RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO.
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. ALIMENTOS. ACORDO JUDICIAL. ADVOGADO. NÃO COMPARECIMENTO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ALIMENTOS. FILHO MAIOR. DEVER DE ASSISTÊNCIA. SÚMULA Nº 358/STJ.
1. Acordo de alimentos celebrado na presença do magistrado e do Ministério Público, mas sem a participação do advogado do alimentante. Regularidade da transação judicial, haja vista ser a parte capaz, a transação versar sobre direitos patrimoniais e a inexistência de provas de que houve vício de vontade.
2. A obrigação alimentar não cessa automaticamente em virtude da maioridade do filho, subsistindo o dever de assistência do pai fundado no parentesco consanguíneo. O pedido de cancelamento da obrigação está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos, nos termos da Súmula nº 358/STJ.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1584503/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 26/04/2016)
JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
Consta dos autos que R. C. V. M., ora recorrido, interpôs contra o recorrente S. V. M., seu genitor, em 2.6.2006, ação de execução de prestações alimentícias, com base no rito do art. 733 do Código de Processo Civil de 1973. A prisão civil foi decretada e o mandado expedido por não ter sido quitado o débito alimentar no valor de R$ 44.802,56 (quarenta e quatro mil oitocentos e dois reais e cinquenta e seis centavos).
A pretensão executória fundou-se em acordo judicial celebrado nos autos principais do qual participaram as partes interessadas, o Ministério Público e o magistrado, sem a presença do advogado do ora recorrente. No referido acordo, o recorrente concordou em pagar mensalmente quantia equivalente a um salário mínimo a título de alimentos, conforme se afere do trecho a seguir transcrito:
Extrai-se dos autos que, por meio de agravo de instrumento, S. V. M. insurgiu-se contra decisão monocrática que validou o referido acordo, que, a seu ver, estaria inquinado de nulidade porque, no momento em que realizada a transação, não teve a assistência técnica do seu advogado, o que violaria o teor do art. 36 do Código de Processo Civil⁄1973, que prevê: "A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver".
Válido mencionar o teor da decisão interlocutória objeto do agravo, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível de São Caetano do Sul⁄SP, no que interessa:
O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos da ementa anteriormente transcrita, assentando que "o alimentante tem capacidade e legitimidade para transacionar independentemente de advogado, não havendo que se falar em nulidade" (e-STJ fl. 83).
Os embargos declaratórios foram rejeitados (e-STJ fl. 341).
No recurso especial, o recorrente alega violação dos seguintes dispositivos e suas respectivas teses:
(i) art. 36 do CPC⁄1973 - o qual dispõe que a parte será representada em juízo por advogado devidamente habilitado. Contudo, argui que "a transação que origina esta ação executória deu-se com a presença do Recorrente em âmbito judicial desacompanhado de advogado", o que acarreta a sua nulidade, "pois se trata de ato formal praticado em audiência, perante o Magistrado, membro do Ministério Público, inclusive perante a parte adversa", e no "âmbito judicial a parte será representada por advogado" (e-STJ fl. 106), não podendo atuar em causa própria; e.
(ii) art. 733, § 2º, do CPC⁄1973 - sustentando, em síntese, que o pagamento das parcelas alimentares em processo de execução compreende as parcelas vincendas, mas que, "há nisso uma limitação que é aquela que compreende o divisor quanto ao momento processual enquanto menor o alimentado e, numa outra sede acionária judicial, a cobrança quando portador da maioridade civil faz o interessado em relação ao seu ascendente" (e-STJ fl. 107).
Aduz que a cobrança das parcelas vincendas deve ficar limitada ao período da menoridade civil do alimentando, pois "tendo ocorrido a maioridade civil do recorrido a cobrança de alimentos deve dar-se por iniciativa própria e em ação própria, não mais representado por genitora, dada a cessação de sua incapacidade" (e-STJ fl. 108).
Após as contrarrazões (e-STJ fls. 114-117), o recurso foi inadmitido na origem, ascendendo os autos a esta Corte por força de decisão proferida em agravo (e-STJ fls. 161-163).
O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, opinou, por meio do seu representante legal, o Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks (e-STJ fls. 144-146), pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se, na origem, de execução de alimentos movida por R. C. V. M., então menor, representado por sua genitora, contra seu pai, ora recorrente, S. V. M., visando o recebimento de dívida alimentar decorrente do inadimplemento de pensões vencidas desde maio de 2006.
As instâncias ordinárias afastaram a alegação de nulidade apontada quanto à celebração de acordo judicial firmado na execução tão somente pela ausência do advogado do alimentante. A propósito, o Juízo da 5ª Vara Cível de São Caetano do Sul⁄SP consignou que,
O Tribunal estadual, por sua vez, manteve incólume a conclusão supramencionada, entendendo que "o alimentante tem capacidade e legitimidade para transacionar independentemente de advogado, não havendo que se falar em nulidade" (fl. 83, e-STJ).
Sem razão o recorrente.
A tese recursal de que é nulo o acordo firmado em execução de alimentos com a presença do magistrado e do membro do Ministério Público, ausente, no entanto, o advogado do executado, não encontra guarida no ordenamento jurídico em consonância com a literalidade dos artigos 6º e 9º da Lei nº 5.478⁄68, a saber:
À luz da legislação pátria, é indubitável que o alimentante possui capacidade e legitimidade para transacionar, independentemente da presença de seu patrono no momento da realização do ato.
Anote-se que a Lei de Alimentos aceita a postulação verbal pela própria parte, por termo ou advogado constituído nos autos (art. 3º, § 1º, da Lei nº 5.478⁄1968), o que demonstra a preocupação do legislador em garantir aos necessitados a via judiciária (REsp nº 1.113.590-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24⁄8⁄2010 - Informativo do STJ nº 444).
Como consabido, a jurisprudência desta Corte, ao interpretar o art. 36 do CPC⁄1973, apontado como violado, já se manifestou no sentido de que "a assistência de advogado não constitui requisito formal de validade de transação celebrada extrajudicialmente mesmo versando sobre direitos litigiosos" (RESP nº 666.328⁄PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.03.2005).
No mesmo sentido:
Ora, mutatis mutandis, se há dispensa da participação do advogado em sede extrajudicial, o mesmo é possível concluir quando o acordo é firmado perante a via judicial, especialmente porque, nesse caso, há maior proteção das partes, tendo em vista a participação do Ministério Público, como custos legis, bem como por meio da atuação do próprio Estado-Juiz. Incide, desse modo, a premissa de que "quem pode o mais pode o menos", como já restou assentado em precedente específico desta Corte:
Cite-se, por oportuno, a fim de respaldar a ausência de exigência de participação de advogado em transação firmada em juízo, precedentes "também dispensando a intervenção de advogado para a validade de transação realizada com a intenção de pôr fim a processo: RT 724⁄382, JTJ 165⁄204, 173⁄205, 341⁄107 (AI 1.280.372-0⁄0), Lex-JTA 142⁄326, JTA 120⁄132)" (Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 46ª Edição, Editora Saraiva, art. 36, nota 3, pág. 172 - grifou-se).
Portanto, em eventual tentativa de conciliação, "comparecendo somente o réu, sem advogado, será possível a auto-composição, ato dispositivo de direito que poderá ser praticado pela parte mesmo sem a presença do advogado" (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil, 4ª Edição, Editora Gen-Método, 2012, pág. 275 - grifou-se).
Por sua vez, o alimentante, plenamente capaz, transacionou acerca de direitos patrimoniais, qual seja, o valor da prestação alimentícia.
É cediço que a transação é negócio jurídico no qual os interessados previnem ou terminam litígio mediante concessões recíprocas, restringindo-se a direitos patrimoniais de caráter privado, consoante determinam os arts. 840 e 841 do Código Civil. Assim, dentre os elementos constitutivos fundamentais da transação destacam-se:
a) obediência aos requisitos de validade quanto à capacidade dos transigentes e à legitimação, bem como a ocorrência de outorga de poderes especiais quando realizada por mandatário (art. 661, parágrafo 1º, do Código Civil), e
b) existência de relações jurídicas controvertidas.
Na hipótese dos autos, não houve vício de vontade apto a ensejar eventual nulidade do acordo firmado entre as partes. Dessa forma, ausentes os vícios de consentimento, quais sejam, dolo, coação, erro substancial quanto à pessoa ou coisa controversa e lesão (art. 849 do Código Civil), não há motivo para a anulação da transação judicial de alimentos celebrada na presença do magistrado e do Ministério Público.
Logo, o ato foi aperfeiçoado sem nenhum vício de consentimento, sendo perfeitamente válido, o que ensejou sua natural homologação judicial. Efetuada e concluída a transação, "é vedado a um dos transatores a rescisão unilateral, como também é obrigado o juiz a homologar o negócio jurídico, desde que não esteja contaminado por defeito insanável (objeto ilícito, incapacidade das partes ou irregularidade do ato)" (REsp nº 650.795⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7⁄6⁄2005, DJ 15⁄8⁄2005).
Por fim, no tocante à alegação de contrariedade ao art. 733, § 2º do CPC, no que tange ao termo final da prestação alimentícia, observa-se que o Tribunal de origem concluiu que o direito de exoneração do pagamento dos alimentos depende não somente da maioridade, mas também de sentença judicial nesse sentido, visto que há a possibilidade de o credor opor fato impeditivo ao direito do devedor (e-STJ fls. 96-97).
Na espécie, o Tribunal local, em consonância com o entendimento desta Corte, concluiu que a exoneração não é automática e as prestações são devidas por força da relação de parentesco. Por esse motivo, a argumentação recursal de que "tendo ocorrida a maioridade civil do recorrido a cobrança de alimentos deve dar-se por iniciativa própria e em ação própria, não mais representado por genitora, dada a cessação de sua incapacidade" (e-STJ fl. 108), não encontra respaldo na jurisprudência desta Corte.
Citem-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.