria ou materialidade, assim como fundamentos de cautelares anteriormente decididas ou manifestações das partes, salvo explícita remissão.

3. No caso, ainda que parágrafos antes mencione a quantidade e natureza das drogas apreendidas, no exame dos requisitos alternativos o decreto encontra-se destituído de motivação concreta, fazendo referência a dispositivos legais e fundamentação acerca da gravidade do delito em abstrato ou de genérica regulação da prisão preventiva, o que demonstra a ausência de fundamentos para o decreto prisional.

4. A verificação de ausência dos indícios de autoria, por demandar revolvimento de matéria fático-probatória, é operação inviável na estreita via do habeas corpus, ação constitucional de rito célere e cognição sumária.

5. Recurso em habeas corpus parcialmente provido para determinar a soltura do recorrente, o que não impede nova e fundamentada decisão cautelar penal, inclusive menos gravosa do que a prisão processual. (RHC 64.755⁄MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 07⁄03⁄2016).

 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. ART. 16 DA LEI N. 10.826⁄2003. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. SÚMULA 83⁄STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PEÇAS CONSIDERADAS DE USO RESTRITO PELAS FORÇAS ARMADAS. FUNDAMENTO INATACADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283⁄STF. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. INADMISSIBILIDADE. ABOLITIO CRIMINIS. TERMO FINAL EM 23⁄10⁄2005. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83⁄STJ.

1. Consoante entendimento desta Corte, em se tratando de crimes permanentes, é despicienda a expedição de mandado de busca e apreensão, sendo permitido à autoridade policial ingressar no interior de domicílio em decorrência do estado de flagrância, não estando caracterizada a ilicitude da prova obtida.

[...]

5. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 504.226⁄PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 20⁄10⁄2015).

 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. MODALIDADE OCULTAÇÃO. CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. DESNECESSIDADE.

1. Consoante entendimento desta Corte, em se tratando de crimes permanentes, é despicienda a expedição de mandado de busca e apreensão, sendo permitido à autoridade policial ingressar no interior do domicílio em decorrência do estado de flagrância, não se caracterizando a ilicitude da prova obtida.

[...]

4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1457372⁄PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, DJe 03⁄02⁄2016).

 

Quanto à terceira alegação, relata a defesa que foi determinado sigilo das investigações no dia 25⁄5⁄2016, mas que no dia do cumprimento do mandado, em 5⁄5⁄2017, toda a operação foi filmada pela equipe da Rede Globo de Televisão.

Em consulta ao site do Tribunal a quo, verifica-se que a referida decisão foi assim redigida:

De início, mantenho a unicidade do tramitar do inquérito, indeferindo o pedido de autuação em apartado constante do item ´e´ de fl. 223 verso, a fim de evitar que haja extravio, confusão ou dificuldade de controle do tramitar e das informações que virão, bem como da numeração de folhas, a qual deverá ser rigorosamente providenciada e fiscalizada pela Autoridade Policial. Defiro, no entanto, que a tramitação deste inquérito se dê em SEGREDO DE JUSTIÇA, evitando que o prévio conhecimento acerca das medidas pretendidas venha a dificultar a perquirição da verdade material acerca dos fatos. Cuida-se de fase inquisitorial que poderá e deverá ser tratada com esse status. (...)

 

Nota-se, portanto, que o sigilo foi decretado na fase investigativa, com intuito de garantir o sucesso da obtenção de provas. Tal medida está de acordo com a natureza tanto inquisitiva quanto sigilosa do inquérito policial. Ou seja, é providência que visa garantir a efetividade das apurações, e não direito dos recorrentes.

Desse modo, eventual desrespeito a tal determinação, com vazamento da data e ora do cumprimento do mandado à imprensa - por mais censurável que possa ser -, deve ser objeto de apuração por meio das vias próprias. Eventual irregularidade, ainda que venha a ser comprovada, não possui o condão de afetar a ação penal.

Isso porque o inquérito policial é peça meramente informativa, que visa munir o órgão responsável pela acusação dos elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não consistindo, portanto, em fase obrigatória da persecução penal.

Assim, eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal (HC 232.674⁄SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 10⁄4⁄2013).

Nesse sentido:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ROUBOS MAJORADOS. NULIDADES. REQUERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA APÓS  APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO. PRECLUSÃO. ART. 396-A DO CPP. TESTEMUNHA OUVIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. CONHECIMENTO PRÉVIO DA DEFESA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADO DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE SUSCITADA POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. INOCORRÊNCIA. DILIGÊNCIA INVESTIGATIVA PERMITIDA. ART. 6º, III, DO CPP. PROVA ATÍPICA. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL. RECONHECIMENTO RATIFICADO EM JUÍZO. ART. 226 DO CPP. MERA RECOMENDAÇÃO. PRECEDENTES. EVENTUAL IRREGULARIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.

II - A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido que o rol de testemunhas deve ser apresentado pela defesa na resposta à acusação, sob pena de preclusão, nos termos do art. 396-A do Código de Processo Penal. Contudo, poderá o magistrado ouvir outras testemunhas além daquelas indicadas pelas partes, desde que julgue necessário, conforme previsão estabelecida no art. 209 do Código de Processo Penal.

III - No presente caso, conforme bem consignado pelas instâncias ordinárias, a testemunha LETÍCIA, companheira do paciente, foi ouvida durante o inquérito policial (fl. 114), sendo sua existência de conhecimento da defesa quando da apresentação da resposta à acusação, razão pela qual se mostra intempestivo o requerimento de sua oitiva apresentado em momento posterior à resposta.

IV - Conquanto seja aconselhável a utilização, por analogia, das regras previstas no art. 226 do Código de Processo Penal ao reconhecimento fotográfico, as disposições nele previstas são meras recomendações, cuja inobservância não causa, por si só, a nulidade do ato. Precedentes.

V - A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que eventual irregularidade ocorrida na fase do inquérito policial não contamina a ação penal dele decorrente, quando as provas serão renovadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. In casu, o reconhecimento fotográfico do paciente foi ratificado em juízo pelas vítimas, que reconheceram o réu como o autor dos delitos, inexistindo a nulidade suscitada.

Habeas Corpus não conhecido.

(HC 393.172⁄RS, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 28⁄11⁄2017, DJe 06⁄12⁄2017)

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. MÍDIA DIGITAL COM AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. JUNTADA AOS AUTOS DE INQUÉRITO. NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. A Portaria n. 101⁄2015, do TJDFT, ao regulamentar a audiência de custódia, estabelece, em seu art. 11, que "a ata da audiência, instruída, se for o caso, com mídia, será anexada ao auto de prisão em flagrante, e caberá ao Núcleo de Audiência de Custódia - NAC providenciar o imediato encaminhamento deste ao juízo de natureza criminal competente".

3. Apesar do aparente conflito entre a resolução e a portaria, não se verifica ilegalidade na juntada da mídia aos autos do inquérito policial a inquinar de nulidade o processo, uma vez que ela "ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia, disponível para análise pela defesa e acusação", o que não configura violação ao devido processo legal e à ampla defesa.

4. Na audiência de custódia, é vedado à autoridade judicial formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal, relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante (ex vi, art. 8º, VIII, da Resolução n. 213⁄15 do CNJ), razão pela qual não se evidencia prejuízo na juntada da mídia.

5. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de nulidade exige a demonstração do prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief.

6. Eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, cuja natureza é inquisitiva, não contaminam, necessariamente, o processo criminal, momento em que as provas serão renovadas.

7. Habeas corpus não conhecido.

(HC 381.186⁄DF, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 26⁄09⁄2017, DJe 06⁄10⁄2017)

 

Em relação ao alegado uso indevido de algemas durante a diligência, colhe-se do site do Tribunal a quo que o magistrado se manifestou quanto à questão nos seguintes termos:

Quanto à alegação de utilização das algemas, diga-se que a ordem de prisão é ato jurisdicional. A maneira como procedê-la é ato administrativo. O juiz não determinou a utilização de algemas, tampouco a vedou, cumprindo ao agente policial, considerada a necessidade para impor o restritivo, bem como os aspectos de segurança que importam, decidir quando a utilização é necessária.

O Tribunal estadual, por sua vez, não conheceu da questão, considerando sua total impropredade e manifesta inadequação à via eleita.

Portanto, a um primeiro momento, constata-se a inviabilidade de exame da matéria diretamente por esta Corte, uma vez incidir o óbice à supressão de instância.

Porém, ainda que assim não fosse, nota-se que o magistrado não determinou no mandado o uso de algemas, tendo sido estas utilizadas a partir da análise de conveniência e oportunidade da autoridade policial responsável pelo cumprimento da diligência.

Assim, seria necessário, no caso, o exame das circunstâncias fáticas que teriam levado à conclusão pela necessidade de utilização de tal recurso, providência que não é compatível com o célere rito do habeas corpus ou respectivo recurso ordinário.

Ainda, mesmo que superadas todas essas questões, o que se verifica da inicial é que a defesa se limitou a apontar descumprimento à Súmula Vinculante nº 11 do STF, sem definir, porém, qual o prejuízo decorrente de tal conduta.

Entretanto, não obstante o enunciado 11 da Súmula Vinculante prescreva que "só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado", a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que tal eiva possui natureza relativa, devendo ser arguida oportunamente, com a devida demonstração do prejuízo suportado pelo réu. (HC 387.476⁄PR, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 27⁄06⁄2017, DJe 01⁄08⁄2017)

No mesmo sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXTORSÃO, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE INTERROMPER ATIVIDADES DE ORGANISMO CRIMINOSO. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO. DESPROVIDO NA PARTE CONHECIDA.

I - Preliminarmente, no que tange à suposta nulidade quanto ao uso de algemas, em contrariedade à Súmula n. 11 do col. Supremo Tribunal Federal, verifico que a matéria não foi enfrentada pelo eg. Tribunal de origem, o que impede a sua análise diretamente por esta corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. Ademais, a utilização de algemas não acarreta, por si só, nulidade do ato, porquanto, a despeito do enunciado sumular, deveria a defesa insurgir-se a contento (opportuno tempore), sob pena de sujeitar-se à preclusão, bem como demonstrar, para que seja declarada, o efetivo prejuízo.

II - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

III - Na hipótese, a prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada em dados concretos extraídos dos autos, notadamente se considerado o fato de os recorrentes integrarem, em tese, organização criminosa voltada para a prática de delitos patrimoniais. Acentua-se, além dos mais, que os recorrentes são pertencentes aos quadros da Polícia Militar⁄MG, e em vez de fornecerem auxílio ao cidadão aflito com o caminhão acidentado, procederam de foram totalmente oposta ao que se espera de um agente público: exigiram da vítima vantagem pecuniária para não ter sua carga roubada pelos demais comparsas, circunstâncias indicadoras da indispensabilidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública.

IV - "A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n. 95.024⁄SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 20⁄2⁄2009).

V - A presença de circunstâncias pessoais favoráveis não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese.

Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

Recurso ordinário parcialmente conhecido. Desprovido na parte conhecida. (RHC 80.071⁄MG, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 16⁄05⁄2017, DJe 24⁄05⁄2017)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. TENTATIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. USO INDEVIDO DE ALGEMAS E REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. MATÉRIAS NÃO EXAMINADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO DELITIVA. ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. OCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. A aferição sobre a existência de indícios de autoria demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a angusta via do recurso ordinário em habeas corpus, devendo ser a questão dirimida no trâmite da instrução criminal.

2. Os temas referente aos pleitos de reconhecimento de ilegalidade da prisão pelo uso indevido de algemas e realização de perícia no veículo objeto da tentativa de furto não foram apreciados pelas instâncias de origem, o que impede sua cognição por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

3. A necessidade da custódia cautelar restou demonstrada, com espeque em dados concretos dos autos, conforme recomenda a jurisprudência desta Corte, estando o decisum proferido na origem fundamentado na periculosidade do agente e na renitência criminosa, pois o recorrente praticou o crime em liça durante o cumprimento da pena por outro delito, ostentando uma condenação transitada em julgado (por tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes), uma condenação provisória por porte ilegal de arma de fogo, além de responder a outros dois processos pelos delitos de tráfico e associação para o tráfico de drogas, a evidenciar, portanto, risco para ordem pública.

4. Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (RHC 81.440⁄RS, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 28⁄03⁄2017, DJe 04⁄04⁄2017)

 

Já a quinta alegação, de ausência de laudos de busca e apreensão nos autos discriminando os bens retidos, e a sexta, de que as crianças presentes no local teriam sido separadas de seus pais sem acompanhamento do Conselho Tutelar, versam ambas sobre matéria que escapa do âmbito constitucionalmente definido do habeas corpus, remédio constitucional que visa à proteção da liberdade do indivíduo de ir e vir. Não devem, pois, ser conhecidas.

Em relação ao sétimo tema, a respeito da incompetência do juízo para a expedição dos mandados de prisão e de busca e apreensão, cumpridos em comarca diversa, o Magistrado singular assim se manifestou (e-STJ fl. 94):

 

Quanto à cogitação de participação de juiz deprecado de Itaguai. reafirme-se que a ordem de prisão é ato jurisdicional, tendo sido proferida por juiz competente, posto que os crimes imputados teriam ocorrido dentro de sua circunscrição. A efetivação da prisão, no entanto, é ato administrativo, tendo sido ordenado à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Não tendo esta limitação de atuação no âmbito de sua atribuição, houve uma ação coordenada, necessária e suficiente para a captura, após o competente trabalho de investigação.

 

A tese também não foi objeto de conhecimento pela Corte a quo, de modo que, também nesse ponto, incide o óbice de supressão de instância.

Não obstante, é de se considerar que Petrópolis e Itaguaí estão ambas localizadas no Estado do Rio de Janeiro, sendo comarcas contíguas e de fácil comunicação. Nesse sentido, o cumprimento de mandado expedido por uma comarca em outra diversa, sem prévia comunicação do juízo local, consiste, quando muito, em mera irregularidade, não sendo suficiente para gerar a nulidade do processo.

A propósito:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO.

I - Em regra, o cumprimento a ordem de segregação cautelar, efetivada fora da jurisdição, deve ser precedida de envio de carta precatória, comportando exceção quando se tratar de medida urgente requisitada por telegrama (art. 289, parágrafo único, do CPP) e prisão efetuada em outra comarca do mesmo Estado (Precedentes do Excelso Pretório).

II - A prisão feita em outro Estado, em conjunto com a polícia local, não pode ser erigida em nulidade, uma vez que se trata de cumprimento de ordem judicial, devidamente fundamentada, exarada por juiz competente, nos termos do que dispõe o art. 5º, LXI, da Constituição Federal. Tudo isso em sede de segregação cautelar.

III - Eventual retardamento na conclusão da formação da culpa em razão de pedido de exame de insanidade mental, quando provocado pela defesa, não caracteriza constrangimento ilegal. (Enunciado n.º 64 da Súmula do STJ).

Writ denegado. (HC 38.741⁄GO, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 22⁄02⁄2005, DJ 21⁄03⁄2005, p. 412)

 

Além disso, conforme acima exposto, trata-se de situação de flagrante de crime permanente, de modo que o mandado de prisão seria dispensável, não havendo que se falar, portanto, em nulidade.

Em relação à oitava e à nona alegações, de que a prisão de dois dos recorrentes que são advogados não foi acompanhada por representante da OAB, e que as imputações seriam decorrente de retaliação da polícia e do Ministério Público, trata-se de reiteração de teses contidas no RHC 90.377⁄RJ, o que impede o conhecimento do recurso no ponto.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.

2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA E ROUBO CIRCUNSTANCIADO. DENÚNCIAS ANÔNIMAS IMPUTANDO A PRÁTICA DE ILÍCITOS. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PRELIMINARES PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES. CONSTRANGIMENTO INEXISTENTE.

1. Esta Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal firmaram o entendimento de que a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, prestando-se, contudo, a embasar procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações, os quais tornam legítima a persecução criminal estatal. Precedentes.

2. No caso dos autos, a Polícia Militar, após receber as notícias anônimas acerca da suposta atuação de grupo criminoso que estaria planejando ataque a instituição financeira no Estado de Mato Grosso, teve a necessária cautela de efetuar diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das informações por meio de vigilâncias, buscas em bancos de dados e consulta a fontes de confiança, encaminhando, em seguida, os dados obtidos ao Ministério Público que, após a análise dos elementos de convicção reunidos, representou pela quebra de sigilo telefônico dos investigados, o que afasta a eiva articulada na impetração.

FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE AUTORIZARAM E PRORROGARAM A QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. PROVIMENTOS JUDICIAIS MOTIVADOS. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA.

1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta Magna). 2. Das decisões judiciais anexadas aos autos, percebe-se que a excepcionalidade do deferimento da interceptação telefônica foi justificada em razão da suspeita da prática de graves infrações penais pelos investigados, tendo sido prolongada no tempo em razão do conteúdo das conversas monitoradas, que indicariam a existência de um complexo grupo criminoso que estaria praticando diversos crimes no Estado de Mato Grosso, especialmente os de roubo e tráfico de entorpecentes.

3. É ônus da defesa, quando alega violação ao disposto no artigo 2º, inciso II da Lei 9.296⁄1996, demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos alternativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida invasiva foi requerida, sob pena de a utilização da interceptação telefônica se tornar absolutamente inviável. Precedentes.

4. A interceptação telefônica não constituiu a primeira medida de investigação, tendo sido autorizada após a realização de diversas diligências para apurar a suposta existência da organização criminosa noticiada nas denúncias anônimas recebidas pela Polícia Militar.

5. Ainda que o Juízo tenha utilizado um modelo de decisão para motivar as prorrogações da quebra de sigilo telefônico, bem como a inclusão de novos números, o certo é que, subsistindo as razões para a continuidade das interceptações, como ocorreu no caso - tendo em vista a própria natureza e modus operandi dos delitos investigados -, inexistem óbices a que o magistrado adote os mesmos fundamentos empregados nas prévias manifestações proferidas no feito.

Precedentes.

ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DOS PACIENTES. MATÉRIA JÁ ANALISADA POR ESTE COLEGIADO EM ANTERIOR MANDAMUS IMPETRADO PELA DEFESA. REITERAÇÃO DE PEDIDO. 1. A apontada ilegalidade da custódia cautelar dos pacientes já foi objeto de apreciação por este Sodalício no julgamento do HC 352.480⁄MP, no qual a sua segregação antecipada foi reputada idônea por esta colenda Quinta Turma, o que revela a impossibilidade de conhecimento do mandamus no ponto, por se tratar de mera reiteração de pedido.

2. Habeas corpus não conhecido. (HC 359.620⁄MT, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 08⁄08⁄2017, DJe 16⁄08⁄2017)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ROUBO SIMPLES. UTILIZAÇÃO DE SUBSTÂNCIA QUÍMICA⁄ENTORPECENTE PARA DIMINUIR A RESISTÊNCIA DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. SUPOSTA NULIDADE. REITERAÇÃO DE PEDIDO (HC 308.825⁄SP). DOSIMETRIA. CONDENAÇÕES DEFINITIVAS. EXASPERAÇÃO TANTO A TÍTULO DE MAUS ANTECEDENTES QUANTO DE CONDUTA SOCIAL E DE PERSONALIDADE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. BIS IN IDEM. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.

II - A suposta nulidade por ausência de exame pericial para comprovar a ingestão de substância entorpecente⁄química pelo funcionário do hotel já foi apreciada por esta Corte Superior no Habeas Corpus n. 308.825⁄SP, sendo a impetração, neste ponto, mera reiteração de pedido.

III - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria caso se trate de flagrante ilegalidade e não seja necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório. Vale dizer, "o entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que, em sede de habeas corpus, não cabe qualquer análise mais acurada sobre a dosimetria da reprimenda imposta nas instâncias inferiores, se não evidenciada flagrante ilegalidade, tendo em vista a impropriedade da via eleita" (HC n. 39.030⁄SP, Quinta Turma, Rel.

Min. Arnaldo Esteves, DJU de 11⁄4⁄2005).

IV - "A circunstância judicial conduta social, prevista no art. 59 do Código Penal, compreende o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Vale dizer, os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São vetores diversos, com regramentos próprios. Doutrina e jurisprudência. 2. Assim, revela-se inidônea a invocação de condenações anteriores transitadas em julgado para considerar a conduta social desfavorável, sobretudo se verificado que as ocorrências criminais foram utilizadas para exasperar a sanção em outros momentos da dosimetria. 3. Recurso ordinário em habeas corpus provido" (RHC n. 130.132⁄MS, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10⁄5⁄2016, grifei).

V - A existência de condenação definitiva também não é fundamento idôneo para desabonar a personalidade do paciente, sob pena de bis in idem. Ademais, não é possível que o magistrado extraia nenhum dado conclusivo, com base em tais elementos, sobre a personalidade do agente. Assim, não havendo dados suficientes para a aferição da personalidade, mostra-se incorreta a sua valoração negativa, a fim de supedanear o aumento da pena-base (precedentes).

Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para reduzir a pena imposta ao paciente para 5 (cinco) anos de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. (HC 388.034⁄SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 23⁄05⁄2017, DJe 09⁄06⁄2017)

 

Não se verifica, portanto, a existência de nulidades no presente recurso ordinário.

Resta, portanto, apreciar a tese de ausência de fundamentos da segregação.

A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Assim, a medida, embora possível, deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, sendo vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime.

No caso, a prisão foi decretada nos seguintes termos (e-STJ fls. 253⁄257):

Trata-se de ação penal pública incondicionada movida contra denunciados DONATO BRANDÃO COSTA, LUCRÉCIA PIRES DE ANDRADE, MARCO AURÉLIO NEVES LIMA, ADRIANA MOTA FACUNDE LIMA, DINA CELIA MARTINS CARVALHO SOARES, ZELIA PEIXOTO MONDEGO, JOSIVALDO SOARES NERES MARTINS, FRANCISCO MARCELINO SENA, JOSÉ ALEXANDRE SANTOS MAIS JUNIOR, ALEKS DA SILVA MAIA, LINETE LIMA SILVA, ALAN LIMA DOS SANTOS, ROMULO CESAR DEODATO CASTELLO BRANCO, DAYANNE DUARTE BARROS DA SILVA e JANILCE DE JESUS MORAIS CIDREIRA, oferecendo o ilustre representante do Ministério Público Estadual denúncia em 52 laudas, acostada no local de costume. O processo está regular e válido, inexistindo vício a ensejar o reconhecimento de nulidade. Estão presentes as condições para o legítimo exercício do direito de ação e os pressupostos de existência e desenvolvimento válido do processo. As questões pertinentes ao mérito da ação serão analisadas oportunamente quando do julgamento. RECEBO A DENÚNCIA. Citem-se. Notifiquem-se os acusados para, em 10 dias, oferecerem defesa escrita por advogado que venham a constituir, COM A OBSERVÂNCIA DE QUE OS ROLS APRESENTADOS DEVERÃO TRAZER O ENDEREÇO COMPLETO (INCLUSIVE TELEFONE, SE HOUVER), SOB PENA DE NÃO SEREM EXPEDIDOS OS MANDADOS PARA INTIMAÇÃO DAS RESPECTIVAS TESTEMUNHAS. Cientifiquem-se de que o não oferecimento no prazo importará nomeação da Defensoria Pública para o patrocínio de seus interesses processuais. Passado in albis o prazo referido sem que venha a defesa preliminar, desde já nomeio a Defensoria Pública para o patrocínio retro mencionado, devendo ser dada vista pessoal, em atendimento às suas prerrogativas funcionais. Atenda-se com urgência à promoção do Ministério Público de fls. 1841⁄1847. Faço o enfrentamento do pedido de decretação da prisão preventiva, bem como concessão de ordem de busca e apreensão, formulado pelo MP nas folhas supracitadas. Há prova da materialidade, bem como indícios suficientes da autoria dos delitos, depreendidos da vasta prova colhida na fase investigatória, com diversos depoimentos de vítimas confirmando os delitos narrados na denúncia, além das quebras de sigilo fiscal e bancário, laudos e tudo o mais, revelando em detalhes toda a estrutura da organização criminosa da qual fazem parte os denunciados. Tenho elementos que me dão a segurança de que os indícios são suficientes para que reconheça a existência do chamado fumus comissi delicti. No que tange ao perigo da liberdade, importa que se garanta o transcurso seguro e regular do processo sem pressões para as vítimas. Ademais, há de se garantir a ordem pública, evitando a reiteração criminosa. A dinâmica da ação é audaciosa e perdura desde longa data a prática de delitos de estelionatos, falsidades ideológicas, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa. Tudo se estruturou a partir de uma seita religiosa fundada no Estado do Maranhão, em que eram cometidos crimes gravíssimos de lesão corporal, atentado violento ao pudor, estelionato, falsificação de documento público e falsidade ideológica, passando a seita a exercer suas atividades também no Estado de São Paulo e agora nesta Comarca, demonstrando à sociedade que os denunciados não têm compromisso com residência fixa no distrito da culpa, podendo se evadir, colocando em risco a aplicação da lei penal ao final. Assim, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, imprescindíveis ao respaldo da medida pleiteada, esta se encontra perfeitamente adequada às exigências previstas na lei que rege a espécie. Deste modo, acolho a cota do Ministério Público e DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de DONATO BRANDÃO COSTA, LUCRÉCIA PIRES DE ANDRADE, MARCO AURÉLIO NEVES LIMA, ADRIANA MOTA FACUNDE LIMA, DINA CELIA MARTINS CARVALHO SOARES, ZELIA PEIXOTO MONDEGO, JOSIVALDO SOARES NERES MARTINS, FRANCISCO MARCELINO SENA, JOSÉ ALEXANDRE SANTOS MAIS JUNIOR, ALEKS DA SILVA MAIA, LINETE LIMA SILVA, ALAN LIMA DOS SANTOS, ROMULO CESAR DEODATO CASTELLO BRANCO, DAYANNE DUARTE BARROS DA SILVA e JANILCE DE JESUS MORAIS CIDREIRA, uma vez que presentes se encontram os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal que autorizam a custódia cautelar. EXPEÇAM-SE MANDADOS DE PRISÃO. Nesta esteira, DEFIRO A BUSCA E APREENSÃO na residência do acusado DONATO BRANDÃO COSTA, visando à apreensão de armas, munições, valores sem origem explícita, computadores e documentos contendo anotações possivelmente relacionadas aos delitos imputados, além de qualquer bem por natureza ilícita, procedendo a autoridade policial com zelo e registro de toda a atividade empreendida, para eventual perícia a ser realizada pelo ICCE. Os endereços a serem diligenciados são os constantes nas alíneas 1 e 2 do item 3 de fls. 1844⁄1845. Defiro, ademais, conforme requerimento do Ministério Público, a extração de cópia integral dos autos para encaminhamento à Delegacia de Polícia Federal com atribuição na área onde os fatos ocorreram (Petrópolis), a fim de que tome as providências investigatórias cabíveis quanto aos crimes descritos no item 5 de fl. 1846 da cota ministerial. Intimem-se. Dê-se ciência ao Ministério Público. Após, voltem para designação de AIJ.

O Tribunal a quo, por sua vez, assim se manifestou quanto ao tema (e-STJ fls. 126⁄175):

O que deve ser observado é se o decreto prisional apresenta adequada motivação.

No caso concreto, a decisão proferida pela autoridade coatora está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, ficando demonstrada a gravidade concreta dos delitos cometidos, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, como vimos há pouco da própria análise que fizemos da decisão.

(...)

No mais, a decisão combatida se mostra tecnicamente irretocável, encontrando-se devidamente motivada, com suas raízes de valor fincadas nos elementos do caso concreto, com fundamentos convincentes e devotados à garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal.

 

Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz o presente recurso ordinário em habeas corpus.

Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.

No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão  antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.

Note-se ainda que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (Constituição da República, art. 5º, inciso LXI). Mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CRFB, art. 93, inciso IX).

Depreende-se, contudo, que, no caso em comento, o decreto de prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentado, tal qual exige a legislação vigente. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes ao cárcere provisório na decisão e no acórdão transcritos.

Trata-se, no caso, de delitos graves, supostamente perpetrados em organização erigida em forma de seita religiosa, e que apresenta histórico de anos de atuação, primeiramente no Estado do Maranhão - onde foram relatadas práticas de crimes de lesão corporal gravíssima (com emasculação de integrantes), atentado violento ao pudor, estelionato, falsificação de documento público e falsidade ideológica -, posteriormente no Estado de São Paulo e, dessa vez, no Rio de Janeiro. Atente-se, ainda, que o líder da organização, DONATO BRANDÃO COSTA, já foi condenado e cumpriu pena por crimes de mesma natureza no Maranhão.

Ou seja, torna-se evidente a necessidade da prisão dos membros da organização, como forma de interromper suas atividades e prevenir a reiteração delitiva.

Nesse sentido, confiram-se alguns precedentes:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS DO VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE ENTRE OS SUPOSTOS INTEGRANTES DO BANDO E DESPROPORCIONALIDADE DA CONSTRIÇÃO. QUESTÕES NÃO EXAMINADAS NO ARESTO COMBATIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS DOS DELITOS. SUBTRAÇÃO E  ABATE CLANDESTINO DE GADO. NOTÍCIAS DE HABITUALIDADE NA PRÁTICA CRIMINOSA. NECESSIDADE DE INTERRUPÇÃO DA ATUAÇÃO DO GRUPO CRIMINOSO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CUSTÓDIA JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. WRIT NÃO CONHECIDO.

(...)

3. Não há coação na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que se mostra necessária, para diminuir ou interromper a atuação dos integrantes da associação criminosa, pois há sérios riscos das atividades ilícitas serem retomadas com a soltura.

4. Caso em que o paciente é acusado de ter se associado aos outros sete réus, de forma estável e permanente, com a finalidade de cometer diversos furtos de gado na região, sendo certo que, aproveitando-se da sua condição de funcionário de uma fazenda, subtraiu cerca de 70 (setenta) semoventes do seu empregador, avaliados em R$ 102.300,00 (cento e dois mil e trezentos reais), os quais foram repassados aos demais denunciados, que eram os responsáveis pelo transporte, abate clandestino e intermediação na venda da carne para açougues da cidade.

5. Condições pessoais favoráveis não tem, em princípio, o condão de revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade.

6. Habeas corpus não conhecido. (HC 329.806⁄MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 5⁄11⁄2015, DJe 13⁄11⁄2015).

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO DELIVERY. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTRABANDO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. OPERAÇÃO DELIVERY. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MEDIDAS CAUTELARES. INAPLICABILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

(...)

VI - "A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n. 95.024⁄SP, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 20⁄2⁄2009).

VII - Condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, garantirem ao recorrente a revogação da prisão preventiva se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar, o que ocorre na hipótese.

VIII - Não é cabível a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, in casu, haja vista estarem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, consoante determina o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal.

Recurso ordinário desprovido. (RHC 61.221⁄PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 15⁄10⁄2015, DJe 6⁄11⁄2015).

 

Do mesmo modo, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública. O mesmo entendimento é perfilhado por esta Corte Superior, a exemplo destes precedentes:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO CAUTELAR. GRAVIDADE CONCRETA. CIRCUNSTÂNCIAS. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

[...] 2. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado para o resguardo da ordem pública, em razão da gravidade in concreto do delito, indicadora, na dicção do juízo de primeiro grau, de "conduta nociva da agente, lesando profundamente a saúde pública". A magistrada ressaltou que "as circunstâncias incriminadoras foram caracterizadas pela apreensão de expressiva quantidade de entorpecente (cocaína), embalada em 13 cápsulas do tipo eppendorf, além de 58 eppendorfs vazios, e uma porção de maconha envolvida em um saco plástico, cento e trinta e um reais e quarenta centavos em notas e moeda, bem como uma espingarda de pressão (modificada, sem marca e números aparentes, duas máscaras e três munições intactas, calibre 12", tudo a conferir lastro de legitimidade à medida extrema.

3. Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, porque insuficientes para resguardar a ordem pública.

4. Ordem denegada. (HC 323.026⁄SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 1⁄9⁄2015, DJe 17⁄9⁄2015) – (grifei)

 

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. QUANTIDADE DE ESTUPEFACIENTE APREENDIDO. HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU. APETRECHOS DO NARCOTRÁFICO. PERICULOSIDADE SOCIAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CUSTÓDIA NECESSÁRIA E JUSTIFICADA. DESPROPORCIONALIDADE DO ENCARCERAMENTO ANTECIPADO. INOCORRÊNCIA. PROVIDÊNCIAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS. INSUFICIÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

[...] 3. A quantidade de material tóxico apreendido - 690,7 gramas de maconha -, o histórico criminal do réu, o fato deste haver sido preso no exato momento em que iria entregar a droga para um usuário e, ainda, de haver sido encontrada em sua residência uma balança de precisão, indicam a dedicação à traficância, autorizando a preventiva.

4. Não há como, em sede de habeas corpus, concluir que o denunciado será beneficiado com a aplicação da causa especial de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343⁄06, ou mesmo com regime prisional diverso do fechado, sobretudo tendo em vista a quantidade de material tóxico apreendido.

5. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando esta encontra-se justificada na gravidade concreta do delito e na periculosidade social do réu, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública.

6. Habeas corpus não conhecido. (HC 315.151⁄RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 28⁄4⁄2015, DJe 25⁄5⁄2015) – (grifei)

 

Finalmente, convém consignar que o entendimento desta Corte é assente no sentido de que, estando presentes os requisitos autorizadores da segregação preventiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para afastá-la. 

Nesse sentido, trago à colação alguns precedentes:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ENVOLVIMENTO DE MENOR. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. VARIEDADE, NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA ENCONTRADA. APREENSÃO DE OBJETOS UTILIZADOS NO PREPARO E DISSEMINAÇÃO DE DROGAS. RISCO DE CONTINUIDADE NO COMÉRCIO ILÍCITO. PERICULOSIDADE SOCIAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CUSTÓDIA FUNDAMENTADA E NECESSÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. RECLAMO IMPROVIDO.

1. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a medida se mostra necessária, dada a forma como ocorrido o delito, indicativa de envolvimento mais profundo com a  narcotraficância.

2. A variedade - cocaína e maconha -, a natureza mais nociva da primeira substância citada e a quantidade de material tóxico apreendido, somadas ao envolvimento de um adolescente na conduta criminosa, bem como à localização de objetos comumente utilizados no preparo e disseminação de drogas, são circunstâncias que indicam a periculosidade social do recorrente e o risco de continuidade na prática criminosa, caso libertado, autorizando a preventiva.

3. Condições pessoais favoráveis não tem, em princípio, o condão de, isoladamente, revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade.

4. Recurso ordinário improvido. (RHC 65.595⁄MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 17⁄12⁄2015, DJe 02⁄02⁄2016).

 

HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NEGATIVA DA AUTORIA. NECESSIDADE DE INCURSÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. EXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS NÃO IMPEDE A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE.  ORDEM DENEGADA.

- Não houve pronunciamento do Tribunal a quo quanto à legalidade da prisão em flagrante, o que impede a apreciação da matéria por esta Corte Superior, sob pena de incorrer-se em indevida supressão de instância.

- Resta incabível na via estreita do habeas corpus o enfrentamento da alegação de ausência de indícios quanto à autoria delitiva, tendo em vista a necessária incursão fático-probatória, inadmissível na via eleita.

- Esta Corte Superior tem entendimento pacífico de que a custódia cautelar possui natureza excepcional, somente sendo possível sua imposição ou manutenção quando demonstrado, em decisão devidamente motivada, o preenchimento dos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP.

- Na hipótese dos autos estão presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada, uma vez que as instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam que restou demonstrada a periculosidade concreta do paciente, tendo o Magistrado de primeiro grau destacado a natureza,  a variedade e a quantidade de droga apreendida - 753,03 gramas de cocaína, 457,62 gramas de crack e 1051,71 gramas de maconha - e os apetrechos encontrados com o acusado, o que sugere risco ao meio social, recomendando a sua custódia cautelar para garantia da ordem pública.

- O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, não impede a decretação da prisão cautelar, notadamente se há nos autos elementos suficientes para justificar a segregação preventiva.

Ordem denegada. (HC 340.956⁄SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), Sexta Turma, julgado em 17⁄12⁄2015, DJe 04⁄02⁄2016).

 

Diante de todo o exposto, conheço parcialmente do presente recurso ordinário em habeas corpus e, nessa extensão, nego provimento.

É como voto