RELATOR |
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MINISTRO HERMAN BENJAMIN |
RECORRENTE |
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SOTRANGE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS LTDA - ME |
ADVOGADOS |
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CAIO AUGUSTO SILVA DOS SANTOS E OUTRO(S) - SP147103 |
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FABÍOLA DUARTE DA COSTA AZNAR - SP184673 |
RECORRIDO |
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FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PROCURADOR |
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MÁRCIA FERREIRA COUTO E OUTRO(S) - SP093215 |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sob o pálio da seguinte ementa:
RECURSO DE APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MEIO AMBIENTE. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. IRRESPONSABILIDADE PELO DANO. DERRAMAMENTO DE ÁCIDO SULFÚRICO EM CÓRREGO.
1. A r. sentença não está eivada de nulidade, pois as razões do convencimento do magistrado foram devidamente fundamentadas. Não há obrigatoriedade de produção de todas as provas requeridas pelas partes, sob pena de retardar o andamento processual e eternizar a demanda judicial. Matéria discutida que é de direito.
2. Responsabilidade civil objetiva e solidária. Aplicação da Teoria do Risco Integral e adoção do Princípio poluidor pagador, nos termos do art. 14, §1°, da Lei n° 6.938⁄81, e art. 225, §3°, da Constituição Federal. Dever de indenizar com base no critério de estimativa de emissão de poluente.
3. Honorários advocatícios reduzidos.
Recurso parcialmente provido
Os Embargos de Declaração foram rejeitados às fls. 353-358.
A parte recorrente, nas razões do Recurso Especial, sustenta que ocorreu, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 330, 535, I e II, do antigo Código de Processo Civil, do art. 14 da Lei 6.938⁄1981, dos arts. 7°, 25, 70 e 72 da Lei 9.605⁄1998, dos arts. 2°, 6°, 21 e 60 do Decreto 3.179⁄1999, sob o argumento de que houve omissão do julgado e de que “mostrou-se de todo incorreta a postura adotada pelo Tribunal a quo no sentido de aplicar a responsabilidade objetiva ao caso concreto, justamente porque para a caracterização da responsabilidade administrativa e, portanto, para a aplicação de multa, ainda que no âmbito do direito ambiental, é necessária (como sempre foi) a persecução da culpa daquele apontado como infrator, justamente porque os pejorativos de 'transgressores'; 'poluidor'; agente 'que viole' por 'ação ou omissão' as regras jurídicas'; e de 'agente, por negligência ou dolo', somente podem ser atribuídos a alguém com supedâneo no princípio da intranscendência das penas, ou seja, após a aferição subjetiva da conduta tida como punível (isto é, da culpa) e jamais mediante a responsabilização objetiva de quem quer que seja".
Contrarrazões apresentadas às fls. 411-414.
Decisão pela inadmissibilidade do Recurso Especial à fl. 416.
Agravo em Recurso Especial às fls. 419-439.
Contraminuta às fls. 499-501.
Decisão do Tribunal de origem que mantém a decisão agravada à fl. 502.
Despacho de conversão do Agravo em Recurso Especial, "sem prejuízo de exame posterior mais profundo da admissibilidade", à fl. 517.
Parecer do Ministério Público às fls. 524-528.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 27.11.2017.
Cuida-se de inconformismo contra acórdão do Tribunal de origem, que considerou como subjetiva a responsabilidade da recorrente em infração administrativa ambiental.
O julgamento a quo merece temperamentos.
Segundo o acórdão recorrido, a responsabilidade administrativa ambiental é fundada no risco administrativo, respondendo, portanto, o transgressor das normas de proteção ao meio ambiente independentemente de culpa lato sensu, como ocorre no âmbito da responsabilidade civil por danos ambientais. Contudo, nos termos da jurisprudência do STJ, como regra, a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo-se dolo ou culpa para sua configuração.
Sobre o tema, ressalta-se que "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano" (REsp 1.251.697⁄PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12⁄4⁄2012, DJe 17⁄4⁄2012).
Nessa toada, é pacífico o entendimento adotado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (AREsp 826.046. Ministro GURGEL DE FARIA.3⁄10⁄2017), segundo o qual a responsabilidade administrativa ambiental é de cunho subjetivo, como demonstram os arestos abaixo transcritos:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. EXIGÊNCIA DE DOLO OU CULPA. MULTA. CABIMENTO EM TESE.
1. Segundo o acórdão recorrido, "a responsabilidade administrativa ambiental é fundada no risco administrativo, respondendo, portanto, o transgressor das normas de proteção ao meio ambiente independentemente de culpa lato senso, como ocorre no âmbito da responsabilidade civil por danos ambientais" (e-STJ fl. 997).
2. Nos termos da jurisprudência do STJ, como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração.Precedentes: REsp 1.401.500 Rei. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13⁄9⁄2016, AgRg no AREsp 62.584⁄RJ, Rei. Ministro Sérgio Kukina, Rei. p⁄ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7⁄10⁄2015, REsp 1.251.697⁄PR, Rei. Ministro. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17⁄4⁄2012.
3. Recurso Especial parcialmente provido.
(REsp 1.640.243⁄SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 7⁄3⁄2017, DJe 27⁄4⁄2017)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. ACIDENTE NO TRANSPORTE DE ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA AO PROPRIETÁRIO DA CARGA. IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
I - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela parte ora Agravante. Inexistência de omissão.
II - A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador.
III - Agravo regimental provido.
(AgRg no AREsp 62.584⁄RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p⁄ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18⁄6⁄2015, DJe 7⁄10⁄2015)
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO "VICUNA"). VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO "METANOL". ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE.
1. Tratam os presentes autos de: a) em 2004 a empresa ora recorrente celebrou contrato internacional de importação de certa quantidade da substância química metanol com a empresa Methanexchile Limited. O produto foi transportado pelo navio Vicuna até o Poito de Paranaguá, e o desembarque começou a ser feito 110 píer da Cattalini Terminais Marítimos Ltda.. quando ocorreram duas explosões no interior da embarcação, as quais provocaram incêndio de grandes proporções e resultaram em danos ambientais ocasionados pelo derrame de óleos e metanol nas águas da Baía de Paranaguá: b) em razão do acidente, o Instituto recorrido autuou e multa a empresa recorrente no valor de R$ 12.351.500.00 (doze milhões, trezentos e cinqüenta e um mil e quinhentos reais) por meio do Auto de Infração 55.908: c) o Tribunal de origem consignou que "a responsabilidade do poluidor por danos ao meio ambiente é objetiva e decorre do risco gerado pela atividade potencialmente nociva ao bem ambiental. Nesses termos, tal responsabilidade independe de culpa, admitindo-se como responsável mesmo aquele que aufere indiretamente lucro com o risco criado" e que "o aitigo 25. § Io. VI. da Lei 9.966 2000 estabelece expressamente a responsabilidade do 'proprietário da carga' quanto ao derramamento de efluentes no transporte marítimo", mantendo a Sentença e desprovendo o recurso de Apelação.
2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua naUireza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente.
3. Cabe esclarecer que. no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador. público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador. da reparação in integrum. da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.
4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.
5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que. "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584⁄RJ. Rei. Ministro Sérgio Kukina. Rei. p, acórdão Ministra Regina Helena Costa. Primeira Turma. DJe 7.10.2015).
6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja. a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causai entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697 PR. Rei. Ministro Mauro Campbell Marques. Segunda Turma, DJe 17.4.2012).
7. Caracteriza-se ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem deixa de se pronunciar acerca de matéria veiculada pela paite e sobre a qual era imprescindível manifestação expressa.
8. Determinação de retomo dos autos para que se profira nova decisão nos Embargos de Declaração.
9. Recurso Especial provido.
(REsp 1.401.500 Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN. SEGUNDA TURMA. DJe 13⁄9⁄2016).
Embora da descrição do acórdão recorrido se possa inferir forte elemento subjetivo, o fundamento adotado para o decisum foi o da responsabilidade administrativa objetiva, impondo-se, portanto, a decretação da sua nulidade.
Ante o exposto, com base no art. 253, parágrafo único, II, "c", do RI STJ, dá-se provimento ao Recurso Especial.
É o voto