Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS NO CURSO DO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. ART. 66 DA LEI 11.101/05. LIMITAÇÃO QUANTO A BENS INTEGRANTES DO ATIVO PERMANENTE. CONTRATOS DE FACTORING. ATIVO CIRCULANTE OU REALIZÁVEL A LONGO PRAZO. RESTRIÇÃO INDEVIDA PROMOVIDA PELOS JUÍZOS DE ORIGEM.

1. Recuperação judicial requerida em 19/8/2015. Recurso especial interposto em 23/6/2016 e concluso ao Gabinete em 21/5/2018.

2. O propósito recursal é definir se as recorrentes, empresas em recuperação judicial, podem celebrar contratos de factoring no curso do processo de soerguimento, independentemente de autorização do juízo competente.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

4. Os negócios sociais permanecem sendo geridos pela empresa durante o processo de soerguimento, exceto se verificada alguma das causas de afastamento ou destituição legalmente previstas.

5. A Lei 11.101/05, todavia, impõe ao devedor certas restrições quanto à prática de atos de alienação ou oneração de bens ou direitos de seu ativo permanente (art. 66).

6. Sucede, contudo, que os bens alienados em decorrência de contratos de factoring (direitos de crédito) não integram qualquer dos subgrupos que compõe o "ativo permanente" da empresa, pois não podem ser enquadrados nas categorias "investimentos", "ativo imobilizado" ou "ativo diferido".

7. De fato, tratando-se de disponibilidades financeiras e de direitos creditórios realizáveis no curso do exercício social subsequente ou após o término deste, tais bens se inserem nas categorias "ativo circulante" ou "ativo realizável a longo prazo", conforme se depreende da redação original dos arts. 178, § 1º, "a", "b" e "c" e 179, I e II, da Lei 6.404/76 (vigente à época da edição da Lei 11.101/05).

8. Assim, sejam os direitos creditórios (a depender de seu vencimento) classificados como "ativo circulante" ou como "ativo realizável a longo prazo", o fato é que, como tais rubricas não podem ser classificadas na categoria "ativo permanente", a restrição à celebração de contratos de factoring por empresa em recuperação judicial não está abrangida pelo comando normativo do art. 66 da LFRE.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1783068/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.068 - SP (2018⁄0116621-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DOPTEX INDUSTRIA E COMERCIO TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : TECELAGEM SAO JOAO DE TIETE LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : CORRADI MAZZER TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : OTTO WILLY GÜBEL JÚNIOR  - SP172947
    CAMILA DE CASSIA FACIO SERRANO  - SP329487
    ARTHUR FONSECA CESARINI E OUTRO(S) - SP345711
RECORRIDO : DELOITTE TOUCHE TOHMATSU CONSULTORES LTDA
REPR. POR : LUIS VASCO ELIAS - ADMINISTRADOR
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

Cuida-se de recurso especial interposto por DOPTEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO TÊXTIL LTDA, TECELAGEM SÃO JOÃO DE TIETÊ LTDA e CORRADI MAZZER TEXTIL LTDA (todas em recuperação judicial), com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

Ação: recuperação judicial das recorrentes.

Decisão interlocutória: deferiu o pedido de processamento da recuperação judicial, impedindo, todavia, as recuperandas de “praticar atos jurídicos, principalmente contratos, que não guardem estrita referência com seus objetos sociais, sem prévia autorização desse Juízo, incluem-se nessa ressalva contratos de fomento mercantil” (e-STJ fl. 72).

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelas recorrentes.

Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados.

Recurso especial: alegam violação dos arts. 64 e 66 da Lei 11.101⁄05; 178, § 1º, da Lei 6.404⁄79; e 1.022 e 489, § 1º, do CPC⁄15. Apontam a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional. Aduzem que a LFRE não veda às empresas em processo de soerguimento firmarem contratos de fomento mercantil, limitando-se a restrição de seu art. 66 à alienação ou oneração de bens e direitos do ativo permanente, circunstância diversa da verificada no particular.

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.068 - SP (2018⁄0116621-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DOPTEX INDUSTRIA E COMERCIO TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : TECELAGEM SAO JOAO DE TIETE LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : CORRADI MAZZER TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : OTTO WILLY GÜBEL JÚNIOR  - SP172947
    CAMILA DE CASSIA FACIO SERRANO  - SP329487
    ARTHUR FONSECA CESARINI E OUTRO(S) - SP345711
RECORRIDO : DELOITTE TOUCHE TOHMATSU CONSULTORES LTDA
REPR. POR : LUIS VASCO ELIAS - ADMINISTRADOR
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M
EMENTA
 
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.  ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS NO CURSO DO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. ART. 66 DA LEI 11.101⁄05. LIMITAÇÃO QUANTO A BENS INTEGRANTES DO ATIVO PERMANENTE. CONTRATOS DE FACTORING. ATIVO CIRCULANTE OU REALIZÁVEL A LONGO PRAZO. RESTRIÇÃO INDEVIDA PROMOVIDA PELOS JUÍZOS DE ORIGEM.
1. Recuperação judicial requerida em 19⁄8⁄2015. Recurso especial interposto em 23⁄6⁄2016 e concluso ao Gabinete em 21⁄5⁄2018.
2. O propósito recursal é definir se as recorrentes, empresas em recuperação judicial, podem celebrar contratos de factoring no curso do processo de soerguimento, independentemente de autorização do juízo competente.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões controvertidas, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, não há como reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional.
4. Os negócios sociais permanecem sendo geridos pela empresa durante o processo de soerguimento, exceto se verificada alguma das causas de afastamento ou destituição legalmente previstas.
5. A Lei 11.101⁄05, todavia, impõe ao devedor certas restrições quanto à prática de atos de alienação ou oneração de bens ou direitos de seu ativo permanente (art. 66).
6. Sucede, contudo, que os bens alienados em decorrência de contratos de factoring (direitos de crédito) não integram qualquer dos subgrupos que compõe o “ativo permanente” da empresa, pois não podem ser enquadrados nas categorias “investimentos”, “ativo imobilizado” ou “ativo diferido”.
7. De fato, tratando-se de disponibilidades financeiras e de direitos creditórios realizáveis no curso do exercício social subsequente ou após o término deste, tais bens se inserem nas categorias “ativo circulante” ou “ativo realizável a longo prazo”, conforme se depreende da redação original dos arts. 178, § 1º, “a”, “b” e “c” e 179, I e II, da Lei 6.404⁄76 (vigente à época da edição da Lei 11.101⁄05).
8. Assim, sejam os direitos creditórios (a depender de seu vencimento) classificados como “ativo circulante” ou como “ativo realizável a longo prazo”, o fato é que, como tais rubricas não podem ser classificadas na categoria “ativo permanente”, a restrição à celebração de contratos de factoring por empresa em recuperação judicial não está abrangida pelo comando normativo do art. 66 da LFRE.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.068 - SP (2018⁄0116621-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DOPTEX INDUSTRIA E COMERCIO TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : TECELAGEM SAO JOAO DE TIETE LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRENTE : CORRADI MAZZER TEXTIL LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ADVOGADOS : OTTO WILLY GÜBEL JÚNIOR  - SP172947
    CAMILA DE CASSIA FACIO SERRANO  - SP329487
    ARTHUR FONSECA CESARINI E OUTRO(S) - SP345711
RECORRIDO : DELOITTE TOUCHE TOHMATSU CONSULTORES LTDA
REPR. POR : LUIS VASCO ELIAS - ADMINISTRADOR
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS  - SE000000M
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 

O propósito recursal é definir se as recorrentes, empresas em recuperação judicial, podem celebrar contratos de factoring no curso do processo de soerguimento, independentemente de autorização do juízo competente.

 

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O Tribunal de origem pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, não havendo que se falar em ofensa aos arts. 489 ou 1.022 do CPC⁄15.

 

2. DA ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS E DIREITOS DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ART. 66 DA LFRE.

A recuperação judicial não implica, em regra, o afastamento do devedor ou dos administradores da condução da atividade empresarial. Esses continuam à frente da sociedade sob fiscalização do administrador judicial e do comitê de credores (quando houver), conforme disposto na norma do art. 64, caput, da Lei 11.101⁄05.

Vale dizer, os atos e negócios sociais permanecem sendo geridos pela empresa durante o processo de soerguimento, exceto se verificada alguma das causas de afastamento ou destituição previstas nos incisos do dispositivo legal retro mencionado.

A única restrição que a LFRE impõe ao devedor diz respeito à impossibilidade, sob determinadas condições, de alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente. É o que estabelece o art. 66 da lei em questão:

Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.

 

Importa esclarecer que, quando da entrada em vigor da atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas, a rubrica “ativo permanente”, segundo dicção da Lei 6.404⁄76, consistia num grupo de contas do balanço patrimonial das empresas que era composto por três subgrupos: “investimentos”, “ativo imobilizado” e “ativo diferido” (art. 178, § 1º, “c”, da lei citada).

Esse grupo de contas, a partir da edição da Lei 11.941⁄09, veio a integrar um novo grupo, denominado “ativo não circulante”, o qual, por sua vez, passou a ser composto pelos subgrupos “ativo realizável a longo prazo”, “investimentos”, “imobilizado” e “intangível”. É o que se pode verificar da atual redação do inc. II do § 1º do art. 178 da Lei 6.404⁄76.

Sucede, contudo, que os bens alienados em decorrência de contratos de factoring (direitos de crédito) não integram qualquer dos subgrupos que compunham o “ativo permanente” da empresa, pois não podem ser enquadrados nas categorias “investimentos”, “ativo imobilizado” ou “ativo diferido”.

De fato, tratando-se de disponibilidades financeiras e de direitos realizáveis no curso do exercício social subsequente ou após o término deste, tais bens classificam-se de modo a integrar as contas “ativo circulante” ou “ativo realizável a longo prazo”, conforme se depreende da redação original dos arts. 178, § 1º, “a”, “b” e “c” e 179, I e II, da Lei 6.404⁄76.

Assim, sejam os direitos creditórios (a depender de seu vencimento) classificados como “ativo circulante” ou como “ativo realizável a longo prazo”, o fato é que, como tais rubricas não podem ser classificadas como “ativo permanente”, a restrição à celebração de contratos de factoring por empresa em recuperação judicial não integra o comando normativo do art. 66 da LFRE.

Não se pode perder de vista, outrossim, que, tratando-se de norma que impõe limitações à atividade do devedor – atividade que, como regra geral, não lhe é tolhida durante o trâmite do processo de recuperação judicial –, o enunciado do art. 66 deve ser interpretado restritivamente, sob pena de, ao fim e ao cabo, ir-se de encontro aos princípios da preservação da atividade econômica e da manutenção dos postos de trabalho, estampados no art. 47 da LFRE.

É importante consignar, ainda, que os contratos de fomento mercantil, na medida em que propiciam sensível reforço na obtenção de capital de giro (auxiliando como fator de liquidez), podem servir como importante aliado das empresas que buscam superar a situação de crise econômico-financeira pela qual passam.

Por fim, no que concerne à preocupação manifestada pelos juízos de origem quanto à eventual celebração indevida de contratos dessa natureza, convém lembrar que a própria LFRE contém mecanismos de fiscalização e controle dos negócios praticados pelo devedor, a fim de que não sejam frustrados os interesses dos credores.

De fato, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, as atividades da sociedade passam a ser rigorosamente fiscalizadas pelo administrador judicial e pelo comitê de credores (arts. 22 e 27 da LFRE), sendo certo que todos eles, juntamente com o devedor, respondem pela prática de atos incompatíveis com o bom andamento da ação recuperacional, de acordo com o previsto, a título exemplificativo, nos arts. 23, 31, 32, 34 e 64 da LFRE.

À vista do exposto, portanto, impõe-se a reforma do acórdão recorrido, para afastar a restrição imposta às recorrentes no que concerne à celebração de contratos de fomento mercantil.

 

3. CONCLUSÃO

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para afastar a restrição imposta às recorrentes no que concerne à celebração de contratos de fomento mercantil.

 

Documento: 91894338 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO