Jurisprudência - STJ

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS. DEFEITO DE SERVIÇO PRESTADO POR HOTEL CONVENIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1. O "Clube de Turismo Bancorbrás" funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer um dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").

2. Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento em quarto insalubre em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.

3. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram do colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.

4. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor.

5. Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).

6. Extrai-se do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Ademais, na campanha publicitária da demandada, consta a promessa da segurança e conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.

7. Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Mutatis mutandis: REsp 1.209.633/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015.

8. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do titulo de clube de turismo com direito à diárias de hospedagem com padrão de qualidade vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás. Assim, a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.

9. De outra parte, a hipótese em exame não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços na hipótese de simples intermediação. Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo, em tese, pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados.

10. Recurso especial provido.

(REsp 1378284/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 07/03/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.378.284 - PB (2013⁄0101319-0)
RECORRENTE : GEANE ARAÚJO LINS
ADVOGADO : ROBERTO AQUINO LINS E OUTRO(S) - PB014332
RECORRIDO : BANCORBRÁS HOTÉIS LAZER E TURISMO LTDA
ADVOGADOS : RENATO PIERINI CIDADE  - RS040900
    PEDRO CORREIA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S) - PE025382
 
RELATÓRIO
 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Geane Araújo Lins ajuizou ação de indenização por danos morais em face de Bancorbrás - Hotéis, Lazer e Turismo Ltda., pugnando pela responsabilidade objetiva da ré por defeito de serviço prestado por hotel conveniado.

Na inicial, a autora noticiou que, em 30.06.2005, saiu, juntamente com seus familiares (inclusive sua filha de quatro meses de idade), da cidade de Monteiro - PB com destino à Canoa Quebrada - CE, para se hospedarem no "The Great Seaside Porto Canoa Resort", hotel previamente reservado junto à Bancorbrás, da qual seu marido é associado.

Afirmou que, ao chegarem no resort, por volta das 13h30, encontraram uma grande estrutura, porém quase abandonada, passando-se mais de vinte minutos para que se deparassem com uma funcionária, a qual lhes informara a inexistência de reservas.

Alegou que, "posteriormente, muito mal alojada, notou que no quarto havia um forte odor que, até então, imaginava se tratar de cheiro característico de ambientes fechados e sem uso". Assinalou que, mais de uma hora mais tarde, "não suportando mais o crescente mal estar refletido em náuseas, foi indagado a uma funcionária sobre o fato, tendo como resposta a inesperada, irresponsável e constrangedora notícia que haviam respirado veneno por mais de uma hora, fruto da utilização de dedetização no dia anterior" (fl. 3), o que gerou princípio de intoxicação em sua bebê. Sustentou, outrossim, que o ambiente do quarto em que foram alojados era insalubre, com dezenas de baratas e insetos por todos os cantos.

Afirmou que o resort parecia estar fechado, pois eram os únicos hóspedes, as piscinas estavam sujas e não havia vigilantes para lhes garantir a segurança em local totalmente isolado.

Aduziu que a Bancorbrás, além de ter sido negligente em não efetuar a reserva da hospedagem, faltou com seu dever de vigilância sobre a qualidade dos serviços prestados pelo hotel conveniado. Outrossim, destacou que "o associado da Bancorbrás está adstrito a escolher um hotel, pousada ou resort que é oferecido pela promovida, não tendo liberdade de escolha" (fl. 6).

O magistrado de piso, após a instrução probatória, julgou extinta a ação sem resolução do mérito, sustentando que "...ausente a relação jurídica de prestação de serviços da autora com a ré, quanto a sua estadia, visto que o serviço contratado foi plenamente realizado, no caso, a reserva; não sendo, portanto, a operadora responsável pelos serviços prestados pelo 'resort', não se configura a legitimidade passiva para fins de ser responsabilizada" (fls. 156⁄164).

Interposta apelação pela autora, cujo seguimento foi denegado, tendo a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, por maioria, mantido a decisão monocrática, nos seguintes termos:

AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM APELAÇÃO CÍVELDANOS MORAIS. MÁ QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE HOTELARIA E HOSPEDAGEM. DEMANDA INTENTADA CONTRA OPERADORA POR FATO ESTRANHO À SUA RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.
Tratando-se de pacote turístico, a agência de viagens responde pelos vícios ocorridos durante toda a cadeia da relação de consumo, incidentes, v.g., nos passeios, traslados, hospedagens.
Sem embargo, a operadora que se limita a proceder a reservas de hotéis não é legitimada passiva para a demanda em que se questiona a má qualidade dos serviços e da salubridade das instalações físicas onde se hospedou o consumidor.
 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados na origem.

Nas razões do especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, a recorrente aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação dos artigos 6º, inciso III, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, e 31 do Código de Defesa do Consumidor.

Sustenta, em síntese, que a responsabilidade objetiva e consequente legitimidade passiva da Bancorbrás são patentes. Alega que "o contrato de turismo é feito diretamente com a recorrida, que, por sua vez, na qualidade de operadora, é a única intermediária entre cliente e uma lista fechada de hotéis conveniados, realizando as reservas solicitadas pelo cliente e emitindo os voucher's" (fl. 223).

Afirma que a hipótese não se assemelha à mera venda⁄repasse de passagens aéreas.

Destaca que a falha no serviço turístico prestado configurou-se pela negligência da Bancorbrás ao selecionar estabelecimento sem condições de higiene satisfatórias, bem como por não ter prestado informação adequada sobre o resort.

Apresentadas contrarrazões ao apelo extremo, recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem.

É o relatório.

 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.378.284 - PB (2013⁄0101319-0)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : GEANE ARAÚJO LINS
ADVOGADO : ROBERTO AQUINO LINS E OUTRO(S) - PB014332
RECORRIDO : BANCORBRÁS HOTÉIS LAZER E TURISMO LTDA
ADVOGADOS : RENATO PIERINI CIDADE  - RS040900
    PEDRO CORREIA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S) - PE025382
 
EMENTA
 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS. DEFEITO DE SERVIÇO PRESTADO POR HOTEL CONVENIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1. O "Clube de Turismo Bancorbrás" funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").

2. Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.

3. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram da colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.

4. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor.

5. Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).

6. Extrai-se do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Ademais, na campanha publicitária da demandada, consta a promessa da segurança e de conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.

7. Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Mutatis mutandisREsp 1.209.633⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015.

8. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do título de clube de turismo com direito a diárias de hospedagem, com padrão de qualidade, vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás. Assim, a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.

9. De outra parte, a hipótese em exame não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços na hipótese de simples intermediação. Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo, em tese, pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados.

10. Recurso especial provido.

 
 
 
VOTO
 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. A controvérsia está em definir se há ou não legitimidade da Bancorbrás - empresa da qual a autora e seu marido são associados e que fornece o direito de gozo de diárias em hotéis - para figurar no polo passivo de ação indenizatória de dano moral, decorrente de defeito do serviço prestado por resort integrante de sua rede conveniada.

O Tribunal de origem, por maioria, manteve a sentença que extinguira a demanda, por considerar a ilegitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, nos seguintes termos:

Mantenho minha posição, firmada quando da prolação da decisão agravada, verbis:
"A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado haver responsabilidade solidária entre a agência de viagens e os eventuais causadores dos infortúnios ocorridos durante a cadeia de consumo, nos casos de pacotes turísticos em que os serviços (traslados, passeios, hospedagens etc) são contratados. Nesse sentido, destaco os seguintes arestos:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. INOBSERVÂNCIA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AGÊNCIA DE TURISMO. RESPONSABILIDADE (CDC, ART. 14). INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. DANOS MORAIS RECONHECIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
2. Esta eg. Corte tem entendimento no sentido de que a agência de turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote.
(...)
4. Já quanto aos danos morais, o v. acórdão recorrido violou a regra do art. 14, § 3°, II, do CDC, ao afastar a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço. Como registram a r. sentença e o voto vencido no julgamento da apelação, ficaram demonstrados outros diversos percalços a que foram submetidos os autores durante a viagem, além daqueles considerados no v. acórdão recorrido, evidenciando os graves defeitos na prestação do serviço de pacote turístico contratado pelo somatório de falhas, configurando-se, in casu, os danos morais padecidos pelos consumidores.
5. Caracterizado o dano moral, mostra-se compatível a fixação da indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada autor. Em razão do prolongado decurso do tempo, nesta fixação da reparação a título de danos morais já está sendo considerado o valor atualizado para a indenização pelos fatos ocorridos, pelo que a correção monetária e os juros moratórios incidem a partir desta data.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 888751⁄BA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25⁄10⁄2011, DJe 27⁄10⁄2011)
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PACOTE DE VIAGEM INCLUINDO INGRESSOS PARA OS JOGOS DA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL. MÁ PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. LEGITIMIDADE DA AGÊNCIA QUE COMERCIALIZA O PACOTE. ALTERAÇÃO DO DANOS MORAIS. DESCABIMENTO.
1 - A agência de viagens que vende pacote turístico responde pelo dano decorrente da prestação dos serviços.
(...) (AgRg no REsp 850 68⁄SC, Rel. Ministro - SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄10⁄2009, DJe 23⁄11⁄2009)
Não havendo, contudo, pacote turístico — mas mera intermediação de reserva de diárias em hotéis e pousadas — a responsabilidade civil decorrente de fatos do serviço é direta e objetiva, recaindo sobre o causador do dano. Afinal, ainda que a operadora de viagens figure na relação de consumo, cabe-lhe desvencilhar-se de sua obrigação, consistente na reserva da hospedagem. Assim, remarco precedente do STJ:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO. INEXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS. NÃO OCORRÊNCIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA AGÊNCIA DE TURISMO. CARACTERIZAÇÃO DA CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. INCIDÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO § 3°, I, II, DO ART. 14 DO CDC. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA.
1. No pleito em questão, os autores contrataram com a empresa de turismo a compra e venda de passagens aéreas Brasília - Fortaleza, sendo que tal serviço, como restou demonstrado, foi regularmente prestado. Comprovado, também, que os autores não puderam utilizar os bilhetes da empresa TRANSBRASIL, em razão desta interromper seus serviços na época marcada, não efetuando, assim, os vôos programados.
2. Não se tratando, in casu, de pacote turístico, hipótese em que a agência de viagens assume a responsabilidade de todo o roteiro da viagem contratada, e tendo, portanto, inexistido qualquer defeito na prestação de serviço pela empresa de viagens, posto que as passagens aéreas foram regularmente emitidas, incide, incontroversamente, as normas de exclusão de responsabilidade previstas no art. 14, § 3º, e II, do CDC. Reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam da empresa de viagens, ora recorrente.
3. Recurso conhecido e provido. (REsp 758184⁄RR, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 26⁄09⁄2006, DJ 06⁄11⁄2006)
Essa é justamente a hipótese dos autos, pelo que andou bem o juízo a quo. A apelante descreveu como causa petendi não a má prestação  do serviço de reserva — caso em que a recorrida deveria responder pelos eventuais ilícitos — mas as más acomodações oferecidas por hotel conveniado à apelada, atribuindo-o fato absolutamente estranho (dedetização dos quartos e consequente mau cheiro) ao poder de controle da Bancorbrás sobre as hospedarias conveniadas.
De fato, no caso em apreço, a agravante, hóspede do "The Great Seaside Porto Canoa Resort", localizado no Ceará, narrou, como causa de pedir da demanda indenizatória, as más instalações do hotel e a má qualidade dos serviços nele prestados, já que, no período de permanência da recorrente no lugar, a área achava-se sujeita à desinsetização.
Ora, em que pese o propósito nitidamente protetivo da legislação consumerista (notadamente dos arts. 6º, 14, 17 e 31 do CDC), não se pode imputar à recorrida, entidade destinada apenas à intermediação de reservas e emissão dos respectivos vouchers, a responsabilidade por fato dela desconhecido e inteiramente alheio ao seu controle. (fls. 199⁄201)
 

Por outro turno, o voto vencido defendeu a legitimidade passiva, pelos seguintes fundamentos:

De início, cabe-nos acentuar que a matéria em exame revela nítida a relação de consumo havida entre as partes, em que a responsabilidade pela prestação de serviço é solidária, consoante dicção dos arts. 7º e 14 do CDC.
Nesse contexto, é de se reconhecer que a Bancorbrás exerce criterioso papel de fiscalização de sua rede de hotéis credenciados, postos à disposição de sua clientela. Não se trata, como possa parecer, de uma mera intermediação do serviço, ou mesmo de disponibilização de um crédito em favor do consumidor, para que o mesmo utilize, por sua conta própria, em qualquer estabelecimento hoteleiro.
Ao revés, cuida de pré-selecionar uma gama limitada de hotéis, os quais são oferecidos aos consumidores, justamente por se enquadrarem nos parâmetros de qualidade desenvolvidos pela empresa.
Torna-se evidente, pois, apesar do entendimento contrário firmado pelo juízo monocrático, que a empresa recorrida detém legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda, eis que solidariamente responsável  pela qualidade na prestação dos serviços disponibilizados pelos seus hotéis credenciados e previamente inspecionados por sua própria equipe.
(...)
Assim, à vista das considerações acima ilustradas, dou provimento ao recurso, para reconhecer a legitimidade passiva da recorrida e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para que se proceda ao regular julgamento da lide. (fls. 205⁄206)
 

3. De início, cumpre destacar que o deslinde da presente controvérsia restringe-se à definição da existência ou não de legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, sem qualquer inferência sobre sua responsabilidade em concreto, dada a necessidade de as instâncias ordinárias analisarem o contexto probatório com o objetivo de verificar a ocorrência ou não de dano moral decorrente do defeito no serviço.

O chamado "Clube de Turismo Bancorbrás" é administrado pela Bancorbrás - Hotéis, Lazer e Turismo S⁄A (CBTUR), com mais de trinta anos de mercado, sendo anunciado como a maneira mais segura e econômica de viajar.

Tal clube funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer um dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior ("rede conveniada").

No que diz respeito aos critérios para o credenciamento dos hotéis na rede conveniada da Bancorbrás, a sentença destaca a seguinte norma constante no Regimento Interno do referido Clube de Turismo:

Art. 39 - O CBTUR mantém à disposição dos clientes uma relação dos hotéis da Rede Conveniada no Brasil, no site (www.bancorbras.com.br) e também distribuída periodicamente.
Parágrafo Único - Inclusões e exclusões de hotéis na relação da Rede Conveniada, que podem ocorrer a qualquer tempo e sem prévio aviso, dependem da avaliação das condições do atendimento e da qualidade de suas instalações, como também do comportamento de seus tarifários, que devem conter preços compatíveis com os de mercado. (fl. 125) (grifei)
 

Desse modo, verifica-se que, além do critério financeiro (tarifários condizentes com os preços de mercado), o normativo da Bancorbrás lhe atribui a obrigação de realizar avaliações periódicas dos hotéis conveniados, a fim de aferir as condições de atendimento e a qualidade das instalações disponibilizadas aos consumidores adquirentes dos títulos do clube de turismo.

A exigência de parâmetro qualitativo dos estabelecimentos que fazem parte da rede conveniada da Bancorbrás guarda conexão com a promessa publicitária veiculada em seu sítio eletrônico:

CLUBE DE TURISMO
O jeito inteligente de se hospedar
Com pequenas mensalidades fixas, você se hospeda em lugares incríveis com o conforto e a segurança que você merece! O Clube de Turismo Bancorbrás é a forma econômica de viajar. (https:⁄⁄www.bancorbras.com.br⁄) (grifei)
 

4. No caso dos autos, consoante assente na origem, revela-se incontroverso que o resort, no qual se passou o evento danoso alegado pela autora, constava na lista de hotéis conveniados da Bancorbrás.

Ademais, é também incontroversa a falha na prestação do serviço, por ter sido a família alojada em quarto recém-dedetizado:

Não há controvérsia, na hipótese vertente, acerca da efetiva ocorrência da falha na prestação do serviço pelo resort contratado; sobretudo considerando que, tratando-se de um período de férias, uma família, com um bebê de quatro meses, ao deparar-se com um hotel quase abandonado e serem alojados em uma área dedetizada poucas horas antes, tendo à vista insetos mortos, além de outras consequências nefastas, é, indubitavelmente, uma flagrante negligência. (sentença - fl. 159)
 

4.1. Nesse passo, como de sabença, os produtos e serviços, colocados no mercado de consumo, não podem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito (artigo 8º do CDC).

Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora - juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) - submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento, em quarto insalubre, em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.

Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos.

Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram da colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.

Nesse sentido, bem explicita doutrina abalizada:

A conduta que se reclama do fornecedor é sua participação na colocação do produto ou serviço no mercado, em qualquer das fases em que esta tenha se desenvolvido. Neste sentido, a conduta se caracteriza pela participação do fornecedor no processo de produção e disposição deste produto ou serviço no mercado.
Daí porque o regime de responsabilidade previsto pelo CDC é abrangente de todos os agentes econômicos integrantes da cadeia de fornecimento. (...)
(...)
Insiste-se, pois, que não se reclama na conduta do fornecedor, como pressuposto de responsabilização, a existência de culpa, entendida esta como a falta de um dever de cuidado ou cautela, ou ainda a falta a um dever de prudência, na realização de um determinado comportamento. O que se perquire é sobre sua atuação no mercado de consumo, ou seja, se colocou ou não o produto ou serviço no mercado de consumo, exigindo-se neste caso, para efeito de responsabilização, que a resposta seja afirmativa. (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 535)
 

4.2. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor, como explica Cláudia Lima Marques:

Solidariedade. O parágrafo único do art. 7º traz a regra geral sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Aqui a ideia geral é o direito de ressarcimento da vítima-consumidor (art. 6º, VI, c⁄c art. 17 do CDC), uma vez que o microssistema do CDC geralmente impõe a responsabilidade objetiva ou independente de culpa (arts. 12, 13, 14, 18, 20 do CDC). O CDC permite, assim, a visualização da cadeia de fornecimento através da imposição de solidariedade entre os fornecedores. O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito do serviço (artigo 14 do CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, com responsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda a cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. Segundo o parágrafo único do art. 7º, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo, disposição que vem repetida no art. 25, § 1º.
Direito de regresso - Responsabilidade dos grupos: Impõe-se refletir sobre a responsabilidade extracontratual do grupo, também chamada de causalidade alternativa, exposta indiretamente no art. 7º, parágrafo único, e nos artigos seguintes (arts. 12, 13 e 14). O CDC traz uma resposta clássica em matéria de produtos e uma resposta ousada em matéria de serviços. Enquanto o art. 12 nomeia os responsáveis solidários principais e introduz um responsável subsidiário, o comerciante (art. 13), no art. 14 os fornecedores de toda a cadeia de serviços são considerados solidariamente responsáveis, todos, sem exceção e objetivamente. O direito de regresso do fornecedor "não culpado" está assegurado pelo parágrafo único do art. 7º do CDC, mas relembre-se que o sistema do CDC não permite denunciação à lide ou qualquer outra indicação do verdadeiro "culpado" no processo frente ao consumidor ou seus representantes legitimados. (...) A solução do CDC (art. 7º e art. 25, §§ 1º e 2º) é coerente, uma vez que a responsabilidade é objetiva; logo, sem culpa, tal prova não é mais necessária e não será motivo de exclusão da responsabilidade. O importante nesse sistema não é a culpa subjetiva de um ou de muitos da cadeia de fornecimento de serviços, mas, sim, a prova do (fato) defeito do serviço e do nexo causal com o dano causado às vítimas, todas agora consideradas consumidoras (art. 17). (MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 314⁄315) (grifei)
 

Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).

Importante relembrar que o caso fortuito externo - cuja configuração enseja a exoneração da responsabilidade civil - é definido como um fato imprevisível e inevitável que não guarda conexidade com os riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

O fortuito interno, ao contrário, traduz fato imprevisível e inevitável, que apresenta ligação com a organização do negócio, motivo pelo qual não se revela apto a excluir a responsabilidade.

O fato de terceiro, por sua vez, caracterizará excludente da responsabilidade civil do fornecedor apenas quando inevitável, imprevisível e não guardar qualquer relação com a atividade empreendida pelo fornecedor, assemelhando-se à figura do fortuito externo (AgInt nos EREsp 1.087.717⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 13.09.2017, DJe 20.09.2017; AgRg no AREsp 571.060⁄MG, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 21.09.2017, DJe 23.10.2017; AgRg no AREsp 621.486⁄RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05.02.2015, DJe 11.02.2015; e REsp 1.384.630⁄SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20.02.2014, DJe 12.06.2014).

Cumpre, outrossim, destacar que o terceiro - cujo ato poderá ensejar a exoneração da responsabilidade do fornecedor - é alguém completamente estranho à cadeia de consumo, consoante elucidam Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald:

(...) o termo terceiro deve ser compreendido de forma restrita. O terceiro, pessoa natural ou jurídica, é um estranho ao autor e à vítima - alguém que com eles não mantenha qualquer forma de vínculo ou sofra influência -, mas que culmina por se interpor na relação existente entre eles, sendo o seu fato a causa exclusiva do evento. Por isso, se um manobrista de um restaurante - ao levar o carro de um cliente ao estacionamento - termina por atropelar um transeunte, não poderá o proprietário se eximir do nexo causal por força do fato de terceiro, tendo em vista a evidente relação de subordinação entre patrão e empregado. A obrigação objetiva de indenizar do empregador não se fundará em um "fato próprio", mas em um "fato de outrem", a ele hierarquicamente submetido. Surgirá a responsabilidade solidária entre ambos, cabendo ao ofendido litigar contra um, outro ou os dois.
Em idêntico diapasão caminha a responsabilidade do dono de imóvel em relação ao dano ambiental emanado de sua propriedade, mesmo que provado que o fato poluidor emanou do alienante e não do atual titular. O vendedor do imóvel não pode ser considerado um terceiro, um estranho ao demandado na ação de responsabilidade civil, pois há um vínculo jurídico entre eles e também uma obrigação propter rem que recai sobre o imóvel independente de quem seja o seu titular.
No regime do Código de Defesa do Consumidor, é ainda mais rígida a linha que autonomiza o terceiro da pessoa do agente. Qualquer responsável que se coloque no interior do processo de criação, fabricação e distribuição do produto ou serviço ou que de qualquer maneira tenha colaborado para sua introdução no mercado responderá solidariamente aos demais, sem que possa atribuir aos demais fornecedores a condição de "terceiro". Nada impede que após a efetivação do ressarcimento, aquele que pagou busque o direito de regresso contra quem considere o responsável. Como bem delineou o CDC, não se cuidará de uma discussão de culpa, mas da aferição da participação de cada um para o desdobramento da causalidade, tal como enunciado pelo parágrafo único do art. 13: "aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso"(FARIAS, Cristiano Chaves; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 493⁄494) (grifei)
 

5. No caso concreto, cuida-se de prestação de serviços turísticos, envolvendo a fruição de diárias de hospedagem na rede conveniada da Bancorbrás, cujo Estatuto Social assim define o objeto da sociedade:

Cláusula Segunda. A sociedade tem como objeto social:
a) administrar clubes de férias, inclusive o clube de férias com o nome de fantasia de CLUBE BANCORBRÁS, cujos regulamentos serão registrados no Registro Especial de Títulos e Documentos da comarca de Brasília, Distrito Federal.
b) administrar empreendimentos próprios ou conveniados do tipo hotel, hotel-residência, hotel de lazer, pousada, colônia de férias ou camping(fl. 28) (grifei)
 

No tocante ao Porto Canoa Resort (onde a autora e os familiares ficaram hospedados), consta, às fls. 39⁄42, "contrato de fornecimento de diárias de hospedagem", merecendo destaque as seguintes cláusulas:

Cláusula Primeira. A contratante, como clube de férias, compromete-se a encaminhar ao estabelecimento hoteleiro da contratada os sócios que assim o desejarem.
Cláusula Segunda. Obriga-se a contratada a receber com atenção os sócios encaminhados, dispensando-lhes tratamento condizente.
Cláusula Terceira. Para atender às solicitações das reservas feitas pela contratante, obriga-se a contratada a garantir o bloqueio diário de unidades de hospedagem em quantidade e preços a seguir:
I - Na baixa temporada:
(...)
II - Na alta temporada:
(...)
Parágrafo Primeiro. A elevação ou redução do bloqueio poderá ser objeto de exame, desde que negociada com 180 (cento e oitenta) dias de antecedência do período a que se refere.
Parágrafo Segundo. A redução de bloqueios, ainda que acordada, respeitará as reservas marcadas e confirmadas. Caso não sejam honradas, caberá à contratada providenciar as acomodações necessárias em estabelecimento de igual padrão ou superior, na mesma localidade.
(...)
Cláusula Quarta. As reservas de hospedagem feitas com base neste contrato não poderão ser canceladas ou transferidas para outros hotéis pela contratada, sem a expressa anuência da contratante.
(...)
Cláusula Sexta. Na administração da utilização e da devolução das unidades bloqueadas a contratante fará uso de informações semanais, remetendo à contratada, ao final de cada semana, o rooming list específico, com antecedência de 14 (quatorze) dias da semana de utilização, tanto na alta quanto na baixa temporada. Entende-se por rooming list a relação das reservas confirmadas e encaminhadas à contratada em caráter temporário ou definitivo.
(...)
Cláusula Décima Primeira. Na hipótese de reservas feitas diretamente pela contratante, com declaração de pagamento a seu cargo, não terem sido totalmente utilizadas pelos hóspedes, obriga-se a contratante, mesmo assim, a pagar as diárias de hospedagem correspondentes, salvo quanto tiver solicitado o cancelamento ou alteração das reservas em tempo hábil ou, ainda, por justo acordo entre a contratada e os hóspedes.
Cláusula Décima Segunda. As reservas feitas diretamente ao hotel por sócios da contratante, devidamente identificados, serão por eles pagas, comprometendo-se a contratada a conceder-lhes desconto de 45% (tarifa balcão).
Cláusula Décima Terceira. As diárias de hospedagem serão pagas mediante a apresentação das notas fiscais e faturas⁄duplicatas, acompanhadas do respectivo voucher.
(...)
 

Nesse contexto, penso que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo.

A meu ver, a intermediação configurar-se-ia se o contrato fosse fundado na livre escolha do consumidor, sem qualquer condução ou direcionamento da Bancorbrás.

Ao revés, a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Outrossim, como anteriormente destacado, na campanha publicitária da Bancorbrás, consta a promessa da segurança e do conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.

Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC, verbis:

Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
 

Sobre o tema, a Quarta Turma já adotou a exegese de, à luz da norma supracitada, haver responsabilidade solidária independentemente de vínculo trabalhista ou de subordinação, responsabilizando-se qualquer dos integrantes da cadeia de fornecimento que venha dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança (REsp 1.209.633⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015).

O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás.

Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do título de clube de turismo com direito a diárias de hospedagem, com padrão de qualidade, vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás.

Assim, penso que a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.

6. Impende, outrossim, destacar que, no meu sentir, a controvérsia posta nos autos não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte, que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços, na hipótese de simples intermediação.

Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ.
1. "Esta eg. Corte tem entendimento no sentido de que a agência de turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote" (REsp n° 888751⁄BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 27⁄10⁄2011).
(...)
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 461.448⁄RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 09.12.2014, DJe 16.12.2014)
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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO. INEXECUÇÃO DO SERVIÇO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AGÊNCIA DE TURISMO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA.
1. A jurisprudência deste Tribunal admite a responsabilidade solidária das agências de turismo apenas na comercialização de pacotes de viagens.
2. No caso, o serviço prestado pela agência de turismo foi exclusivamente a venda de passagens aéreas, circunstância que afasta a sua responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo e autoriza o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação indenizatória decorrente de cancelamento de voo.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.453.920⁄CE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 09.12.2014, DJe 15.12.2014)
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PACOTE DE VIAGEM. AGÊNCIA DE TURISMO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. VIOLAÇÃO À DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO E À SÚMULA. SEDE IMPRÓPRIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ARTIGO DE LEI. DEFICIÊNCIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL COMPLETA.
(...)
6. A agência de turismo que vende pacote de viagem é responsável solidária por qualquer vício na prestação do serviço. Súmula 83⁄STJ.
7. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.319.480⁄RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 18.02.2014, DJe 14.03.2014)
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RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. INOBSERVÂNCIA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AGÊNCIA DE TURISMO. RESPONSABILIDADE (CDC, ART. 14). INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. DANOS MORAIS RECONHECIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
2. Esta eg. Corte tem entendimento no sentido de que a agência de turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote.
(...)
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 888.751⁄BARel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 25.10.2011, DJe 27.10.2011)
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RESPONSABILIDADE CIVIL. Agência de viagens. Código de Defesa do Consumidor. Incêndio em embarcação. A operadora de viagens que organiza pacote turístico responde pelo dano decorrente do incêndio que consumiu a embarcação por ela contratada. Passageiros que foram obrigados a se lançar ao mar, sem proteção de coletes salva-vidas, inexistentes no barco. Precedente (REsp 287.849⁄SP). Dano moral fixado em valor equivalente a 400 salários mínimos. Recurso não conhecido. (REsp 291.384⁄RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 15.05.2001, DJ 17.09.2001)
 

Ainda que assim não fosse, o reconhecimento da legitimidade da Bancorbrás para responder por defeito do serviço de hotel conveniado ostenta a mesma ratio essendi da orientação jurisprudencial desta Corte, no sentido de que os planos de saúde respondem solidariamente, com hospitais e médicos credenciados, pelo dano causado ao paciente, tendo em vista a relação de preposição ou representação estabelecida entre os parceiros da atividade empreendida. É o que se depreende do fundamento exarado no seguinte julgado:

Daí poder-se-ia concluir que: (I) se o contrato for fundado na livre escolha pelo beneficiário⁄segurado de médicos e hospitais e reembolso das despesas no limite da apólice, não se poderia falar em responsabilidade da operadora do plano de saúde pela má prestação do serviço, na medida em que a eleição dos médicos ou hospitais é feita pelo próprio paciente ou segurado, sem indicação de profissionais credenciados ou diretamente vinculados à referida operadora, sendo a responsabilidade direta do médico e⁄ou hospital; (II) se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e hospitalares próprios e⁄ou credenciados, no qual a operadora de plano de saúde mantém hospitais e emprega médicos ou indica um rol de conveniados, neste caso, não haveria como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do serviço. (REsp 866.371⁄RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27.03.2012, DJe 20.08.2012)
 

Deveras, o rol de estabelecimentos de hospedagem apresentado pela Bancorbrás, limitando o poder de escolha do adquirente do título do clube de turismo, cria-lhe a expectativa que a promessa publicitária de conforto e segurança será cumprida.

Desse modo, reconhecendo-se a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás, creio ser de rigor a cassação da sentença e do acórdão estadual, retornando os autos ao juízo de primeiro grau, para que prossiga no julgamento da ação indenizatória, a fim de aferir a existência ou não de dano moral indenizável, respeitando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa.

7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás e, consequentemente, determinar a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau, para que prossiga no julgamento da causa, como entender de direito.

É como voto