RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAGISTRADO. REPRESENTAÇÃO AO CNJ. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ACTIO NATA. CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO. EXERCÍCIO DE DIREITO DE PETIÇÃO. ABUSO. AUSÊNCIA. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. VALOR DA REPARAÇÃO. EXCESSIVIDADE.
1. Ação ajuizada em 08/08/2013. Recurso interposto em 23/01/2017 e concluso ao gabinete em 21/09/2017.
2. O propósito recursal consiste em verificar: (i) a ocorrência de prescrição da pretensão indenizatória, em função da determinação de seu termo inicial; (ii) a existência de dano moral, pelo exercício de representação junto à Corregedoria-Nacional de Justiça do CNJ; e (iii) possível excesso no valor de reparação dos danos morais fixados pelo Tribunal de origem.
3. O surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação. Precedente.
4. Não há como concluir que o ato de representar qualquer magistrado ao CNJ, com fundamento em notícias circuladas em imprensa local, possa causar, por si próprio, a configuração de danos morais indenizáveis, pois o direito de petição é um direito constitucionalmente garantido e a atividade da magistratura, por sua natureza pública, está constantemente sujeita a críticas e controles.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1745643/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
Cuida-se de recurso especial interposto por JOSÉ BRITO DE SOUZA JÚNIOR, contra decisão que negou seguimento a recurso especial fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ⁄MT.
Ação: de reparação de danos morais proposta por RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO em face de JOSÉ BRITO DE SOUZA JÚNIOR, na qual alega que a parte agravante ingressou com pedido de providências na Corregedoria Nacional de Justiça com a intenção de macular sua imagem e honra, tendo em vista que o recorrido proferiu voto desfavorável ao agravante em ação rescisória promovida por este.
Sentença: julgou procedente a ação para condenar a parte agravante ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais.
Acórdão: negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente e deu provimento ao recurso do recorrido, para majorar o valor fixado à título de dano moral para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), nos termos da seguinte ementa:
Não houve oposição de embargos de declaração.
Recurso especial: alega violação do artigo 188, I, do CC⁄2002, bem como dissídio jurisprudencial. Requer a revisão do quantum indenizatório, tendo em vista que o valor arbitrado pelo tribunal de origem mostra-se exorbitante.
Admissibilidade: o recurso não fora admitido pelo Tribunal de origem (e-STJ fl. 478-482) e, após a interposição de agravo em recurso especial, reconsiderou-se a decisão para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 524).
É o relatório.
RELATORA | : | MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE | : | JOSÉ BRITO DE SOUZA JÚNIOR |
ADVOGADOS | : | JOSE ANTONIO DUARTE ALVARES - MT003432 |
MARCELO SILVA MOURA - MT012307 | ||
BENEDITA IVONE ADORNO - MT006391 | ||
LUCIANO SALLES CHIAPPA - MT011883B | ||
CAROLINA VIEIRA DE ALMEIDA E OUTRO(S) - MT014566 | ||
RECORRIDO | : | RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO |
ADVOGADO | : | DÉCIO JOSÉ TESSARO E OUTRO(S) - MT003162 |
RELATORA | : | MINISTRA NANCY ANDRIGHI |
RECORRENTE | : | JOSÉ BRITO DE SOUZA JÚNIOR |
ADVOGADOS | : | JOSE ANTONIO DUARTE ALVARES - MT003432 |
MARCELO SILVA MOURA - MT012307 | ||
BENEDITA IVONE ADORNO - MT006391 | ||
LUCIANO SALLES CHIAPPA - MT011883B | ||
CAROLINA VIEIRA DE ALMEIDA E OUTRO(S) - MT014566 | ||
RECORRIDO | : | RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO |
ADVOGADO | : | DÉCIO JOSÉ TESSARO E OUTRO(S) - MT003162 |
O propósito recursal consiste em verificar: (i) a ocorrência de prescrição da pretensão indenizatória, em função da determinação de seu termo inicial; (ii) a existência de dano moral, pelo exercício de representação junto à Corregedoria-Nacional de Justiça do CNJ; e (iii) possível excesso no valor de reparação dos danos morais fixados pelo Tribunal de origem.
1. DA DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
O recorrido é Desembargador do TJ⁄MT e participou de julgamento de ação de interesse do recorrente. Diante de notícias que circulavam na região, o recorrente protocolizou um Pedido de Providências, em 02⁄08⁄2010, junto ao CNJ, em que alega irregularidades na conduta do magistrado recorrido.
Na representação articulada pelo recorrente, acusa-se o recorrido de oficiar durante seu período de férias e atuar em favor de seu “compadre”, in verbis:
Na conclusão de sua representação, o recorrente ainda afirma que o recorrido teria recebido valores de forma ilegal, conforme destacado no trecho abaixo:
Após os esclarecimentos prestados pelo recorrido, a então Corregedora-Nacional de Justiça, Min. Eliana Calmon, determinou o arquivamento do pedido de providência, em razão da ausência de infração disciplinar a ser apurada.
Em 14⁄08⁄2013, o recorrido ajuizou ação de indenização, por considerar que a petição apresentada pelo recorrente lhe imputava comportamento desairoso e imoral, a qual teria abalado sua honra e reputação. Ao final, como relatado anteriormente, o Juízo de 1º grau de jurisdição julgou procedente o pedido, condenando o recorrente ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e o TJ⁄MT deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, para aumentar o valor da condenação para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
2. DA PRESCRIÇÃO DO PEDIDO INDENIZATÓRIO
Em suas razões, o recorrente alega que o termo inicial da prescrição fixado pelo Tribunal de origem, alegando que a contagem do prazo seria iniciada na data em que a representação foi apresentada junto ao CNJ, em 02⁄08⁄2010.
O art. 189 do CC⁄02 consagrou o princípio da actio nata, fixando como dies a quo para contagem do prazo prescricional a data em que nasce o direito subjetivo de ação por violação de direito, independentemente da efetiva ciência da vítima. Em outras palavras, o termo inicial da prescrição é a data em que surge o legítimo interesse para a ação e não a data em que a vítima tem conhecimento do dano.
Trata-se de critério objetivo, adotado pelo legislador como meio de se estabelecer regra certa e determinada de fixação e cálculo dos prazos de prescrição.
Neste ponto, cumpre destacar que o STJ possui posicionamento sedimentado na teoria da actio nata acerca da contagem do prazo prescricional. Isso porque “o surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação (pretensão)” (REsp 1347715⁄RJ, Terceira Turma, DJe 04⁄12⁄2014).
Na hipótese dos autos, contudo, escorando-se nesse entendimento, o Tribunal de origem afirmou ser a data em que o recorrido tomou conhecimento do pedido de providencias o termo inicial do prazo prescricional. Esta tese, contudo, deve ser utilizada nas hipóteses em que a existência e a extensão do dano será verifica após sua efetiva consolidação.
Outro não é o entendimento desta Corte, que já assentou reiteradas vezes que “o dies a quo do prazo prescricional surge com o nascimento da pretensão resistida (actio nata), assim considerado a possibilidade do exercício da pretensão em juízo, pressupondo, portanto, a violação do direito (ocorrência da lesão)” (AgRg no REsp 1.098.109⁄RS, 1ª Turma, DJe de 05.11.2010). No mesmo sentido: REsp 1.168.680⁄MG, 2ª Turma, DJe de 03.05.2010; e AgRg no REsp 909.547⁄RJ, DJe de 21.06.2010).
Mesmo antes do advento do CC⁄02, o STJ já seguia essa orientação, manifestando-se pela aplicação do princípio actio nata, ressalvando que “quando a lei pretende que o termo a quo seja a ciência do fato, di-lo expressamente” (REsp 43.305⁄SP, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 14.08.1995).
Na hipótese dos autos, não deve ser aplicado o entendimento consolidado deste STJ para as situações de publicação em órgãos de imprensa, tal como descrito, a título de exemplo, na ementa abaixo:
Isso porque, na data em que o pedido de providências foi formulado pelo recorrente, não havia como o recorrido formular qualquer providência em face dele e, assim, não há como se falar em actio nata.
Pelas peculiaridades dos autos, deve-se compreender que o termo inicial para qualquer pretensão indenizatória deve ser fixado no momento em que o recorrido teve conhecimento de sua menção no bojo da representação formulada junto ao CNJ, pois somente ao tomar conhecimento do fato é que se pode falar, na hipótese dos autos, em possível violação a seu direito subjetivo. Nesse mesmo sentido, mencione-se o julgamento abaixo do STJ:
Pelo exposto acima, deve ser afastada a alegação do recorrente, segundo a qual, nos autos, haveria ocorrido a prescrição da pretensão indenizatória.
3. DO DANO MORAL
Segundo a jurisprudência desta Corte, pode-se definir dano moral como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade (REsp 1426710⁄RS, Terceira Turma, julgado em 25⁄10⁄2016, DJe 09⁄11⁄2016).
No mesmo sentido, a doutrina de Carlos Alberto BITTAR afirma que os danos morais são aqueles relativos “a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como entes sociais, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto”. (Reparação civil por danos morais. S. Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 35). Sobre o tema, contudo, este Tribunal mantém posicionamento pacífico segundo o qual simples dissabores ou aborrecimentos são incapazes de causar danos morais, como é possível perceber no julgamento do REsp 202.564⁄RJ (Quarta Turma julgado em 02⁄08⁄2001, DJ 01⁄10⁄2001, p. 220) e do REsp 1.426.710 (julgado em 25⁄10⁄2016, DJe 08⁄11⁄2016).
A jurisprudência do STJ, incorporando a doutrina desenvolvida acerca da natureza jurídica do dano moral, conclui pela possibilidade de compensação independentemente da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano.
Assim, em diversas oportunidades se deferiu indenização destinada a compensar dano moral diante da simples comprovação de ocorrência de conduta injusta e, portanto, danosa. Essa concepção também encontra raízes no valor da solidariedade social, albergado pela Constituição Republicana em seu art. 3º, inc. I. 28. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes:
Quanto a este ponto, há de perscrutar neste julgamento se a formulação de uma representação junto ao CNJ, o qual, em tese, é um direito constitucionalmente garantido a qualquer cidadão, teria o condão de causar danos morais, com a consequente obrigação de prestar a devida reparação. Neste ponto, portanto, deve-se questão se ocorreu um abuso do direito de petição por parte do recorrente.
É fato que o ordenamento jurídico pátrio coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exercício do direito, de modo a causar dano a outrem. Dispõe o art. 187 do CC⁄02 que comete ato ilícito “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Desse modo, o exercício abusivo de direito pressupõe a existência de um direito legítimo, cuja utilização ocorre apenas para prejudicar terceiro, seja parte da relação jurídica originária ou não. Da mesma forma, não é qualquer excesso que caracteriza o abuso, cabendo ao "julgador apontar, em cada caso, os fatos que tornam evidente o abuso do direito, com o que se evitará a temida arbitrariedade, ou o cerceamento do legítimo exercício do direito" (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 173).
De fato, até o manejo de habeas corpus, um importante instrumento processual previsto constitucionalmente, foi considerado abusivo, diante das graves consequências suportadas por terceira pessoa, conforme trecho da ementa abaixo:
De fato, o Superior Tribunal de Justiça inclina-se a compreender pela ausência de danos morais por denúncia a autoridade policial, quando há suspeita da ocorrência de atividade que possa ser considerada crime. Por óbvio, com exceção da ação com dolo e, se a partir da denúncia, há a ocorrência de outros eventos gravosos. Nesse sentido, mencione-se o julgamento abaixo:
De todo o exposto acima, não há como concluir que o ato de representar qualquer magistrado ao CNJ, com fundamento em notícias circuladas em imprensa local, possa causar, por si próprio, a configuração de danos morais indenizáveis, pois o direito de petição é um direito constitucionalmente garantido e a atividade da magistratura, por sua natureza pública, está constantemente sujeita a críticas e controles.
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, para afastar a configuração de danos morais alegadamente suportados pelo recorrido.
Determino a inversão dos ônus sucumbenciais, na hipótese de serem afastados os danos morais, sem majoração os honorários advocatícios, pois fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação pelo Tribunal de origem.
Documento: 91891823 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |