RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO:
Trata-se de agravo interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social contra decisão que inadmitiu o recurso especial fundado no art. 105, III, a, da Constituição Federal objetivando reformar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
O aresto combatido deixou de analisar sentença proferida em desfavor da Fazenda, em reexame necessário, ao argumento de que o valor da condenação estimado não supera 1.000 salários mínimos, que é o novo limite, estabelecido pelo CPC⁄15, para a análise do reexame necessário.
Confira-se a ementa do julgado, in verbis:
I- O § 3° do art. 496 do CPC, de 2015, dispõe não ser aplicável a remessa necessária "quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
1) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público".
II- Em razão da similitude do caso, merece referência o entendimento firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg. no REsp. n° 637.676, no qual foi determinada a incidência imediata da lei processual aos feitos pendentes de julgamento por ocasião do advento da Lei n° 10.352⁄01, que dispensou a remessa necessária às condenações não excedentes ao valor nela mencionado.
III - In casu, observa-se que o valor da condenação não excede a 1.000 (mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
IV- Agravo improvido.
No presente recurso especial, a autarquia alega violação do art. 475, § 2º, do CPC⁄73.
Aduz que a sentença não só é ilíquida como deve superar 60 salários mínimos, que era o limite estabelecido para o reexame necessário à época da prolação, ainda sob a vigência do CPC⁄73.
Alega, por fim, que é equivocada a aplicação do novo limite para reexame necessário estabelecido no CPC⁄15 no presente caso, visto que a nova norma somente deve ser aplicada para as sentenças proferidas durante sua vigência.
O recurso especial foi inadmitido ao entendimento de que a decisão recorrida está em conformidade com a jurisprudência do STJ.
No presente agravo, o recorrente apresenta argumentos objetivando rebater os fundamentos apresentados pelo julgador e atendidos os demais pressupostos de admissibilidade do presente agravo, passa-se ao exame do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (RELATOR):
Tenho que assiste razão à autarquia recorrente.
Com efeito, o aresto recorrido adotou o novo limite estabelecido no CPC⁄15, de 1.000 salários mínimos, para impedir o reexame necessário no presente feito. Fundamentou-se o aresto em julgado desta Corte (AgRg. no REsp. n. 637.676), segundo o qual a alteração da lei processual tem incidência imediata nos processos em curso.
Entretanto, o próprio processo paradigma, cujo objeto também é aplicação de limite ao reexame necessário (só que em legislação antiga), estabelece que é a data da publicação da sentença que baliza o novo limite.
Confira-se, a ementa, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE DE O RELATOR NEGAR SEGUIMENTO A RECURSO COM BASE NO ART. 557 DO CPC, APÓS A EDIÇÃO DA LEI 9.756⁄98. INTUITO. DESOBSTRUÇÃO DE PAUTAS DOS TRIBUNAIS. VALOR CERTO. ARTIGO 475, § 2º DO CPC. ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 10.352⁄01. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . AGILIZAÇÃO. 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO OBRIGATORIEDADE. LIMITE. AFERIÇÃO. DATA DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. CRITÉRIOS E HIPÓTESES ORIENTADORES DO VALOR. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. (grifo nosso)
I - A discussão acerca da possibilidade de o relator decidir o recurso interposto isoladamente, com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil, encontra-se superada no âmbito desta Colenda Turma.
A jurisprudência firmou-se no sentido de que, tratando-se de recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, inocorre nulidade da decisão quando o relator não submete o feito à apreciação do órgão colegiado, indeferindo monocraticamente o processamento do recurso.
II - Na verdade, a reforma manejada pela Lei 9.756⁄98, que deu nova redação ao artigo 557 da Lei Processual Civil, teve o intuito de desobstruir as pautas dos tribunais, dando preferência a julgamentos de recursos que realmente reclamam apreciação pelo órgão colegiado.
III - Ademais, o desate da controvérsia envolve a compreensão da expressão "valor certo" que consta do parágrafo 2º do artigo 475 da Lei Processual vigente.
IV - A alteração dada pela Lei 10.352⁄01 ao artigo 475, § 2º do Código de Processo Civil tem aplicação imediata.
V - Neste contexto, impõe-se considerar o espírito do legislador que, com a intenção de agilizar a prestação jurisdicional, implementou diversas alterações recentes no Código de Processo Civil, como a do caso vertente com relação ao parágrafo 2º do artigo 475 do Estatuto Processual.
VI - Desta forma, não é razoável obrigar-se à parte vencedora aguardar a confirmação pelo Tribunal de sentença condenatória cujo valor não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos.
VII - Em sendo assim, a melhor interpretação à expressão "valor certo" é de que o valor limite a ser considerado seja o correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos na data da prolação da sentença, porque o reexame necessário é uma condição de eficácia desta. Assim, será na data da prolação da sentença a ocasião adequada para aferir-se a necessidade de reexame necessário ou não de acordo com o "quantum" apurado no momento. Precedentes. (grifo nosso)
VIII - Neste sentido, quanto ao "valor certo", deve-se considerar os seguintes critérios e hipóteses orientadores: a) havendo sentença condenatória líquida: valor a que foi condenado o Poder Público, constante da sentença; b) não havendo sentença condenatória (quando a lei utiliza a terminologia direito controvertido - sem natureza condenatória) ou sendo esta ilíquida: valor da causa atualizado até a data da sentença, que é o momento em que deverá se verificar a incidência ou não da hipótese legal.
IX - Agravo interno desprovido.
(AgRg no REsp n. 637.676⁄RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 5⁄10⁄2004, DJ 16⁄11⁄2004, p. 317.)
Em consonância com tal entendimento está o Enunciado Administrativo n. 2 STJ, com o seguinte teor, in verbis:
Enunciado administrativo n. 2
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Ora, sabe-se que o reexame necessário não é um recurso, mas sim condição de eficácia da sentença. Entretanto, não há motivo para que o enunciado administrativo em tela não lhe seja aplicado, porquanto os motivos que justificam o enunciado se aplicam integralmente ao caso.
Sendo assim, forçoso concluir que o acórdão recorrido dissentiu da orientação desta Corte quanto ao cabimento do reexame necessário quando a sentença não for líquida, nos termos da jurisprudência vigente à época do antigo Código de Processo Civil, que exigia um valor certo inferior a 60 salários mínimos.
Nesse sentido, in verbis:
PROCESSO CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. A sentença ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; a exceção contemplada no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil supõe, primeiro, que a condenação ou o direito controvertido tenham valor certo e, segundo, que o respectivo montante não exceda de 60 (sessenta) salários mínimos. Recurso especial provido. (REsp 1300505⁄PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2014, DJe 01⁄09⁄2014) (grifo nosso)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. CONDENAÇÃO INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 475, § 2º DO CPC. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA 7⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.
1. O acórdão recorrido não destoa da orientação jurisprudencial firmada neste Superior Tribunal no sentido de que a exceção contemplada no § 2º do art. 475 do CPC supõe, primeiro, que a condenação ou o direito controvertido tenham valor certo e, segundo, que o respectivo montante não exceda de 60 salários mínimos (EAg 877007⁄RJ, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, DJe 23⁄11⁄2010).
2. A desconstituição da premissa lançada pela instância ordinária no sentido de que evidente que a condenação, ainda que pendente de liquidação, não ultrapassará o montante de sessenta salários mínimos, demandaria o reexame de matéria fática, procedimento que encontra empeço na via especial, a teor da Súmula 7⁄STJ.
3. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp n. 193.300⁄RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 5⁄11⁄2013, DJe 11⁄11⁄2013.)
Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial por entender ser necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que, nos termos da legislação e jurisprudência em vigor à época da publicação da sentença, proceda ao reexame necessário.
É como voto.