Jurisprudência - STJ

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.

Por: Equipe Petições

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA LICITUDE DO DECRETO PRISIONAL, EM RAZÃO DA MAGNITUDE DO DIRETO CONSTITUCIONAL DO WRIT. NECESSIDADE. 2. HIGIDEZ DA DECISÃO PARA SUBSIDIAR A IMEDIATA COBRANÇA JUDICIAL DA VERBA ALIMENTAR. RECONHECIMENTO. 3. NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA (E NÃO ASSECURATÓRIA). DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRINCIPAL NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. RECONHECIMENTO. 4. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE, DESENCADEADA PELA PRÁTICA DE VIOLAÇÃO DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. 5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR MANTIDA ATÉ A REVOGAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO QUE A FIXOU. NECESSIDADE. 6. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

1. Não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

2. Controverte-se no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, estribada no art.

22, V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, ratificada em acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos constitui título hábil para cobrança (e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil) ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito. 3. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente.

4. O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória/instrumental.

5. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 5.1 O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum , a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada.

5.2 A par da fixação de alimentos, destinados a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar.

5.3 A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar.

6. Recurso ordinário não conhecido, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.

(RHC 100.446/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018)

 

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JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

  RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 100.446 - MG (2018⁄0170173-4)

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

W. de L. S. interpõe recurso ordinário em contrariedade ao aresto prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que denegou a ordem de habeas corpus ali impetrado, mantendo-se, pois, o decreto prisional exarado pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Monte Carmelo⁄MG, no bojo da ação de execução de alimentos que lhe foi promovida por sua filha, menor, L. de F. S., representada por sua genitora S. de F. O., por 90 (noventa) dias, ou até que fossem quitadas as parcelas vencidas nos 3 (três) meses anteriores à propositura da execução e também daquelas vencidas no curso do processo.

Extrai-se dos elementos contidos nos autos que, no âmbito de ação criminal — destinada a apurar o cometimento de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher imputado ao ora recorrente, W. de L. S., consistente na agressão e na ameaça à sua então companheira, S. de F. O., tendo, inclusive, ateado fogo na residência do casal, em que a mulher e a filha, L. de F. S., se encontravam —, o Juízo criminal, em 23 de abril de 2010, além de decretar a prisão preventiva do acusado, impôs a medida protetiva prevista no inciso V do art. 22 da Lei 11.340⁄2006, determinando o pagamento de pensão alimentícia em favor de S. de F. O. e de sua filha, L. de F. S., no valor 70% (setenta por cento) do salário mínimo vigente na data do pagamento.

A propósito, o teor do decisum:

Os fatos narrados a f. 3-5, ao menos em sede de cognição sumária e convencimento provisório, configuram violência doméstica, nos termos do artigo 7º, da Lei n. 11.340⁄2006, e autorizam a imposição de medidas previstas no artigo 22, do mesmo diploma legal.
Assim, defiro parte dos requerimentos de f. 7-8 e imponho ao Sr. Wemerson o pagamento de pensão alimentícia em favor da Srs. Simone e sua filha no valor correspondente a 70% (setenta por cento) do salário mínimo vigente na data do pagamento, mediante depósito em conta corrente a ser aberta em nome da representante legal do requerente ou em outra por ela indicada.
Da mesma forma, e a fim de assegurar a ordem pública e por conveniência da instrução criminal, visto que o investigado, ao que parece, sempre agrediu e ameaçou a Sra. Simone, tanto que foi capaz de atear fogo na residência do casal com a sua mulher e a sua filha no interior do imóvel, decreto a prisão preventiva de Wemerson de Lima Souza, por entender presentes os requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal. Essa providência, salvo melhor juízo, torna desnecessárias aquelas elencadas no artigo 22, incisos II, III e IV, da Lei n. 11.340⁄2006.
Expeça-se mandado de prisão.
Intime-se e cumpra-se (e-STJ, fl. 17)

 

Os alimentos provisionais fixados, do que se depreende dos autos, em momento algum foram quitados.

Por tal razão, S. de F. O. e sua filha, L. de F. S., em 8⁄4⁄2013, promoveram perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Monte Carmelo⁄MG ação de execução de alimentos, com fulcro no art. 732 do CPC⁄1973, em relação aos débitos pretéritos (somados no importe de R$ 16.768,96 — dezesseis mil, setecentos e sessenta e oito reais e noventa e seis centavos), e no art. 733 do CPC⁄1973, em referência aos débitos atuais (estes, no valor de R$ 1.406,58 — mil quatrocentos e seis reais e cinquenta e oito centavos), referentes aos três meses anteriores ao ajuizamento da ação, bem como aqueles que vencerem no curso da demanda, sob pena de prisão civil (e-STJ, fls. 11-13).

Da decisão que decretou a prisão do executado, proferida em fevereiro de 2018, consta a afirmação de que foi concedido ao devedor diversas oportunidades para apresentar justificativa idônea, bem como para quitar o débito, inclusive por meio da efetivação de acordo, homologado judicialmente, o qual não foi por ele honrado integralmente. É o que se verifica dos fundamentos adotados por ocasião da referida decisão, integrada pelo decisum que julgou os subsequentes embargos de declaração:

[...] Considerando que o executado devidamente intimado não pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de fazê-lo (f. 71-v), a decretação da prisão é medida que se impõe.
Com efeito, quanto à manifestação de fls. 104-06, descabido ao executado alegar que, 'entendeu que o processo se extinguiria com o pagamento das parcelas vencidas, uma vez que fizeram acordo sobre isso. Porém, para a sua surpresa, tomou conhecimento de que está novamente inadimplente'. (sic)(f.104)(g.n.).
Em verdade o executado tivesse lido com a devida atenção ao acordo celebrado com a exequente às fl. 56-57, não estaria 'surpreso' com a sua inadimplência, pois, no referido acordo constou expressamente que, o 'não pagamento de quaisquer prestações, vencidas ou vincendas, acarretará o vencimento antecipado das subsequentes, autorizando a imediata cobrança do débito remanescente, sem a parda da natureza alimentar, possibilitando-se, pois, em eventual execução, a apreciação de requerimento de prisão civil' (sic)(f. 57).
Ante o exposto, decreto a prisão do Sr. Wemerson de Lima Souza pelo prazo de 60 (sessenta) dias ou até que seja apresentado nos autos o pagamento integral dos valores em atraso (fs. 97-100), bem como as parcelas vencidas no curso do processo. (e-STJ, fls. 62)
 
De fato, verifica-se que efetivamente na decisão de f. 109 não há obscuridade ou contradição; muito menos erro material ou omissão. Afinal, ao executado foi oportunizado o contraditório e a ampla defesa em várias oportunidades (fs.I9; 22; 23; 26; 29; 31: 32-3; 34-40; 41; 43; 44-6) e mesmo assim não efetuou o pagamento devido do débito alimentai; sendo decretada a sua prisão civil (f.55), tanto que o Sr. Wemerson de Lima Souza, para evitá-la, ainda celebrou acordo com a exequente (fs.56-8) e vinha cumprindo a avença regularmente (fs.67-v; 69; 70-v).
E mesmo tendo sido oportunizado ao executado o pagamento integral do débito alimentar, inclusive o das prestações vencidas durante o curso do processo (Súmula n° 309, STJ), por capricho, o Sr. Wemerson de Lima Souza, simplesmente, descumpriu o acordo homologado judicialmente, efetuando o pagamento de parte do acordo firmado (fs.70;73-5; 71-v; 78-82; 83-95: 96-102).
Dessa forma, não tendo cumprido o acordo de fs. 56-8 e ainda deixado de efetuar o pagamento das prestações vencidas durante o curso do processo, ocorreu a prisão civil do executado.
Vale ainda consignar que é inadmissível a extinção do presente feito sob a alegação de que a "decisão proferida no processo penal de forma cautelar provisória, não é título hábil a ser utilizado para cobrar pensão alimentícia, por lapso temporal indeterminado... " (f. 111). Isso porque o C. Superior Tribunal de Justiça, em precedente relatado pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior, já decidiu que a "decisão que fixa os alimentos provisórios produz efeitos imediatos, integrando ao patrimônio do alimentando um direito que, embora provisório, é existente, efetivo e juridicamente protegido. II. A sentença posterior que altera a situação jurídica regulada pelo provimento precário opera efeitos ex nunc. não podendo retroagir em prejuízo do alimentaste. Precedentes. " (REsp N° 834440⁄SP 2006⁄0062898-5 - T4 Quarta Turma; data do julgamento: 20⁄11⁄2008; data da publicação: DJe 15⁄12⁄2008 -g.n.).
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração opostos por Wemerson de Lima Souza às fs.110-1.  (e-STJ, fl. 61)

 

Em contrariedade ao decreto prisional, Kélen Viana Silva (subscritora do recurso ordinário) impetrou em favor de W. de L. S. habeas corpus, ao argumento de que a decisão que fixou alimentos provisórios, proferida em ação penal, é inidônea para subsidiar ação de execução de alimentos, afigurando-se indispensável, para esse propósito, o ajuizamento de ação principal de alimentos, a viabilizar o contraditório (quanto ao binômio necessidade-possibilidade), no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência.

O Desembargador relator indeferiu o pedido liminar, deixando assente não ter sido imposto nenhum limite de duração aos alimentos fixados, razão pela qual considerou que os alimentos provisórios fixados continuam sendo devidos. Assentou, ademais, que a decisão que decretou a prisão civil encontra-se lastreada no acordo homologado judicialmente que não foi integralmente honrado pelo devedor (e-STJ, fls..55-56).

As informações prestadas pela autoridade reputada coatora, datada de abril de 2018, confirmam, in totum, os fatos até aqui aduzidos, noticiando, inclusive, que os mandados de prisão, por duas ocasiões expedidos, não foram, até então, cumpridos (e-STJ, fl. 58).

Ao final, o Tribunal de origem, conforme relatado, denegou a ordem impetrada, reconhecendo a executividade da decisão judicial que fixou os alimentos provisórios, além da detida observância do enunciado n. 309 da Súmula do STJ (e-STJ, fls. 24-29).

O aresto recebeu a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO. POSSIBILIDADE DE DECRETO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DENEGADA A ORDEM.
Admite-se a discussão em sede de habeas corpus de questões relacionadas à regularidade do procedimento e da cobrança dos alimentos. Tendo sido observadas, de forma regular, todas as fases no procedimento de execução de que cuida o artigo 528, do CPC⁄15, não tendo o executado quitado as parcelas devidas, não há falar em violência e⁄ou ilegalidade na possibilidade de decretação da prisão do alimentante, passível de reparação pela via estreita do habeas corpus. (e-STJ, fl. 215)
 

Nas razões do presente recursosustenta o recorrente, em síntese, que a decisão proferida no processo penal, de forma cautelar e provisória, com esteio no art. 22, V, da Lei n. 11.340⁄2006, não é título hábil à cobrança por prazo indeterminado, afigurando-se necessário, para tanto, o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, da ação principal de alimentos (propriamente dita), em que o contraditório e a ampla defesa poderão ser exercidos plenamente.

Argumenta, assim, que "a ausência da ação principal de alimentos, a qual nunca foi impetrada pelas exequentes, e dos pagamentos já efetuados além do que foi determinado pelo lapso temporal da cautelar, o juiz não poderia requerer, nesse processo, a prisão civil do paciente, que tem como fundamento uma decisão interlocutória de caráter provisório cautelar, na qual a cautelaridade já se esvaiou" (e-STJ, fl. 269).

Anota que "a obrigação de efetuar a pensão, conforme determinado na decisão interlocutória criminal por lapso temporal indeterminado, afronta os direitos do paciente à ampla defesa e ao contraditório" (e-STJ, fl. 269), em manifesta inobservância do art. 528, § 7º, do Código de Processo Civil de 2015 e da Súmula 309 do STJ.

Pugna, liminarmente, pela revogação do mandado de prisão, ou ao menos, pela sua suspensão, até a análise do mérito do presente recurso ordinário.

Por fim, requer "a confirmação no mérito da liminar pleiteada para que se consolide, em favor do paciente W. de L. S., a competente ordem de habeas corpus, para impedir o constrangimento ilegal que o mesmo vem sofrendo" (e-STJ, fl. 271).

A Ministra Laurita Vaz, no exercício da Presidência do STJ, indeferiu o pedido liminar (e-STJ, fls. 37-40). Contra o decisum foi interposto agravo interno (e-STJ, fls. 43-48), pendente de julgamento.

O Ministério Publico Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do recurso ordinário, pela exposição dos seguintes motivos: i) a insurgência recursal foi  apresentada diretamente perante esta Corte de Justiça; ii) não consta certidão da publicação do acórdão recorrido, o que impede a aferição da tempestividade do recurso; iii) ausência de instrumento procuratório; e iv) inexistência de ilicitude do decreto prisional, passível de ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

É o relatório.

 
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 100.446 - MG (2018⁄0170173-4)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : W DE L S
ADVOGADO : KELEN VIANA SILVA  - MG175929
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA LICITUDE DO DECRETO PRISIONAL, EM RAZÃO DA MAGNITUDE DO DIRETO CONSTITUCIONAL DO WRIT. NECESSIDADE. 2. HIGIDEZ DA DECISÃO PARA SUBSIDIAR A IMEDIATA COBRANÇA JUDICIAL DA VERBA ALIMENTAR. RECONHECIMENTO. 3. NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA (E NÃO ASSECURATÓRIA). DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRINCIPAL NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. RECONHECIMENTO. 4. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE, DESENCADEADA PELA PRÁTICA DE VIOLAÇÃO DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. 5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR MANTIDA ATÉ A REVOGAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO QUE A FIXOU. NECESSIDADE. 6. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
1. Não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
2. Controverte-se no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no processo penal — que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, estribada no art. 22, V, da Lei n. 11.340⁄2006 e, no caso dos autos, ratificada em acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos — constitui título hábil para cobrança (e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil) ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito.
3. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente.
4. O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340⁄2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC⁄1973 (art. 308 do CPC⁄2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória⁄instrumental.
5. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340⁄2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 
5.1 O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum —, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada.
5.2 A par da fixação de alimentos, destinados a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar.
5.3 A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar.
6. Recurso ordinário não conhecido, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.
 
 
VOTO

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

Preliminarmente, conforme bem ponderado pelo Representante do Ministério Público Federal, o recurso ordinário, efetivamente, não possui condições processuais de ser conhecido.

De início, consigna-se que o processamento do recurso ordinário constitucional há de observar o regramento estabelecido nos arts. 105, II, da Constituição Federal; 30 a 32 da Lei n. 8.038⁄90; 244 a 246 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça; e 994, V, c⁄c 1.027 e 1.028 do Código de Processo Civil de 2015.

Segundo o ali disposto, a interposição do recurso ordinário em habeas corpus deve ser feita perante o Tribunal prolator do acórdão impugnado, que, após a intimação da parte recorrida a apresentar as contrarrazões, remeterá o feito a esta Corte Superior.

Tal proceder, contudo, não foi observado pelo recorrente, que interpôs sua insurgência recursal diretamente perante esta Corte de Justiça, o que, por si só, impede seu conhecimento, na esteira da jurisprudência do STJ (ut AgRg no RHC 57.871⁄RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28⁄04⁄2015, DJe 06⁄05⁄2015; AgRg no RHC 63.626⁄SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 07⁄06⁄2016).

De igual modo, não foi acostado aos autos instrumento procuratório outorgado pela parte à subscritora do recurso (e-STJ, fl. 31), o que redundaria na própria inexistência do recurso, tampouco consta, nos elementos contidos no processo, certidão da publicação do acórdão recorrido, a obstar a aferição da tempestividade do recurso. Ainda que essas duas últimas irregularidades pudessem vir a ser sanadas pela parte, por meio de intimação para esse propósito, tem-se por despicienda a tomada de tal providência.

Isso porque, não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Essa medida, ressalta-se, é levada a efeito no caso de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário ou, como na espécie, na hipótese de interposição de recurso ordinário em habeas corpus não passível de conhecimento, na esteira da uníssona jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme corroboram os seguintes julgados:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTEMPESTIVIDADE. CARACTERIZAÇÃO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. ART. 733, § 1º, CPC. SÚMULA Nº 309⁄STJ. DÍVIDA ALIMENTAR. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DEVEDOR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. À luz do art. 30 da Lei nº 8.038⁄90, o recurso ordinário em habeas corpus deve ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias.
2. A decretação da prisão do alimentante, nos termos do art. 733, § 1º, do CPC, revela-se cabível quando não adimplido acordo firmado entre o alimentante e o alimentado no curso da execução de alimentos, nos termos da Súmula nº 309⁄STJ, sendo certo que o pagamento parcial do débito não elide a prisão civil do devedor.
3. O habeas corpus, que pressupõe direito demonstrável de plano, não é o instrumento processual adequado para aferir as condições econômico-financeiras do paciente, pois demandaria o reexame aprofundado de provas.
4. Recurso ordinário não conhecido.
(RHC 41.852⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 05⁄11⁄2013, DJe 11⁄11⁄2013) - sem grifo no original
 
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECURSO INTEMPESTIVO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA DESNECESSÁRIA, IMPERTINENTE OU PROTELATÓRIA. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O recurso foi interposto após o quinquídio legal. Todavia, malgrado a intempestividade recursal, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão de ofício da ordem de habeas corpus. Precedentes.
[...]
Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido.
(RHC 87.342⁄PR, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22⁄05⁄2018, DJe 08⁄06⁄2018) - sem grifo no original
 
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 105, II, "A", CF⁄88. PENSÃO ALIMENTÍCIA.
1. O habeas corpus não é admitido como sucedâneo ou substitutivo de recurso ordinário, ex vi da disposição expressa do art. 105, II, "a", daCF⁄88.
2. A competência originária do STJ deve ser preservada em prol dos legitimados do art. 105, inc. I, "c", da CF⁄88, prestigiando-se, a um só tempo, a divisão de competências realizada pelo legislador constituinte, bem ainda a racionalização e simplificação do sistema recursal.
3. Evolução jurisprudencial encampada pela Suprema Corte, cuja adesão de entendimento pelo STJ também se presta ao alento do órgão jurisdicional precípua e constitucionalmente incumbido da guarda e exegese da Constituição.
4. Não verificada a presença de flagrante ilegalidade, não há se cogitar da concessão ex officio da ordem pleiteada.
5. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo.
6. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do alimentante executado.
7. Habeas Corpus não conhecido. (HC 258.607⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15⁄08⁄2013, DJe 22⁄08⁄2013) - sem grifo no original.
 
 

Passa-se, pois, a analisar a licitude do decreto prisional.

Controverte-se, no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no âmbito de ação penal, que fixa alimentos em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, com fundamento no art. 22, V, da Lei n. 11.340⁄2006 e, no caso dos autos, no acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos, constitui título hábil para cobrança — e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil —  ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito, tal como sustenta o insurgente.

Para efeito de exigibilidade da medida protetiva de alimentos, a alegada necessidade de ajuizamento de ação de alimentos perante a Vara da Família, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência, não encontra nenhum respaldo na lei de regência e refoge em absoluto da natureza e da finalidade da aludida verba alimentar.

Mais que isso. A referida linha argumentativa se aparta, in totum, do norte interpretativo que deve ser levado a efeito na aplicação das disposições e dos novos institutos jurídicos trazidos pela Lei n. 11.340⁄2006, que é justamente conferir plena efetividade para a proteção à mulher submetida à situação de violência doméstica e familiar, propósito precípuo da lei. A esse propósito, aliás, dispõe seu art 4º, in verbis: na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

De plano, relevante consignar que se afigura absolutamente consonante com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia, não precisa, por óbvio, ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação, como pretende fazer crer o ora insurgente.

A esse propósito, relevante assentar que o art. 14 da Lei n. 11.340⁄2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

O dispositivo legal em comento assim dispõe:

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
 

Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De modo bem abrangente, preconizou a competência desse "Juizado" para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados.

A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340⁄2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.

Em interpretação acerca da abrangência da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente as relacionadas ao Direito de Família), esta Terceira Turma, por mais de uma ocasião, reconheceu, para seu estabelecimento, ser imprescindível que a causa de pedir da correlata ação consista justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, assim, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, da Lei n. 11.340⁄2006, que assumem natureza civil.  

Nessas oportunidades, reconheceu-se a relevância, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340⁄2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas. Ressaltou-se, inclusive, que a competência para conhecer e julgar determinada ação resta instaurada por ocasião de seu ajuizamento, afigurando-se desinfluente, para tanto, superveniente alteração fática. Refiro-me aos julgados REsp 1.550.166⁄DF, Terceira Turma, julgado em 21⁄11⁄2017, DJe 18⁄12⁄2017; e REsp 1.496.030⁄MT, Terceira Turma, julgado em 06⁄10⁄2015, DJe 19⁄10⁄2015.

Na espécie, a decisão que fixou tais alimentos foi prolatada por Juízo Criminal, que, em atenção ao art. 33 da Lei n. 11.340⁄2006, cumula as competências civil e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados, enquanto não estruturados os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

É de se reconhecer, portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo). Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente.

No ponto, anota-se que o inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340⁄2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade.

Os alimentos provisórios são concedidos antecipadamente em ação de alimentos (ou cumulada com outras ações), regida pela Lei n. 5.478⁄1968, e dependem de prova pré-constituída da existência de vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável. Já os alimentos provisionais, que tinham previsão no art. 852 do CPC⁄1973 (não reproduzido no CPC⁄2015), indevidamente nominados como medida cautelar, são deferidos em cognição sumária, sem a exigência de prova pré-constituída da existência de vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável, até que, em outra demanda, reconheça-se a existência de obrigação alimentar. Diz-se indevidamente nominados como medida cautelar, pois os alimentos provisionais, na verdade, consubstanciam provimento de urgência de natureza satisfativa, voltada a atender, de modo imediato, a necessidade do demandante quanto a sua própria subsistência, cujo deferimento não comporta repetição.

Na essência, como assinalado, os alimentos provisórios e provisionais não guardam diferença entre si, destinando-se a garantir ao alimentando, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, sobretudo porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição.

Desse modo, independentemente da espécie de alimentos não definitivos fixados (se provisórios ou se provisionais), os quais, como visto, não guardam, em si, a natureza assecuratória⁄instrumental, absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC⁄1973 (art. 308 do CPC⁄2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida.

De tal compreensão, autorizada doutrina não dissuade, inclusive com expressa referência à medida protetiva de alimentos prevista no art. 22 da Lei n. 11.340⁄2006:

Os alimentos provisórios possuem natureza antecipatória, sendo concedidos em ações de alimentos (ou em outras ações que tragam pedido de alimentos de forma cumulativa), de forma liminar, initio litis, bastando que se comprove, de forma pré-constituída, a existência da obrigação alimentícia, conforme previsão do art. 4º da Lei n. 5.478⁄68. [...] Aliás, convém sublinhar que eles podem ser concedidos, inclusive, ex officio pelo magistrado, independentemente de pedido expresso do autor.
Já os alimentos provisórios estão elencados como medida cautelar nominada, contemplada no art. 852 do Código de Processo Civil, embora possua nítida natureza satisfativa. Trata-se de medida topologicamente cautelar, porque está elencada dentre as medidas cautelares, embora não possua tal natureza assecuratória. Aliás, basta observar a natureza irrepetível dos alimentos para se inferir a natureza não-cautelar dos alimentos provisionais, uma vez que não se destinam a assegurar o resultado útil de um outro processo, mas satisfazer, imediatamente, as necessidade do autor. [...]
Exatamente por força dessa natureza satisfativa, não-cautelar, não se aplica às ações de alimentos provisionais a exigência de propositura de ação principal no prazo de 30 dias, contida no art. 806 do Código de Processo Civil. [...]
Serão concedidos os provisionais quando o interessado não tiver prova pré-constituída da existência da obrigação alimentar, não podendo pleitear alimentos provisórios em sede de ação de alimentos. [...]
Não há, portanto, diferença substancial entre os institutos, significando, em ambas as hipóteses, a possibilidade de conceder, de logo, em caráter de urgência, alimentos a quem precisa. A distinção é mais terminológica e procedimental do que em relação à sua substância e natureza. Até porque ambos possuem a mesma finalidade, sendo concedidos temporariamente para garantir a quem precisa os meios suficientes à manutenção, até que seja proferida uma decisão fixando alimentos em caráter definitivo.
[...]
Confirmando a inexistência de diferença substancial entre os provisórios e os provisionais, vale a lembrança de que a Lei Maria da Penha, em seu art. 22, V, permite a fixação de alimentos, provisórios ou provisionais, a título de medida protetiva de urgência na sede do Juízado Especializado, diante de um episódio de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando já procedido o registro da ocorrência perante a autoridade policial. É, sem dúvida, mais uma firme demonstração da inexistência de diferença crucial em relação à natureza dos institutos. (DE FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nélson. Direito das Famílias. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 821-823)

 

Reconhecida, nesses termos, a higidez da decisão judicial que fixa os alimentos provisórios ou provisionais, a autorizar a imediata cobrança judicial, com os meios coercitivos pertinentes previstos em lei, não se pode deixar de assentir que tais alimentos, por definição, afiguram-se temporários. De tal constatação advém a indagação de qual seria o termo final para que estes alimentos, provisórios ou provisionais, deixem de ser exigíveis.

Naturalmente, caso os alimentos se tornem definitivos, a sentença que assim os reconheça passa a ser o fundamento de validade para tal cobrança. Porém, enquanto esta não sobrevém, de suma importância identificar qual é a circunstância fática que autoriza a permanência da vigência da medida protetiva de alimentos em favor da mulher, vítima de violência doméstica e familiar.

Sem descurar da existência de controvérsia na doutrina nacional, tem-se que o entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340⁄2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais   enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 

Ainda que se afigure elementar, a fixação de alimentos, como toda medida protetiva prevista no art. 22 da Lei n. 11.304⁄2006, possui como pressuposto lógico a exposição da mulher à situação de violência doméstica e familiar.

Consigna-se que o dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Isso porque, nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum —, a sua própria subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada. Esta circunstância fática, aliás, entre inúmeras outras, induzem a mulher, vítima de constragimentos de toda ordem no ambiente doméstico, a muitas vezes silenciar-se, o que tem o condão de somatizar e potencializar o sofrimento ao qual se encontra submetida. 

Nessa medida, enquanto a mulher se encontrar em situação de vulnerabilidade, desencadeada pela agressão doméstica, os alimentos provisórios ou provisionais fixados a título de medida protetiva continuam a ser devidos e exigíveis. Com a vênia daqueles que compreendem de modo diverso, adotar como marco, para efeito de findar o dever de prestar alimentos provisórios ou provisionais, a cessação da violência, seria o mesmo que tornar inócua a referida medida protetiva de alimentos.

A par da fixação de alimentos provisórios ou provisionais, destinada a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei.

A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida e a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar. Portanto, enquanto perdurar a situação de hipervulnerabilidade, desencadeada pela violência doméstica e familiar contra a mulher, os alimentos provisórios ou provisionais continuam devidos e exigíveis.

Esta é, como visto, a circunstância fática que autoriza a permanência da vigência da medida protetiva de alimentos em favor da mulher, vítima de violência doméstica e familiar. Evidentemente, a sua revogação depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação. Cabe, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais cabíveis para a revogação da decisão deferitória, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar.

Nessa linha de entendimento, destaca-se o seguinte excerto doutrinário:

Em relação à esposa e à companheira, a obrigação alimentar decorre do dever de mútua assistência. Frente aos filhos, o dever de sustento situa-se no âmbito do poder familiar. Apesar da falta de clareza da lei e dos desencontros da doutrina, que provam decisões divergentes, impositivo reconhecer que os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, e antecipadamente, pois de todo descabido aguardar o decurso do prazo de um mês para que ocorra o pagamento.
[...]
Sustenta Fredie Didier que deferidos alimentos, cessada a violência, deixa de existir fundamento para a sua manutenção. Neste caso, a fixação de nova prestação depende do ajuizamento de ação própria perante o juízo da família. Não lhe assiste razão.
Não há como sujeitar alimentos à condição resolutiva, qual seja o fim da violência. Caberia questionar sobre a forma de buscar a cessação do encargo alimentar. Claro que este encargo é do próprio alimentante que tem que provar que, com o fim da violência cessou a necessidade dos alimentos. De qualquer modo, deferidos alimentos, a ofendida não precisa propor ação principal no prazo de 30 dias. Indeferida a pretensão alimentar em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja levado a efeito por meio da ação de alimentos perante o juízo cível (DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340⁄2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 156-157)
 

Na hipótese dos autos, conforme consignado pelo Tribunal de origem, não há nenhum julgado que tenha, até o presente momento, revogado a decisão que fixou os alimentos provisórios e provisionais, do que ressai a conclusão, inexorável, da vigência e obrigatoriedade da obrigação alimentar.

Ainda segundo a moldura fática delineada nos autos, os débitos alimentares que ensejaram a decretação da prisão civil são aqueles considerados atuais, em detida atenção ao enunciado n. 309 da Súmula do STJ, o que evidencia a conformidade do decreto prisional com a lei. É certo, inclusive, que o devedor de alimentos subscreveu acordo, homologado judicialmente, no bojo da ação de execução de alimentos, sem promover a sua quitação integral, a revelar a recalcitrância em cumprir a obrigação alimentar para com as alimentadas e, por consequência, a correção da prisão civil determinada.

Saliente-se, a esse propósito, que a prisão civil, como decorrência do inadimplemento da medida protetiva de alimentos (atuais), não exclui outras, notadamente de viés criminal que deste mesmo fato possa advir (art. 40 da Lei n. 11.340⁄2006).

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, não conheço do presente recurso ordinário, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.

É o voto.

jurisprudência do stj na íntegra