APELAÇÕES CÍVEIS. SEGURO DE VEÍCULO.
APELAÇÕES CÍVEIS. SEGURO DE VEÍCULO. BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. 1) INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MUTUANTE. DEMANDA COM PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR SEGURO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. 2) VIOLAÇÃO À REGRA DA CONGRUÊNCIA DECISÓRIA. SENTENÇA QUE IMPÕE OBRIGAÇÃO DE FAZER ONTOLOGICAMENTE MAIS AMPLA AO INVÉS DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR DESCRITA NA EXORDIAL. ANULAÇÃO SEGUIDA DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA (ART. 1.013, §3º, II, DO CPC). 3) EXIGÊNCIA DE PRÉVIA QUITAÇÃO DE EMPRÉSTIMO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA COMO CONDIÇÃO PARA RECEBIMENTO DE SEGURO. 3.1) SUPOSTA ABUSIVIDADE. VALIDADE NO CASO CONCRETO. CLÁUSULA QUE, ISOLADAMENTE, SERIA ABUSIVA, MAS NÃO QUANDO ANALISADA EM CONJUNTO COM OUTRAS PREVISÕES CONTRATUAIS. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL DE POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO, PELA SEGURADORA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, DO EMPRÉSTIMO, GARANTIDO O DIREITO DO SEGURADO À DIFERENÇA. CLÁUSULA 16.2 QUE EVITA A DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA 16.1 POR CONTORNAR CENÁRIO EM QUE O SEGURADO É OBRIGADO A QUITAR CONTRATO SEM TER CONDIÇÕES FINANCEIRAS PARA SÓ ENTÃO RECEBER O VALOR DO SEGURO. 3.2) AUTONOMIA TEÓRICA DO CONTRATO DE MÚTUO. IRRELEVÂNCIA. CONEXÃO CONCRETA. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL DE QUE O SALVADO É DA SEGURADORA, COM EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO PRÉVIA DO MÚTUO PARA GARANTIR A POSTERIOR TRANSFERÊNCIA DO BEM. 3.3) BOA-FÉ OBJETIVA. SUPOSTA CARACTERIZAÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CONTRADIÇÃO ABSTRATA ENTRE TER CIÊNCIA DE QUE O BEM É ALIENADO FIDUCIARIAMENTE E AINDA ASSIM FIRMAR CONTRATO DE SEGURO DA COISA. 3.4) QUITAÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO. SUPOSTA NATUREZA DE ELEMENTO ACIDENTAL DO NEGÓCIO. PREMISSA EQUIVOCADA. CLÁUSULA QUE NÃO PREVÊ TERMO, CONDIÇÃO NEM ENCARGO, DADA A IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAR A OBRIGAÇÃO NELA PREVISTA COMO QUALQUER DESSAS FIGURAS. 4) CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDISTRIBUIÇÃO. EXIGIBILIDADE SUSPENSA PELO DEFERIMENTO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. 5) PRIMEIRO RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 6) SEGUNDO RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Em demanda em que se formula pedido condenatório tendo por objeto obrigação de pagar percepção do valor de seguro, a instituição ? nanceira mutuante é parte ilegítima para ? gurar no polo passivo, dado que, pelo princípio da relatividade dos efeitos do contrato, a nada pode ser compelida. A condenação a obrigação de fazer aquisição de novo veículo e tomada de todas as providências para que o anterior seja substituído, observado o valor do seguro, em concreto distinta e mais ampla do que a obrigação de pagar que se almeja com a demanda, viola a regra da congruência decisória (art. 492 do CPC). O Tribunal, diante de decisão extra petita, está obrigado a apreciar diretamente a causa, desde que não seja necessária dilação probatória (art. 1.013, §3º, II, do CPC). A abusividade de cláusulas contratuais não pode ser analisada de forma atomizada. É necessária a análise do conjunto da pactuação. A exigência de prévia quitação de contrato de alienação ? duciária como exigência para o recebimento de seguro de bens relativo ao mesmo veículo (cláusula 16.1) é, a priori, abusiva, dado impor ao consumidor obrigação abusiva excessivamente onerosa (art. 51, IV, c/c art. 51, §1º, III, do CDC), podendo, a depender do caso concreto, inclusive impedir a percepção do seguro. No entanto, havendo outra cláusula no mesmo contrato (cláusula 16.2) que contorna a situação considerada abusiva permitindo que a seguradora pague diretamente à instituição ? nanceira o valor do mútuo, garantindo-se ao segurado a diferença entre o valor recebido pela instituição e o devido a título de seguro, e que, ao mesmo tempo, resguarda o direito da seguradora de ser proprietária do salvado, não se pode declarar a abusividade da cláusula 16.1 e ignorar a cláusula 16.2 para conferir ao segurado solução que, além de não prevista no contrato percepção direta do valor total do seguro antes da quitação da alienação ? duciária, se a? gura irrazoável, dado não oferecer à seguradora qualquer garantia de que o dinheiro percebido pelo segurado se destinará ao pagamento do mútuo e baixa dos gravames do veículo, condição para o exercício de seu posterior direito à aquisição do salvado. A autonomia teórica do contrato de mútuo em relação ao contrato de seguro é irrelevante quando há conexão por expressa previsão contratual. Não há ofensa à vedação a comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium), decorrência do princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), na conduta da seguradora que, sabedora de que o veículo se encontra alienado ? duciariamente, oferece ou aceita pactuar contrato de seguro da coisa, dado que não há qualquer contradição lógica, abstrata ou concreta, entre um pacto e outro, ou seja, um não impede o cumprimento do outro. A quitação do contrato de mútuo não é elemento acidental do contrato de seguro, dado não se amoldar aos conceitos de condição porque não há incerteza no evento, termo porque de data não se trata ou encargo visto que o negócio não é gratuito. Trata-se, em verdade, de obrigação principal do segurado perante a seguradora. Primeiro recurso conhecido e provido para declarar a ilegitimidade passiva da Apelante. Segundo recurso conhecido e provido para julgar totalmente improcedentes todos os pedidos formulados na origem. (TJAM; APL 0634510-43.2016.8.04.0001; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Paulo César Caminha e Lima; Julg. 01/04/2019; DJAM 10/04/2019; Pág. 24)