RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL.
RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. GARANTIA À GESTANTE. PROTEÇÃO DO NASCITURO. NASCIMENTO COM VIDA. EXTINÇÃO DO FEITO. NÃO OCORRÊNCIA. CONVERSÃO AUTOMÁTICA DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO RECÉM-NASCIDO. MUDANÇA DE TITULARIDADE. EXECUÇÃO PROMOVIDA PELO MENOR, REPRESENTADO POR SUA GENITORA, DOS ALIMENTOS INADIMPLIDOS APÓS O SEU NASCIMENTO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os alimentos gravídicos, previstos na Lei n. 11.804/2008, visam a auxiliar a mulher gestante nas despesas decorrentes da gravidez, da concepção ao parto, sendo, pois, a gestante a beneficiária direta dos alimentos gravídicos, ficando, por via de consequência, resguardados os direitos do próprio nascituro.
2. Com o nascimento com vida da criança, os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos automaticamente em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, com mudança, assim, da titularidade dos alimentos, sem que, para tanto, seja necessário pronunciamento judicial ou pedido expresso da parte, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei n. 11.804/2008.
3. Em regra, a ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade.
4. Recurso especial improvido.
(REsp 1629423/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 22/06/2017)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Trata-se de recurso especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
Nas razões de recurso especial (e-STJ, fls. 72-82), o ora recorrente alega que o acórdão recorrido incorreu em ofensa aos arts. 295, parágrafo único, III, 473 e 733, caput, do CPC de 1973 e 2º e 6º da Lei 11.804⁄2008. Sustenta: (i) a impossibilidade jurídica do pedido de execução de alimentos, tendo em vista que com o nascimento da criança extinguiu-se a obrigação alimentar reconhecida durante o período da gestação;
(ii) operou-se a preclusão, pois deveria ter sido pedido na inicial dos alimentos gravídicos que estes fossem mantidos após o nascimento do bebê;
(iv) "após o nascimento, todavia, sem a devida comprovação da paternidade imputada, deveriam as parcelas serem suspensas, quanto ao cumprimento da obrigação, até o aludido reconhecimento da respectiva paternidade (se o caso), ocasião em que restariam convolados os alimentos gravídicos ao nascituro em alimentos provisórios e definitivos ao menor. Todavia, tal situação (reconhecimento) não ocorreu, inclusive formalmente nos autos do processo de investigação de paternidade (autos de nº 4002968-15.2013.8.26.0604, o qual ainda tramita por essa mesma Vara e Cartório respectivo";
(v) nos termos do art. 2º da Lei 11.808⁄2008 os alimentos gravídicos estão relacionados diretamente à mulher grávida, de maneira que, com o nascimento do bebê, altera-se a legitimidade para receber os alimentos, os quais, por conseguinte, não mais podem ser mantidos a favor da genitora;
(vi) "a extinção dos alimentos gravídicos se dá quando ocorre o nascimento com vida ou no caso de aborto".
Afirma, ademais, que há dissenso jurisprudencial entre o aresto recorrido e outros proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entre os quais cita trecho do seguinte julgado: "Os alimentos gravídicos, quando tiverem sido estipulados no decorrer do feito, são convertidos automaticamente em alimentos em favor do recém-nascido. No caso, no entanto, não houve fixação dos gravídicos por falta de elementos de convicção acerca da paternidade, não havendo conexão entre a ação de alimentos gravídicos e a investigatória de paternidade e de alimentos, que tem objeto diverso e cuja legitimidade é da criança, e não da mãe. É inadmissível, sem anuência da parte demandada já citada, a conversão da ação com mudança do pedido e do pólo ativo, sob pena de ofensa ao art. 264 do CPC".
Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (e-STJ, fl. 92).
Não tendo sido admitido o recurso na origem, subiram os autos por força de provimento de agravo, em decisão proferida por esta relatoria (e-STJ, fls. 127-129).
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal, no parecer de fls. 138-142 (e-STJ), da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão, opinou pelo improvimento do especial, consoante a seguinte ementa:
É o relatório.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):
A Constituição Federal, em seus arts. 1º, 3º e 226, consagra, além do postulado da dignidade da pessoa humana, os princípios da solidariedade e da proteção do Estado à família e à criança.
Nesse contexto normativo-constitucional foi editada a Lei n. 11.804⁄2008, a qual regulamenta os denominados alimentos gravídicos, bem como os procedimentos para o exercício deste direito, no propósito de conferir proteção à mulher grávida e ao nascituro. Tal lei recebeu vetos em diversos de seus dispositivos, em razão da falta de técnica legislativa, sendo, ao final, aprovada com a seguinte redação:
Os alimentos gravídicos, tal como previstos Lei n. 11.804⁄2008, podem ser compreendidos como "aqueles devidos ao nascituro e recebidos pela gestante, ao longo da gravidez, reconhecendo-se uma verdadeira simbiose entre os direitos da própria gestante e do próprio nascituro, antes mesmo do seu nascimento, no sentido de direito à vida e sobrevivência em formação no ventre materno, porquanto tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive aqueles relativos à eventual alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes" (VIEIRA, Patrício Jorge Lobo. Dos alimentos gravídicos. In: Revista direito e liberdade : RDL, v. 12, n. 1, p. 135-142, jan.⁄jun. 2010).
Na palavras de Lúcio Delfino:
Da análise do texto da lei, fica claro que os alimentos gravídicos não se confundem com pensão alimentícia, pois, diferentemente desta que se destina diretamente ao menor, aqueles visam a auxiliar a mulher gestante nas despesas decorrentes da gravidez, da concepção ao parto, sendo, pois, a gestante a beneficiária direta dos alimentos gravídicos, ficando, por via de consequência, resguardados os direitos do próprio nascituro.
Questão tormentosa na interpretação desta lei diz respeito à fragilidade das provas para o reconhecimento provisório do vínculo de filiação, mormente considerando a dificuldade de se promover no período gestacional o exame de DNA. Há relevante debate na doutrina a respeito do direito à indenização daquele que teve de pagar os alimentos gravídicos, mas, ao final, tem a paternidade afastada.
Todavia, estas discussões não foram trazidas nos presentes autos. Aqui a controvérsia cinge-se a saber se os alimentos concedidos durante à gestação (ou seja, já se encontra superada a análise dos indícios mínimos de paternidade) podem ser convertidos automaticamente em pensão alimentícia em favor da criança, logo após seu nascimento.
O citado parágrafo único do art. 6º da lei em apreço é expresso ao afirmar que, com o nascimento com vida da criança, os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos em pensão alimentícia em favor do recém-nascido. Assim, o período de condenação ao pagamento dos alimentos gravídicos se restringiria à duração da gravidez e, com o nascimento com vida do nascituro, eles se convolariam em pensão alimentícia.
Interpretando o referido texto da lei, tem-se que tal conversão dar-se-á de forma automática, sem necessidade de pronunciamento judicial, tendo em vista que o referido dispositivo legal acrescenta ao final: "até que uma das partes solicite a sua revisão". Portanto, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade.
A Lei n. 11.804⁄2008 não impõe como condição para a conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, a existência de pedido expresso da parte demandante na petição inicial.
Nesse sentido, afirma Francisco José Cahali que “a conversão se fará automaticamente, sem necessidade de requerimento ou providências próprias, além daquelas de regularização processual (anotações no distribuidor em razão da modificação da parte autora), a ser determinada de ofício tão logo se tenha ciência do nascimento” (Alimentos gravídicos. Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 586).
Tal conversão automática não enseja violação à disposição normativa que exige indícios mínimos de paternidade para a concessão de pensão alimentícia provisória ao menor durante o trâmite da ação de investigação de paternidade. Isso porque, nos termos do caput do art. 6º da Lei n. 11.804⁄2008, para a concessão dos alimentos gravídicos já é exigida antes a comprovação desses mesmos indícios da paternidade.
O intuito da lei foi garantir a preservação do melhor interesse do menor em ter mantido os alimentos, já concedidos na gestação, enquanto se discute a paternidade na ação investigatória. A conversão automática da obrigação e a transferência da titularidade dos alimentos, sem a necessidade de pronunciamento judicial ou de pedido expresso da parte, garantem maior celeridade na prestação jurisdicional, além de facilitar o acesso à Justiça e favorecer de logo a solução de mérito da demanda, buscada pelo novo Código de Processo Civil que, em seu art. 4º, dispõe que "as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa".
Havendo essa alteração da titularidade dos alimentos, concomitantemente também será modificada a legitimidade ativa ad causam para a propositura de eventual ação executiva. Isso significa que, após o nascimento, passará a ser o recém-nascido a parte legítima para requerer a execução, seja da obrigação referente aos alimentos gravídicos, quanto da pensão alimentícia eventualmente inadimplida. Nessa linha de raciocínio, o nascimento ocasionará o fenômeno da sucessão processual, de maneira que o nascituro (na figura da sua mãe) será sucedido pelo recém-nascido.
Desse modo, a ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança.
A propósito:
Nesse contexto, tendo o Tribunal de origem decidido a controvérsia com base em interpretação adequada do art. 6º, parágrafo único, da Lei n. 11.804⁄2008, há de ser mantido o acórdão recorrido que concluiu pelo prosseguimento da execução de alimentos, movida pelo menor, representado por sua mãe, relativamente ao inadimplemento da pensão alimentícia ocorrido após o nascimento da criança.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
Jurisprudência do stj na íntegra