EMENTA: AGRAVO INTERNO. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA.
EMENTA: AGRAVO INTERNO. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. VERBAS VINCULADAS AO SUS. APROVEITAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. A eg. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.069.810/RS, sob a sistemática de recurso repetitivo, consolidou o entendimento no sentido de que é cabível o bloqueio de verba pública em ação em que pleiteado o fornecimento de medicamentos, quando não houver o cumprimento espontâneo da decisão judicial. A concretização da medida constritiva, contudo, deve atingir verbas vinculadas ao sistema público de saúde, ou seja, valores originariamente destinados à saúde. 2. A ordem judicial de sequestro e transferência está direcionada a valores depositados em execução fiscal n.º 5000016-27.2014.4.04.7113, para fins de pagamento de tributo/exação - não se tratando, portanto, de recursos orçamentários vinculados a um órgão, fundo ou despesa. 3. Nesse contexto, considerando que o numerário não está, em princípio, destinado a um fim específico previsto na legislação orçamentária, não subsiste óbice ao seu aproveitamento justamente para o cumprimento de decisão judicial que visa a concretizar o direito fundamental à saúde da autora (garantia do mínimo existencial), sendo evidente e injustificada a mora da agravante. (TRF4, AG 5035394-04.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 06/03/2019)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5035394-04.2018.4.04.0000/RS
RELATORA: JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: NAIARA FARESIN
ADVOGADO: LOURENSO PRESOTTO
ADVOGADO: GIOVANI ZANINI
RELATÓRIO
Trata-se de agravo interno interposto contra a seguinte decisão:
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela União Federal contra a decisão que autorizou, "como medida emergencial, a utilização de parte do depósito (R$ 63.723,12) existente na Execução Fiscal 5000016-27.2014.4.04.7113, na qual figura como credora a União (Fazenda Nacional), para a compra do fármaco Revlimid®25mg", para o tratamento de Mieloma Múltiplo em 4 recidiva de que padece a autora.
A União pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso, alegando, em síntese, a impossibilidade de bloqueio de valores de contas vinculadas a órgãos ou entes federais que não o Fundo Nacional de Saúde - FNS. Requer a imediata suspensão do alvará expedido e do levantamento de valores pela parte autora ou, caso já tenha sido levantado, que seja determinada a devolução do numerário para a execução fiscal. Em qualquer caso, requer a devolução do numerário para a execução fiscal objeto da constrição destes autos, com a abstenção de novos bloqueios judiciais em contas diversas do FNS, bem como de ações judiciais - execuções fiscais - precatórios devolvidos.
Esta a suma. Decido.
Tenho que o direito à saúde está fundamentado na ética, decorrente de uma moral básica e universal, no sentido de que todos têm direito à saúde assegurada pelo Estado. No Brasil, este direito foi expressamente reconhecido pelo Poder Constituinte Originário, consoante artigos 6º e 196 da Carta Magna, sendo legítimo direito social fundamental do cidadão.
Para melhor compreensão, vale a transcrição do art. 196 da CF:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Desta maneira, a saúde é direito social fundamental, sendo direito de todos e dever do Estado que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.
Entretanto, não se trata de direito absoluto, uma vez que o Estado não pode custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o próprio funcionamento do SUS.
Em tal contexto, embora a atribuição de formular a implantar as políticas públicas na defesa da saúde da população seja do Executivo e do Legislativo, não pode o Judiciário se furtar de suas responsabilidades. Assim, cabe ao Judiciário viabilizar a promoção do mínimo existencial, não se admitindo qualquer alegação de irresponsabilidade por impossibilidade (reserva do possível), concluindo-se que não há intervenção do Judiciário em tema de apreciação restrita do Executivo, mas sim respeito ao formalismo processual e aos direitos fundamentais individuais e sociais.
Nesse sentido, o julgamento da STA 175 pelo Supremo Tribunal Federal, que tratou do assunto:
"Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direito individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
[...]
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade".(fls. 110 e 114)
Assim, embora a atuação do Poder Judiciário seja exceção à regra, os pedidos de fornecimento de medicamentos, de tratamentos, de procedimentos e de aparelhos e afins, devem ser analisados caso a caso, com base no contexto fático, mesmo diante das limitações que cercam o direito à saúde.
No julgado acima referido, o STF reconheceu expressamente e definiu alguns parâmetros para a solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde, nos termos da decisão do Ministro Gilmar Mendes:
(...) o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.
Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.
(...)
Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.
Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.
(...)
O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da "Medicina com base em evidências". Com isso, adotaram-se os "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas", que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.
Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.
Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.
Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.
(...)
Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.
Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.
De acordo com essas premissas, devem ser considerados os seguintes fatores quando da avaliação do caso concreto:
a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;
b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;
c) a aprovação do medicamento pela ANVISA;
d) a não configuração de tratamento experimental.
Do fornecimento do medicamento
No caso concreto, a demanda trata do fornecimento gratuito do medicamento REVLIMID 25 mg, para o tratamento de Mieloma Múltiplo.
A decisão monocrática impugnada tem o seguinte teor:
"Considerando a manifestação da União (evento 112), requerendo dilação de prazo para se manifestar acerca do item 3 da decisão do evento 109, tendo encaminhado memorando ao Ministério da Saúde, sem resposta até esta data, e ante a manifestação do autor (evento 107), que possui medicação até o final do mês de setembro e necessita importar o medicamento para continuidade do tratamento, autorizo, como medida emergencial, a utilização de parte do depósito (R$ 63.723,12) existente na Execução Fiscal 5000016-27.2014.4.04.7113, na qual figura como credora a União (Fazenda Nacional), para a compra do fármaco Revlimid®25mg.
Expeça-se alvará em favor da parte exequente, no valor de R$ 63.723,12 da conta vinculada ao processo fiscal (n. 457.635.00070851-4).
Na ordem de levantamento deverá ser indicado o nome do autor e de seu procurador, para que o saque possa ser efetuado pelo beneficiário ou por seu mandatário.
Em seguida, intime-se o procurador para imprimir o alvará em 02 (duas) vias para fins de saque, devendo juntar aos autos a comprovação do levantamento do numerário, bem como a prestação de contas quanto à aquisição do medicamento (NF). Prazo: 30 (trinta) dias.
Traslade-se cópia desta decisão para a Execução Fiscal n. 5000016-27.2014.4.04.7113, a fim de instruí-la.
Sem prejuízo, intime-se a União acerca desta decisão, bem como para que deposite nestes autos o valor sequestrado da Execução Fiscal, a fim de possibilitar a devolução do numerário, bem como para comprovar o cumprimento das medidas decorrentes da condenção.
Intimem-se as partes e a União - Fazenda Nacional. Cumpra-se" (Evento 115- DESPADEC1).
Do bloqueio de valores
No tocante ao bloqueio de valores, o STJ já decidiu no sentido de que é possível ante o direito fundamental à saúde:
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535. INOCORRÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO.
1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC. Precedentes.
3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.
4. Todavia, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do demandante, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 840912/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 23.04.2007 p. 236).
Portanto, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o primeiro sobre o segundo.
Por fim, no que diz respeito ao sequestro de valores de contas públicas de natureza diversa do Fundo Nacional da Saúde, deve ser observado que o Juízo a quo estabeleceu meios para efetivação da medida em virtude da dificuldade em compelir os réus a cumprir a obrigação imposta.
Cabe a ressalva, contudo, que tal situação não impede o posterior ajuste financeiro, de acordo com a destinação orçamentária prevista, nos termos do seguinte precedente desta Corte:
ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. TUTELA. REMANEJAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS ENTRE PROCESSOS SEMELHANTES. VALORES ORIUNDOS DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. 1. Em ações que objetivam a dispensação de medicamentos, a fim de possibilitar o início do tratamento de urgência em determinado processo, é possível o remanejamento, entre processos semelhantes, de valores depositados para o cumprimento da tutela, desde que oriundos do Fundo Nacional de Saúde, desde que o remanejamento não represente prejuízo ao tratamento que está em curso. 2. Se o cumprimento da tutela se deu em virtude de sequestro de valores em contas públicas diversas, quando vier aos autos o valor oriundo do Fundo Nacional de Saúde, o montante seqüestrado deve ser integralmente restituído ao órgão de origem, uma vez que possui destinação orçamentária diversa. Apenas o montante do Fundo Nacional de Saúde é que poderá ser remanejado entre as ações judiciais de saúde. (TRF4, AG 5024258-49.2014.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 02/12/2014)
Sendo urgente e improrrogável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do paciente, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente.
Do exposto indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Intimem-se, sendo a parte agravada para os fins do disposto no art. 1.019, II, do novo CPC.
Publique-se. Comunique-se.
A União pede a reforma da decisão, alegando que o bloqueio de valores não pode ocorrer em contas não relacionadas com a prestação de saúde, sob pena de violar a vedação de transferência de recursos orçamentários entre órgão da União sem previsão legal. Afirma que não há previsão legal para execução direta mediante sequestro/bloqueio de valores públicos, os quais são impenhoráveis. Requer seja afastada a possibilidade de bloqueio/sequestro de verba em outras contas que não do Fundo Nacional de Saúde.
Intimada nos termos do artigo 1.021, §2º, do CPC, a parte agravada não apresentou contrarrazões.
O recurso foi redistribuído por força do Assento Regimental nº 18, de 12.09.2018, que altera competências das Seções deste TRF4.
É o relatório.
VOTO
No presente caso, o magistrado singular, determinou, como medida emergencial, a utilização de parte do depósito (R$ 63.723,12) existente na Execução Fiscal 5000016-27.2014.4.04.7113, na qual figura como credora a União (Fazenda Nacional), para a compra do fármaco Revlimid®25mg", para o tratamento de Mieloma Múltiplo em 4 recidiva de que padece a autora.
A eg. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.069.810/RS, sob a sistemática de recurso repetitivo, consolidou o entendimento no sentido de que é cabível o bloqueio de verba pública em ação em que pleiteado o fornecimento de medicamentos, quando não houver o cumprimento espontâneo da decisão judicial, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5o. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ. 1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08/2008 do STJ. (STJ, 1ª Seção, REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013) .
Na mesma linha:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. MERA INSATISFAÇÃO COM O JULGADO. MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) FIXADA COM O OBJETIVO DE ASSEGURAR O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC/1973. VALOR DA MULTA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 2. A Primeira Seção do STJ, segundo o disposto no art. 543-C do CPC/1973, decidiu que, "tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação" (REsp 1.069.810/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe de 6.11.2013). 3. Rever o entendimento consignado pela Corte local quanto à não exorbitância das astreintes arbitradas requer revolvimento do conjunto fático-probatório, visto que a instância a quo utilizou elementos contidos nos autos para alcançar tal entendimento. Aplicação da Súmula 7/STJ. 4. Recurso Especial não provido. (STJ, 2ª Turma, REsp 1650762/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 09/03/2017, DJe 19/04/2017)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. ESTABELECIMENTO DE MEDIDA COERCITIVA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 568/STJ. 1. No caso dos autos, o Tribunal de origem entendeu cabível o bloqueio de verba pública a fim compelir o Município a cumprir obrigação de fazer para assegurar a aquisição de medicamento. 2. Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão colocada nos autos, o que é o caso da presente hipótese. 3. A Corte a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no sentido de que é cabível o bloqueio de verba pública a fim compelir o demandado a cumprir obrigação de fazer ou de não fazer para assegurar a aquisição de medicamento no caso, em cumprimento a decisão judicial, e que cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões nesse sentido. Incidência da Súmula 568/STJ. Agravo interno improvido. (STJ, 2ª Turma, AgInt no AREsp 879.520/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, julgado em 02/06/2016, DJe 08/06/2016)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. FALTA DE REGISTRO NA ANVISA. A legitimidade passiva ad causam do Estado resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente. Os entes demandados têm legitimidade para figurar no polo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente. A vedação legal à concessão de liminar que esgote no todo ou em parte o objeto da ação não se aplica aos casos em que a postergação da prestação jurisdicional possa frustrar a sua efetividade. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.069.810/RS, sob a sistemática de recurso repetitivo, consolidou o entendimento no sentido de que é cabível o bloqueio de verba pública em ação em que pleiteado o fornecimento de medicamentos, quando não houver o cumprimento espontâneo da decisão judicial. (TRF4, AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5048483-02.2015.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 24/06/2016).
Embora a União alegue que a medida constritiva deve se restringir as verbas originariamente destinadas à saúde, há uma peculiaridade no caso concreto a justificar a ordem de alocação de recursos ainda que não estejam vinculados, diretamente, ao sistema público de saúde.
A ordem judicial de sequestro e transferência está direcionada a valores depositados em execução fiscal n.º 5000016-27.2014.4.04.7113, para fins de pagamento de tributo/exação - não se tratando, portanto, de recursos orçamentários vinculados a um órgão, fundo ou despesa.
Nesse contexto, considerando que o numerário não está, em princípio, destinado a um fim específico previsto na legislação orçamentária, não subsiste óbice ao seu aproveitamento justamente para o cumprimento de decisão judicial que visa a concretizar o direito fundamental à saúde da autora (garantia do mínimo existencial), sendo evidente e injustificada a mora da agravante.
Ademais, a decisão agravada determinou que a União providencie o depósito do valor subtraído da execução fiscal para realocá-lo ao processo de origem.
Ante o exposto, estando o decisum em consonância com a jurisprudência e as circunstâncias do caso concreto, não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado, que mantenho integralmente.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo interno.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5035394-04.2018.4.04.0000/RS
RELATORA: JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: NAIARA FARESIN
ADVOGADO: LOURENSO PRESOTTO
ADVOGADO: GIOVANI ZANINI
EMENTA
AGRAVO INTERNO. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. VERBAS VINCULADAS AO SUS. APROVEITAMENTO. POSSIBILIDADE.
1. A eg. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.069.810/RS, sob a sistemática de recurso repetitivo, consolidou o entendimento no sentido de que é cabível o bloqueio de verba pública em ação em que pleiteado o fornecimento de medicamentos, quando não houver o cumprimento espontâneo da decisão judicial. A concretização da medida constritiva, contudo, deve atingir verbas vinculadas ao sistema público de saúde, ou seja, valores originariamente destinados à saúde.
2. A ordem judicial de sequestro e transferência está direcionada a valores depositados em execução fiscal n.º 5000016-27.2014.4.04.7113, para fins de pagamento de tributo/exação - não se tratando, portanto, de recursos orçamentários vinculados a um órgão, fundo ou despesa.
3. Nesse contexto, considerando que o numerário não está, em princípio, destinado a um fim específico previsto na legislação orçamentária, não subsiste óbice ao seu aproveitamento justamente para o cumprimento de decisão judicial que visa a concretizar o direito fundamental à saúde da autora (garantia do mínimo existencial), sendo evidente e injustificada a mora da agravante.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/02/2019
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5035394-04.2018.4.04.0000/RS
INCIDENTE: AGRAVO INTERNO
RELATORA: JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: NAIARA FARESIN
ADVOGADO: LOURENSO PRESOTTO
ADVOGADO: GIOVANI ZANINI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/02/2019, na sequência 292, disponibilizada no DE de 11/02/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ
VOTANTE: JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ
VOTANTE: JUIZ FEDERAL ARTUR CÉSAR DE SOUZA
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
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