RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS. DEFEITO DE SERVIÇO PRESTADO POR HOTEL CONVENIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
1. O "Clube de Turismo Bancorbrás" funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer um dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").
2. Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento em quarto insalubre em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.
3. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram do colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.
4. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor.
5. Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).
6. Extrai-se do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Ademais, na campanha publicitária da demandada, consta a promessa da segurança e conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.
7. Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Mutatis mutandis: REsp 1.209.633/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015.
8. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do titulo de clube de turismo com direito à diárias de hospedagem com padrão de qualidade vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás. Assim, a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.
9. De outra parte, a hipótese em exame não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços na hipótese de simples intermediação. Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo, em tese, pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados.
10. Recurso especial provido.
(REsp 1378284/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 07/03/2018)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
RECORRENTE | : | GEANE ARAÚJO LINS |
ADVOGADO | : | ROBERTO AQUINO LINS E OUTRO(S) - PB014332 |
RECORRIDO | : | BANCORBRÁS HOTÉIS LAZER E TURISMO LTDA |
ADVOGADOS | : | RENATO PIERINI CIDADE - RS040900 |
PEDRO CORREIA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S) - PE025382 |
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Geane Araújo Lins ajuizou ação de indenização por danos morais em face de Bancorbrás - Hotéis, Lazer e Turismo Ltda., pugnando pela responsabilidade objetiva da ré por defeito de serviço prestado por hotel conveniado.
Na inicial, a autora noticiou que, em 30.06.2005, saiu, juntamente com seus familiares (inclusive sua filha de quatro meses de idade), da cidade de Monteiro - PB com destino à Canoa Quebrada - CE, para se hospedarem no "The Great Seaside Porto Canoa Resort", hotel previamente reservado junto à Bancorbrás, da qual seu marido é associado.
Afirmou que, ao chegarem no resort, por volta das 13h30, encontraram uma grande estrutura, porém quase abandonada, passando-se mais de vinte minutos para que se deparassem com uma funcionária, a qual lhes informara a inexistência de reservas.
Alegou que, "posteriormente, muito mal alojada, notou que no quarto havia um forte odor que, até então, imaginava se tratar de cheiro característico de ambientes fechados e sem uso". Assinalou que, mais de uma hora mais tarde, "não suportando mais o crescente mal estar refletido em náuseas, foi indagado a uma funcionária sobre o fato, tendo como resposta a inesperada, irresponsável e constrangedora notícia que haviam respirado veneno por mais de uma hora, fruto da utilização de dedetização no dia anterior" (fl. 3), o que gerou princípio de intoxicação em sua bebê. Sustentou, outrossim, que o ambiente do quarto em que foram alojados era insalubre, com dezenas de baratas e insetos por todos os cantos.
Afirmou que o resort parecia estar fechado, pois eram os únicos hóspedes, as piscinas estavam sujas e não havia vigilantes para lhes garantir a segurança em local totalmente isolado.
Aduziu que a Bancorbrás, além de ter sido negligente em não efetuar a reserva da hospedagem, faltou com seu dever de vigilância sobre a qualidade dos serviços prestados pelo hotel conveniado. Outrossim, destacou que "o associado da Bancorbrás está adstrito a escolher um hotel, pousada ou resort que é oferecido pela promovida, não tendo liberdade de escolha" (fl. 6).
O magistrado de piso, após a instrução probatória, julgou extinta a ação sem resolução do mérito, sustentando que "...ausente a relação jurídica de prestação de serviços da autora com a ré, quanto a sua estadia, visto que o serviço contratado foi plenamente realizado, no caso, a reserva; não sendo, portanto, a operadora responsável pelos serviços prestados pelo 'resort', não se configura a legitimidade passiva para fins de ser responsabilizada" (fls. 156⁄164).
Interposta apelação pela autora, cujo seguimento foi denegado, tendo a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, por maioria, mantido a decisão monocrática, nos seguintes termos:
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados na origem.
Nas razões do especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, a recorrente aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação dos artigos 6º, inciso III, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, e 31 do Código de Defesa do Consumidor.
Sustenta, em síntese, que a responsabilidade objetiva e consequente legitimidade passiva da Bancorbrás são patentes. Alega que "o contrato de turismo é feito diretamente com a recorrida, que, por sua vez, na qualidade de operadora, é a única intermediária entre cliente e uma lista fechada de hotéis conveniados, realizando as reservas solicitadas pelo cliente e emitindo os voucher's" (fl. 223).
Afirma que a hipótese não se assemelha à mera venda⁄repasse de passagens aéreas.
Destaca que a falha no serviço turístico prestado configurou-se pela negligência da Bancorbrás ao selecionar estabelecimento sem condições de higiene satisfatórias, bem como por não ter prestado informação adequada sobre o resort.
Apresentadas contrarrazões ao apelo extremo, recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | GEANE ARAÚJO LINS |
ADVOGADO | : | ROBERTO AQUINO LINS E OUTRO(S) - PB014332 |
RECORRIDO | : | BANCORBRÁS HOTÉIS LAZER E TURISMO LTDA |
ADVOGADOS | : | RENATO PIERINI CIDADE - RS040900 |
PEDRO CORREIA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S) - PE025382 |
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS. DEFEITO DE SERVIÇO PRESTADO POR HOTEL CONVENIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
1. O "Clube de Turismo Bancorbrás" funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").
2. Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.
3. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram da colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.
4. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor.
5. Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).
6. Extrai-se do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Ademais, na campanha publicitária da demandada, consta a promessa da segurança e de conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.
7. Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Mutatis mutandis: REsp 1.209.633⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015.
8. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do título de clube de turismo com direito a diárias de hospedagem, com padrão de qualidade, vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás. Assim, a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.
9. De outra parte, a hipótese em exame não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços na hipótese de simples intermediação. Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo, em tese, pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados.
10. Recurso especial provido.
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A controvérsia está em definir se há ou não legitimidade da Bancorbrás - empresa da qual a autora e seu marido são associados e que fornece o direito de gozo de diárias em hotéis - para figurar no polo passivo de ação indenizatória de dano moral, decorrente de defeito do serviço prestado por resort integrante de sua rede conveniada.
O Tribunal de origem, por maioria, manteve a sentença que extinguira a demanda, por considerar a ilegitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, nos seguintes termos:
Por outro turno, o voto vencido defendeu a legitimidade passiva, pelos seguintes fundamentos:
3. De início, cumpre destacar que o deslinde da presente controvérsia restringe-se à definição da existência ou não de legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, sem qualquer inferência sobre sua responsabilidade em concreto, dada a necessidade de as instâncias ordinárias analisarem o contexto probatório com o objetivo de verificar a ocorrência ou não de dano moral decorrente do defeito no serviço.
O chamado "Clube de Turismo Bancorbrás" é administrado pela Bancorbrás - Hotéis, Lazer e Turismo S⁄A (CBTUR), com mais de trinta anos de mercado, sendo anunciado como a maneira mais segura e econômica de viajar.
Tal clube funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer um dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").
No que diz respeito aos critérios para o credenciamento dos hotéis na rede conveniada da Bancorbrás, a sentença destaca a seguinte norma constante no Regimento Interno do referido Clube de Turismo:
Desse modo, verifica-se que, além do critério financeiro (tarifários condizentes com os preços de mercado), o normativo da Bancorbrás lhe atribui a obrigação de realizar avaliações periódicas dos hotéis conveniados, a fim de aferir as condições de atendimento e a qualidade das instalações disponibilizadas aos consumidores adquirentes dos títulos do clube de turismo.
A exigência de parâmetro qualitativo dos estabelecimentos que fazem parte da rede conveniada da Bancorbrás guarda conexão com a promessa publicitária veiculada em seu sítio eletrônico:
4. No caso dos autos, consoante assente na origem, revela-se incontroverso que o resort, no qual se passou o evento danoso alegado pela autora, constava na lista de hotéis conveniados da Bancorbrás.
Ademais, é também incontroversa a falha na prestação do serviço, por ter sido a família alojada em quarto recém-dedetizado:
4.1. Nesse passo, como de sabença, os produtos e serviços, colocados no mercado de consumo, não podem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito (artigo 8º do CDC).
Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.
Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos.
Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram da colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.
Nesse sentido, bem explicita doutrina abalizada:
4.2. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor, como explica Cláudia Lima Marques:
Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).
Importante relembrar que o caso fortuito externo - cuja configuração enseja a exoneração da responsabilidade civil - é definido como um fato imprevisível e inevitável que não guarda conexidade com os riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.
O fortuito interno, ao contrário, traduz fato imprevisível e inevitável, que apresenta ligação com a organização do negócio, motivo pelo qual não se revela apto a excluir a responsabilidade.
O fato de terceiro, por sua vez, caracterizará excludente da responsabilidade civil do fornecedor apenas quando inevitável, imprevisível e não guardar qualquer relação com a atividade empreendida pelo fornecedor, assemelhando-se à figura do fortuito externo (AgInt nos EREsp 1.087.717⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 13.09.2017, DJe 20.09.2017; AgRg no AREsp 571.060⁄MG, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 21.09.2017, DJe 23.10.2017; AgRg no AREsp 621.486⁄RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05.02.2015, DJe 11.02.2015; e REsp 1.384.630⁄SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20.02.2014, DJe 12.06.2014).
Cumpre, outrossim, destacar que o terceiro - cujo ato poderá ensejar a exoneração da responsabilidade do fornecedor - é alguém completamente estranho à cadeia de consumo, consoante elucidam Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald:
5. No caso concreto, cuida-se de prestação de serviços turísticos, envolvendo a fruição de diárias de hospedagem na rede conveniada da Bancorbrás, cujo Estatuto Social assim define o objeto da sociedade:
No tocante ao Porto Canoa Resort (onde a autora e os familiares ficaram hospedados), consta, às fls. 39⁄42, "contrato de fornecimento de diárias de hospedagem", merecendo destaque as seguintes cláusulas:
Nesse contexto, penso que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo.
A meu ver, a intermediação configurar-se-ia se o contrato fosse fundado na livre escolha do consumidor, sem qualquer condução ou direcionamento da Bancorbrás.
Ao revés, a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Outrossim, como anteriormente destacado, na campanha publicitária da Bancorbrás, consta a promessa da segurança e do conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.
Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC, verbis:
Sobre o tema, a Quarta Turma já adotou a exegese de, à luz da norma supracitada, haver responsabilidade solidária independentemente de vínculo trabalhista ou de subordinação, responsabilizando-se qualquer dos integrantes da cadeia de fornecimento que venha dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança (REsp 1.209.633⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015).
O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás.
Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do título de clube de turismo com direito a diárias de hospedagem, com padrão de qualidade, vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás.
Assim, penso que a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.
6. Impende, outrossim, destacar que, no meu sentir, a controvérsia posta nos autos não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte, que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços, na hipótese de simples intermediação.
Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados. Confira-se:
Ainda que assim não fosse, o reconhecimento da legitimidade da Bancorbrás para responder por defeito do serviço de hotel conveniado ostenta a mesma ratio essendi da orientação jurisprudencial desta Corte, no sentido de que os planos de saúde respondem solidariamente, com hospitais e médicos credenciados, pelo dano causado ao paciente, tendo em vista a relação de preposição ou representação estabelecida entre os parceiros da atividade empreendida. É o que se depreende do fundamento exarado no seguinte julgado:
Deveras, o rol de estabelecimentos de hospedagem apresentado pela Bancorbrás, limitando o poder de escolha do adquirente do título do clube de turismo, cria-lhe a expectativa que a promessa publicitária de conforto e segurança será cumprida.
Desse modo, reconhecendo-se a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, creio ser de rigor a cassação da sentença e do acórdão estadual, retornando os autos ao juízo de primeiro grau, para que prossiga no julgamento da ação indenizatória, a fim de aferir a existência ou não de dano moral indenizável, respeitando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa.
7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás e, consequentemente, determinar a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau, para que prossiga no julgamento da causa, como entender de direito.
É como voto