AgInt no HABEAS CORPUS Nº 369.350 - SP (2016⁄0228691-8)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de agravo interno interposto por A.C.J.P. contra a decisão (e-STJ fls. 365-370) que determinou a extinção do habeas corpus impetrado às fls. 1-32 (e-STJ).
Nas razões do presente recurso, o agravante reitera que
"(...) O juiz do Brasil não pode mandar citar o cidadão chileno para pagar dívida em 24 horas, sob pena de penhora, e muito menos mandar citar para pagar dívida alimentar, sob pena de prisão. Para isso existe a homologação da sentença estrangeira. Atos executórios são diversos de atos de cooperação internacional, porque na execução há força, há poder, há jurisdição, e não mera cooperação, da qual pode ser exemplo, por sinal, o exequatur para as cartas rogatórias, que nunca englobam fins executórios! A carta roga, não executa!" (e-STJ fl. 375).
Pugna, ao final, pela reconsideração da decisão agravada ou, alternativamente, que seja o feito submetido ao crivo do órgão julgador colegiado competente.
É o relatório.
AgInt no HABEAS CORPUS Nº 369.350 - SP (2016⁄0228691-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O recurso não merece provimento.
Na hipótese, observa-se a inadequação da via eleita pela impetrante, consoante a jurisprudência mais recente desta Corte, amparada em entendimento oriundo do Supremo Tribunal Federal, porquanto utilizado o presente habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário.
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 105, II, 'A', CF⁄88. PENSÃO ALIMENTÍCIA.
1. O habeas corpus não é admitido como sucedâneo ou substitutivo de recurso ordinário, ex vi da disposição expressa do art. 105, II, 'a', da CF⁄88.
2. A competência originária do STJ deve ser preservada em prol dos legitimados do art. 105, inc. I, 'c', da CF⁄88, prestigiando-se, a um só tempo, a divisão de competências realizada pelo legislador constituinte, bem ainda a racionalização e simplificação do sistema recursal.
3. Evolução jurisprudencial encampada pela Suprema Corte, cuja adesão de entendimento pelo STJ também se presta ao alento do órgão jurisdicional precípua e constitucionalmente incumbido da guarda e exegese da Constituição.
4. Não verificada a presença de flagrante ilegalidade, não há se cogitar da concessão ex officio da ordem pleiteada.
5. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo.
6. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do alimentante executado.
7. Habeas Corpus não conhecido" (HC 258.607⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄08⁄2013, DJe 22⁄08⁄2013 - grifou-se).
Não há flagrante ilegalidade que possa ser identificada neste juízo meramente perfunctório a ensejar o deferimento da medida de urgência, considerando que a decisão do tribunal de origem foi tomada em razão do melhor interesse dos menores alimentandos, com base em jurisprudência desta Corte.
Ademais, de modo geral, o foro para processar as ações de alimentos é o de domicílio ou residência do alimentando, valendo essa regra também para a presente execução, especialmente porque o devedor se submeteu à jurisdição nacional (artigo 22, inciso I, letra "a", inciso III, do Código de Processo Civil de 2015).
Citem-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. DEVEDOR RESIDENTE NO EXTERIOR E CREDOR NO BRASIL. DECRETO Nº 56.826⁄65. CONVENÇÃO SOBRE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO.
1. Conforme jurisprudência tranqüila desta Corte, compete à Justiça Comum do Estado processar e julgar ação de alimentos pertinente ao Decreto nº 56.826⁄65, que promulgou a Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, quando o devedor esteja domiciliado no exterior.
2. Conflito de competência conhecido para declarar competente a Justiça Comum do Estado" (CC 20.175⁄SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14⁄10⁄1998, DJ 07⁄12⁄1998 - grifou-se).
"CIVIL. ALIMENTOS. ALIMENTANTE RESIDENTE NO EXTERIOR. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO DE ALIMENTOS QUANDO O ALIMENTANTE RESIDE NO EXTERIOR SE DETERMINA EM RAZÃO DA MATÉRIA, QUANDO NÃO E A MESMA PROPOSTA PELA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA (CONVENÇÃO SOBRE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO)" (CC 6.654⁄RJ, Rel. Ministro DIAS TRINDADE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09⁄02⁄1994, DJ 28⁄03⁄1994).
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. ALIMENTANDO RESIDENTE NO EXTERIOR. CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE. ATUAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA COMO INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A tramitação do feito perante a Justiça Federal somente se justifica nos casos em que, aplicado o mecanismo previsto na Convenção de Nova Iorque, a Procuradoria-Geral da República atua como instituição intermediária. Precedentes.
2. No caso dos autos, é o devedor de alimentos que promove ação em face do alimentando, buscando reduzir o valor da pensão alimentícia, o que demonstra a não incidência da Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro.
3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Pilar do Sul - SP" (CC 103.390⁄SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23⁄09⁄2009, DJe 30⁄09⁄2009).
E, na hipótese dos autos, a Procuradoria da República não atua como instituição intermediária, mas apenas como remetente, motivo pelo qual não há falar em competência da Justiça Federal, conforme ressaltado pelo acórdão proferido pelo tribunal de origem:
"(...) É que a Lei nº 5.478⁄68, dispondo acerca da aplicação da Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos, de que são partes o Brasil e o Chile, reza em seu artigo 26 que a Justiça Federal será competente apenas nos casos em que o devedor de alimentos seja domiciliado no Brasil:
'Art. 26. É competente para as ações de alimentos decorrentes da aplicação do Decreto Legislativo nº 10, de 13 de novembro de 1958, e Decreto nº 56.826, de 2 de setembro de 1965, o juízo federal da capital da Unidade Federativa Brasileira em que reside o devedor, sendo considerada instituição intermediária para os fins dos referidos decretos, a Procuradoria-Geral da República.'
Nessa esteira, a contrário sensu, tem-se sufragado o entendimento de que, nos demais casos, não atuando ademais a Procuradoria-Geral da República como Instituição Intermediária, deve-se aplicar a regra especial de competência prevista no artigo 100, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da propositura da ação:
'Art. 100. É competente o foro: (...) II - do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos.'
Competente, pois, o MM. Juízo para determinar a prisão civil do impetrante" (e-STJ fls. 275-276).
Por fim, salienta-se a fundamentação do juízo de primeira instância para afastar a incidência da Convenção de Nova Iorque do caso concreto:
"(...) Quanto à incidência da Convenção de Nova York sobre prestação de alimentos no estrangeiro invocada pelo executado, é necessário enfatizar que sua aplicação é em favor do credor de alimentos.
Sempre que o credor de alimentos estiver domiciliado no país que ratificou a Convenção de Nova York, poderá ele utilizar a legislação pátria ou a Convenção por meio da jurisdição do país em que se encontra o devedor domiciliado.
O objeto da Convenção de Nova York, traçado em seu artigo primeiro, tem como objeto facilitar ao demandante a obtenção de alimentos. Ainda, o mesmo artigo enfatiza que a Convenção tem o condão de complementar os meios jurídicos já existentes, de modo que se pode concluir que haverá uma opção por parte do credor em se utilizar dos meios disponíveis pela Convenção, ou dos meios já existentes no ordenamento interno, ou seja, não haverá imposição para a adoção de um ou outro meio" (e-STJ fl. 194 - grifou-se).
No mais, merece acolhimento o parecer ministerial:
"(...) contra a denegação, em única ou última instância, de habeas corpus por Tribunal de Justiça, prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso: o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 105, II, 'a', da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional.
Feitas tais observações, deve-se reconhecer que o caso dos autos não revela a presença de qualquer das hipóteses excepcionalíssimas a autorizar o deferimento 'ex officio' da ordem, uma vez que, conforme bem destacam tanto o acórdão impugnado quanto a decisão que indeferiu o pedido liminar, o devedor de alimentos, ora paciente, encontrando-se sob jurisdição nacional, submete-se à regra ordinária segundo a qual as ações de alimentos e as respectivas execuções devem ser processadas e cumpridas no foro do domicílio do alimentando.
Demais disso, 'o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, tratando-se de Ação de alimentos em que o devedor esteja domiciliado no exterior, a competência será da Justiça comum estadual.' (CC 138.691 – Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – Publicação: 03⁄08⁄2015.)
De se destacar, ainda, que a medida processual ora manejada não se mostra como sede apropriada ao exame de aspectos probatórios em torno da capacidade financeira do paciente ou mesmo dos conhecimentos por ele detidos acerca da língua portuguesa.
Por fim, descabe, na via restrita do habeas corpus, questionar se o valor dos alimentos está adequado ou não às condições econômicas do devedor, incumbência essa das ações revisionais" (e-STJ fls. 362-363 - grifou-se).
Ademais, conforme se extrai do acórdão (fl. 276 e-STJ), constam no mandado de prisão expedido endereços para cumprimento da diligência localizados em território nacional (fl. 171 dos autos originários), sem prejuízo que seja cumprido também na República do Chile, desde que observada a correta modalidade de cooperação jurídica internacional.
Dessa forma, considerando-se que o agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a decisão deve ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.