Jurisprudência - STJ

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS.

Por: Equipe Petições

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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA APÓS A ALIENAÇÃO DE IMÓVEL DE EXPRESSIVO VALOR PELA ALIMENTANDA.

1. Em se tratando do dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, devem ser preenchidos dois requisitos, quais sejam: (i) a necessidade e a incapacidade do alimentando de prover o seu próprio sustento; e (ii) a possibilidade do alimentante de fornecer alimentos sem prejuízo de sua subsistência. Inteligência dos artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil.

2. À luz do quadro fático delineado no acórdão recorrido, o dever alimentar da ré não poderia remanescer após a constatação de que a autora recebera montante considerável decorrente da alienação de imóvel comum do ex-casal, ainda que diverso do bem indicado no comando judicial que enumerara as causas exoneradoras da obrigação.

3. A alienação do referido bem deu-se em 12.07.2013. Por sua vez, a sentença de procedência da ação de alimentos foi proferida em 26.03.2014, tendo sido atribuído efeito suspensivo à apelação da ré, a qual foi definitivamente julgada apenas em 03.06.2015. Tais dados revelam que a insuficiência econômica da autora até poderia existir quando do ajuizamento da ação de alimentos, mas, em razão do expressivo proveito obtido com a posterior venda de imóvel em comum, não mais subsistia à época da prolação da sentença, máxime tendo sido atestado, pela Corte estadual, que a alimentanda não comprovara o destino dado aos valores percebidos nem a existência das despesas alegadas.

4. Desse modo, a aduzida "necessidade" da alimentanda, um dos requisitos autorizadores da estipulação da obrigação alimentar, não encontra respaldo em qualquer uma das provas coligidas na origem, notadamente após ocorrida a alienação do imóvel comum. Tal conclusão consubstancia mera inferência lógica de um fato incontroversamente atestado pelas instâncias ordinárias, o que afasta a incidência da Súmula 7/STJ à espécie.

5. Agravo interno provido a fim de conhecer do agravo para, de plano, dar provimento ao recurso especial, julgando-se improcedente a pretensão alimentar deduzida na inicial.

(AgInt no AREsp 873.757/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 18/10/2017)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 873.757 - RJ (2016⁄0052420-8)
 
AGRAVANTE : MARIA DE FÁTIMA GOMES NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) - DF006811
    MARCIO ALEXANDRE WILSON MAIA E OUTRO(S) - RJ092803
    NEIDÍ GONÇALVES DE AGUIAR  - RJ037276
    NEY MOREIRA DA FONSECA  - RJ125059
ADVOGADA : JOANA D'ARC AMARAL BORTONE  - DF032535
AGRAVADO  : MARIA MARTA VIEIRA
ADVOGADO : MÁRCIA ALICE SANTOS HARTUNG  - RJ027402
 
RELATÓRIO
 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Trata-se de agravo interno interposto por MARIA DE FÁTIMA GOMES NOGUEIRA contra decisão de fls. 1206-1210, pela qual este relator negou provimento ao agravo em recurso especial, tendo em vista a necessária incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência inviável no âmbito do julgamento de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7⁄STJ.

A agravante rebate a aplicação do enunciado sumular acima referido. Assevera que não é caso de reexame de provas, por se tratar "única e exclusivamente de necessidade de revaloração da prova produzida, capaz de afastar a obrigação principal, qual seja, o dever de indenizar" (fl. 1218). Sustenta que "a violação do art. 1.695, CC, ocorreu porque a Câmara julgadora deferiu pensão alimentícia a qual dela não necessita, pelo contrário, a quem auferiu, ilicitamente, patrimônio em detrimento da ora Agravante" (fl. 1218).

Sem manifestação do agravado.

É o breve relatório.

 

 
AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 873.757 - RJ (2016⁄0052420-8)
 
 
VOTO
 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. De início, consigne-se que a decisão do Tribunal de origem, objeto do agravo em recurso especial, foi publicada antes da entrada em vigor da Lei 13.105 de 2015, estando o recurso (agravo em recurso especial) sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme  Enunciado Administrativo 2⁄2016 do Plenário do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 849.405⁄MG, Quarta Turma, Julgado em 5⁄4⁄2016).

3. A agravante não se conforma com a decisão agravada que negou provimento ao agravo manejado contra a inadmissão de seu recurso especial, por sua vez, interposto em face de acórdão assim ementado:

AGRAVO LEGAL QUE ALVEJA DECISÃO DO RELATOR QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA AGRAVANTE, NA FORMA DO ART. 557, §1º-A, DO CPC. DECISÃO PROLATADA DENTRO DA PRERROGATIVA CONFERIDA AO RELATOR NO ART. 557 DO CPC. AUSÊNCIA DE ABUSO, EXCESSO OU DESVIO DE PODER. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
 

Nas razões do recurso especial, aponta a parte recorrente ofensa ao disposto no art. 1.695 do CPC⁄1973.

Sustenta, em síntese, a recorrente que houve condenação ao pagamento de alimentos na sentença em 16 salários mínimos e que após interposição de apelação, o acórdão recorrido reduziu o montante pela metade (8 salários mínimos).

Afirma que a sentença de piso teria estabelecido que a exoneração da pensão se daria ou pelo decurso do prazo de 2 (dois) anos, ou pela venda de imóvel partilhado.

Argumenta que nos termos do art. 1695 do CC, para que seja procedente o pedido de alimentos é necessário que o reclamante não tenha capacidade de prover o próprio sustento ou que não tenha patrimônio suficiente para garantir-lhe aquele sustento. Concluiu que no caso dos autos isso não ocorre, uma vez que a recorrida dispõe de patrimônio milionário e que possui condições de trabalhar.

4. Conforme afirmado na decisão ora agravada, o inconformismo não prospera.

5. Isso porque, de acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando do dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, devem ser preenchidos dois requisitos, quais sejam, a necessidade e a incapacidade do alimentando de sustentar a si próprio e a possibilidade do alimentante de fornecer alimentos.

Ao analisar o agravo regimental interposto pela ora agravante, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manifestou-se acerca da questão impugnada como a seguir (e-fls. 1012-1014):

Com efeito, as razões do parcial provimento do recurso de apelação interposto foram devidamente expostas e fundamentadas na decisão de fls. 955⁄961, nos seguintes termos:
“CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS DEDUZIDA PELA EX-COMPANHEIRA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, FIXANDO PENSÃO ALIMENTÍCIA DE 16 SALÁRIOS MÍNIMOS, ATÉ QUE SEJA VENDIDO O IMÓVEL DE MAIOR VALOR DO CASAL, DESDE QUE NÃO SUPERE O PRAZO DE DOIS ANOS. RECURSO DA RÉ QUE VISA AO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO OU À REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO. ALIMENTANDA QUE DEIXOU DE EXERCER A ATIVIDADE ECONÔMICA DE QUE PROVINHA SEU SUSTENTO, APÓS O FIM DA UNIÃO ESTÁVEL.
NECESSIDADE DE ALIMENTOS PARA QUE A APELADA POSSA SE REINSERIR NO MERCADO DE TRABALHO.
REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO À METADE, HAJAVISTA QUE A APELADA ALIENOU IMÓVEL PARTICULAR POR R$ 750.000,00 E, AINDA ASSIM, CELEBROU CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO, SEM DEMONSTRAR O EMPREGO DO DINHEIRO PARA O PAGAMENTO DE DESPESAS ORDINÁRIAS PARA O SEU SUSTENTO. PROVAS DOCUMENTAIS QUE NÃO DEMONSTRAM COM PRECISÃO A CAPACIDADE ECONÔMICA ATUAL DA APELANTE.
RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, EX VI DO ART. 557, §1º-A, DO CPC.”.
 
Como bem ressaltou a decisão monocrática agravada, a presente ação versa sobre o direito de alimentos da agravada, aplicando-se ao caso os artigos 1694 e seguintes do CC, notadamente o disposto no seu §1°, que trata da necessidade do reclamante e da disponibilidade de recursos do alimentante.
 
Na hipótese em apreço, concluiu-se acertadamente pela demonstração da necessidade da agravada, tendo em vista que “ o fim da união estável implicou também o fim do exercício da atividade econômica de que provinha o seu sustento, pois trabalhava como empresária da apelante, e, por já contar com 57 anos de idade, encontra dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho .”.
 
Consignou-se ainda a renda mensal de R$ 700,00, obtida do aluguel de uma sala comercial, e a necessidade de se levar em conta o elevado padrão de vida que mantinha a agravada na constância da união, o que conduz à presunção de que foram contraídas dívidas consideráveis, a exemplo de despesas ordinárias pessoais e de manutenção de bens do ex-casal que se encontram em sua posse.
 
No tocante à possibilidade de prestar alimentos, essa igualmente restou demonstrada, tendo em vista os inúmeros contratos artísticos celebrados pela agravante, sendo certo que a decisão agravada levou em consideração a redução do padrão de vida da agravante para fins de redução da pensão à metade do valor fixado pelo Juízo singular.
 
A menção à inclusão do imóvel da Rua Diogo Jácome, São Paulo, na sobrepartilha realizada nos autos do processo 0018936-77.2010.9.10.0209, em nada altera o dever da agravante de prestar os alimentos fixados no bojo desta ação.
 
O próprio acórdão da 19ª Câmara Cível deste Tribunal acostado aos autos pela agravante atenta para o fato de que, inicialmente, o bem foi acertadamente excluído da partilha pela sentença, haja vista a ausência de documento hábil a comprovar a propriedade e titularidade do apartamento. Todavia, em face da comprovação de sua aquisição no curso da união estável, o bem deveria ser objeto de sobrepartilha, ocasião em que a sub- rogação poderia ser comprovada.
 
Nesse contexto, as questões relativas à sobrepartilha do imóvel, ante o reconhecimento da agravante como co-proprietária do bem, assim como a possibilidade de sub-rogação, estão sendo discutidas nos autos da ação supramencionada.
 
No mesmo processo, se discute a questão relativa à venda fraudulenta do imóvel em discussão, pelo que se depreende da decisão de fls. 00999.
 
Nestes autos se discute apenas a questão dos alimentos, os quais são devidos, tendo em vista a presença dos requisitos do §1º do artigo 1.694 do CC. Ademais, os alimentos foram fixados de forma provisória, por prazo razoável, a fim de que a agravada possa se recolocar no mercado de trabalho, ou até a venda do imóvel de maior valor das ex-companheiras.
 
Quanto ao fundo PGBL instituído em favor da agravada, importante notar que se trata de um plano de previdência complementar, cujo objetivo, em princípio, é o de assegurar renda vitalícia para posteridade, quando naturalmente sobrevém a impossibilidade ou dificuldade de trabalhar. Nesse passo, não se mostra cabível o pleito de compensação dos alimentos, haja vista que esses visam auxiliar a alimentanda na sua busca pela reinserção no mercado de trabalho, observando-se a manutenção do padrão de vida havido no curso da união.
 
Conclui-se que a decisão em berlinda, além de ter sido suficientemente fundamentada, foi prolatada dentro do prudente arbítrio conferido ao relator e nela não se vê excesso, desvio ou abuso de poder.
Desse modo, a situação fática de cada caso deve ser analisada de maneira diferenciada, de acordo com suas peculiaridades, não se mostrando necessária a reunião dos feitos, cabendo ainda salientar que, na ação civil pública, a cominação de responsabilidade dar-se-á de maneira genérica e carecerá ainda de futura individualização dos danos quanto à cada situação específica.
Em recente julgado, referente ao mesmo tema ora em discussão, este Tribunal manifestou-se pela desnecessidade de reunião das ações, dadas as particularidades existentes em cada caso em específico (fl. 602)
 

Confira a jurisprudência da Casa no sentido do que aqui se afirma:

PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. IMPUTAÇÃO DE CULPA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO CASAMENTO. PRESUNÇÃO DE PERDÃO TÁCITO. ALIMENTOS TRANSITÓRIOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.
1. A presunção de perdão tácito declarada pelo TJ⁄MG constitui circunstância fática imutável na via especial, a teor da Súmula 7⁄STJ.
2. A boa-fé objetiva deve guiar as relações familiares, como um manancial criador de deveres jurídicos de cunho preponderantemente ético e coerente.
3. De acordo com os arts. 1.694 e 1.695 do CC⁄02, a obrigação de prestar alimentos está condicionada à permanência dos seguintes pressupostos: (i) o vínculo de parentesco, ou conjugal ou convivencial; (ii) a necessidade e a incapacidade do alimentando de sustentar a si próprio; (iii) a possibilidade do alimentante de fornecer alimentos.
(...)
6. A obrigação de prestar alimentos transitórios – a tempo certo – é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante – outrora provedor do lar –, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente.
(...)
8. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1025769⁄MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24⁄08⁄2010, DJe 01⁄09⁄2010)
 

Desse modo, para suplantar a cognição exarada no acórdão recorrido, a fim de aferir a condição da alimentanda afirmada pela recorrente, a ocorrência de alienação de bem capaz de suprir, pelo recebimento do valor da venda, os gastos com seu sustento, situação que, diga-se de passagem, está sendo verificada em outra ação, conforme informação extraída do próprio acórdão, revelar-se-ia necessária a incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência inviável no âmbito do julgamento de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7⁄STJ.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS PARA O CÔNJUGE QUE FAZ JUS A AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO JUSTIFICADO NO CASO ESPECÍFICO. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVA. ÓBICE DA SÚMULA 7⁄STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Não há nos autos um conjunto probatório capaz de comprovar as alegações da recorrente, visto que a prestação de alimentos a ex-cônjuge deve ser atendida diante de uma condição específica, posto não se tratar de uma regra na doutrina contemporânea, como é o que ocorre em favor dos filhos.
2. Não cabe reexame de provas em sede de recurso extremo. Óbice da Súmula 7⁄STJ.
3. Ausência de similitude fática entre os acórdãos recorrido e paradigma. Dissídio não demonstrado.
4. A parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 580.010⁄TO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01⁄12⁄2015, DJe 04⁄12⁄2015)
 
 

6. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.

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gInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 873.757 - RJ (2016⁄0052420-8)
 
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
AGRAVANTE : MARIA DE FÁTIMA GOMES NOGUEIRA
ADVOGADOS : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) - DF006811
    MARCIO ALEXANDRE WILSON MAIA E OUTRO(S) - RJ092803
    NEIDÍ GONÇALVES DE AGUIAR  - RJ037276
    NEY MOREIRA DA FONSECA  - RJ125059
ADVOGADA : JOANA D'ARC AMARAL BORTONE  - DF032535
AGRAVADO  : MARIA MARTA VIEIRA
ADVOGADO : MÁRCIA ALICE SANTOS HARTUNG  - RJ027402
 
RETIFICAÇÃO DE VOTO
 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. Cuida-se de agravo interno interposto por MARIA DE FÁTIMA GOMES NOGUEIRA, em face de decisão monocrática da lavra deste relator, que negou provimento ao agravo da ora insurgente, mantida a inadmissão de seu recurso especial, ante a incidência do óbice da Súmula 7⁄STJ, tendo sido, por conseguinte, julgada prejudicada a tutela de urgência requerida.

O citado apelo extremo, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, desafiava acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que, em autos de ação de alimentos, confirmou deliberação unipessoal, assim ementada:

CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS DEDUZIDA PELA EX-COMPANHEIRA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, FIXANDO PENSÃO ALIMENTÍCIA DE 16 SALÁRIOS MÍNIMOS, ATÉ QUE SEJA VENDIDO O IMÓVEL DE MAIOR VALOR DO CASAL, DESDE QUE NÃO SUPERE O PRAZO DE DOIS ANOS. RECURSO DA RÉ QUE VISA AO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO OU À REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO. ALIMENTANDA QUE DEIXOU DE EXERCER A ATIVIDADE ECONÔMICA DE QUE PROVINHA SEU SUSTENTO, APÓS O FIM DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE ALIMENTOS PARA QUE A APELADA POSSA SE REINSERIR NO MERCADO DE TRABALHO. REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO À METADE, HAJA VISTA QUE A APELADA ALIENOU IMÓVEL PARTICULAR POR R$ 750.000,00 E, AINDA ASSIM, CELEBROU CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO, SEM DEMONSTRAR O EMPREGO DO DINHEIRO PARA O PAGAMENTO DE DESPESAS ORDINÁRIAS PARA O SEU SUSTENTO. PROVAS DOCUMENTAIS QUE NÃO DEMONSTRAM COM PRECISÃO A CAPACIDADE ECONÔMICA ATUAL DA APELANTE. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, EX VI DO ART. 557, § 1º-A, DO CPC.
 

Nas razões do especial, a ora agravante (ré da ação de alimentos) apontou violação do artigo 1.695 do Código Civil, sustentando, em síntese, que: (i) malgrado tenha a sentença indicado imóvel localizado na Barra da Tijuca como causa exoneradora do dever alimentar, é certo que "a alienação de qualquer outro dos bens arrolados para a partilha teria o condão de desoneração, pois o objetivo era proporcionar condições à autora de pagar as suas despesas diárias, até a total liquidação do acervo partilhado"(ii) a superveniente venda de bem comum, pelo valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), consoante reconhecido pelo acórdão estadual, "supriu por completo a necessidade alimentar transitória da alimentanda, sendo motivo para exonerar a recorrente da obrigação" e não apenas para reduzir a pensão arbitrada pelo juiz de piso; (iii) a capacidade econômica da alimentanda também se extrai da existência de fundo de previdência privada instituído em 2008, em seu favor, mediante o depósito de R$ 354.700,00 (trezentos e cinquenta e quatro mil e setecentos reais); (iv) a recorrida dispõe de patrimônio milionário (imobilizado e em dinheiro), além de ostentar capacidade laborativa para prover o próprio sustento, revelando-se, portanto, desnecessária a pensão alimentícia; e (v) a ex-convivente não tem "a mínima condição de sustentar quem quer que seja e muito menos uma mulher mais nova que ela e com total capacidade de trabalho".

O apelo extremo recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem, o que motivou a interposição de agravo, não provido por este relator, uma vez considerada a incidência da Súmula 7⁄STJ à espécie.

Irresignada, a recorrente interpôs o presente agravo interno, pugnando pela inaplicabilidade do citado óbice sumular na hipótese dos autos.

Alega que o acolhimento da pretensão deduzida no especial (afastamento do dever de prestar alimentos) reclama apenas a revaloração do contexto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias.

Reitera que o Tribunal de origem violou o disposto no artigo 1.695 do Código Civil, ao reconhecer a venda de imóvel comum por preço suficiente para garantir a subsistência da recorrida, mas, ainda assim, manter a obrigação alimentar.

Em sessão da Quarta Turma de 13.09.2016, este relator apresentou voto pelo não provimento do agravo interno.

O eminente Ministro Raul Araújo pediu vista dos autos. Nada obstante, na sessão de 25.10.2016, antes da prolação de seu voto, foi deferida vista regimental a este relator para análise do conteúdo da petição apresentada pela recorrente às fls. 1.230⁄1.237.

É o relatório complementar.

2. Consoante noticiam os autos, a recorrida, contando com cinquenta e quatro anos de idade, ajuizou ação de alimentos, em 05.08.2010, afirmando que, após quinze anos de união estável com a recorrente (cantora popular de carreira consagrada nas décadas de 1990 e 2000), ocorrera a ruptura da vida em comum, bem como sua destituição da função de agente empresarial da artista, condição profissional que constituía sua única fonte de renda.

Aludindo sua relevante contribuição para o sucesso da carreira da ex-companheira, cantora reconhecida - cuja possibilidade financeira também fora alegada -, a autora pleiteou o pagamento de pensão alimentícia no valor correspondente a 50% (cinquenta por cento) sobre os rendimentos auferidos em razão da atividade artística da ré, a fim de garantir sua subsistência e manutenção de padrão de vida usufruído durante a constância do relacionamento.

O pedido de arbitramento de alimentos provisórios foi indeferido pelo magistrado de piso, que, em 26.03.2014, proferiu sentença de parcial procedência, condenando a ré ao pagamento mensal de dezesseis salários mínimos à autora até a venda de apartamento localizado na Barra da Tijuca (pertencente a ambas) ou até o decurso do prazo de dois anos  (fls. 882⁄884). Na ocasião, esclareceu-se que o advento de qualquer um dos referidos marcos (venda do imóvel ou fim do prazo de dois anos) seria causa de exoneração imediata da alimentante.

Irresignada, a alimentante interpôs apelação (recebida no duplo efeito), noticiando a venda, pela alimentanda, de um dos imóveis arrolados na partilha em curso nos autos de ação de dissolução de união estável, o que lhe rendera a quantia de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), suficiente para lhe garantir a subsistência, afigurando-se, assim, impositiva a exoneração da obrigação alimentar arbitrada na sentença. Enfatizou, outrossim, ser indiferente que o imóvel alienado fosse aquele declinado na sentença (apartamento da Barra da Tijuca) ou qualquer outro, objeto da partilha, suficiente para prover a subsistência da autora.

Em 08.04.2015, sobreveio decisão monocrática dando parcial provimento à apelação, a fim de reduzir a pensão alimentícia para oito salários mínimos, mantendo, como causas exoneradoras da obrigação, o transcurso do biênio ou a venda do apartamento da Barra da Tijuca. Na ocasião, o Desembargador relator assim discorreu sobre a alegada exoneração do dever alimentar em razão da venda, pela autora, de imóvel localizado em São Paulo:

Inicialmente, é importante destacar que a sentença, proferida no processo 0018936-77.2010.9.10.0209, de dissolução de união estável entre apelante e apelada, determinou a partilha na proporção de 50% (cinquenta por cento), para cada uma, dos seguintes imóveis, às fls. 631:
a) Lote de terreno n° 35, do Condomínio Vale do Pinhal, em Pedro do Rio, Petrópolis;
b) Sala 209 do Centro Comercial Market Street, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro;
c) Apartamento 301, da Rua Cel. Eurico de Souza Gomes Filho, n° 187, Barra da Tijuca.
A mesma sentença afastou da partilha o imóvel da Rua Diogo Jacome, n° 550, Vila Conceição, bairro Indianópolis, São Paulo, às fls. 631 dos autos eletrônicos, por ser de propriedade exclusiva da alimentanda.
A apelada narra, na petição inicial, que o fim da união estável implicou também o fim do exercício da atividade econômica de que provinha o seu sustento, pois trabalhava como empresária da apelante, e, por já contar com 57 anos de idade, encontra dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho.
Acrescenta que vive apenas com a renda de R$ 700,00 (setecentos reais), obtida do aluguel da mencionada sala comercial n° 209, na Barra da Tijuca e que vem se desfazendo de seu patrimônio particular para quitar dívidas contraídas com serviços médicos, com despesas ordinárias pessoais e de manutenção de bens do casal que se encontra em sua posse. Sustenta ainda que deve ser considerado, na fixação do valor da pensão, o elevado padrão de vida da apelante.
Com efeito, é certo que a apelada deixou de exercer a atividade econômica de que provinha o seu sustento, visto que não atua mais como empresária da apelante. Assim, o fato de a apelada contar com 57 anos de idade é fator que dificulta sua reinserção no mercado de trabalho, quando mais em se tratando de um setor restrito como costuma ser o da música, motivo pelo qual está demonstrada a necessidade de alimentos.
Em relação à disponibilidade patrimonial da apelante, as provas documentais confirmam que a ré dispõe de renda suficiente para suportar o pagamento da pensão alimentícia, visto que celebrou inúmeros contratos artísticos e alguns deles com empresas de grande porte, como Sony Music, Universal Music, consoante fls. 147⁄54 e 155⁄7 respectivamente.
(...)
(...) sobreveio a informação de que a apelada vendeu, em 12 de julho de 2013, o imóvel de sua propriedade exclusiva, da Rua Diogo Jacome, n° 550, Vila Conceição, bairro Indianópolis, São Paulo, pelo valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), consoante certidão de fls. 895, fato que serviu de fundamento ao deferimento do efeito suspensivo ao presente recurso.
No pedido de reconsideração, a apelada reconhece a veracidade da alienação e explica que, após descontar daquele montante o valor de inúmeras dívidas para seu sustento, contraídas desde o fim da união estável, adquiriu novo imóvel, ainda em construção, porém celebrou empréstimo bancário para o seu financiamento.
Ora, a atitude razoável que se espera da apelada seria o pagamento à vista do novo imóvel, mesmo porque, ainda que descontadas despesas ordinárias, R$ 750.000,00 são bastante suficientes para a aquisição de bons imóveis.
No entanto, não assim o fez e tampouco demonstra o total das alegadas dívidas, como também sequer afirma qual teria sido o preço do imóvel adquirido ou o valor do financiamento, motivo pelo qual sua conduta torna frágil a necessidade de alimentos nos termos fixados na sentença.
Assim, a pensão de 16 salários mínimos se revela desproporcional, mesmo na hipótese de a apelante ainda gozar do elevado padrão de vida, o que não é o caso, devendo, portanto ser provido em parte o recurso para a redução deste valor à metade.
Ademais, está correta a fixação do prazo máximo de 2 anos para alimentanda voltar a desempenhar outra atividade econômica, visto que não está incapacitada para o trabalho, ou realizar a alienação do imóvel de maior valor do casal, situação que também é apta a conferir à apelada condições de prover seu próprio sustento, considerando o seu preço mínimo de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais). (fls. 955⁄961)
 

No bojo de agravo interno manejado perante a Corte de origem, a ré afirmou que a decisão monocrática partira de premissa fática equivocada, pois o imóvel vendido pela alimentanda por R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), situado na cidade de São Paulo, constituía bem comum do casal, cuja sobrepartilha fora, inclusive, determinada nos autos da ação de reconhecimento e extinção da união estável.

Narrou, ainda, que, em 2008, instituíra fundo previdenciário no Banco HSBC, no valor histórico de R$ 354.700,00 (trezentos e cinquenta e quatro mil e setecentos reais), em favor da alimentanda. Por fim, reiterou a capacidade financeira da autora para prover o próprio sustento.

O Tribunal de origem, em 03.06.2015, negou provimento ao agravo interno, reafirmando o cabimento de pensão alimentícia em favor da autora, nos seguintes termos:

A menção à inclusão do imóvel da Rua Diogo Jácome, São Paulo, na sobrepartilha realizada nos autos do processo 0018936-77.2010.9.10.0209, em nada altera o dever da agravante de prestar os alimentos fixados no bojo desta ação.
O próprio acórdão da 19ª Câmara Cível deste Tribunal acostado aos autos pela agravante atenta para o fato de que, inicialmente, o bem foi acertadamente excluído da partilha pela sentença, haja vista a ausência de documento hábil a comprovar a propriedade e titularidade do apartamento. Todavia, em face da comprovação de sua aquisição no curso da união estável, o bem deveria ser objeto de sobrepartilha, ocasião em que a sub-rogação poderia ser comprovada.
Nesse contexto, as questões relativas à sobrepartilha do imóvel, ante o reconhecimento da agravante como co-proprietária do bem, assim como a possibilidade de sub-rogação, estão sendo discutidas nos autos da ação supramencionada.
No mesmo processo, se discute a questão relativa à venda fraudulenta do imóvel em discussão, pelo que se depreende da decisão de fls. 00999.
Nestes autos se discute apenas a questão dos alimentos, os quais são devidos, tendo em vista a presença dos requisitos do § 1º do artigo 1.694 do CC. Ademais, os alimentos foram fixados de forma provisória, por prazo razoável, a fim de que a agravada possa se recolocar no mercado de trabalho, ou até a venda do imóvel de maior valor das ex-companheiras.
Quanto ao fundo PGBL instituído em favor da agravada, importante notar que se trata de um plano de previdência complementar, cujo objetivo, em princípio, é o de assegurar renda vitalícia para posteridade, quando naturalmente sobrevém a impossibilidade ou dificuldade de trabalhar. Nesse passo, não se mostra cabível o pleito de compensação dos alimentos, haja vista que esses visam auxiliar a alimentanda na sua busca pela reinserção no mercado de trabalho, observando-se a manutenção do padrão de vida havido no curso da união. (fls. 1.013⁄1.014)
 

Rejeitados os embargos de declaração opostos pela ora recorrente, a Corte estadual acrescentou, ainda, o seguinte:

O acórdão foi claro ao apontar o acerto do julgado no que toca ao reconhecimento da necessidade da embargada, tendo em vista que o fim da união estável implicou também o fim do exercício da atividade econômica de que provinha o seu sustento, sendo certo, por outro lado, que encontra dificuldades para se inserir no mercado de trabalho em razão de sua idade.
O fato de a embargada ter vendido imóvel no valor de R$ 750.000,00 em nada altera o dever da embargante de prestar alimentos, notadamente diante do elevado padrão de vida que mantinha a agravada na constância da união, o que conduz à presunção de que foram contraídas dívidas consideráveis, a exemplo de despesas ordinárias pessoais e de manutenção de bens do ex-casal que se encontram em sua posse.
Ademais, o bem foi incluído em sobrepartilha, ante o reconhecimento da embargante como coproprietária do imóvel, razão pela qual não se pode dizer que todo o valor da venda poderá ser revertido para o sustento da embargada. (fls. 1.022⁄1.023)
 

A insurgência especial fundou-se na ofensa ao artigo 1.695 do Código Civilpois, de acordo com a ré, a venda de bem comum por R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), preço suficiente para garantir a subsistência da autora, configura causa exoneradora do dever alimentar - ainda que tenha sido outro o imóvel indicado desde a sentença -, e não mero fundamento para redução do quantum mensal inicialmente arbitrado.

Inadmitido o apelo extremo, ante o óbice da Súmula 7⁄STJ, sobreveio a interposição de agravo pela ré, não provido por este relator, o que ensejou o manejo do presente agravo interno, tendo sido, posteriormente, juntada petição às fls. 1.230⁄1.237, apontando a superveniência de fato relevante, qual seja, a prolação, em 24.06.2016, de acórdão pelo Tribunal de origem, em autos de execução provisória, reconhecendo o recebimento de novos valores pela autora suficientes à manutenção de sua subsistência.

A ementa do referido julgado encontra-se assim vazada:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO QUE, EM SEDE DE CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA, CONCEDEU O PRAZO DE 03 (TRÊS) DIAS PARA QUE A EXECUTADA EFETUASSE O PAGAMENTO DO DÉBITO ALIMENTAR, SOB PENA DE PRISÃO. PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA FIXADA EM CARÁTER TEMPORÁRIO PELA SENTENÇA, QUE PREVIU A EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA DA ALIMENTANTE APÓS O PRAZO DE DOIS ANOS. PERDA DO CARÁTER EMERGENCIAL DA PRESTAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. DECRETAÇÃO DE PRISÃO CIVIL QUE SE DISTANCIA DA FINALIDADE CONSTITUCIONAL DE MEIO DE COERÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 309 DO STJ À HIPÓTESE ESPECÍFICA EM APREÇO, NA QUAL NÃO MAIS SE JUSTIFICA A APLICAÇÃO DO RITO PREVISTO NO ART. 528, § 3º, DO CPC⁄15 (ART. 733 DO CPC⁄73). AGRAVADA QUE RECEBEU A QUANTIA DE R$ 641.587,59, EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO EM CURSO NA JUSTIÇA ESTADUAL DE SANTA CATARINA. MONTANTE QUE SUPERA EM MUITO O VALOR DA PENSÃO ALIMENTÍCIA FIXADA POR ESTA CÂMARA: OITO SALÁRIOS MÍNIMOS PELO PRAZO MÁXIMO DE DOIS ANOS. SEJA PELO DECURSO DO LAPSO BIENAL, SEJA PELO EXPRESSIVO VALOR PERCEBIDO PELA AGRAVADA, NÃO SE JUSTIFICA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DA AGRAVANTE NO CASO EM TESTILHA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA CASSAR A DECISÃO AGRAVADA.
 

3. Como consabido, em se tratando do dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, devem ser preenchidos dois requisitos, quais sejam: (i) necessidade e a incapacidade do alimentando de prover o seu próprio sustento; e (ii) possibilidade do alimentante de fornecer alimentos sem prejuízo de sua subsistência.

É o que se extrai da análise conjunta dos artigos 1.694 e 1.695 do Código Civilverbis:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
------------------------------------------------------------------
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
 

Sobre o binômio necessidade-possibilidade, sabidamente regido pelo critério da proporcionalidade, doutrina abalizada bem esclarece:

Os alimentos serão devidos somente excepcionalmente quando comprovada a necessidade do alimentando, por sua ausência de recursos (insuficiência do que ganha com seu trabalho) e bens (ou no caso de possuí-los, insuficiência com a sua alienação), que justifique a impossibilidade de, por si mesmo, prover à sua subsistência. Assim, não serão devidos alimentos às pessoas que, podendo trabalhar, não trabalham.
Demonstrada a necessidade, há ainda que se apurar a possibilidade do alimentante de arcar com a prestação alimentícia desde que sua capacidade financeira permita, sem desfalque do necessário a seu próprio sustento ou manutenção. Presentes ambos os pressupostos, o julgador, adotando o critério de proporcionalidade entre eles, fixará a justa prestação alimentícia. (CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 9. ed. Barueri, SP: Manole, 2015, p. 1839-1840)
 

No âmbito do julgamento do recurso especial, a análise de tal binômio revela-se, em regra, obstada pela Súmula 7⁄STJ, consoante se depreende das ementas dos seguintes julgados:

DIREITO  CIVIL.  AGRAVO  INTERNO  NO  AGRAVO  EM  RECURSO  ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS E DANOS MORAIS. REEXAME  DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7⁄STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A análise da pretensão recursal relativa ao binômio necessidade-possibilidade para o fim de  manter  os alimentos em benefício  da  ex-companheira  demandaria  a  incursão  nos aspectos fático-probatórios  dos  autos,  o  que  não  se  admite  em recurso especial (Súmula n. 7 do STJ).
2. O mesmo óbice (Súmula n. 7⁄STJ) impede o acolhimento da pretensão indenizatória pela forma como teria ocorrido o fim do relacionamento existente  entre  as  partes. No caso concreto, restou consignado na instância  ordinária que a pretensão reparatória estava fundamentada na  animosidade  que se instalou entre os litigantes, não tendo sido comprovada a ocorrência de atos ilícitos.
3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 307.466⁄SCRel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 10.11.2016, DJe 16.11.2016)
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DIREITO DE FAMÍLIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE, CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. VALOR DOS ALIMENTOS. PEDIDO DE REDUÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO NA VALORAÇÃO DAS PROVAS. SÚMULA 7⁄STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
2. A análise da pretensão recursal relativa ao reexame do binômio necessidade-possibilidade ou do pedido de redução do valor dos alimentos demandaria a incursão em aspectos fático-probatórios dos autos, inviável, portanto, em sede de recurso especial (Súmula 7⁄STJ).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento. (EDcl no REsp 1516739⁄RR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23.02.2016, DJe 01.03.2016)

Nada obstante, após melhor reflexão e diante das circunstâncias particulares do caso concreto, creio que a presente controvérsia não atrai a incidência do referido óbice sumular, pois seu deslinde reclama, tão somente, a valoração do quadro fático probatório delineado nas instâncias ordinárias.

Vale dizer, a questão principal é definir se, uma vez constatada a percepção, pela alimentanda, de valores decorrentes da venda de imóvel comum das partes (R$ 750.000,00 - setecentos e cinquenta mil reais), subsiste ou não o requisito da "necessidade" para imposição do dever alimentar arbitrado em face da ex-convivente, a quem não fora revertida qualquer soma.

O Tribunal de origem considerou que o fato - recebimento de quantia significativa pela alimentanda -, consubstanciava causa apta a justificar tão somente a redução da pensão mensal de dezesseis para oito salários mínimos, mantido o prazo máximo de dois anos de percepção ou o seu término com a venda de imóvel situado na Barra da Tijuca.

Assim, permite-se concluir que a Corte estadual, examinando as circunstâncias fáticas dos autos, entendeu que o binômio "necessidade alimentar da autora" e "possibilidade financeira da ré" ficou adstrito ao referido quantum (oito salários mínimos mensais pelo período de dois anos, o que equivale a cento e noventa e dois salários mínimos).

4. Contudo, à luz do quadro fático delineado no acórdão recorrido, creio que o dever alimentar da ré não poderia remanescer após a constatação de que a autora recebera montante considerável decorrente da alienação de imóvel comum do ex-casal, ainda que diverso do bem indicado no comando judicial que enumerara as causas exoneradoras da obrigação.

Importante destacar, de início, que, a alienação do referido bem deu-se em 12.07.2013 (consoante consta da decisão monocrática de fls. 955⁄961). Por sua vez, a sentença de procedência da ação de alimentos foi proferida em 26.03.2014, tendo sido atribuído efeito suspensivo à apelação da ré, a qual foi definitivamente julgada apenas em 03.06.2015.

Tais dados revelam que a insuficiência econômica da autora até poderia existir quando do ajuizamento da ação de alimentos, mas, em razão do expressivo  proveito obtido com a posterior venda de imóvel em comum, não mais subsistia à época da prolação da sentença, máxime tendo sido atestado, pela Corte estadual, que a alimentanda não comprovara o destino dado aos valores percebidos nem a existência das despesas alegadas. Confira-se:

(...) sobreveio a informação de que a apelada vendeu, em 12 de julho de 2013, o imóvel de sua propriedade exclusiva, da Rua Diogo Jacome, n° 550, Vila Conceição, bairro Indianópolis, São Paulo, pelo valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais), consoante certidão de fls. 895, fato que serviu de fundamento ao deferimento do efeito suspensivo ao presente recurso.
No pedido de reconsideração, a apelada reconhece a veracidade da alienação e explica que, após descontar daquele montante o valor de inúmeras dívidas para seu sustento, contraídas desde o fim da união estável, adquiriu novo imóvel, ainda em construção, porém celebrou empréstimo bancário para o seu financiamento.
Ora, a atitude razoável que se espera da apelada seria o pagamento à vista do novo imóvel, mesmo porque, ainda que descontadas despesas ordinárias, R$ 750.000,00 são bastante suficientes para a aquisição de bons imóveis.
No entanto, não assim o fez e tampouco demonstra o total das alegadas dívidas, como também sequer afirma qual teria sido o preço do imóvel adquirido ou o valor do financiamento, motivo pelo qual sua conduta torna frágil a necessidade de alimentos nos termos fixados na sentença. (fls. 960⁄961)
 

Desse modo, a aduzida "necessidade" da alimentanda, um dos requisitos autorizadores da estipulação da obrigação alimentar, não encontra respaldo em qualquer uma das provas coligidas na origem, notadamente após ocorrida a alienação do imóvel comum.

Tal conclusão consubstancia mera inferência lógica de um fato incontroversamente atestado pelas instâncias ordinárias.

Ademais, a posterior percepção da quantia de R$ 641.587,59 (seiscentos e quarenta e um mil reais, quinhentos e oitenta e sete reais e cinquenta e nove centavos) pela autora, conforme confessado pela própria, vai de encontro à carência econômica defendida, figurando como mais um fundamento apto a afastar o dever de prestar alimentos.

Outrossim, ainda que mantido o comando exarado pelo acórdão recorrido, constata-se que, em se somando as prestações alimentícias que seriam devidas pela ré nos referidos dois anos, encontram-se valores muito inferiores aos cinquenta por cento da quantia obtida com a alienação do imóvel comum e que não fora repassada pela autora.

Com efeito, utilizando-se como parâmetro os salários mínimos vigentes entre 26.03.2014 (data da prolação da sentença) e 26.04.2016 (data em que decorreria o prazo de dois anos), o total da pensão alimentícia devida alcançaria o valor de R$ 148.896,00 (cento e quarenta e oito mil, oitocentos e noventa e seis reais).

Por outro lado, caso observados os salários mínimos vigentes entre 08.04.2015 (data da prolação do acórdão que julgou a apelação que recebera efeito suspensivo) e 08.05.2017 (termo final do prazo de dois anos), a dívida alimentar equivaleria a R$ 164.846,00 (cento e sessenta e quatro mil, oitocentos e quarenta e seis reais).

Verifica-se, assim, que a quantia auferida pela alimentanda com a alienação do imóvel comum superou, e muito, os referidos montantes, o que também se revelaria suficiente para considerar exaurida a obrigação alimentar atribuída à ré, que não colheu qualquer fruto do citado negócio jurídico.

5. Ante o exposto, retificando meu voto anterior, dou provimento ao agravo interno a fim de conhecer do agravo para, de plano, dar provimento ao recurso especial, a fim de julgar improcedente a pretensão alimentar deduzida na inicial. Custas e honorários advocatícios pela autora, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ex vi do disposto nos §§ 2º e 6º do artigo 85 do NCPC.

É como voto.

 
 
 

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