Jurisprudência - STJ

AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR DETENTA, EM FACE DOS ESPÓLIOS DE SEUS GENITORES. INEXISTÊNCIA DE ACORDO OU SENTENÇA FIXANDO ALIMENTOS POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DO AUTOR DA HERANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO.CONCESSÃO DE ALIMENTOS A MAIOR DE IDADE, SEM PROBLEMA FÍSICO OU MENTAL, OU QUE, POR OCASIÃO DO ATINGIMENTO DA MAIORIDADE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ALIMENTOS, ESTIVESSE REGULAMENTE CURSANDO ENSINO TÉCNICO OU SUPERIOR. DESCABIMENTO. ALIMENTOS. CONCESSÃO, SEM CONSTATAÇÃO OU PRESUNÇÃO LEGAL DE NECESSIDADE, A QUEM PODE PROVÊ-LOS POR ESFORÇO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ESTABELECE O DIREITO/DEVER DO PRESO AO TRABALHO REMUNERADO.

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.

2. "Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los". (REsp 1130742/DF, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 17/12/2012) 3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos do artigo 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença - por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos em face do Espólio - de modo que o alimentando não fique à mercê do encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares -, não há cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão de seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes das duas Turmas que compõem a Segunda Seção, mas com ressalvas por parte de integrantes da Quarta Turma.

4. Igualmente, ainda que não fosse ação de alimentos ajuizada em face de espólio, foi manejada quando a autora já havia alcançado a maioridade e extinto o poder familiar. Assim, não há cogitar em concessão dos alimentos vindicados, pois não há presunção de dependência da recorrente, nos moldes dos precedentes desta Corte Superior.

5. O art. 1.695 do CC/2002 dispõe que "[s]ão devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença". Nesse passo, o preso tem direito à alimentação suficiente, assistência material, saúde e ao vestuário, enquanto que a concessão de alimentos demanda a constatação ou presunção legal de necessidade daquele que os pleiteia; todavia, na exordial, em nenhum momento a autora afirma ter buscado trabalhar durante o período em que se encontra reclusa, não obstante a atribuição de trabalho e sua remuneração seja, conforme disposições da Lei de Execução Penal, simultaneamente um direito e um dever do preso (arts. 41, II e 39, V, c/c 50, VI, da LEP).

6. Recurso especial não provido.

(REsp 1337862/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 20/03/2014)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.337.862 - SP (2011⁄0113915-6)
RECORRENTE : S L V R
ADVOGADO : DENIVALDO BARNI JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : M A V R - ESPÓLIO E OUTRO
REPR. POR : A A V R - INVENTARIANTE
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. S. L. V. R. (Suzane) ajuizou, em 22 de maio de 2007, ação de alimentos em face dos espólios de M. A. V. R. e M. V. R. Narra ser filha dos autores das heranças e que, no ano de 2002, foi recolhida ao presídio em que se encontra detida, tendo recebido auxílio material por parte de sua família até o início de 2003, cessado quando se voltou contra a intenção de seu tio, então inventariante, de que o honorários advocatícios do assistente de acusação fossem arcados pelo Espólio. Afirma que sofre "descaso", estando em situação de total abandono, buscando amparo emocional e financeiro em seus advogados, por isso necessita "de alimentos para atender suas necessidades, voltadas à aquisição de artigos de higiene, roupas, medicamentos prescritos por profissionais daquela Unidade, alimentos propriamente ditos, vez que a falta de visita impede essa dádiva, além de materiais para propiciar o desenvolvimento de atividades laborterápicas".

O Juízo da 1ª Vara da Comarca de Tremembé, por entender que os alimentos têm caráter personalíssimo, indeferiu a inicial, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito.

Interpôs a autora apelação para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou provimento ao recurso.

A decisão tem a seguinte ementa:

Alimentos -Espólios -Genitores falecidos -Extinção -Ilegitimidade passiva configurada - A transmissibilidade da obrigação prevista no art.
1.700 do CC diz respeito, tão somente, ao encargo preexistente - Entendimento doutrinário e jurisprudencial - Sentença mantida - Recurso improvido.
 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Interpôs a autora recurso especial, com fundamento no art. 105, inciso III, "a", da Constituição Federal, sustentando omissão, contradição e violação aos arts. 1º e 5º da CF, 535 do CPC e 1.700 do CC⁄2002.

Alega a recorrente que se encontra encarcerada no sistema prisional e "necessita de alimentos para atender suas necessidades, quais sejam: aquisição de artigos de higiene, roupas, medicamentos, alimentos propriamente ditos, além de materiais para propiciar o desenvolvimento de atividades laborterápicas", devendo o Espólio de seus pais prover os alimentos de que necessita.

Afirma que o Espólio tem legitimidade passiva, pois o art. 1.700  do CC⁄2002 dispõe que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694 do mesmo Diploma.

Aduz que não é adequado o entendimento perfilhado pela Corte local acerca de não haver legitimidade passiva do Espólio recorrido, por não se tratar de encargo preexistente, assim como por não se tratar de filho menor ou cônjuge dependente, pois a recorrente não possuía renda própria, tampouco exercia trabalho remunerado ou estágio, por ocasião da morte de seus pais.

Não houve oferecimento de contrarrazões.

Dei provimento ao AREsp 39.081⁄SP para determinar a sua conversão no presente recurso especial.

Opina o Ministério Público Federal "pelo conhecimento parcial do presente recurso especial, e, no ponto suscetível de conhecimento, no mérito, pelo seu não provimento".

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.337.862 - SP (2011⁄0113915-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : S L V R
ADVOGADO : DENIVALDO BARNI JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : M A V R - ESPÓLIO E OUTRO
REPR. POR : A A V R - INVENTARIANTE
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA

AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR DETENTA, EM FACE DOS ESPÓLIOS DE SEUS GENITORES. INEXISTÊNCIA DE ACORDO OU SENTENÇA FIXANDO ALIMENTOS POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DO AUTOR DA HERANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO.CONCESSÃO DE ALIMENTOS A MAIOR DE IDADE, SEM PROBLEMA FÍSICO OU MENTAL, OU QUE, POR OCASIÃO DO ATINGIMENTO DA MAIORIDADE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ALIMENTOS, ESTIVESSE REGULAMENTE CURSANDO ENSINO TÉCNICO OU SUPERIOR. DESCABIMENTO. ALIMENTOS. CONCESSÃO, SEM CONSTATAÇÃO OU PRESUNÇÃO LEGAL DE NECESSIDADE, A QUEM PODE PROVÊ-LOS POR ESFORÇO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ESTABELECE O DIREITO⁄DEVER DO PRESO AO TRABALHO REMUNERADO.    

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.

2. "Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los". (REsp 1130742⁄DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04⁄12⁄2012, DJe 17⁄12⁄2012)

3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos do artigo 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença - por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos em face do Espólio - de modo que o alimentando não fique à mercê do encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares -,  não há cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão de seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes das duas Turmas que compõem a Segunda Seção.

4. Igualmente, ainda que não fosse ação de alimentos ajuizada em face de espólio, foi manejada quando a autora já havia alcançado a maioridade e extinto o poder familiar. Assim, não há cogitar em concessão dos alimentos vindicados, pois não há presunção de dependência da recorrente, nos moldes dos precedentes desta Corte Superior.

5. O art. 1.695 do CC⁄2002 dispõe que "[s]ão devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença". Nesse passo, o preso tem direito à alimentação suficiente, assistência material, saúde e ao vestuário, enquanto que a concessão de alimentos demanda a constatação ou presunção legal de necessidade daquele que os pleiteia; todavia, na exordial, em nenhum momento a autora afirma ter buscado trabalhar durante o período em que se encontra reclusa,  não obstante a atribuição de trabalho e sua remuneração seja, conforme disposições da Lei de Execução Penal, simultaneamente um direito e um dever do preso (arts. 41, II e 39, V, c⁄c 50, VI, da LEP).

6. Recurso especial não provido.

 
 
  

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Preliminarmente, como é cediço, embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 557 DO CPC. RECURSO EM CONFRONTO COM SÚMULA E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INVIABILIDADE. ACOLHIMENTO PARCIAL.
[...]
3. Sob pena de invasão da competência do STF, descabe analisar questão constitucional em Recurso Especial, ainda que para viabilizar a interposição de Recurso Extraordinário.
4. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.
(EDcl no AgRg no REsp 886.061⁄RS, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20⁄08⁄2009, DJe 27⁄08⁄2009)

 

3. Não caracteriza, por si só, omissão, contradição ou obscuridade quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.

Portanto, não cabe confundir omissão, contradição ou obscuridade com entendimento contrário ao sustentado pela parte.

Logo, não há falar em violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que viesse a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

Note-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.  FATO NOVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ.
[...]
2. O Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre o tema, entendendo, no entanto, não haver qualquer fato novo a ensejar a modificação do julgado. Não se deve confundir, portanto, omissão com decisão contrária aos interesses da parte.
[...]
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1047725⁄SP, Rel. Ministro  CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 28⁄10⁄2008, DJe 10⁄11⁄2008)
 
 

4. A matéria controvertida consiste em saber se, em ação vindicando alimentos, há legitimidade passiva do Espólio dos genitores da autora, sem que exista obrigação preestabelecida por acordo ou sentença.

O acórdão recorrido dispôs:

Insurge-se a autora, alegando que, não obstante esteja recolhida em estabelecimento prisional, necessita do amparo material para a aquisição de artigos de uso pessoal, alimentos propriamente ditos, dentre outros itens, pois sequer tem recebido visitas. Afirma que os espólios possuem plena capacidade contributiva e são partes legítimas para figurar no polo passivo desta ação. Pugna pela reforma integral do decisum.
[...]
A questão central deste recurso diz respeito à legitimidade dos espólios para figurarem no polo passivo da ação de alimentos, especialmente frente à disposição contida no artigo 1.700 do Código Civil.
E sob esse aspecto, correta a bem lançada sentença.
A norma em referência inovou ao prever que "a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor" no entanto, foi omissa quanto aos limites para sua interpretação. Nada menciona acerca do encargo ainda não constituído, bem como, sobre os limites para adimplemento da obrigação.
Por essa razão, há quem sustente que a regra em comento teria transmitido toda e qualquer obrigação de prestar alimentos, ainda que ela não tivesse sido previamente convencionada ou determinada judicialmente; o que tornaria possível, portanto, manejar ação contra os herdeiros do já falecido parente ou cônjuge.
Outra corrente, à qual me filio, posiciona-se de modo mais ponderado, ou seja, o encargo a ser transferido aos herdeiros é aquele previamente constituído, razão pela qual, o espólio deve arcar não só com as parcelas vencidas como também com as vincendas.
Yussef Said Cahali, com toda a propriedade, bem esclarece o tema ("Dos Alimentos", 4a ed., RT, 2003, p. 95):
"Assim, a sempre lembrada 'lógica do razoável' recomenda algumas pontuações.
Primo,  quando o novel legislador determina que a 'obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do ar. 1.694' (art. 1700), parece-nos que teve em vista a transmissão da obrigacão de prestar alimentos já estabelecidos, mediante convenção ou decisão judicial, reconhecidos como de efetiva obrigação do devedor quando verificado o seu falecimento; quando muito poderia estar compreendida nesta obrigação se, ao falecer o devedor, já existisse demanda contra o mesmo visando o pagamento da pensão.
Parece-nos inadmissível a ampliação do art. 1.700 no elásterio do art. 1.696, para entender-se como transmitido o 'dever legal' de alimentos, na sua potencialidade (e não na sua atualidade), para abrir ensanchas à pretensão alimentar deduzida posteriormente contra os herdeiros do falecido parente ou cônjuge"
Rolf Madaleno complementa:
"Os herdeiros não respondem pessoalmente pela divida alimentar do sucedido, e só estão obrigados pela transmissão da dívida alimentar pré-constituída, reconhecida em acordo judcialmente homologado, por sentença condenatória, ou se o credor era naturalmente dependente do' de cujus, como no caso de um filho menor, ou de um ex-cônjuoe, ao qual prestava alimentos, mesmo em caráter informal, haja vista se dar pela lei a transmissão da obrigação alimentar preexistente, e não a transmissão d6 dever genérico de prestar alimentos àqueles que deles oportunamente vierem a necessitar" ("Curso de Direito de Família", 21 ed., Forense, 2008, p. 645).
Não discrepa a melhor jurisprudência:
[...]
No caso em exame, não se verifica a legitimidade passiva do espólio exatamente por não se tratar de, encargo preexistente, nem estão configuradas as hipóteses excepcionais de filho menor ou cônjuge dependente que, evidentemente, seriam sustentados pelo alimentante. (fls. 76, 77 e 79)
 

Para logo, cabe ressaltar que, embora tenha sido reconhecida, em sentença confirmada por acórdão do Tribunal de origem, a indignidade da recorrente, isso não guarda nenhuma relação direta com a presente ação de alimentos e com a matéria devolvida pelo recurso especial.

De fato, a autora da presente ação de alimentos foi declarada indigna, com sua exclusão da herança, em sentença prolatada pela 1ª Vara de Família do Foro Regional de Santo Amaro da Comarca de São Paulo, autos n. 0001155-33.2003.8.26.0002, tendo interposto apelação - que não foi provida pela 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo -; pendendo de julgamento o AREsp 245.511⁄SP, sob a relatoria do Ministro Antonio Carlos, interposto em face da decisão denegatória do recurso especial, também manejado pela ora recorrente buscando a reforma do acórdão prolatado pela Corte local.

A natureza jurídica, partes e pedidos das demandas são absolutamente distintas, de modo que o registro é ora realizado apenas para informação.

No caso em julgamento, para dirimir a controvérsia reputo conveniente a transcrição dos artigos 23 da Lei do Divórcio e 1.694, 1.696 e 1.700 do Código Civil:

Art 23 - A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.796 do Código Civil.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
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Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.
 
 

4.1. Nesse diapasão, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, com propriedade, propugna que os alimentos ostentam caráter personalíssimo intransmissível, por isso os herdeiros não sucedem o autor da herança na obrigação:

O caráter intransmissível dos alimentos sempre foi considerado conseqüência lógica da sua própria natureza personalíssima; assim, tanto o direito a alimentos quanto a obrigação alimentar deveriam ser considerados extintos com a morte do credor ou do devedor de alimentos, respectivamente. No pólo ativo da relação jurídica relacionada aos alimentos, na eventualidade do falecimento do alimentando, seus herdeiros não têm direito à continuidade do direito a alimentos que, portanto, não integram a herança deixada pelo de cujus. No entanto, se o crédito relativo aos alimentos estiver vencido durante a vida do alimentando e não tiver sido pago pelo devedor, a prestação vencida (representada por uma quantia pecuniária ou por coisas certas) deverá ser considerada na herança, sendo transmitida aos herdeiros como crédito comum deixado pelo falecido. Neste sentido, é a posição doutrinária pacífica a respeito da transmissão do direito de crédito decorrente das prestações alimentares vencidas durante a vida do credor e não pagas pelo devedor até a época do falecimento daquele.50
A polêmica a respeito da intransmissibilidade passiva da obrigação alimentar se instaurou com o advento da Lei nº 6.515⁄77, no direito brasileiro, diante da expressa previsão contida no seu art. 23, no sentido da transmissão da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros do devedor na forma do art. 1.796, do Código Civil de 1916 (atual artigo 1.997, do novo Código Civil). A linha de orientação doutrinária mais correta foi a que defendeu a inovação do preceito contido no art. 23, da Lei nº 6.515⁄77, que permitiu a transferência da obrigação alimentar (e não apenas das prestações vencidas até a morte do devedor) aos herdeiros do alimentante, desde que se tratasse de alimentos devidos ao ex-cônjuge e⁄ou aos filhos menores (ou maiores inválidos), por força da dissolução da sociedade conjugal (ocorrida por ocasião da separação judicial ou do divórcio direto). Assim, não houve ab-rogação do art. 402, do Código Civil de 1916, considerando que tal regra se referia aos alimentos entre parentes, e não aos devidos ao ex-cônjuge: "O art. 23 da Lei do Divórcio representa simples exceção à regra do art. 402 do CC."52 Tal conclusão se mostrava justificada em virtude da inexistência de direito à sucessão em favor de ex-cônjuge que, no entanto, recebia a prestação alimentícia do falecido quando este ainda era vivo. Contudo, não permitia a proteção aos outros credores de alimentos em razão de parentesco diante da exceção somente ter sido criada no âmbito dos efeitos da dissolução da sociedade conjugal.
A exemplo do que se verificava no que tangia às outras obrigações assumidas pelos herdeiros em virtude da sucessão mortis causa, a obrigação alimentar, com base no art. 23, da Lei nº 6.515⁄77 somente podia ser transmitida aos herdeiros se pudesse atingir o saldo positivo líquido do acervo hereditário, sob pena de violação de preceito secular no âmbito do Direito das Sucessões que restringe a responsabilidade dos herdeiros às forças da herança: "Cuidando-se de uma obrigação pecuniária, embora ligada à liquidação da sucessão, o quantum devido deve ser calculado sobre a massa sucessória estimada no dia da morte do de cujus, e não sobre os recursos pessoais dos herdeiros."53
Na redação original do Projeto do Novo Código Civil, o art. 1.728 mantinha a mesma redação do art. 402, do Código Civil de 1916, qual seja, a regra da intransmissibilidade da obrigação alimentar. No Senado Federal, no entanto, por iniciativa do Senador Nelson Carneiro, foi aprovada a Emenda nº 322, com alteração da redação do dispositivo para estabelecer a regra da transmissibilidade da obrigação, sob a justificativa de que se tratava da reprodução do art. 23, da Lei nº 6.515⁄77.54
O dispositivo foi apenas renumerado no restante da tramitação do Projeto, sendo transformado no art. 1.700, ora comentado.
Verifica-se, a despeito da justificativa apresentada pelo autor da emenda senatorial, que o art. 1.700, do novo Código Civil, tem abrangência maior do que aquela do art. 23, da Lei nº 6.515⁄77, já que alterou, por completo, o sistema que se baseava na intransmissibilidade da obrigação alimentar diante da antiga aplicação da regra contida no art. 402, do Código Civil de 1916. Ademais, a referência ao art. 1.694, contida no próprio dispositivo comentado, não se confunde com a menção ao art. 1.796, do revogado Código Civil, que constava do art. 23, da Lei nº 6.515⁄77, o que poderá gerar determinadas controvérsias como, por exemplo, a ausência de limites objetivos quanto à responsabilidade alimentar dos herdeiros do devedor restrita às forças da herança.
O novo Código Civil inova ao estabelecer a regra da transmissibilidade da obrigação alimentar em qualquer caso, não se restringindo apenas aos alimentos decorrentes de dissolução da sociedade conjugal (ou em favor de ex-cônjuge ou de filho menor ou maior inválido). Assim, a excepcionalidade da transmissão da obrigação alimentar, tal como prevista no revogado art. 23, da Lei nº 6.515⁄77, se transforma em regra. É preciso reforçar que se trata de transmissão de obrigação alimentar, e não de criação de obrigação alimentar, para os herdeiros do devedor, o que pressupõe alimentos já estabelecidos por sentença. Não há, desse modo, como se conceber possível "transmissão" de dever (em abstrato) de prestar alimentos.
A despeito de não haver sido reproduzida no texto do art. 1.700, do novo Código Civil, a referência ao limite do revogado art. 1.796, do Código Civil de 1916, considerando a própria repetição desta regra no art. 1.997, do novo Código Civil, é mister interpretar o disposto no artigo ora comentado em consonância com a regra contida na parte que se refere ao pagamento das dívidas deixadas pelo falecido.
A grande novidade é a previsão da regra da transmissibilidade da obrigação alimentar em todos os casos, e não mais restringindo-se aos alimentos fixados em decorrência da dissolução da sociedade conjugal, como era o disposto no art. 23, da Lei nº 6.515⁄77. Desse modo, a obrigação alimentar do parente-devedor também é transmissível para seus herdeiros.
Além do alargamento do campo de aplicação da regra da transmissibilidade da obrigação alimentar, o art. 1.700, do novo Código Civil, apresenta outra novidade, ao menos sob o prisma formal. Assim, ao remeter a transmissão da obrigação de prestar alimentos ao art. 1.694, do próprio texto codificado, o art. 1.700 permite que sejam revistos os alimentos notadamente no que toca ao binômio necessidade-possibilidade, já que o credor de alimentos pode ser também um sucessor do falecido e, desse modo, receber bens do acervo hereditário que lhe permita receber rendimentos que atendam às suas necessidades inclusive com observância da sua condição social. Assim, a remissão ao art. 1.694, do novo Código Civil, deve ser interpretada no sentido da viabilidade de se rever o quantum da prestação alimentar para fins de redução ou exoneração dos alimentos, caso o credor de alimentos receba, por testamento ou ex vi legis, algum benefício sucessório, na condição de herdeiro (legítimo ou testamentário) ou legatário. Na eventualidade de um dos cinco irmãos do falecido receber alimentos em vida prestados por este e, devido ao falecimento do devedor de alimentos, se beneficiar com parte da herança (na falta das três primeiras classes da ordem de vocação hereditária, e de exclusão da herança legítima por testamento), será possível, em tese, a redução (ou até a exoneração) dos alimentos diante dos valores obtidos a partir das rendas produzidas pelos bens herdados, por exemplo. (ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, vol. XV, 2005)

 

Na mesma Linha, Zeno Veloso, atento ao artigo 23 da Lei do Divórcio e ao advento do Código Civil atual, notadamente ao artigo 1.700 deste Diploma, em profícuo estudo, invocando também o direito comparado, leciona que esses dispositivos só podem ser invocados se a obrigação alimentar já fora estabelecida anteriormente ao falecimento do autor da herança - por acordo ou sentença judicial -, bem observando que a interpretação equivocada do novel dispositivo, dissociada do sistema em que inserido, tem o condão de conduzir a situações teratológicas - como a transmissão da obrigação alimentar, recebida pela ex-mulher, ao filho dependente e descendente de ambos:

O Código Civil de 1916, art. 402, enunciava: "A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor." Até por tratar-se de uma obrigação personalíssima, o falecimento do devedor não determinava que passassem a cumpri-la seus herdeiros. Resolvido assim no pólo passivo, com maior razão, a obrigação alimentícia não se transmitia hereditariamente com a morte do alimentado. Tratava-se de uma solução pacífica e tradicional em nosso ordenamento jurídico. Teixeira de Freitas consignou no art. 1.621, 4º, do Esboço: "Cessa a obrigação de prestar alimentos desde o dia em que falecer o que presta alimentos."
Neste sentido, dispõe o art. 1.615, al. 1, primeira  parte, do Código Civil alemão: "Der Unterhaltsanspruch erlischt mit dem Tode des berechtigten oder des Verpflichteten" = "A obrigação de prestar alimentos se extingue com a morte do credor ou do devedor." O art. 448 do Código Civil italiano, por sua vez, afirma:
"L' obbligo degli alimenti cessa con la morte dell' obbligato, anche se questi li ha somministrati in esecuzione di sentenza" = "A obrigação de alimentos cessa com a morte do obrigado, mesmo quando ele os forneceu em execução de sentença."
Assim prevê, igualmente, o art. 150 do Código Civil espanhol: "La obligación de suministrar alimentos cesa con la muerte del obligado, aunque los prestase en cumplimineto de una sentencia firme," e o art. 334, primeira parte, do Código Civil chileno: "El derecho de pedir alimentos no puede transmitir-se por causa de muerte."
Portanto, diante do que assentava o art. 402 do Código Civil revogado, morrendo o devedor - alimentante-, o dever de alimentar alguém, que pesava sobre ele, não passava a seus herdeiros, e a obrigação se extinguia com o falecimento do que pagava a pensão. Simetricamente, falecendo o credor de alimentos - alimentado- esse direito que ele tinha não se transmitia a seus herdeiros, e cessava com a morte do que recebia alimentos.
Podia acontecer de serem os herdeiros do devedor acionados pelo que ele outrora alimentava, mas não por causa, obviamente, de sucessão hereditária, mas por ser possível estabelecer-se uma obrigação alimentar entre tais herdeiros e o alimentando, que, nessa hipótese, agia por direito próprio contra os requeridos.
[...] o advento da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515⁄77), cujo art. 23 estabelecia: "A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.796 do Código Civil." O aludido art. 1.796 do Código Civil anterior, que corresponde ao art. 1.997 deste Código, afirmava: "A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube."
Para estabelecer a extensão, o verdadeiro alcance do art. 23 da Lei do Divórcio, a doutrina dividiu-se, as opiniões conflitavam, a jurisprudência variou, e até a entrada em vigor do novo Código Civil a questão não estava pacificada. Ao contrário, as dúvidas e as contradições a respeito da matéria ainda persistiam.
[...]
Para alguns autores, o art. 23 da Lei do Divórcio não trazia qualquer inovação, e, pois, não modificava o que estatuía o art. 402 do Código Civil de 1916. Mantinha-se, assim, o velho princípio da intransmissibilidade da obrigação alimentar, e o objetivo do aludido dispositivo (art. 23), considerando, inclusive, a remissão que fazia ao art. 1.796, era o de reafirmar ou esclarecer que se transmitiriam as pensões atrasadas, as prestações vencidas - e não adimplidas - até a data da morte e da abertura da sucessão do devedor, as quais, como dívidas comuns, tinham de ser pagas pelo espólio. Conforme a lição de Clóvis Beviláqua (Código civil comentado. Op. cit. v. 2. p. 389), a obrigação alimentar é personalíssima.
[...]
O STJ tem dado entendimento restritivo ao aludido art. 23 da Lei do Divórcio, como se depreende de três de seus mais recentes julgamentos.
[...]
o Projeto de Lei nº 634⁄75, que redundou neste Código Civil, voltava ao sistema do art. 402 do Código Civil de 1916...
[...]
Quando tramitou o Projeto no Senado Federal, o senador Nélson Carneiro apresentou a Emenda nº 322... Na justificativa o senador Carneiro enunciou: "É a reprodução do art. 23 da Lei do Divórcio."
Entretanto, não era!
[...]
O Senado Federal aprovou o Projeto com a emenda proposta por Nélson Carneiro, e assim ficou. Legem habemus! E se temos lei, precisa ser aplicada, pelo que cabe aos operadores do Direito a árdua missão de interpretá-la, dizer qual é seu conteúdo, seu objetivo, seu alcance.
[...]
Não creio que o art. 1.700 possa ser recebido como preceito de força demolidora, que, de maneira radical, e absoluta, destrua os princípios da pessoalidade e da intransmissibilidade da obrigação alimentícia.
Sem que se imponham barreiras ou limites ao enunciado, o art. 1.700 pode gerar situações absurdas, inadmissíveis, como, por exemplo: um alimentante, que morreu, pagava pensão a seu irmão, e os filhos do falecido ficam obrigados a pensionar o tio; o ex-marido pagava pensão à ex-mulher, e, morto o devedor, a obrigação se transmitiria a seu filho, também descendente da alimentanda. Yussef Said Cahali (Dos alimentos, cit., nº 4.4.1, p. 95) recomenda, abordando o assunto, que os textos legais, na deficiência de seus enunciados, sejam interpretados e aplicados com certa racionalidade, de modo a se evitarem situações verdadeiramente teratológicas:
"Imagine-se, por hipótese, se aplicados literalmente os textos  da nova lei, o caso de um irmão do falecido que, passados muitos anos da abertura da sucessão, viesse a reclamar alimentos a serem fixados 'na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada' (art. 1.694, § 1º), dirigindo sua pretensão contra os herdeiros legítimos e testamentários do devedor, aos quais teria transmitido a obrigação."
[...]
O art. 1.700, a meu ver, só pode ter aplicação se o alimentado não é, por sua vez, herdeiro do devedor da pensão. E, ainda, esse artigo só pode ser invocado se o dever de prestar alimentos já foi determinado por acordo ou por sentença judicial. Em qualquer caso, a obrigação do herdeiro tem de estar limitada às forças da herança, pois o art. 1.792, embora não tenha sido expressamente invocado no art. 1.700, enuncia um princípio capital de Direito das Sucessões, o de que o herdeiro só responde intra vires hereditatis = dentro das forças da herança.
Atendendo a sugestão da Profa. Regina Beatriz Tavares da Silva, o deputado Ricardo Fiúza apresentou o Projeto de Lei nº 6.960, de 2002, que, entre outras providências, altera a redação do art. 1.700 do Código Civil, que ficaria assim:
[...]
Analisando a proposta, Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil: direito de família, cit., v. 6, nº 16.5, p. 393) enuncia:
"Ainda que não se converta tal dicção em lei, essa deve ser a correta interpretação do art. 1700 atual, porque traduz a mens legis harmoniza-se com o sistema. Se o alimentando é herdeiro do falecido, do mesmo modo não subsiste razão para que persista o direito a alimentos após a morte do autor da herança."
[...]
As soluções do direito comparado sobre a transmissibilidade da obrigação alimentar merecem estudo e podem ser avaliadas para que os operadores ou aplicadores do Direito confiram o melhor sentido ao nosso art. 1.700.
Na França, a intransmissibilidade a causa de morte da pensão alimentícia, pelo lado do credor, vigora com toda a força.
[...]
O Código Civil português, art. 2.013, 1, a, enuncia que a obrigação de prestar alimentos cessa pela morte do obrigado ou do alimentando.
[...]
Na Espanha, se se trata de alimentos entre parentes, a obrigação alimentícia extingue-se e cessa tanto por morte do devedor como do alimentado (Código Civil espanhol, arts. 150 e 152, 1º).
[...]
O Código Civil argentino, art. 374, regulando a obrigação entre parentes, diz que a prestação alimentícia extingue-se com a morte do devedor ou do credor.
[...]
Na Alemanha, finalmente, tratando de alimentos decorrentes das relações de parentesco, o BGB, art. 1.615, al. 1, determina que a obrigação de prestar alimentos extingue-se com a morte do credor ou do devedor, e ressalva que as prestações vencidas ou pendentes de cumprimento podem ser cobradas da herança do alimentante. (AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003, vol. XVII, ps. 35-43) 

 

4.2. No caso, a própria recorrente deixa nítido que é notório o crime em razão do qual está encarcerada, por isso, apenas a título de realce, por não ser matéria apreciada pelas instâncias ordinárias, é bem de ver que a admissão da transmissão do dever jurídico em abstrato de prover alimentos ensejaria, v.g., a teratológica e injusta situação de propiciar que herdeiros,  que incorram em uma das situações de indignidade previstas nos incisos do art. 1.814 do CC⁄2002, por via transversa, alcancem os bens deixados pelo de cujus.

Nesse passo, James Eduardo Oliveira, invocando doutrina de Antonio Cezar Lima da Fonseca, em interpretação sistemática do Código Civil, perfilha entendimento de que se transmite a obrigação e não o direito à prestação de alimentos:

Transmissão de obrigação alimentar já constituída: Realmente, transmite-se a obrigação e não o direito. O texto legal é claro nesse sentido, o que pressupõe obrigação devidamente constituída, já estabelecida - criada ou  no nascedouro - à época da morte do obrigado. Em outras palavras, não se pode deduzir nova pretensão alimentar contra os herdeiros. Parece-nos que o art. 1.700, NCC, deve ser interpretado não apenas de acordo com o art. 1.694 e §§, NCC, mas pela sua finalidade ou natureza, que é a de repassar a solidariedade ensejadora dos alimentos; uma transmissibilidade, que só surge com a morte da pessoa obrigada e nos limites daquilo que pode ser transmitido. Assim, morto o devedor, com ele morrem as suas obrigações pessoais, mas responde o herdeiro pelas obrigações já assumidas e constituídas pelo falecido, até os limites da força da herança. Afinal, o art. 1.792, NCC, dispõe que o herdeiro não responde por encargos superiores à força da herança, sendo que o art. 1.997, NCC, determina que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube (ANTONIO CEZAR LIMA DA FONSECA, O Código Civil e o Novo Direito de Família, Livraria do Advogado, 2004, p. 148-149). (OLIVEIRA, James Eduardo. Código civil comentado e anotado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010,   p. 1552)
 

Não admitindo a transmissibilidade em abstrato do dever jurídico de prestar alimentos, posição amplamente majoritária na doutrina, mencionam-se as lições de outros autores acerca do art. 1.700 do CC⁄2002, além daquelas consignadas no acórdão recorrido:

Muito embora a lei não tenha feito nenhuma ressalva, o artigo só poderá ser invocado se o dever de prestar alimentos já foi determinado por acordo ou sentença judicial, antes da morte do devedor. (PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado. 6 ed. Barueri: Manole, 2012, p. 1966 e 1967)
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Outra importante característica da obrigação alimentar é a sua transmissibilidade, na forma do art. 1.700, CC-02:
[...]
Em nosso sentir, o sentido jurídico desta transmissibilidade é o seguinte.
Se o sujeito, já condenado a pagar pensão alimentícia, deixou saldo devedor em aberto, poderá o credor (alimentando), sem prejuízo de eventual direito sucessório, desde que não ocorrida a prescrição, habilitar o seu crédito no inventário, podendo exigi-lo até as forças da herança. (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, vol. 6, p. 689)
 
 

5. É bem de ver que, mesmo antes do advento do Código Civil em vigor, à luz do artigo 23 da Lei do Divórcio, o STJ, no ponto, já perfilhava o entendimento de que só há cogitar em transmissão da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros, caso, por ocasião do óbito, a obrigação já tivesse sido fixada:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CONCUBINATO. PENSÃO AINDA NÃO INSTITUÍDA PELA JUSTIÇA AO TEMPO DO ÓBITO. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO CONTRA O ESPÓLIO. LEI N. 6.515⁄1977, ART. 23.
EXEGESE.
I. A hipótese prevista no art. 23 da Lei n. 6.515⁄1977, sobre a transmissão aos herdeiros da obrigação de prestar alimentos supõe que esse ônus já houvesse sido instituído em desfavor do alimentante falecido, hipótese diversa da presente nos autos, em que quando do óbito ainda não houvera decisão judicial estabelecendo os provisionais.
II. Precedentes do STJ.
III. Recurso especial não conhecido.
(REsp 509.801⁄SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 21⁄10⁄2010, DJe 11⁄11⁄2010)
 
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CIVIL. ALIMENTOS. ESPÓLIO.
A transmissibilidade da obrigação de prestar alimentos, prevista no artigo 23 da Lei nº 6.515, de 1977, é restrita às pensões devidas  em razão da separação ou divórcio judicial, cujo direito já estava constituído à data do óbito do alimentante; não autoriza ação nova, em face do espólio, fora desse contexto. Recurso especial não conhecido.
(REsp 232.901⁄RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 07⁄12⁄1999, DJ 01⁄08⁄2000, p. 269) diapasão, conforme bem observado no acórdão recorrido, a  jurisprudência do STJ admite a transmissão da obrigação alimentar ao Espólio apenas nos casos em que houve estipulação, por sentença judicial ou acordo, prévios da obrigação alimentar, de modo a garantir a manutenção do alimentando durante a tramitação do inventário.

 

Após a vigência do dispositivo em comento do Código Civil de 2002, assim decidiu a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.010.963-MG:

Direito civil e processual civil. Execução. Alimentos. Transmissibilidade. Espólio.
Transmite-se, aos herdeiros do alimentante, a obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 1.700 do CC⁄02.
- O espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos àquele a quem o falecido devia. Isso porque o alimentado e herdeiro não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, considerada a morosidade inerente a tal procedimento e o caráter de necessidade intríseco aos alimentos.
Recurso especial provido.
(REsp 1010963⁄MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26⁄06⁄2008, DJe 05⁄08⁄2008)
 

Nesse mencionado precedente, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, Sua Excelência dispôs:

A jurisprudência desta Corte estabeleceu entendimento no sentido de que o espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos àquele a quem o falecido devia, mesmo que vencidos após a morte deste, ao argumento de que o alimentado e herdeiro não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, notadamente, considerada a morosidade inerente a tal procedimento e o caráter de necessidade implícito nos alimentos (REsp 60.635⁄RS, Rel. Min. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 30⁄10⁄2000; REsp 219.199⁄PB, Rel. p⁄ Ac. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 3⁄5⁄2004, este último, da Segunda Seção, trazido como paradigma pela recorrente).
 

Em precedente mais recente, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, este Colegiado apreciou a matéria.

A decisão tem a seguinte ementa:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. TRANSMISSÃO DO DEVER JURÍDICO DE ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE.
1. Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível.
2. Recurso especial provido.
(REsp 775180⁄MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe 02⁄02⁄2010)
 

No mesmo sentido, mencionam-se outros precedentes:

AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR MENOR, EM FACE DO ESPÓLIO DE SEU GENITOR. INEXISTÊNCIA DE ACORDO OU SENTENÇA FIXANDO ALIMENTOS POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DO AUTOR DA HERANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO.
1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.
2. Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los.
3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos do artigo 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença - por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos em face do Espólio, de modo que o alimentando não fique à mercê do encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares,  não há cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes.
4. De todo modo, em sendo o autor da herança servidor público ou militar, no que tange à verba alimentar superveniente ao óbito, o procedimento adequado para o recebimento, por seu dependente, consiste no requerimento administrativo de pensão ao órgão pagador do de cujus.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1130742⁄DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04⁄12⁄2012, DJe 17⁄12⁄2012)
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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIALREPRESENTAÇÃO.PROCESSUAL.ELEMENTOS DOS AUTOS QUE CONFIRMAM A REGULARIDADE. AÇÃO DE ALIMENTOS. ESPÓLIO. LEGITIMIDADE. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR INEXISTENTE ANTES DA MORTE DO AUTOR DA HERANÇA.
1. Se o ato processual, ainda que praticado de forma irregular, cumpre o fim a que se destina, deve ser aproveitado, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas.
2. "Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível". (REsp 775180⁄MT, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe 02⁄02⁄2010) 3. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(AgRg no REsp 981.180⁄RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07⁄12⁄2010, DJe 15⁄12⁄2010)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
 
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - REFORMA DO JULGADO - ESPÓLIO - OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS APÓS A MORTE DO ALIMENTANTE - RECURSO IMPROVIDO.
1. O espólio deve prestar alimentos àquele a quem o de cujus devia, mesmo quando vencidos após a sua morte.
2. O alimentando é presumível herdeiro e, por isso, deve ser mantida a obrigação a fim de suprir sua subsistência no decorrer do processo.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1040969⁄RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23⁄09⁄2008, DJe 13⁄10⁄2008)
 

6. Por último, cumpre consignar que o Projeto de Lei n. 61, de 2009, já aprovado no âmbito do Senado Federal, de autoria do Senador Expedito Junior, propõe a modificação da redação do art. 1.700 do CC para, nas palavras de seu autor, "que não se perpetue a impropriedade de cobrar-se pensão alimentícia do morto ou do espólio de seus bens",  in verbis:

Art. 1º O art. 1.700 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil), passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos cessa com o
óbito do alimentante, cabendo:
I – ao espólio, pagar ao credor de alimentos as dívidas
remanescentes; e
II – ao credor, postular o seu direito a alimentos junto às
pessoas referidas no art. 1.694.
Parágrafo único. Se o espólio não efetuar o pagamento dos
débitos alimentares de que trata o inciso I, a dívida se transmitirá
aos herdeiros, na proporção dos respectivos quinhões.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Revoga-se o art. 23 da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.

 

Na Justificação de seu projeto de lei, Sua Excelência expõe:

O óbito de uma pessoa põe fim a direitos e obrigações, e o espólio nada mais é que uma ficção jurídica, que se constitui na administração dos bens deixados pelo falecido. Essa condição deve ser esclarecida para que não se perpetue a impropriedade de cobrar-se pensão alimentícia do morto ou do espólio de seus bens.
[...]
Igualmente impróprio é cobrar pensão alimentícia dos que recebem herança. A inconveniência dessa cobrança pode ser ilustrada por hipotética pessoa pobre, pais ou mãe de diversos filhos, que receba dez mil reais de herança de um parente. Diante de sua carência financeira, seria injusto pedir-lhe que renunciasse à herança e inaceitável condicionar o recebimento desse quinhão à assunção do encargo, permanente e contínuo, de prestar alimentos a alguém.
 

O referido projeto de lei, ora em trâmite na Câmara dos Deputados, sob o n. 6.201⁄2009, na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, recebeu parecer favorável à sua aprovação pelo relator, que consignou:

No mérito, cremos assistir razão a ilustre Relatora da Comissão de Seguridade Social e Família.
O Projeto de Lei nº 6.201⁄2009 vem dar interpretação autêntica ao comando
legal do art. 1700 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. Eis que a obrigação alimentícia é personalíssima, não se deve transmiti-la aos herdeiros, mas deve ser tida como dívida do espólio do de cujus que prestava  alimentos.
[...]
Deste modo, cremos que somente a proposição advinda do Senado Federal
merece prosperar.
 

Em voto separado, o Deputado Vieira da Cunha alinhavou:

O Projeto de Lei 6.201⁄2009, proveniente do Senado Federal, estabelece distinção entre o débito do espólio e o encargo pessoal de prestar alimentos. O Projeto em tela dispõe que as dívidas remanescentes de pensão alimentícia deverão ser pagas com o espólio, mas estipula que, no caso de o espólio não ser suficiente para saldar os débitos, a obrigação de pagar a dívida passará aos  herdeiros, na proporção do quinhão da herança recebida.
A Comissão de Seguridade Social e Família, no mérito, votou pela aprovação do Projeto de  Lei 6.201⁄2009. Nesta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o Relator, Deputado JOÃO PAULO LIMA, votou pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela sua aprovação.
[...]
É necessário distinguir o dever alimentar em abstrato do dever alimentar em concreto, que se verifica quando a dívida já foi objeto de sentença judicial, seja para sua fixação, seja para homologar acordo que  estabeleceu o valor da prestação mensal ou, ainda, quando a obrigação decorre de escritura pública  naquelas hipóteses em que a lei permite a convenção nesta modalidade.
Nessa hipótese, ainda que com alguma dissonância, o entendimento dos tribunais  vem estabelecendo que, sendo personalíssima a obrigação, a extinção do dever se dá com a morte do prestador:
 
"AÇÃO DE ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR MENOR, EM FACE DO ESPÓLIO DE SEU  GENITOR. INEXISTÊNCIA DE ACORDO OU SENTENÇA FIXANDO
ALIMENTOS POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DO AUTOR DA HERANÇA.  ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO.
1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional.
2. Os alimentos ostentam caráter personalíssimo, por isso, no que tange à
obrigação alimentar, não há falar em transmissão do dever jurídico (em  abstrato) de prestá-los.
3. Assim, embora a jurisprudência desta Corte Superior admita, nos termos do artigo 23 da Lei do Divórcio e 1.700 do Código Civil, que, caso exista obrigação alimentar preestabelecida por acordo ou sentença - por ocasião do falecimento do autor da herança -, possa ser ajuizada ação de alimentos  em face do Espólio, de modo que o alimentando não fique à mercê do  encerramento do inventário para que perceba as verbas alimentares, não há  cogitar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. Precedentes.
4. De todo modo, em sendo o autor da herança servidor público ou militar,
no que tange à verba alimentar superveniente ao óbito, o procedimento adequado para o recebimento, por seu dependente, consiste no  requerimento administrativo de pensão ao órgão pagador do de cujus.
5. Recurso especial não provido.”
(REsp 1130742⁄DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 04⁄12⁄2012, DJe 17⁄12⁄2012)
 
Portanto, separam-se as situações em que o dever já foi mensurado através de  sentença judicial ou acordo judicialmente homologado ou, ainda, por escritura pública, daquela em  que o dever somente subsiste de forma abstrata. Para a segunda hipótese, não parece haver dúvida,  mesmo à luz do atual regramento legal, de que o dever alimentar se extingue, permanecendo indagação em torno das exatas circunstâncias em que se dá a transmissão dos alimentos, conforme  está contemplada pelo atual modelo legal. Nesse ponto, alguma divergência permanece na doutrina e jurisprudência.
[...]
Nessa linha de raciocínio, não parece minimamente razoável que o herdeiro do devedor seja chamado a substituí-lo nessa mesma condição, quando não dispõe para com o criador dos alimentos o vínculo jurídico que sustenta a obrigação, tampouco a condição econômica daquele que faleceu.
 

7.  Como se não bastasse, anoto que a presente ação de alimentos foi ajuizada em 2007, na vigência do CC⁄2002, constando na certidão de nascimento, à fl. 11, que a autora nasceu em novembro de 1983, quando, pois, já havia alcançado a maioridade e, por conseguinte, extinto o poder familiar.

Assim, não há cogitar em concessão dos alimentos vindicados, pois, conforme precedente do STJ, durante a menoridade, quando os filhos estão sujeitos ao poder familiar - na verdade, conjunto de deveres dos pais, inclusive o de sustento - há presunção de dependência dos filhos, que subsiste caso o alimentando, por ocasião da extinção do poder familiar, esteja frequentando regularmente curso superior ou técnico - o que não é o caso dos autos -, todavia passa a ter fundamento na relação de parentesco, nos moldes do artigo 1.694 e seguintes do Código Civil.

Confira-se:

DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ALIMENTOS. DECORREM DA NECESSIDADE DO ALIMENTANDO E POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE. DEVER QUE, EM REGRA, SUBSISTE ATÉ A MAIORIDADE DO FILHO OU CONCLUSÃO DO CURSO TÉCNICO OU SUPERIOR. MOLDURA FÁTICA, APURADA PELA CORTE LOCAL, APONTANDO QUE A ALIMENTANDA TEM CURSO SUPERIOR, 25 ANOS DE IDADE, NADA HAVENDO NOS AUTOS QUE INFIRME SUA SAÚDE MENTAL E FÍSICA. DECISÃO QUE, EM QUE PESE O APURADO, REFORMA A SENTENÇA, PARA RECONHECER  A SUBSISTÊNCIA DO DEVER ALIMENTAR. DESCABIMENTO.
1. Os alimentos decorrem da solidariedade que deve haver entre os membros da família ou parentes, visando garantir a subsistência do alimentando,  observadas sua necessidade e a possibilidade do alimentante. Com efeito, durante a menoridade, quando os filhos estão sujeitos ao poder familiar - na verdade, conjunto de deveres dos pais, inclusive o de sustento - há presunção de dependência dos filhos, que subsiste caso o alimentando, por ocasião da extinção do poder familiar, esteja frequentando regularmente curso superior ou técnico, todavia passa a ter fundamento na relação de parentesco, nos moldes do artigo 1.694 e seguintes do Código Civil. Precedentes do STJ.
2. "Os filhos civilmente capazes e graduados podem e devem gerir suas próprias vidas, inclusive buscando meios de manter sua própria subsistência e limitando seus sonhos - aí incluídos a pós-graduação ou qualquer outro aperfeiçoamento técnico-educacional - à própria capacidade financeira". (REsp 1218510⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄09⁄2011, DJe 03⁄10⁄2011)
3. Portanto, em linha de princípio, havendo a conclusão do curso superior ou técnico, cabe à alimentanda - que, conforme a moldura fática, por ocasião do julgamento da apelação, contava 25 (vinte e cinco) anos de idade, "nada havendo nos autos que deponha contra a sua saúde física e mental, com formação superior" - buscar o seu imediato ingresso no mercado de trabalho, não mais subsistindo obrigação (jurídica) de seus genitores de lhe proverem alimentos.
4. Recurso especial provido para restabelecer a sentença.
(REsp 1312706⁄AL, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21⁄02⁄2013, DJe 12⁄04⁄2013)
 

8. Por fim, o art. 1.695 do CC⁄2002 dispõe que "[s]ão devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença".

O preso tem direito à alimentação suficiente, assistência material, à saúde e ao vestuário, enquanto que, como visto, a concessão de alimentos demanda a constatação ou presunção legal de necessidade daquele que os pleiteia, todavia, na exordial, em nenhum momento a autora afirma ter buscado trabalhar durante o período em que se encontra reclusa, não obstante a atribuição de trabalho e sua remuneração seja, conforme disposições da Lei de Execução Penal, simultaneamente um direito e um dever do preso (arts. 41, II e 39, V, c⁄c 50, VI, da LEP).

9. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.  

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.337.862 - SP (2011⁄0113915-6)
 
VOTO
 
 
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, acompanho o bem lançado voto do Ministro Luis Felipe Salomão, apenas ressalvando a fundamentação. Penso que não cabe essa ação contra o espólio; que o espólio não tem personalidade jurídica e que, de fato, foi correta a extinção do processo sem exame do mérito. Ressalvo a fundamentação no tocante à interpretação do art. 1.700 do Código Civil para análise em outro caso. Mas à conclusão do voto do Sr. Ministro Relator, eu adiro.

 

Nego provimento ao recurso especial.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.337.862 - SP (2011⁄0113915-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : S L V R
ADVOGADO : DENIVALDO BARNI JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : M A V R - ESPÓLIO E OUTRO
REPR. POR : A A V R - INVENTARIANTE
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente, com a devida vênia do Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, acompanho o voto do Sra. Ministra ISABEL GALLOTTI, que acompanhou o voto do Sr. Ministro Relator, porém com ressalva a propósito da fundamentação quanto à interpretação do art. 1.700 do Código Civil, tema que será discutido amanhã na Segunda Seção.
NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.