Jurisprudência - STJ

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.

Por: Equipe Petições

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS EM DECORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DO RÉU DE QUE OS REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO ESTÃO PRESENTES. RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART. 1.015, XI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. REGRA DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE SE INTERPRETA EM CONJUNTO COM O ART. 373, §1º, DO CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL NAS HIPÓTESES DE DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INSTITUTOS DISTINTOS, MAS SEMELHANTES QUANTO À NATUREZA, JUSTIFICATIVA, MOMENTO DE APLICAÇÃO E EFEITOS. INDISPENSÁVEL NECESSIDADE DE PERMITIR À PARTE A DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS DE PROVAR QUE, POR DECISÃO JUDICIAL, FORA IMPOSTO NO CURSO DO PROCESSO.

1- Ação proposta em 20/08/2015. Recurso especial interposto em 21/09/2017 e atribuído à Relatora em 13/03/2018.

2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de consumo.

3- No direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra geral prevista no art. 373, I e II, do CPC/15, denominada de distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e cabe ao réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, admitindo-se, ainda, a existência de distribuição estática do ônus da prova de forma distinta da regra geral, caracterizada pelo fato de o próprio legislador estabelecer, previamente, a quem caberá o ônus de provar fatos específicos, como prevê, por exemplo, o art. 38 do CDC.

4- Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia catalogação pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência passaram a excepcionar a distribuição estática do ônus da prova, criando e aplicando regras de distribuição diferentes daquelas estabelecidas em lei, contexto em que surge a regra de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, reiteradamente aplicada por esta Corte mesmo antes de ser integrada ao direito positivo, tendo ambas - inversão e distribuição dinâmica - a característica de permitir a modificação judicial do ônus da prova (modificação ope judicis).

5- As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste de acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, do CPC/15, demonstra que nem todas as decisões interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são recorríveis de imediato, mas, sim, apenas àquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC/15.

6- O art. 373, §1º, do CPC/15, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido.

8- Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC/15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica.

9- Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1729110/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019)

 

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.110 - CE (2018⁄0054397-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DIVEPEL DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS PEIXOTO LTDA
ADVOGADOS : ROMMEL BARROSO DA FROTA  - CE013921
    FRANCISCO DIAS DE PAIVA FILHO  - CE015324
    JOSE RIBAMAR DE SOUSA FILHO  - CE024136
    EMMANUEL EMERSON SANTOS ALBUQUERQUE  - CE025364
RECORRIDO : SÉRGIO MARQUES MADEIRA BARROS JUNIOR
ADVOGADOS : RENO PORTO CESAR BERTOSI  - CE018902
    FILIPPE VASQUES SAMPAIO  - CE025390
    PAULO ROBERTO CHAGAS MARANHAO  - CE033423
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
 
Cuida-se de recurso especial interposto por DIVEPEL DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS PEIXOTO LTDA., com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ⁄SP que, por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente.
Recurso especial interposto em: 21⁄09⁄2017.
Atribuído ao gabinete em: 13⁄03⁄2018.
Ação: de reparação de danos patrimoniais e morais, ajuizada por SÉRGIO MARQUES MADEIRA BARROS JÚNIOR em face da recorrente, de P7 DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS E PEÇAS S⁄A e de VOLVO DO BRASIL VEÍCULOS LTDA., em decorrência de defeito em veículo.
Decisão interlocutória: tendo em vista se tratar de relação de consumo e ser evidente a hipossuficiência financeira e técnica do autor em relação aos réus, inverteu o ônus da prova em saneamento, a fim de que os réus comprovassem a inexistência do defeito e, se existente, quando surgiu e quem o provocou (fls. 94⁄95, e-STJ).
Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto pelo recorrente em face da decisão unipessoal que não conheceu de seu agravo de instrumento, nos termos da seguinte ementa:
 
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECE DE AGRAVO DE INSTRUMENTOFALTA DE CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Cuidam os presentes autos de agravo interno interposto por DIPEVEL Distribuidora de Veículos Peixoto Ltda., contra decisão de minha relatoria que não conheceu de seu agravo de instrumento por falta de cabimento uma vez que não existe previsão no art. 1.015 do CPC⁄15.
2. Como afirmado diversas vezes pela recorrente, a decisão combatida pelo agravo de instrumento inverte o ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor e não com base no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova do CDC⁄15. Assim, observa-se que a inversão do ônus da prova pelo CDC não é recorrível em separado pelo recurso de agravo e instrumento por falta de cabimento conforme se vê pela leitura do art. 1.015.
3. Desta forma, em atenção ao princípio da taxatividade, não como conhecer do agravo de instrumento interposto e, por isso, não merece reforma a decisão monocrática aqui recorrida.
4. Repisa-se que, no caso destes autos, verifica-se que a agravante não observou requisito intrínseco essencial do recurso de agravo de instrumento, qual seja, o do cabimento. Em que pese a recorrente defender uma interpretação extensiva do inciso XI, do art. 1.015, do CPC⁄15. Observa-se que a tese não merece prosperar, pois a decisão judicial é clara ao utilizar o instituto da inversão do ônus da prova do CDC e não o de redistribuição dinâmica, o qual, sim, é possível combater pelo agravo de instrumento.
5. Lembra-se, novamente, que em que pese a decisão judicial de primeira instância não ser recorrível por recurso, ela pode ser combatida por ação autônoma como o Mandado de Segurança. Desta forma, resta inviável conhecer deste recurso já que o caso não está previsto no rol taxativo do art. 1.015.
6. Agravo interno conhecido, mas improvido. (fls. 394⁄398, e-STJ).
 
Recurso especial: alega-se violação aos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do CPC⁄15, ao fundamento de que o agravo de instrumento seria cabível porque o conceito de distribuição dinâmica do ônus da prova compreende, também, o conceito de inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor; alega-se violação, ainda, ao art. 1.021, §4º, do CPC⁄15, ao fundamento de que o agravo interno não era manifestamente inadmissível ou improcedente, sendo descabida a imposição de multa de 5% sobre o valor atualizado da causa. (fls. 400⁄408, e-STJ).
É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.110 - CE (2018⁄0054397-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DIVEPEL DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS PEIXOTO LTDA
ADVOGADOS : ROMMEL BARROSO DA FROTA  - CE013921
    FRANCISCO DIAS DE PAIVA FILHO  - CE015324
    JOSE RIBAMAR DE SOUSA FILHO  - CE024136
    EMMANUEL EMERSON SANTOS ALBUQUERQUE  - CE025364
RECORRIDO : SÉRGIO MARQUES MADEIRA BARROS JUNIOR
ADVOGADOS : RENO PORTO CESAR BERTOSI  - CE018902
    FILIPPE VASQUES SAMPAIO  - CE025390
    PAULO ROBERTO CHAGAS MARANHAO  - CE033423
EMENTA
 
 
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS EM DECORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DO RÉU DE QUE OS REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO ESTÃO PRESENTES. RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART. 1.015, XI, DO CPC⁄15. POSSIBILIDADE. REGRA DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE SE INTERPRETA EM CONJUNTO COM O ART. 373, §1º, DO CPC⁄15. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL NAS HIPÓTESES DE DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INSTITUTOS DISTINTOS, MAS SEMELHANTES QUANTO À NATUREZA, JUSTIFICATIVA, MOMENTO DE APLICAÇÃO E EFEITOS. INDISPENSÁVEL NECESSIDADE DE PERMITIR À PARTE A DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS DE PROVAR QUE, POR DECISÃO JUDICIAL, FORA IMPOSTO NO CURSO DO PROCESSO.
1- Ação proposta em 20⁄08⁄2015. Recurso especial interposto em 21⁄09⁄2017 e atribuído à Relatora em 13⁄03⁄2018.
2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC⁄15, contra a decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de consumo.
3- No direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra geral prevista no art. 373, I e II, do CPC⁄15, denominada de distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e cabe ao réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, admitindo-se, ainda, a existência de distribuição estática do ônus da prova de forma distinta da regra geral, caracterizada pelo fato de o próprio legislador estabelecer, previamente, a quem caberá o ônus de provar fatos específicos, como prevê, por exemplo, o art. 38 do CDC.
4- Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia catalogação pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência passaram a excepcionar a distribuição estática do ônus da prova, criando e aplicando regras de distribuição diferentes daquelas estabelecidas em lei, contexto em que surge a regra de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, reiteradamente aplicada por esta Corte mesmo antes de ser integrada ao direito positivo, tendo ambas – inversão e distribuição dinâmica – a característica de permitir a modificação judicial do ônus da prova (modificação ope judicis).
5- As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste de acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, do CPC⁄15, demonstra que nem todas as decisões interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são recorríveis de imediato, mas, sim, apenas àquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC⁄15.
6- O art. 373, §1º, do CPC⁄15, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC⁄15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido.
8- Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC⁄15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica.
9- Recurso especial conhecido e provido.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.110 - CE (2018⁄0054397-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DIVEPEL DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS PEIXOTO LTDA
ADVOGADOS : ROMMEL BARROSO DA FROTA  - CE013921
    FRANCISCO DIAS DE PAIVA FILHO  - CE015324
    JOSE RIBAMAR DE SOUSA FILHO  - CE024136
    EMMANUEL EMERSON SANTOS ALBUQUERQUE  - CE025364
RECORRIDO : SÉRGIO MARQUES MADEIRA BARROS JUNIOR
ADVOGADOS : RENO PORTO CESAR BERTOSI  - CE018902
    FILIPPE VASQUES SAMPAIO  - CE025390
    PAULO ROBERTO CHAGAS MARANHAO  - CE033423
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC⁄15, contra a decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de consumo.
 
1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE VERSA SOBRE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 1.015, XI, E 373, §1º, AMBOS DO CPC⁄15.
 
1.1. Esclarecimentos iniciais sobre o objeto da controvérsia.
A tese veiculada no recurso especial é de que a decisão interlocutória que inverte o ônus da prova em ação judicial relacionada a relação de consumo, com base no art. 6º, VIII, do CDC, é recorrível, de imediato, por agravo de instrumento, por força da interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do CPC⁄15, ao fundamento de que não haveria limitação de cabimento somente às hipóteses de distribuição dinâmica do ônus da prova, mas estaria abrangida, também, a recorribilidade nas hipóteses de inversão do ônus da prova em ações judiciais que envolvam relações de consumo.
O objetivo deste recurso especial, pois, é definir se a hipótese de recorribilidade está restrita apenas à redistribuição dinâmica do ônus da prova que fora legalmente introduzida, no âmbito do processo de conhecimento, pelo CPC⁄15 ou se a interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, especialmente no que se refere a atribuição do ônus da prova de forma distinta do art. 373, I e II, “nos casos previstos em lei”, também abrange outras hipóteses de distribuição do ônus da prova distintas da regra.
De antemão, é preciso lembrar que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396⁄MT e 1.704.520⁄MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19⁄12⁄2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento.
Sobre essa questão, aliás, anote-se ter havido unanimidade da Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora – taxatividade mitigada – filiaram-se ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC⁄15 era de taxatividade irrestrita, negando, consequentemente, a possibilidade de interpretação extensiva ou de uso da analogia.
A tese jurídica veiculada no recurso especial, contudo, não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, na abrangência e no exato conteúdo dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do CPC⁄15, merecendo trânsito o recurso especial, pois, sob esse enfoque.
 
1.2. Diferentes disciplinas legais sobre o ônus da prova no direito processual civil.
prova – o coração do processo, como diz Carnelutti – contempla em si uma das mais relevantes e controvertidas questões da ciência processual: o ônus da prova, que figura entre os problemas vitais do processo, como ensina Chiovenda, e que é o problema mais complexo e delicado de toda essa matéria, nas palavras de Couture.
A concepção de ônus da prova surge, durante o período da extraordinaria cognitio romana, como uma alternativa racional aos sistemas de resolução de conflitos então existentes, em que, por exemplo, decidia-se com base no chamado juízo de Deus, proclamando-se vencedor do litígio aquele que superasse o desafio imposto pela ordália. Acerca do conceito desse instituto, destaque-se a clássica lição de João Batista Lopes:
 
No ônus, há a ideia de carga, e não de obrigação ou dever. Por outras palavras, a parte a quem a lei atribui um ônus tem interesse em dele se desincumbir; mas se não o fizer nem por isso será automaticamente prejudicada, já que o juiz, ao julgar a demanda, levará em consideração todos os elementos dos autos, ainda que não alegados pelas partes (CPC, art. 131). (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 38⁄39).
 
A razão de existir dessa regra é, segundo a lição de José Roberto dos Santos Bedaque“evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a “última saída para o juiz”, que não pode deixar de decidir”, motivo pelo qual “são necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127⁄130).
O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova (art. 333, I e II, do CPC⁄73; art. 373, I e II, do CPC⁄15), segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Há, ainda, a possibilidade de o próprio legislador estabelecer previamente uma forma de distribuir o ônus da prova que, embora ainda seja estática, é distinta da regra geral enunciada pelo art. 373, I e II, do CPC⁄15.
É a hipótese, por exemplo, do art. 38 do CDC, que estabelece que cabe ao anunciante provar a veracidade (fato) e a correção (fato) das suas próprias informações e comunicações publicitárias.
As características marcantes da distribuição estática do ônus da prova, pois, residem no fato de que é a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados (distribuição ope legis), dando-lhe ciência prévia sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não esclarecido.
Todavia, o cotidiano forense demonstrou, ao longo dos tempos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar uma infinita gama de situações faticamente complexas, exigindo-se, a partir dessa constatação, não apenas do legislador, como também da doutrina e da jurisprudência, a criação e a aplicação de regras de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei.
É justamente nesse contexto que surge o art. 6º, VIII, do CDC, segundo o qual é direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
O art. 6º, VIII, do CDC, pois, possui como principal característica distintiva em relação às regras legais que versam sobre a distribuição estática do ônus da prova a existência de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados – verossimilhança da alegação e hipossuficiência do consumidor –, reconhecendo-se a impossibilidade de catalogar previamente fatos probandos específicos e, em razão disso, concedendo-se ao juiz o poder de examinar e decidir sobre a possibilidade de inversão do ônus da provadesde que observada a presença, ou não, de algum dos pressupostos genericamente trazidos pela norma com vistas, sempre, à hipótese concreta que lhe é submetida.
Examinando as distinções entre o art. 6º, VIII, e o art. 38, ambos do CDC, leciona Heitor Vitor Mendonça Sica:
 
Outra diferença básica entre os dois dispositivos em exame está no fato de que o primeiro atua necessariamente ope iudicis, ou seja, mediante aferição judicial em concreto da presença dos requisitos lá exigidos. Bem diferente é o caso do art. 38, cuja aplicação prescinde de quaisquer requisitos, pois obra ope legis.
Nesse ponto, vemo-nos forçados a registrar pequena crítica. A ideia de inversão do ônus da prova pressupõe que ele esteja distribuído de uma dada forma e que, diante de determinada circunstância, essa ordem seja alterada. Assentada essa premissa – notadamente tautológica – decorre com naturalidade que o art. 38 do CDC não estabelece caso de inversão do ônus da prova, mas sim uma regra especial de sua distribuição que, no particular lá especificado, prevalece sobre a regra geral insculpida no art. 333 do CPC. (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões velhas e novas sobre a inversão do ônus da prova (CDC, art. 6.º, VIII) in Revista de Processo: RePro, vol. 32, nº 146, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2007, p. 50).
 
Daí porque se conclui que a regra do art. 6º, VIII, do CDC, é indiscutivelmente uma hipótese de distribuição judicial do ônus da prova (inversão do ônus ope judicis) que deve ser interpretada como uma regra de instrução, devendo ser implementada antes da sentença para que não haja surpresa à parte e para permitir que ela se desincumba, tempestivamente, do ônus que fora atribuído por decisão judicial, como, aliás, orienta a jurisprudência desta Corte (REsp 802.832⁄MG, 2ª Seção, DJe 21⁄09⁄2011).
 
1.3. Inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova. Semelhanças e diferenças.
A insuficiência e a inadequação das regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei, evidentemente, não se manifestou apenas no âmbito das ações judiciais que versavam sobre relações de consumo, mas, ao revés, espraiavam-se para todos os ramos do direito submetidos ao processo civil.
Em razão disso, esta Corte foi pioneira em aplicar, ainda que em caráter excepcional, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da provaantes mesmo de ser ela positivada, como se vê no REsp 69.309⁄SC, 4ª Turma, DJ 26⁄08⁄1996; REsp 619.148⁄MG, 4ª Turma, DJe 01⁄06⁄2010 e REsp 1.084.371⁄RJ, 3ª Turma, DJe 12⁄12⁄2011, dentre tantos outros. Em um dos leading cases sobre o tema (RMS 27.358⁄RJ, 3ª Turma, DJe 25⁄10⁄2010), consignou-se:
 
À hipótese dos autos também se aplica a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que tem por fundamento a probatio diabolica, isto é, a prova de difícil ou impossível realização para uma das partes e que se presta a contornar a teoria de carga estática da prova, adotada pelo art. 333 do CPC, que nem sempre decompõe da melhor forma o onus probandi, por assentar-se em regras rígidas e objetivas.
Ao comentar essa teoria, Humberto Theodoro Junior anota que, “conforme as particularidades da causa e segundo a evolução do processo, o Juiz pode deparar-se com situações fáticas duvidosas em que a automática aplicação da distribuição legal do onus probandi não se mostra razoável para conduzi-lo a uma segura convicção acerca da verdade real” (Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 43ª ed., 2008, p. 191).
Com base na teoria da distribuição dinâmica, o ônus da prova recai sobre quem tiver melhores condições de produzi-la, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso.
Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação dessa teoria, levando-se em consideração, sobretudo, os princípios da isonomia (arts. 5º, caput, da CF, e 125, I, do CPC), do devido processo legal (art. 5º, XIV, da CF), do acesso à justiça (art, 5º XXXV, da CF), da solidariedade (art. 339 do CPC) e da lealdade e boa-fé processual (art. 14, II, do CPC), bem como os poderes instrutórios do Juiz (art. 355 do CPC).
 
O mais remoto embrião da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova está na obra de Jeremy Bentham, que, há quase 02 séculos, ensinava que “a obrigação da prova deve ser imposta, individualmente, à parte que possa praticá-lo com menos inconvenientes, é dizer, com menos dilaçõesabusos e gastos. (BENTHAM, Jeremy. Tratado de Las Pruebas Judiciales. Tomo II. Trad.: José Gomez de Castro: Imprenta de Don Tomás Jordan, 1825. p. 113).
Todavia, reconhece a doutrina que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova foi mais bem desenvolvida a partir dos ensinamentos de Jorge Walter Peyrano, de cujas lições se extrai:
 
[A distribuição dinâmica do ônus da prova] implica em uma exceção das normas legais de distribuição do ônus da prova, a que será apropriado recorrer somente quando a aplicação das regras gerais tem consequências manifestamente prejudiciais. Essa exceção se traduz em novas regras para a distribuição do ônus probatório, ajustadas às circunstâncias do caso e que se afastam de abordagens apriorísticas (tipo de fato a provar, papel de autor ou de réu, etc.). Entre as novas regras acima mencionadas, destaca-se aquela consistente em fazer o ônus da prova recair sobre a parte que está em melhores condições profissionais, técnicas ou fáticas para produzir a prova respectiva(PEYRANO, Jorge Walter. Nuevos lineamentos de las cargas probatorias dinámicas in Cargas probatorias dinámicas. Inés Lépori White (Coord.). Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2008. p. 21).
 
Por esses motivos, o legislador brasileiro incorporou, ao direito positivo, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, conforme se vê no art. 373, §1º, 2ª parte, do CPC⁄15, segundo o qual, “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contráriopoderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
É preciso esclarecer, ainda, que a inversão do ônus da prova e a distribuição dinâmica do ônus da prova são institutos ontologicamente distintos. Como leciona Eduardo Cambi:
 
Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor).
Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concretoO magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º). (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332⁄333).
 
Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus da prova porque, naquela, haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente:
 
3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271).
 
Contudo, a despeito das nítidas diferenças e das feições particulares de cada instituto, não se pode olvidar que a distribuição dinâmica do ônus da prova também é, a exemplo do art. 6º, VIII, do CDC, uma hipótese de distribuição judicial do ônus da prova (distribuição ope judicis) que excepciona a regra geral do art. 373, I e II, do CPC⁄15, a fim de superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e de buscar a maior justiça possível na decisão de mérito.
Por esses motivos, igualmente deverá ser interpretada como uma regra de instrução e que deve ser implementada antes da sentença, seja para que não haja surpresa à parte que inicialmente não possuía o ônus de provar determinado fato, seja para permitir que a parte a quem o ônus fora atribuído por decisão judicial possa dele se desincumbir eficazmente.
 
1.4. Recorribilidade imediata da decisão interlocutória que versa sobre inversão do ônus da prova.
A detalhada análise acerca das diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes, embora possa parecer, em princípio, uma questão eminentemente teórica, reveste-se da mais alta relevância prática, sobretudo quanto a possibilidade de recorrer imediatamente das decisões interlocutórias sobre essa temática decorre da necessidade de interpretação conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do CPC⁄15, que assim dispõem:
 
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, §1º;
(...)
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contráriopoderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
 
Examinando-se o conteúdo das regras legais acima reproduzidas, verifica-se, primeiramente, que o legislador optou por não permitir a recorribilidade imediata de quaisquer decisões interlocutórias que versem sobre a temática do ônus da prova, mas, sim, apenas àquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC⁄15.
Nesse sentido, constata-se que o art. 373, §1º, do CPC⁄15, contém duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar a distribuição estática que se consubstancia na regra geral do processo civil (art. 373, I e II, do CPC⁄15: ao autor, incumbe provar o fato constitutivo; ao réu, incumbe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo).
primeira exceção (art. 373, §1º, 1ª parte) diz respeito a possibilidade de atribuição do ônus da prova, pelo juiz, de modo diverso da regra geral, nas hipóteses previstas em lei.
Note-se, nesse particular, que o legislador não limitou a abrangência da norma, mas, ao revés, utilizou um conceito amplo – atribuição do ônus de modo diverso do art. 373, I e II – o que, evidentemente, contempla quaisquer hipóteses de inversão ou de dinamização do ônus da prova, desde que a modificação do ônus ocorra por decisão judicial (modificação ope judicisproferida com base em prévia autorização legal, como, por exemplo, àquela expressamente prevista no art. 6º, VIII, do CDC.
segunda exceção (art. 373, §1º, 2ª parte), por sua vez, versa especificamente sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da provaincorporada ao direito positivo pelo CPC⁄15 e que possui, como características, a existência de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, sendo necessário, também nessa hipótese, a existência de decisão judicial que modifique o ônus da prova de modo distinto da regra geral (modificação ope judicis).
A despeito de suas diferenças ontológicas, ambas as exceções contidas no art. 373, §1º, do CPC⁄15, são regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, não apenas para evitar a surpresa da parte a quem não havia se atribuído o ônus de provar determinado fato, mas também para permitir que a parte que recebe o ônus no curso do processo possa dele se desvencilhar de modo adequado.
Justamente por esse motivo, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC⁄15, na medida em que a oportunidade que dada à parte que recebe o ônus da prova no curso do processo deve ser ampla, compreendendo a possibilidade de provar e também a possibilidade de demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica, exame que se deve dar, de imediato, em 2º grau de jurisdição.
Em síntese, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.
Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido efetivamente violou os arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do CPC⁄15.
 
2. CONCLUSÃO

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ⁄CE para que, afastado o fundamento de não cabimento do recurso de agravo de instrumento na hipótese, examine a alegação de que não estão presentes os pressupostos autorizadores da inversão do ônus da prova, afastando-se, por decorrência lógica, a multa aplicada ao recorrente pela interposição de agravo interno reputado como manifestamente inadmissível