Jurisprudência - STJ

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL.

Por: Equipe Petições

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DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. METRAGEM A MENOR. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL.

1. O propósito recursal, para além da negativa de prestação jurisdicional, é o afastamento da prejudicial de decadência em relação à pretensão de indenização por vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pela consumidora.

2. Ausentes os vícios de omissão, contradição ou obscuridade, é de rigor a rejeição dos embargos de declaração.

3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 458 do CPC/73.

4. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC).

5. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas.

6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.

7. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra").

8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 1534831/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.534.831 - DF (2015⁄0124428-0)
 
RELATÓRIO
 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Trata-se de recurso especial interposto por SIMONE ALVES CARDOSO, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado:

"CIVIL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. AUSÊNCIA DE PREPARO. DESERÇÃO. ATRASO NA ENTREGA. INDENIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES. VÍCIO DO PRODUTO. DECADÊNCIA.
1. Impõe a lei forma rígida ao ato de recorrer, assim, ausentes quaisquer dos pressupostos de admissibilidade, inviável o conhecimento do recurso.
2. O atraso na entrega da obra impõe ao promitente vendedor a obrigação de compor os danos materiais comprovados nos autos.
3. Restando caracterizada a existência de vício de inadequação do produto e sendo este de fácil percepção, constatado em produto de natureza durável, tem o consumidor 90 (noventa) dias para reclamar, contados, a priori, da entrega efetiva do bem, consoante o § 1º do art. 26 do CDC.
4. Não intentada a ação no prazo legal, reconhece-se a decadência do direito de reclamar pelos vícios do imóvel.
5. Configurada a sucumbência recíproca, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos entre cada litigante os honorários e as despesas do processo (art. 21 do CPC).
6. Recurso da parte Autora não conhecido. Apelação da parte ré parcialmente provida" (fls. 613⁄614, e-STJ).
 

Os embargos de declaração não foram acolhidos (fls. 656⁄663, e-STJ).

Nas razões do especial, a recorrente aponta negativa de vigência dos seguintes dispositivos legais com as respectivas teses:

(i) artigos 458, II e III, e 535, II, do Código de Processo Civil de 1973 - o Tribunal de origem deixou de se manifestar acerca das matérias contidas no artigo 618 do Código Civil e na Súmula nº 194⁄STJ, e

(ii) artigo 618 do Código Civil - a responsabilidade da construtora sobre dano na obra perdura pelo prazo de 5 (cinco) anos. Assim, ocorrido o dano nesse período, o adquirente terá o prazo prescricional de 20 (vinte) anos para reclamar do vício, nos termos da Súmula nº 194⁄STJ.

Esclarece que a hipótese dos autos trata de vícios do imóvel e não de rescisão contratual ou reparação de defeitos, motivo pelo qual não incide o prazo decadencial previsto no artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável somente às ações de natureza constitutiva.

Requer que o recurso especial seja provido para que seja declarada a nulidade do acórdão recorrido ou, alternativamente, para que seja mantida a sentença.

MRV Engenharia e Participações S.A. e Prime Incorporações e Construções S.A. apresentou contrarrazões às fls. 682⁄687 (e-STJ).

Afirmam que o recurso especial não pode ser conhecido diante da ausência de prequestionamento das matérias alegadas e da incidência da Súmula nº 7⁄STJ.

Apontam, ademais, a inexistência de confronto analítico e de similitude fática entre os acórdãos confrontados.

O recurso especial foi admitido (fls. 689⁄690, e-STJ).

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.534.831 - DF (2015⁄0124428-0)
 
VOTO-VENCIDO
 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: A irresignação não merece prosperar.

Cinge-se a controvérsia a discutir o âmbito de incidência do artigo 618 do Código Civil.

1. Breve Histórico

Trata-se, na origem, de ação ordinária ajuizada por Simone Alves Cardoso contra MRV Engenharia e Participações S.A. e Prime Incorporações e Construções S.A., na qual afirma que adquiriu imóvel das rés com área privativa de 97,97 m2 pelo preço total de R$ 320.035,34 (trezentos e vinte mil e trinta e cinco reais e trinta e quatro centavos), com data de entrega prevista para o mês de novembro de 2010.

O imóvel, segundo alega, somente foi entregue em 31.7.2012, tendo sido pago, a título de taxas condominiais, antes do recebimento das chaves, o valor de R$ 1.151,81 (um mil cento e cinquenta e um reais e oitenta e um centavos), o que teria lhe causado danos materiais.

A autora aponta, ainda, a existência de diversos defeitos no imóvel, relativos ao material empregado, à execução e ao projeto, alguns sanáveis e outros não. Assinala, além disso, que o imóvel foi entregue com 93,95 m2 de área construída, uma diferença de 4,02 m2 do contratado.

Requereu, em vista disso, a condenação das rés nas seguintes verbas:

(i) devolução em dobro dos valores pagos a título de comissão de corretagem e despachante;

(ii) indenização no valor de R$ 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta reais) por mês de atraso na entrega do imóvel;

(iii) devolução em dobro dos valores relativos a taxas condominiais, no montante de R$ 2.303,62 (dois mil trezentos e três reais e sessenta e dois centavos);

(iv) indenização pelos vícios sanáveis, no valor equivalente a R$ 17.321,00 (dezessete mil trezentos e vinte e um reais);

(v) indenização pela depreciação do imóvel em virtude da existência de vícios insanáveis, no valor de R$ 38.427,00 (trinta e oito mil quatrocentos e vinte e sete reais), e

(vi) indenização pela redução da área privativa em 4.02 m2, no valor de R$ 19.490,00 (dezenove mil quatrocentos e noventa reais).

A ação foi julgada parcialmente procedente em primeiro grau (sentença às fls. 507⁄515, e-STJ). As partes interpuseram apelação: a da autora não foi conhecida diante da deserção e a das rés foi provida em parte para declarar a decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes do imóvel, incluídos os relativos à metragem e os vícios sanáveis e insanáveis elencados na inicial.

Sobreveio, então, o presente recurso especial.

2. Da violação dos artigos 458, II e III, e 535, II, do CPC⁄1973 - existência de omissão no acórdão recorrido

Sustenta a recorrente que o Tribunal de origem teria deixado de se manifestar sobre a matéria contida no artigo 618 do Código Civil, que prevê o prazo de cinco anos para que o empreiteiro de edifícios responda pela solidez e segurança do trabalho, assim como em razão dos materiais e do solo. Também teria havido omissão no que respeita ao disposto na Súmula nº 194⁄STJ: "Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra."

Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos declaratórios, a qual somente se configura quando, na apreciação do recurso, o tribunal local insiste em omitir pronunciamento a respeito de questão que deveria ser decidida, e não foi.
Concretamente, verifica-se que as instâncias ordinárias enfrentaram a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia. É cediço que a escolha de uma tese refuta, ainda que implicitamente, outras que sejam incompatíveis.
Na hipótese, a Corte de origem entendeu aplicável o disposto no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, que trata dos vícios de inadequação:
"(...)
Acrescido às provas juntadas aos autos, depreende-se que a irresignação da Autora relaciona-se aos vícios de inadequação, na forma do art. 12 do CDC, porquanto as imperfeições apresentadas pelo produto impediram que a Autora dele se utilizasse de forma esperada, sem, contudo, colocar em risco sua segurança ou a de terceiros.
Restando caracterizada a existência de um vício de inadequação do produto e sendo este de fácil percepção, constatado em produto de natureza durável, tinha a Autora 90 (noventa) dias para reclamar, contados, a priori, da entrega efetiva do bem, consoante o § 1º do art. 26 do CDC.
(...)
In casu, não se verifica qualquer causa obstativa da decadência ou a existência de garantia contratual que adiasse a fluência do prazo decadencial. Assim, considera-se dies a quo a data em que o imóvel foi efetivamente entregue à Autora, qual seja, em 31⁄7⁄2012. Todavia, a ação intentada com o objetivo de reclamar os vícios do bem foi intentada em 9⁄1⁄2013, mais de 90 (noventa) dias depois da fluência do prazo decadencial(fls. 626⁄627, e-STJ - grifou-se).
 
Registra-se, por oportuno, que o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas sobre aqueles considerados suficientes para fundamentar sua decisão, o que foi feito.
Nesse sentido:
 
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO SEGUIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1.  As questões postas à discussão foram dirimidas pelo Tribunal de origem de forma ampla, fundamentada e sem omissões ou contradições, devendo ser afastada a alegada violação ao artigo 535 do CCPC⁄1973. Não viola o aludido dispositivo, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que adotou, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. O Tribunal a quo, por meio da análise das provas acostadas aos autos e da interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes, foi categórico ao afirmar que o início da locação se deu em 25⁄01⁄2007, data em que fora concedido o alvará de funcionamento à empresa. A alteração de tais conclusões, como pretendida, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos e interpretação de cláusulas contratuais, o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.
Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp 1.249.360⁄AM, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22⁄08⁄2017, DJe 01⁄09⁄2017)
 
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIALRESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. TRANSFERÊNCIA CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DELINEADO PELA CORTE LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07⁄STJ. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. JULGADO QUE TRAZ FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(...)
2. 'Quando o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, não se configura ofensa ao artigo 535 do CPC. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte' (AgRg no Ag 1.265.516⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 30⁄06⁄2010).
3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no AREsp nº 205.312⁄DF, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 11⁄2⁄2014).
 

Nesse contexto, não se verifica a existência de violação dos artigos 458 e 535 do Código de Processo Civil de 1973.

3. Da violação do artigo 618 do Código Civil e da Súmula nº 194⁄STJ - prazo para reclamar dos defeitos na obra

Alega a recorrente que a construtora responde por danos na obra por 5 (cinco) anos. Ademais, ocorrido o dano dentro nesse período, o adquirente terá o prazo prescricional de 20 (vinte) anos para reclamar do vício, nos termos da Súmula nº 194⁄STJ.

Antes de entrar na questão do prazo propriamente dito, é preciso destacar que na espécie convivem dois pedidos de natureza diversa. O primeiro refere-se aos defeitos de construção, decorrentes da má execução da obra, e o segundo, ao tamanho do imóvel, que teria sido entregue com metragem menor do que a contratada.

Apesar de referidos pedidos terem natureza diversa, a recorrente não faz essa diferenciação, limitando-se a apontar violação do artigo 618 do Código Civil.

Afirma que tem direito a reclamar dos defeitos no imóvel se ocorridos durante o prazo de 5 (cinco) anos a contar da entrega da obra, na linha do que dispõe o artigo 618 do Código Civil. Nesse hipótese, constatado o dano no período, ainda disporá de 20 (vinte) anos para ingressar com a ação.

Primeiramente deve-se esclarecer que o artigo 618 do Código Civil (artigo 1.245 do Código Civil de 1916) traz um prazo de garantia e não de decadência ou prescrição. Busca-se tornar efetiva a responsabilidade do construtor, presumindo-se, durante o período de 5 (cinco) anos, sua responsabilidade por defeitos na construção.

A propósito:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PRAZO. GARANTIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. DEZ ANOS. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO.
1. 'O prazo de cinco (5) anos do art. 1245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos' (REsp 215832⁄PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 06⁄03⁄2003, DJ 07⁄04⁄2003, p. 289).
2. Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeito da obra, na vigência do Código Civil de 1916, e em 10 anos, na vigência do Código atual, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002. 3. Não se aplica o prazo de decadência previsto no parágrafo único do art. 618 do Código Civil de 2012, dispositivo sem correspondente no código revogado, aos defeitos verificados anos antes da entrada em vigor do novo diploma legal.
4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(AgRg no REsp 1.344.043⁄DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄12⁄2013, DJe 04⁄02⁄2014 - grifou-se)
 

O referido dispositivo legal tem a seguinte redação:

"Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito".
 

No que respeita ao seu âmbito de incidência, a norma, como se observa de seus termos, incide nas hipóteses de obras que envolvam certo valor e importância, como edifícios, pontes e estradas, e que experimentem danos que comprometam sua solidez e segurança.

É possível identificar, no tocante à interpretação da expressão "solidez e segurança", uma certa divergência na doutrina. Para alguns doutrinadores, tal expressão deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido, a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"(...)
Em terceiro lugar, não cobre a responsabilidade do art. 618 o aparecimento de qualquer defeito, pois que em toda a obra humana não se pode impor o requisito da perfeição. Somente aqueles que põem em risco a solidez e a segurança da obra contratada. Tal exigência há de condizer com a ideia oposta de ruína ou ameaça de ruína. Somente está em risco a solidez e segurança do edifício ou da construção, quando surge defeito que por sua natureza importe em ruína, esboroamento, destruição, perecimento, sejam efetivamente já verificados, ou que ameacem ocorrer.
(...)
Trata-se de responsabilidade com características próprias que é delimitada em um preciso campo de atuação". (Responsabilidade Civil. Atualizador Gustavo Tepedino. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág. 277 - grifou-se)
 

Para outros autores, porém, a norma pode ser objeto de interpretação extensiva, albergando também os defeitos que comprometem a destinação do bem.

A propósito, a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:

"(...)
O art. 618 do Código Civil , tal como o art. 1.245 do Código revogado fala em 'solidez e segurança do trabalho'. Numa interpretação textual, alguns julgados sustentam que a garantia desse dispositivo não cobre qualquer defeito; somente aqueles que põem em risco a solidez e segurança da obra, isto é, que, por sua gravidade, podem acarretar a ruína do prédio.
Neste ponto, também, a norma em exame não comporta interpretação puramente gramatical. Quando a lei fala em solidez e segurança, está a se referir não apenas à solidez e segurança globais, mas, também, parciais. Esses vocábulos devem ser interpretados com certa elasticidade, abrangendo danos causados por infiltrações, vazamentos, queda de blocos do revestimento etc.
Comentando o art. 1.245 do Código Civil de 1916, Mário Moacyr Porto diz que inclui-se na garantia quinquenal todo o defeito que compromete a destinação do imóvel, pois segurança também significa garantia de que a construção serve, a contento, ao fim para que foi construída ou destinada". (Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 368 - grifou-se)
 

Nessa linha, ainda, o magistério de Rui Stoco:

"(...)
O art. 618 do estatuto civil, ao preceituar que o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, não quis restringir a responsabilidade nem excluir a responsabilidade por 'defeitos' aparentes ou ocultos.
Ora todo defeito irá, cedo ou tarde, desembocar e interferir na solidez ou na segurança da obra.
A expressão defeito (falta, carência, deficiência, deformidade) tem caráter mais difuso e exsurge vago e impreciso. Está impregnado, ademais, de polissemia.
Já o termo 'solidez' exprime um sentido muito mais definido, restrito e consistente.
Segundo Aurélio Buarque de Holanda solidez 'é a qualidade ou estado de sólido, resistência, durabilidade, segurança, firmeza, estabilidade'. O Dicionário Houaiss traduz 'solidez' como: característica do que é firme, resistente e durável; força, resistência, durabilidade.
O defeito, em regra, compromete a perfeição, durabilidade e resistência da obra, de modo que não pode ficar de fora da garantia assegurada pelo art. 618.
Pensar diversamente é entender que a lei buscou assegurar essa garantia apenas pela metade" (Tratado de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pág. 711 - grifou-se)
 

Esta Corte, ao tratar do tema quando do julgamento do REsp nº 1.172.331⁄RJ, da relatoria do ilustre Ministro João Otávio de Noronha, adotou interpretação no sentido de que a norma abrange não apenas defeitos que possam ocasionar a ruína da edificação, mas também aqueles que comprometem de modo efetivo a habitabilidade do imóvel. Eis a ementa do referido julgado:

"DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. APARTAMENTO. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO. REPARAÇÃO. PRAZO PARA RECLAMAR. VÍCIOS APARENTES. NÃO COMPROMETIMENTO DA ESTRUTURA DA EDIFICAÇÃO. DECADÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC.
1.  É de 90 (noventa) dias o prazo para a parte reclamar a remoção de vícios aparentes ou de fácil constatação decorrentes da construção civil (art. 26, II, do CDC).
2. Na vigência do estatuto civil revogado, era restrita a reparação de vícios (removíveis) na coisa recebida em virtude de contrato comutativo. Prevalecia, então, para casos como o dos autos (aquisição de bem imóvel), a regra geral de que cessa, com a aceitação da obra, a responsabilidade do empreiteiro. A regulamentação legal do direito, nos moldes como hoje se concebe, somente veio a lume com a edição do CDC, em 1990.
3. O prazo de garantia de 5 (cinco) anos estabelecido no art. 1.245 do CC de 1916 (art. 618 do CC em vigor) somente se aplica aos casos de efetiva ameaça à 'solidez e segurança do imóvel', conceito que abrange as condições de habitabilidade da edificação.
4. Recurso especial provido."
(REsp 1.172.331⁄RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24⁄09⁄2013, DJe 01⁄10⁄2013 - grifou-se)
 

Nessa linha, menciona-se também:

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTORESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR. DEFEITOS DA CONSTRUÇÃO. PRAZOS DE GARANTIA E DE PRESCRIÇÃO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. IMPROVIMENTO.
I. Cabe a responsabilização do empreiteiro quando a obra se revelar imprópria para os fins a que se destina, sendo  considerados graves os defeitos que afetem a salubridade da moradia, como infiltrações e vazamentos, e não apenas aqueles que apresentam o risco de ruína do imóvel.
II.- Na linha da jurisprudência sumulada desta Corte (Enunciado 194), 'prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra'. Com a redução do prazo prescricional realizada pelo novo Código Civil, referido prazo passou a ser de 10 (dez) anos. Assim, ocorrendo o evento danoso no prazo previsto no art. 618 do Código Civil, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional acima referido. Precedentes.
III. Agravo Regimental improvido."
(AgRg no Ag 1.208.663⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18⁄11⁄2010, DJe 30⁄11⁄2010)
 

Na hipótese dos autos, conforme se extrai da petição inicial (fls. 4⁄7, e-STJ), a recorrente relaciona diversos defeitos que estariam afetando o imóvel, os quais podem ser assim resumidos: piso desnivelado, paredes sem acabamento, diferença de tonalidade dos revestimentos, alizares mal colocados, diferença de espessura no rejunte do piso, pilares e vigas com espessura maior do que a parede, ponto do chuveiro com vazamento, peitoris sem pingadeira, caixilhos desnivelados, infiltração no requadro da janela e outros. Além disso, aponta ter sido o imóvel entregue com a área privativa reduzida em aproximadamente 4m2 (quatro metros quadrados).

Como se observa, os problemas elencados pela recorrente não são suficientes para comprometer a segurança, a solidez e a habitabilidade do imóvel. Estão relacionados mais diretamente com a estética e a funcionalidade do bem. Transcreve-se, no ponto, o seguinte trecho acórdão recorrido:

"(...)
Acrescido às provas juntadas aos autos, depreende-se que a irresignação da Autora relaciona-se aos vícios de inadequação, na forma do art. 12 do CDC, porquanto as imperfeições apresentadas pelo produto impediram que a Autora dele se utilizasse da forma esperada, sem, contudo, colocar em risco sua segurança ou a de terceiros(fl. 625, e-STJ).
 

Nesse contexto, os danos apontados não estão abrangidos pelo prazo de garantia previsto no artigo 618 do Código Civil.

4. Do Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

 

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Superior Tribunal de Justiça
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.534.831 - DF (2015⁄0124428-0)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : SIMONE ALVES CARDOSO
ADVOGADOS : FERNANDO JOSE GONÇALVES ACUNHA  - DF021184
    TARLEY MAX DA SILVA E OUTRO(S) - DF019960
RECORRIDO : MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES SA
RECORRIDO : PRIME INCORPORACOES E CONSTRUCOES S⁄A
ADVOGADOS : ANDRÉ JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA  - MG080055
    LEONARDO FIALHO PINTO  - MG108654
ADVOGADA : PRISCILA ZIADA CAMARGO E OUTRO(S) - DF040077
 
VOTO-VISTA
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
 
Cuida-se de recurso especial interposto por SIMONE ALVES CARDOSO, com fundamento, exclusivamente, na alínea “a” do permissivo constitucional.
Ação: de indenização por danos materiais, ajuizada pela recorrente, em face de MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES SA e PRIME INCORPORACOES E CONSTRUCOES S⁄A. Alega a autora que firmou com as rés promessa de compra e venda de imóvel, porém: (i) foram cobrados, de forma indevida, valores a título de comissão de corretagem e serviços de despachante; (ii) houve atraso na entrega do imóvel; (iii) antes da entrega das chaves, houve a cobrança de taxas condominiais; (iv) o apartamento foi entregue com diversos vícios e com metragem a menor do que o contratado.
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar as recorridas, solidariamente, ao pagamento dos seguintes valores: (i) R$ 2.700,00, a título de aluguel mensal pelo período de atraso da obra; (ii) R$ 5.524,60, como custo para recuperação dos vícios sanáveis apurados no imóvel; (iii) R$ 38.250,00, a título de reparação pela depreciação do bem causada pelos vícios insanáveis; (iv) R$ 12.488,52, como reparação pela diferença da área privativa do imóvel.
Acórdão: não conheceu da apelação interposta pela recorrente e deu parcial provimento ao apelo das recorridas, para: (i) afastar a condenação ao pagamento de indenização pelos vícios de qualidade e quantidade do produto, em razão do acolhimento da prejudicial de decadência; (ii) reduzir o valor dos lucros cessantes, referente ao aluguel no período de atraso na entrega da obra, para a importância de R$ 2.200,00. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 613⁄614):
CIVIL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. AUSÊNCIA DE PREPARO. DESERÇÃO. ATRASO NA ENTREGA. INDENIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES. VICIO DO PRODUTO. DECADÊNCIA.
1. Impõe a lei forma rígida ao ato de recorrer, assim, ausentes quaisquer dos pressupostos de admissibilidade, inviável o conhecimento do recurso.
2. O atraso na entrega da obra impõe ao promitente vendedor a obrigação de compor os danos materiais comprovados nos autos.
3. Restando caracterizada a existência de vicio de inadequação do produto e sendo este de fácil percepção, constatado em produto de natureza durável, tem o consumidor 90 (noventa) dias para reclamar, contados, priori, da entrega efetiva do bem, consoante o § 10 do art. 26 do CDC.
4. Não intentada a ação no prazo legal, reconhece-se a decadência do direito de reclamar pelos vícios do imóvel.
5. Configurada a sucumbência recíproca, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos entre cada litigante os honorários e as despesas do processo (art. 21 do CPC).
6. Recurso da parte Autora não conhecida. Apelação da parte Ré parcialmente provida.
 
Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação dos arts. 458, II e III, e 535, II, do CPC⁄73 e 618 do CC⁄02. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que a construtora é responsável pela reparação dos vícios surgidos no imóvel no período de 5 (cinco) anos da entrega, após o que pode ser acionada pelo interessado dentro do prazo prescricional de 20 (vinte) anos, conforme a Súmula 194⁄STJ. Afirma que pretende indenização pelos prejuízos decorrentes dos vícios, e não a rescisão contratual ou reparação dos defeitos na obra, sendo inaplicável, assim, o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC.
Voto do Relator: na sessão de 10⁄10⁄17, o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva votou no sentido de negar provimento ao recurso especial, ao entendimento de que: (i) não houve negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem; (ii) os vícios apontados na inicial, por se relacionarem mais com a estética e funcionalidade do imóvel, não estão abrangidos pela garantia prevista no art. 618 do CC⁄02, que se volta aos vícios capazes de comprometer a segurança, a solidez e a habitabilidade do imóvel.
Na sequência, pedi vista para melhor análise.
 
O propósito recursal, para além da negativa de prestação jurisdicional, é o afastamento da prejudicial de decadência em relação ao pedido de indenização por vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pela consumidora.
Inicio por aderir à conclusão do Relator quanto à ausência de violação dos arts. 458 e 535 do CPC⁄73, na medida em que o Tribunal de origem julgou de forma integral a controvérsia posta a deslinde, adotando a solução que lhe pareceu mais adequada e, consecutivamente, refutando todas as demais apresentadas pelas partes.
Quanto ao cerne da insurgência recursal, o e. Min. Relator entendeu que os vícios de que cuidam a controvérsia dos autos não são aqueles capazes de comprometer a segurança, a solidez e a habitabilidade do imóvel, razão pela qual não incidiria a garantia quinquenal prevista no art. 618 do CC⁄02.
Todavia, com a mais respeitosa vênia ao i. Relator, verifico a necessidade de aprofundamento na matéria, a fim de avaliar se é adequada priori, ou seja, independentemente da gravidade dos vícios apresentados no imóvel, a incidência dos prazos previstos no caput e parágrafo único do art. 618 do Código Civil em detrimento do prazo decadencial disposto no Código de Defesa do Consumidor, aplicado à espécie pelo Tribunal de origem (e-STJ fls. 625⁄627). Outrossim, diante das razões tecidas no recurso especial, convém investigar eventual prazo prescricional incidente na hipótese, observado que a demanda veicula pretensão indenizatória.
 
I – Da responsabilidade do empreiteiro por vícios na construção, sob a égide do Código Civil de 2002.
No contrato de empreitada, a responsabilidade do empreiteiro cessa, em regra, com o recebimento da obra pelo comitente. De acordo com os arts. 615 e 616 do CC⁄02, concluída a obra como ajustado, ou conforme o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la, podendo rejeitá-la ou requerer abatimento no preço apenas se “o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza”.
Esses dispositivos legais disciplinam os vícios aparentes da obra, os quais, como se observa, devem ser enjeitados pelo comitente imediatamente, sob pena de perda do direito de redibir o contrato ou requerer o abatimento no preço.
Ocorre que o tratamento dos vícios aparentes não é suficiente para contornar problemas que não podem ser percebidos quando da entrega da obra e que, não obstante, revelam o inadequado adimplemento contratual. Por isso, o art. 618 do CC⁄02 (com correspondência, em parte, no art. 1.245 do CC⁄16), institui garantia legal em favor do comitente, concedendo-lhe o prazo de 5 anos para verificar a eventual existência de defeito ou vício que estivesse oculto por ocasião da entrega da construção.
Assim, estabelece o referido dispositivo que “nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
Convém observar que a norma em apreço restringe a garantia aos edifícios ou construções “consideráveis”, entendidos estes como obras de maior proporção e custo, e, ainda, aos vícios relacionados à “solidez e segurança do trabalho”.
Outrossim, cabe frisar que o prazo quinquenal referido no art. 618 do CC⁄02 é de garantia, na medida em que visa a proteger o comitente contra riscos futuros e eventuais. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial, haja vista que não deriva da necessidade de certeza nas relações jurídicas, nem do propósito de impor penalidade ao titular de um direito que se mostra negligente na defesa dele.
Isso significa que, apesar da entrega da obra, o empreiteiro permanecerá responsável por vício oculto que venha a ser revelado dentro do quinquênio legal, comprometendo a segurança e solidez da construção. Verificado o vício nesse interregno, poderá o comitente reclamá-lo; entretanto, qual o prazo para que o faça?
Essa questão, que suscitou bastante divergência na doutrina e nos Tribunais pátrios, foi pacificada por esta Corte ainda na vigência do CC⁄16 (art. 1.245), prevalecendo o entendimento de que, descoberto o vício no prazo quinquenal, poderia o dono da obra reclamá-lo no prazo prescricional de 20 (vinte) anos, contados do aparecimento. Essa orientação foi cristalizada na Súmula 194⁄STJ, segundo a qual “prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra”.
Da análise dos precedentes que deram origem à Súmula 194⁄STJ e de outros que nela se apoiaram, verifica-se que a jurisprudência deste Sodalício entendia que o prazo quinquenal disposto no art. 1.245 do CC⁄16 (atual 618) não era o mesmo prazo a que se submetia o comitente para o ajuizamento de ação judicial. E, à míngua de previsão legal de prazo especial, deveria ser aplicado o prazo ordinário de prescrição das ações pessoais, contado a partir do evento danoso (aparecimento do vício). Nesse sentido, o REsp 5.522⁄MG, assim ementado:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR. INTELIGENCIA DO ART. 1245 DO CODIGO CIVIL. PRAZOS DE GARANTIA E DE PRESCRIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
- O PRAZO DE CINCO (5) ANOS DO ART. 1245 DO CODIGO CIVIL, RELATIVO A RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR PELA SOLIDEZ E SEGURANÇA DA OBRA EFETUADA, E DE GARANTIA E NÃO DE PRESCRIÇÃO OU DECADENCIA.
APRESENTADOS AQUELES DEFEITOS NO REFERIDO PERIODO, O CONSTRUTOR PODERA SER ACIONADO NO PRAZO PRESCRICIONAL DE VINTE (20) ANOS.
(REsp 5.522⁄MG, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 01⁄07⁄1991)
 
De outro turno, também se entendia que o comitente, ao descobrir o vício, poderia se valer, além da garantia disposta no art. 1.245 do CC⁄16, da proteção contra inadimplemento contratual que lhe conferia o art. 1.056 do CC⁄16 (atual 389). Em outras palavras, a garantia por vícios que afetassem a segurança e solidez da obra não excluía o direito de reclamar inadimplemento contratual, no prazo ordinário de 20 (vinte) anos.
É o que se decidiu, por exemplo, no REsp 1.473⁄RJ, cuja ementa ora se transcreve:
INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA. DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO.
I - DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO QUE OFENDEM A SEGURANÇA E A SOLIDEZ DA OBRA. SÃO COMPOSSIVEIS O ART. 1245 DO CODIGO CIVIL E O ARTIGO 43, II, DA LEI N. 4.591⁄64, QUE NÃO EXAUSTA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO INCORPORADOR, MAS RESGUARDA DA FALTA DE EXECUÇÃO OU DO RETARDAMENTO INJUSTIFICADO DA OBRA O ADQUIRIDOR DE UNIDADE AUTONOMA.
II - A PRESCRIÇÃO, NÃO SENDO A AÇÃO REDIBITORIA NEM QUANTI MINORIS, MAS DE COMPLETA INDENIZAÇÃO, E VINTENARIA (ART. 177, DO CODIGO CIVIL).
III - A NATUREZA DA VIA ESPECIAL OBSTA A REDISCUSSÃO DE MATERIA DE FATO. ART. 1222 DO CODIGO CIVIL, NÃO PREQUESTIONADO. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. ART. 255, PARAGRAFO UNICO, REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUMULAS NS. 279, 282, 291 E 369 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
IV - RECURSOS ESPECIAIS NÃO CONHECIDOS.
(REsp 1.473⁄RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ de 05⁄03⁄1990)
 
Na mesma ótica, confiram-se os seguintes julgados: REsp 161.351⁄SC, 3ª Turma, DJ de 03⁄11⁄1998; REsp 62.278⁄SP, 3ª Turma, DJ de 21⁄10⁄1996; REsp 73.022⁄SP, 3ª Turma, DJ de 24⁄06⁄1996; REsp 37.556⁄SP, 3ª Turma, DJ de 13⁄03⁄1995; REsp 8.489⁄RJ, 3ª Turma, DJ de 24⁄06⁄1991; REsp 215.832⁄PR, 4ª Turma, DJ de 07⁄04⁄2003; REsp 72.482⁄SP, 4ª Turma, DJ de 08⁄04⁄1996 e REsp 32.676⁄SP, 4ª Turma, DJ de 16⁄05⁄1994.
Contudo, a questão, que se encontrava pacificada sob a égide do Código Civil de 1916, ganhou novas luzes com a introdução do parágrafo único do art. 618 do CC⁄02 (sem correspondente na legislação anterior), o qual estabelece que “decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra ao empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito”.
A doutrina e jurisprudência pátrias então, mais uma vez, passaram a se interrogar sobre o efeito dessa nova disposição legal no exercício da garantia contra vícios ocultos na obra.
De um lado, parte da doutrina sustenta que o prazo é decadencial (como a própria redação do dispositivo legal já sugere) e que, uma vez transcorrido, não terá o dono da obra qualquer ação contra o empreiteiro. É o que entende, v.g., Arnaldo Rizzardo, para quem “o Código Civil em vigor, visando dirimir as controvérsias que grassavam antes, introduziu regra expressa de decadência, fixando em cento e oitenta dias o lapso assegurado para a reclamação indenizatória, de acordo com o parágrafo único do art. 618 (...)” (Responsabilidade Civil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 525).
No entanto, a doutrina majoritária se inclina no sentido de que o prazo de 180 dias, de natureza decadencial, se refere apenas ao direito de o comitente pleitear a rescisão contratual ou o abatimento no preço (ação de índole desconstitutiva), permanecendo a pretensão de indenização, veiculada em ação condenatória sujeita a prazo prescricional.
Nesse sentido lecionam, v.g., José de Aguiar Dias e Teresa Ancona Lopez, afirmando esta última, ao comentar o artigo 618 do CC⁄02, o seguinte:
“O prazo de cinco anos previsto no caput do artigo assumiu claramente o caráter que lhe era dado pela jurisprudência pátria: é prazo de garantia. No prazo de garantia legal, aparecendo o defeito deverá o comitente, em cento e oitenta dias, propor a ação contra o empreiteiro. Mas qual será a ação a ser proposta, sob pena de decadência? Na esteira dos conceitos de prescrição e decadência apresentados por Agnelo Amorim, alguma ação constitutiva ou desconstitutiva.
Em se tratando de reparação dos danos causados pelos defeitos, o prazo é de natureza prescricional e não decadencial, nos termos do art. 206 do Código Civil de 2002 (...)” (Comentários ao Código Civil: parte especial: das várias espécies de contratos, vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 299⁄300).
 
Ainda em sede doutrinária, já tive a oportunidade de anotar, em conjunto com Sidnei Beneti e Vera Andrighi:
“A análise do parágrafo único do art. 618, com efeito, revela que a intenção do legislador foi conceder prazo decadencial para que o comitente se insurja contra a insegurança ou falta de solidez da obra que lhe foi entregue. Ocorre que apenas os direitos de redibir um negócio jurídico, ou revisá-lo para obter abatimento no preço, sujeitam-se a prazo decadencial. Por isso, a dicção do art. 618, parágrafo único, não poderia, de qualquer forma, restringir temporalmente o manejo de ações ressarcitórias, que se submetem a prazo prescricional.
Portanto, mesmo após a vigência do novo Código Civil, é certo que a Súmula 194 do STJ continua a jogar luzes sobre a questão. Estabelecendo que a ação indenizatória prescrevia em vinte anos, sob a égide do CC⁄1916, a referida Súmula deixava claro que essa pretensão escapava ao prazo quinquenal. Naturalmente, a interpretação da Súmula deve ser adaptada à nova realidade imposta pela edição do CC⁄2002 e, onde se lia prazo de 20 anos, aplicar-se-ão os novos prazos prescricionais.
Dessa forma, com a constatação do vício dentro do quinquênio legal, uma série de pretensões exsurgem para o comitente. Poderá ele redibir o contrato ou pleitear abatimento no preço, desde que o faça no prazo decadencial de 180 dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito. Por ser decadencial, o prazo de 180 idas não se interrompe, não se suspende e é irrenunciável. Se optar, no entanto, por pleitear ressarcimento pelas perdas e danos, deverá fazê-lo no prazo prescricional assegurado pela lei civil, não estando sujeito ao prazo quinquenalNessa hipótese, por se tratar de prazo prescricional, pode haver suspensão ou interrupção” (Comentários ao Novo Código Civil: das várias espécies de contratos, vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 318⁄319).
 
Em relação ao prazo prescricional aplicável à pretensão indenizatória decorrente do vício construtivo, entende-se que deve incidir o prazo geral decenal disposto no art. 205 do CC⁄02, o qual, além de corresponder ao prazo vintenário anteriormente disposto no art. 177 do CC⁄16, é o prazo que regula as pretensões fundadas no inadimplemento contratual.
Assim, em conclusão, sob a regência do CC⁄02, verificando o comitente vício da obra dentro do prazo quinquenal de garantia, poderá, a contar do aparecimento da falha construtiva: a) redibir o contrato ou pleitear abatimento no preço, no prazo decadencial de 180 dias; b) pleitear indenização por perdas e danos, no prazo prescricional de 10 anos.
 
II – Da responsabilidade do fornecedor por vícios na obra, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.
Quando, porém, o litígio envolve relação de consumo, como ocorre na hipótese dos autos, novas considerações devem ser feitas, haja vista que o Código de Defesa do Consumidor, em matéria de vícios de qualidade ou quantidade do produto ou serviço, confere tratamento diverso – e mais abrangente – do que aquele da codificação civilista.
Em primeiro lugar, tem-se que o CDC, a teor do art. 26, caputresguarda o consumidor também em relação aos vícios aparentes, o que não ocorre na relação jurídica entre o empreiteiro e o comitente, regida pelos arts. 615 e 616 do CC⁄02.
Assim, quando há a aquisição, pelo consumidor, de imóvel na planta ou em construção, ou, ainda, quando o consumidor contrata empresa especializada para a realização de obras, não cessa a responsabilidade do fornecedor (construtor e demais envolvidos na cadeia de consumo) por vícios aparentes no momento do recebimento, podendo o consumidor reclamar de eventuais falhas de fácil constatação no prazo decadencial de 90 dias, previsto no inciso II do art. 26 do CDC (fornecimento de serviço e produtos duráveis).
De outro turno, em relação aos vícios ocultos, o tratamento legal conferido pelo CDC mostra-se mais favorável ao consumidor. É que, consoante o parágrafo terceiro do art. 26, o prazo para o consumidor reclamar de vício oculto somente deflagra no momento em que ficar evidenciado o defeito, não dispondo o CDC acerca de nenhum interregno em que o vício haveria, necessariamente, de se manifestar para que houvesse a responsabilização do fornecedor.
Dessa maneira, em se tratando de construção, mesmo não havendo no CDC qualquer prazo específico de garantia dos trabalhos, como ocorre no art. 618 do CC⁄02 em relação à “solidez e segurança” de “edifícios e outras construções consideráveis”, possui o consumidor proteção mais abrangente, haja vista que estará resguardado de vícios na obra ainda que estes surjam após o prazo de cinco anos do recebimento. A princípio, em qualquer momento em que ficar evidenciado o defeito, poderá o consumidor enjeitá-lo¹, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 90 dias, o qual, inclusive, pode ser suspenso pela reclamação do vício junto ao fornecedor ou pela instauração de inquérito civil (art. 26, § 2º, do CDC).
Há que se acrescentar ainda que, no sistema do CDC, não há limitação quanto à natureza dos vícios apresentados no imóvel (se relacionados à “solidez ou segurança” da obra ou não), tampouco restrição quanto à magnitude do empreendimento (se construção de grande monta ou não). Ademais, para além da possibilidade de redibir o contrato ou pleitear o abatimento do preço – alternativas que vigoram no Código Civil para vícios ocultos – o CDC coloca à disposição do consumidor uma terceira opção, consistente na substituição do produto ou na reexecução do serviço (arts. 18, § 1º, I, e 20, I, do CDC).
Nesse contexto, havendo tratamento legal de vícios de produtos ou serviços específico para as relações de consumo, e sendo esta disciplina, em conjunto, mais favorável ao consumidor, conclui-se não ser pertinente a aplicação da legislação civilista referente ao contrato de empreitada, devendo a controvérsia dos autos ser solvida à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, cabe registrar que a solução, segundo a legislação consumerista, da questão relativa à decadência do direito de reclamar por vícios no imóvel (prazo de 90 dias, contado do recebimento do bem, em se tratando de vício aparente, ou do aparecimento do defeito, em se tratando de vício oculto) não obsta a que seja aplicado o raciocínio anteriormente desenvolvido neste voto no que tange à prescrição da pretensão indenizatória.
Com efeito, o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC se relaciona ao período de que dispõe o consumidor para exigir em juízo alguma das alternativas que lhe são conferidas pelos arts. 18, § 1º, e 20, caput do mesmo diploma legal (a saber, a substituição do produto, a restituição da quantia paga, o abatimento proporcional do preço e a reexecução do serviço), não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má-execução do contratoE, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual – o prazo quinquenal disposto no art. 27 é exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou serviço – entende-se que deve ser aplicado o prazo geral decenal do art. 205 do CC⁄02.
 
III – Da hipótese em julgamento.
Na hipótese dos autos, a consumidora recorrente ajuizou ação de indenização em face da construtora e da incorporadora, devido a vícios apresentados no imóvel objeto de promessa de compra e venda, além de outros danos sofridos com a atuação das fornecedoras.
Consoante estabeleceu o Tribunal de origem – soberano na análise das circunstâncias fáticas – esses vícios cuidam de metragem a menor e de anomalias aparentes, de fácil constatação, relacionadas à construção (projetos, materiais e execução). Nesse contexto, acolheu o acórdão recorrido a prejudicial de decadência, ao entendimento de que transcorreu, entre a efetiva entrega do bem e o ajuizamento da presente ação, prazo superior a 90 dias (e-STJ fls. 625⁄627).
Não obstante, em que pese se tratar de vícios aparentes – o que atrai, de fato, a imediata fluência do prazo decadencial – observa-se que a demanda veicula pretensão indenizatória, e não pretensão de redibição do contrato, abatimento do preço ou reexecução dos serviços. Assim, incide na espécie o prazo de prescrição decenal, não transcorrido entre a entrega do imóvel e o ajuizamento da ação.
 
 
Forte nessas razões, pedindo todas as vênias ao e. Min. Relator, divirjo para DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de afastar a prejudicial de decadência e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da apelação.
 
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1. Diz-se “a princípio” porque o CDC não estabelece prazo máximo para aparecimento do vício oculto (prazo de garantia). Ocorre que, mesmo no sistema de proteção ao consumidor, não há a expectativa de que os produtos e serviços fornecidos tenham durabilidade eterna. Assim, impõe que sejam erigidos critérios legítimos para delimitação de um prazo máximo de garantia em que o vício oculto possa se manifestar, havendo já nesta Corte precedente que aponta para o critério da vida útil do bem (REsp 984.106⁄SC, 4ª Turma, DJe de 20⁄11⁄2012). A propósito, veja-se também a doutrina de Cláudia Lima Marques, para quem o limite temporal da garantia legal do CDC por vícios ocultos está em aberto (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3ª ed., 2010).

 

  RELATÓRIO E VOTO

 

 

 

 

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Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.534.831 - DF (2015⁄0124428-0)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : SIMONE ALVES CARDOSO
ADVOGADOS : FERNANDO JOSE GONÇALVES ACUNHA  - DF021184
    TARLEY MAX DA SILVA E OUTRO(S) - DF019960
RECORRIDO : MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES SA
RECORRIDO : PRIME INCORPORACOES E CONSTRUCOES S⁄A
ADVOGADOS : ANDRÉ JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA  - MG080055
    LEONARDO FIALHO PINTO  - MG108654
ADVOGADA : PRISCILA ZIADA CAMARGO E OUTRO(S) - DF040077
 
VOTO-VISTA
 
O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:

Após o voto do e. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Relator, e do voto da d. Ministra NANCY ANDRIGHI, que dele divergiu, pedi vista para melhor examinar a questão relativa ao prazo para pleitear indenização por defeitos aparentes no imóvel adquirido pela recorrente, SIMONE ALVES CARDOSO (SIMONE), da construtora MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A. (MRV) e PRIME INCORPORAÇÕES E CONSTRUÇÕES S.A. (PRIME).

O voto do eminente Relator segue, em breve resumo, na esteira de que os vícios apontados no imóvel não se relacionam com a solidez e segurança do imóvel, razão por que não estão abrangidos pelo prazo de garantia de cinco anos previsto no art. 618 do CC⁄02. Desse modo, negou provimento ao recurso especial.

A Ministra NANCY ANDRIGHI inaugurou a divergência para dar parcial provimento ao recurso, afastando a prejudicial de decadência e determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento da apelação, por entender que embora os vícios do imóvel sejam de fácil constatação, a pretensão é indenizatória e não de redibição do contrato, abatimento do preço ou reexecução dos serviços, incidindo na espécie o prazo de prescrição decenal.

O acórdão do Tribunal a quo resolveu a questão analisando os arts. 12 e 26 do CDC, entendendo que os vícios de inadequação reclamados eram de fácil percepção, tendo transcorrido o prazo decadencial de noventa dias previsto no art. 26, II, e § 1º, do CDC:

Na espécie, consta da petição inicial que, "conforme disposto no laudo [da perícia privada], trata-se de trabalho elaborado metodologicamente em 'Nível 1: vistoria para identificação das anomalias aparentes, elaborada por profissional habilitado e capacitado'. No laudo, foi apontada uma série de anomalias endógenas do imóvel, ou seja, relacionadas à construção (projetos, materiais e execução)" (fI. 4).

Acrescido às provas juntadas aos autos, depreende-se que a irresignação da Autora relaciona-se aos vícios de inadequação, na forma do art. 12 do CDC, porquanto as imperfeições apresentadas pelo produto impediram que a Autora dele se utilizasse da forma esperada, sem, contudo, colocar em risco sua segurança ou a de terceiros.

Restando caracterizada a existência de um vício de inadequação do produto e sendo este de fácil percepção, constatado em produto de natureza durável, tinha a Autora 90 (noventa) dias para reclamar, contados, a priori, da entrega efetiva do bem, consoante o § 1º do art. 26 do CDC.

[...]

In casu, não se verifica qualquer causa obstativa da decadência ou a existência de garantia contratual que adiasse a fluência do prazo decadencial.

Assim, considera-se o dies a quo a data em que o imóvel foi efetivamente entregue à Autora, qual seja, em 31⁄7⁄2012. Todavia, a ação intentada com o objetivo de reclamar os vícios do bem foi intentada em 9⁄1⁄2013, mais de 90 (noventa) dias depois da fluência do prazo decadencial.

Portanto, verifica-se que ocorreu a decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes do imóvel.

Sendo assim, assiste razão à Apelante quando se insurge contra a condenação pelos vícios do produto (metragem e os alegados vícios sanáveis e insanáveis). (e-STJ, fls. 626⁄627)

 

As razões do recurso especial firmaram-se na tese de que foram violados os arts. 458, II e III, e 535, II, ambos do CPC⁄73, e o art. 618 do CC⁄02. Sustentou que a garantia legal de cinco anos prevista no art. 618 do CC⁄02 adia a fluência do prazo decadencial. Além disso, afirmou que nem de decadência se trata, pois postulou pedido indenizatório em razão dos vícios do imóvel, e não a desconstituição do contrato ou reparação dos defeitos na obra, defendendo que na hipótese o prazo é de prescrição.

Acompanho o Relator quanto ao afastamento da alegação de ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC⁄73, uma vez que não há negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem decidiu a matéria controvertida de forma fundamentada, enfrentando os argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada na sentença recorrida.

No entanto, compartilho da posição divergente que entende não ser aplicável à hipótese o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC, uma vez que a pretensão não é constitutiva mas indenizatória.

Com efeito, o CDC estabeleceu distinção entre prescrição e decadência pela espécie de ação judicial. Como a ação redibitória é constitutiva negativa, o prazo estipulado para o exercício da pretensão material (reexecução dos serviços, restituição da quantia paga e o abatimento proporcional do preço) é de decadência. Já no caso da pretensão indenizatória o prazo é de prescrição.

Nesse sentido, cabe conferir a doutrina sobre o tema:

[...]
a. No caso das ações condenatórias – que tem por fim reclamar uma prestação – o direito a ação nasce no momento em que o direito foi lesado.
b. A prescrição tem como escopo extinguir a ação, que é o que causa intranquilidade jurídica, ou seja, a possibilidade de ser proposta a qualquer momento. Ela extingue o direito processual utilizado para defender o direito material. Portanto, somente as ações condenatórias são suscetíveis de prescrição.
c. A decadência extingue o direito. Somente as ações constitutivas estão sujeitas a decadência.
[...]
A constituição do direito, como já visto, se dá com a reclamação e, por meio desta, inicia-se o prazo para o fornecedor sanar o vício, em até trinta dias (art. 18, § 1º). E no caso do inciso I do art. 26, será a reclamação comprovadamente formulada que garantirá ao consumidor que seu direito fora exercido, ou seja, a reclamação feita de tal forma que o fornecedor tenha conhecimento do vício do produto ou serviço.
Até aqui, fala-se em direito constitutivo. Exercido o direito de
reclamação, começa o prazo para o fornecedor sanar o vício. Daí a ligação do art. 26 com o parágrafo primeiro do art. 18:
Art. 18 [...]
Parágrafo 1º – não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e a sua escolha.
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em
prefeitas condições de uso,
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos,
III – o abatimento proporcional do preço.
É que, diante da resposta negativa do fornecedor – que pode ser tanto a resistência em não querer sanar o vício, como simplesmente a ausência de uma resposta –, nasce para o consumidor outro tipo de direito, qual seja, o direito a uma pretensão, ou seja, nasce um direito material: o de exigir uma prestação, na verdade, de exigir uma das três prestações previstas no art. 18, § 1º.
Começa, então, um prazo diferente, agora prescricional, por tratar-se de um direito condenatório.
Ora, seria no mínimo incoerente acreditar que o prazo de trinta ou noventa dias concedido pelo art. 26 estaria englobando o prazo para constituir um direito (de reclamar) mais o prazo para tutelar um direito lesado (direito condenatório).
(CALDEIRA. Mirella. Aspectos da Prescrição e da Decadência no Código de Defesa do Consumidor. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. V, nº 19, Setembro 2015, págs. 144⁄145 e 148⁄149)

 

No destrinche da problemática, Ruy Rosado de Aguiar, com a precisão que lhe é peculiar, pondera que: "o direito à indenização, da qual é titular o consumidor lesado por defeito do produto ou do serviço  com  ofensa  à  sua  segurança  (arts.  12  e  14),  é  um  direito subjetivo  de  crédito  que  pode  ser  exercido  no  prazo  de  5  anos, mediante a propositura de ação através da qual o consumidor (credor) deduz sua pretensão dirigida contra o fornecedor para que efetue  a  sua  prestação  (pagamento  da  indenização)",  o  prazo  é prescricional.
Em  sentido  inverso,  "se o produto ou  serviço apresenta vício quanto  à quantidade ou qualidade  (art. 18  e 20),  sendo de  algum modo impróprio ao uso e ao consumo (arts. 18, § 6º, e 20, § 2º), a lei concede ao consumidor o direito formativo de escolher entre as alternativas  de  substituição  do  produto,  abatimento  proporcional  do preço, a reexecução do serviço, ou a resolução do contrato, com a restituição do preço  (art. 18, § 2º, e  inciso do art. 20). A lei cuida dessas situações como sendo um direito formativo do consumidor", o prazo é decadencial.
(CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Decadência e Prescrição no CDC: Vício e Fato do Produto e do Serviço. Revista da EMERJ, v. 10, nº 40, 2007, pág. 126 – sem destaque no original)

 

Verifica-se que nos casos de vício do produto ou serviço, ou seja, problemas quanto à qualidade e quantidade, o consumidor terá, a partir da entrega efetiva do bem, o prazo de trinta dias para reclamar se for produto ou serviço não durável, ou noventa dias ser for durável, previstos no art. 26, I e II, do CDC.

Esses prazos referem-se ao direito potestativo de reclamar - daí tratar-se de decadência -, obrigatórios e necessários para conferir ao fornecedor o direito de sanar tal vício.

Não sendo o vício sanado no prazo estabelecido, nasce para o consumidor o direito de exigir uma das três alternativas contidas no art. 18, § 1º, do CDC: substituição do produto, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço.

O CDC restringiu a incidência da prescrição para a responsabilidade pelo fato do produto (art. 27 do CDC – prazo prescricional de cinco anos), ao passo que a decadência ocorrerá somente na responsabilidade pelo vício do produto.

Como o caso dos autos é de vício do produto, para a reparação dos danos materiais e morais o consumidor tem o prazo prescricional - pois se trata de direito condenatório -, de dez anos, a contar da entrega do bem.

Esclareça-se que não se aplica o prazo prescricional de cinco anos do art. 27 do CDC porque, como dito, a questão sob análise diz respeito a vício do produto e não a fato do produto. Desse modo, ausente disposição específica a respeito no CDC, aplica-se o prazo geral de prescrição previsto no art. CC⁄02 (dez anos), cuja aplicação é subsidiária.

Na hipótese não há garantia contratual, conforme decidido pelo Tribunal de origem, tampouco legal, porque o prazo de garantia do art. 618 do CC⁄02 não aproveita ao comprador do imóvel na medida em que os defeitos verificados não comprometem a segurança e a solidez da construção, constituindo-se em vícios de inadequação.

Portanto, o prazo prescricional da ação para obter, do construtor, indenização por defeito da obra na vigência do CC⁄02 é de 10 anos, a partir da entrega do bem, conforme precedente de minha relatoria:

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC⁄73. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. DEZ ANOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. As disposições do  NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são inaplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9⁄3⁄2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. O prazo prescricional da ação para obter, do construtor, indenização por defeito da obra na vigência do Código Civil de 2002 é de 10 anos (AgRg no AREsp 661.548⁄RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 10⁄6⁄2015). Precedentes.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.551.621⁄SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Terceira Turma, j. 24⁄5⁄2016, DJe 01⁄6⁄2016 – sem destaque no original)
 

Aliás, esta Corte Superior já havia pacificado o tema ao editar a Súmula 194: prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra, cujo prazo acabou sendo reduzido para dez anos no Código Civil atual.

Desse modo, trata-se de pretensão indenizatória que visa compensar defeitos construtivos constatados no imóvel, aplicando-se ao caso o prazo geral de dez anos previsto no art. 205 do CC⁄02, cujo lapso prescricional ainda não decorreu, considerando-se que os defeitos foram constatados em julho de 2012 e a ação foi ajuizada em janeiro de 2013.

Nessas condições, rogando vênia ao eminente Relator, cujo voto traz brilhante e bem fundamentada posição jurídica, acompanho a divergência e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de afastar a prejudicial de decadência e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da apelação.

É o voto.

 

Documento: 79997169 VOTO VISTA