Jurisprudência - STJ

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL.

Por: Equipe Petições

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR DE ALIMENTOS. EXECUÇÃO. ADIMPLEMENTO PARCIAL DO DÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E NECESSIDADES ALIMENTARES DOS ALIMENTADOS. QUESTÃO DE FATO. INCIDÊNCIA DA SÚM 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO NA VIA ESTREITA DO WRIT. DECRETO PRISIONAL QUE DESAFIAVA O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO DEVIDAMENTE INTERPOSTO (art. 522, caput, do CPC; art. 19, § 2°, da Lei 5.478/1968). WRIT INTERPOSTO DE FORMA CONCOMITANTE. ANÁLISE DO RECURSO. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. Precedentes do STF e do STJ.

2. Na hipótese, verifica-se que o paciente, em total desrespeito ao provimento judicial, vem pagando a dívida na forma, na data e na quantidade que bem entende, ao seu bel-prazer. Dessarte, o pagamento na forma realizada, notadamente em razões das condições expostas nos autos, afronta sobremaneira a ordem judicial e o posicionamento sedimentado do STJ.

3. O montante da dívida não torna ilegal, por si só, a prisão civil do devedor de alimentos, desde que seja referente a alimentos devidos três meses antes do ajuizamento da ação, somados àqueles vencidos posteriormente (Súmula n. 309/STJ).

4. O remédio heróico, possuindo cognição sumária, é infenso à dilação probatória, tampouco admite aprofundada análise de fatos e provas controvertidos. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que a sede própria para examinar aspectos probatórios em torno da capacidade financeira do paciente é a execução de alimentos.

5. Assim, em sede de habeas corpus, não há como concluir, apenas no âmbito limitado de cognição do remédio constitucional, se as necessidades alimentares dos credores estão sendo supridas e se o devedor realmente tem condições de satisfazer sua obrigação, sem incidir no óbice da Súm 7/STJ.

6. O Tribunal de origem incorreu em ilegalidade - error in procedendo - ao deixar de apreciar o recurso de agravo de instrumento que desafiava o decreto prisional, haja vista que o fundamento utilizado - a impugnação da decisão por meio de habeas corpus impediria o conhecimento do recurso - viola o ordenamento jurídico pátrio.

7. Verifica-se que o paciente interpôs corretamente o agravo de instrumento, recurso ordinariamente previsto para que o Tribunal a quo reexaminasse os fundamentos da decisão que decretou a ordem de prisão.

8. Ordem concedida, em menor extensão, para determinar o conhecimento do recurso de agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

(HC 312.551/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 11/05/2016)

 

Facebook icon
e-mail icon
WhatsApp

JURISPRUDÊNCIA NA ÍNTEGRA

HABEAS CORPUS Nº 312.551 - SP (2014⁄0339469-5)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
IMPETRANTE : RENATO VASCONCELLOS DE ARRUDA
ADVOGADOS : RENATO VASCONCELOS DE ARRUDA
    GILMAR GOMES DA SILVA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE  : L E DE B V N
 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Trata-se de habeas corpus impetrado por RENATO VASCONCELLOS DE ARRUDA em favor de L. E. de B. V. N., apontando como ato ilegal e abusivo o v. acórdão de fls. 440-441, que não conheceu de agravo de instrumento interposto pelo paciente perante o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), mantendo decisão que determinara a prisão do paciente em face de inadimplemento de obrigação alimentar (v. fl. 52, e-STJ).
Historiam os autos que C. M. R. T. B. V., ex-esposa, L. E. de B. V., P. E. de B. V. e P. M. T. B. V., filhos do ora paciente, propuseram ação de execução, pelo rito do art. 733 do CPC, pleiteando o pagamento de prestações de alimentos, fixados em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais.
Em decisão à fl. 52, a il. magistrada de piso determinou o pagamento do "débito total apurado, mais do que se vencer até a data do efetivo e integral pagamento da dívida", a qual importava em R$ 758.733,87 (setecentos e cinquenta e oito mil, setecentos e trinta e três reais e oitenta e sete centavos), referente às parcelas vencidas entre novembro de 2012 e maio de 2014 ou, em caso de descumprimento, a prisão do ora paciente, pelo prazo de 30 (trinta) dias.
Inconformado, L. E. de B. V. N. manejou agravo de instrumento (fls. 25-43), do qual o eg. TJ-SP não conheceu, tendo em vista o anterior manejo de habeas corpus em favor do agravantenos termos do v. acórdão recorrido, assim ementado (fl. 441):
 
"Agravo de Instrumento - insurgência contra decisão interlocutória que decretou a prisão do devedor de alimentos e sobre a qual houve impugnação por meio de Habeas corpus - Inadmissível interposição de novo recurso - Violação ao princípio da unirrecorribilidade - Recurso não conhecido."
 
Foi, então, impetrado o presente writ no qual se aponta o v. acórdão como ato coator, afirmando-se que seria ato ilegal e suscetível de constranger o direito de locomoção do ora paciente, pois não examinou a decisão do magistrado de 1ª instância que determinara a prisão civil.
Aduz que: "(...) o varão sempre efetuou os pagamentos de valores em pecúnia e o custeio direto de despesas essenciais dos alimentados (notadamente aquelas relacionadas à saúde, educação e moradia), e pensando no atendimento das despesas mais básicas de seus filhos, de maneira que considerar tais pagamentos - que atingiram sua finalidade precípua, qual seja, o sustento da prole e a manutenção de seu padrão de vida - como uma mera liberalidade sua, constitui uma efetiva afronta à Lei, aos princípios éticos e morais norteadores do Direito, em especial aqueles correlatos ao direito de família e ao instituto dos alimentos, constituindo, sobretudo, verdadeira FONTE DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA" (fl. 11).
Alega, ainda, que o paciente fez diversos pagamentos, totalizando R$ 261.521,90 (duzentos e sessenta e um mil, quinhentos e vinte e um reais e noventa centavos), referentes a "(...) despesas essenciais dos exequentes, motivo pelo qual não se poderia deixar de considerar que a pensão alimentícia foi efetivamente paga pelo varão, AINDA MAIS EM SE CONSIDERANDO QUE OS PRÓPRIOS EXEQUENTES CONCORDARAM COM O PAGAMENTO" (fl. 11).
Suscita precedente do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que teria firmado entendimento de que: "(...) quando as despesas pagas diretamente pelo genitor atingirem o fim a que se destinam, as mesmas devem ser consideradas como pagamento de pensão alimentícia efetivamente, e não mera liberalidade" (fl. 12).
Afirma que a decisão que determinou a prisão seria ilegal, porque "(...) não foram considerados diversos pagamentos efetuados pelo alimentante, também não considerou pagamentos feitos em pecúnia, além dos filhos, menores e capazes (sic), terem concordado com o pagamento direto das despesas (...)" (fl. 23).
O pedido de liminar foi deferido, conforme decisão às fls. 450-455.
O eg. TJ-SP prestou informações às fls. 485-492.
Instado a se manifestar, o d. Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento deste remédio heroico, ou, se conhecido, pela denegação da ordem, conforme parecer (fls. 496-499) da lavra do em. Subprocurador-Geral da República, Dr. Sady d'Assumpção Torres Filho.
É o relatório.
 
 
 
 
HABEAS CORPUS Nº 312.551 - SP (2014⁄0339469-5)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
IMPETRANTE : RENATO VASCONCELLOS DE ARRUDA
ADVOGADOS : RENATO VASCONCELOS DE ARRUDA
    GILMAR GOMES DA SILVA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE  : L E DE B V N
 
VOTO VENCIDO
 
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Conforme relatado, cuida-se de habeas corpus impetrado por RENATO VASCONCELLOS DE ARRUDA em favor de L. E. de B. V. N., apontando como ato ilegal e abusivo o v. acórdão de fls. 440-441, que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo paciente perante o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), mantendo, com isso, decisão de 1º grau que determinara a prisão do paciente em face de inadimplemento de obrigação alimentar (v. fl. 52, e-STJ).
Nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF⁄88, o habeas corpus será concedido: "(...) sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
Por sua vez, em relação à competência originária desta Corte Superior, dispõe a Carta Magna:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União;
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
 
Portanto, a Carta da República confere ao Superior Tribunal de Justiça competência originária para processar e julgar habeas corpus impetrado contra decisão de tribunal sujeito a sua jurisdição, como sucede na hipótese.
Registra-se, ainda, que, de acordo com a jurisprudência desta eg. Corte, seguindo orientação emanada do col. Supremo Tribunal Federal - STF, embora o habeas corpus manejado perante o STJ como sucedâneo recursal não deva ser admitido, poderá ensejar a concessão da ordem ex officio em caso de ilegalidade no decreto de prisão. Nesse sentido:
 
CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO. WRIT NÃO CONHECIDO NA ORIGEM. DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO. IMPETRAÇÃO SIMULTÂNEA OU ISOLADA. POSSIBILIDADE. ANÁLISE DO MÉRITO DETERMINADA AO TRIBUNAL A QUO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. É firme o entendimento de que, salvo para reparar manifesta ilegalidade, não se admite a impetração de habeas corpus contra decisão de Relator, sob pena de supressão de instância.
2. A existência de recurso próprio para a análise do pedido não obsta a apreciação das questões na via do habeas corpus, tendo em vista sua celeridade e a possibilidade de reconhecimento de flagrante ilegalidade no ato recorrido, sempre que se achar em jogo a liberdade do réu.
3. Ordem concedida, de ofício, para que o Tribunal de origem proceda ao exame do mérito da impetração, conforme entender de direito.
(HC 90.245⁄MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄10⁄2007, DJ de 26⁄11⁄2007, p. 194)
 
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPÓSITO JUDICIAL. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. CASO FORTUITO.
1. A jurisprudência desta eg. Corte tem admitido, excepcionalmente, no intuito de reparar manifesta ilegalidade, a impetração de novo Habeas Corpus contra decisão monocrática de relator, denegatória de liminar em outro writ.
2. Diante da impossibilidade justificada da restituição da coisa depositada pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, ficam afastadas a infidelidade do depositário e a possibilidade de prisão civil.
3. Ordem concedida.
(HC 35.221⁄GO, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄08⁄2004, DJ de 25⁄10⁄2004, p. 346)
 
Na espécie, data venia, conforme assentado nos precedentes supratranscritos, esta eg. Corte deve conceder a ordem de habeas corpus, em face da ilegalidade da decisão que não conheceu do agravo de instrumento contra a decretação da prisão, em razão do manejo de anterior habeas corpus.
Com efeito, o v. acórdão estadual não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo paciente e, assim, manteve integralmente a r. decisão agravada, inclusive o decreto prisional. Provocado a examinar a referida decisão singular, a eg. Corte local entendeu pelo não conhecimento do agravo de instrumento, sob o argumento de que teria ocorrido a preclusão consumativa, quando da impetração de ordem de habeas corpus, antes da interposição do agravo. A titulo elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do v. acórdão estadual:
 
"Nesse contexto, não se pode olvidar que o princípio da unirrecorribilidade, também denominado da singularidade ou da unicidade, ao determinar que a parte que interpõe recurso pratica um ato processual pelo qual consuma o seu direito de recorrer, antecipando, inclusive, o dies ad quem do prazo recursal, tem por escopo promover segurança ao referido ato, impedindo, assim, sua posterior complementação ou correção.
A legislação em vigor prevê que contra cada decisão judicial proferida cabe, em relação a uma mesma parte, um único recurso. Se o interessado já havia impetrado habeas corpus contra a mesma decisão, não lhe é permitido interpor outro recurso. Dessa forma, impõe-se reconhecer que no caso em tela, ocorreu a preclusão consumativa do direito de recorrer da decisão ora impugnada, impedindo-se assim, o conhecimento deste segundo recurso.
(...)
Destarte, no que tange ao presente recurso, o recorrente não preencheu o pressuposto objetivo de cabimento e adequação do mesmo, além de ter-se configurado a preclusão consumativa sobre a matéria, uma vez que foi objeto de recurso anterior." (fls. 443-444)
 

Com a devida venia, o entendimento supratranscrito merece reforma, uma vez que o habeas corpus não pode ser considerado um recurso, mas, sim, uma ação constitucional restrita à garantia de liberdade do indivíduo, portanto, destinada somente à preservação da liberdade de locomoção do paciente, quando ameaçada por ato abusivo ou ilegal de autoridade, consoante disposto no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, abrangido inclusive em cláusula pétrea (CRFB, art. 60, § 4º, IV).

Assim, em razão do anterior manejo de habeas corpus, não estava configurada a preclusão consumativa recursal que fundamentou o v. acórdão estadual.

De fato, enquanto com o habeas corpus somente se poderia obter a prestação jurisdicional acerca do direito de liberdade do paciente, suspendendo-se liminar ou, definitivamente, o decreto prisional, apenas isso, com o recurso de agravo de instrumento o recorrente poderia alcançar o reexame mais amplo da decisão atacada, ensejando, em tese, liminarmente a suspensão, parcial ou total, de tal decisão e, em posterior exame de mérito recursal, a reforma, parcial ou total, da decisão agravada.

Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ entende ser descabido o habeas corpus como sucedâneo de recurso, mas este, desde que tempestivo, não fica prejudicado pelo anterior manejo daquele.

A discussão trazida no presente habeas corpus, quanto à legalidade da decisão impugnada, refere-se à possibilidade de justa prisão do paciente diante da ocorrência ou não do pagamento da pensão alimentícia fixada pelo eg. TJ-SP, no elevado valor mensal de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), envolvendo, portanto, o atendimento de necessidades não apenas alimentares, essenciais, dos pensionistas.
O impetrante alega que a decisão determinou o pagamento de R$ 758.733,87 (setecentos e cinquenta e oito mil, setecentos e trinta e três reais e oitenta e sete centavos), referentes a parcelas vencidas entre novembro de 2012 e maio de 2014, sem considerar que já haviam sido pagos R$ 261.521,90 (duzentos e sessenta e um mil, quinhentos e vinte e um reais e noventa centavos), no período de setembro de 2013 a maio de 2014, o que revelaria a intenção do paciente de prover espontaneamente, dentro de suas possibilidades, as necessidades de seus filhos e da ex-esposa.
Os fartos recibos e documentos anexados às fls. 63 e 200 a 416 e-STJ aparentam subtrair da dívida executada os requisitos constitucionais do inadimplemento voluntário e inescusável, autorizadores da excepcional prisão civil por dívida (CF, art. 5º, LXVII). As provas acostadas aos autos demonstram que o ora paciente arca, ao menos desde novembro de 2012 - portanto entre meses incluídos no período da dívida exigida -, com despesas de seus filhos e da ex-esposa, como se infere dos seguintes documentos, a título exemplificativo: a) pagamento de boleto referente à mensalidade do curso superior de administração de empresas de um dos filhos-exequente, na Fundação Getúlio Vargas (fl. 201); b) depósitos bancários em favor dos filhos (fl. 202); c) depósitos bancários em favor da ex-mulher (fls. 203-204); d) pagamento de mensalidade de um dos filhos em curso de ensino médio (fl. 217); e) declarações dos dois filhos varões (fls. 240-241) sobre o pagamento pelo paciente de despesas referentes a "(...) condomínio, plano de saúde, despesas com educação (mensalidade), telefone celular, pagamento de IPVA, seguro de carro, despesas com viagem e despesas de manutenção do imóvel de Indaiatuba"; f) pagamento de TV por assinatura (fl. 262); g) pagamento de academia de ginástica dos filhos varões (fls. 247 e 280).
O referido agravo de instrumento tirado da ação de execução de alimentos era o recurso adequado para devolver ao colendo eg. TJ-SP o exame da decisão recorrida, a ser ou não reformada. Tal recurso em nada ficara prejudicado pela impetração anterior de ação de habeas corpus pelo paciente-agravante, a qual se limitava a eventual subtração do efeito restritivo à liberdade de ir e vir do paciente, e não à reforma integral da própria decisão atacada, que somente poderia vir a ser obtida na sede recursal recusada (CPC, art. 522).
Nessa perspectiva, onde inviabilizou-se ilegalmente a via recursal adequada ao pleno reexame da decisão que determinara a prisão civil do devedor de alimentos, confirmada a plausibilidade das alegações do paciente, mediante a farta documentação acostada ao writ, considerando-se o expressivo valor da quantia já quitada, que, certamente, assegura a sobrevivência dos alimentandos, não deve prevalecer o decreto de prisão que emerge da decisão impetrada.
No contexto descrito, mostra-se injusto o sacrifício do direito de liberdade do paciente, cuja preservação se impõe.

Diante do exposto, concede-se o habeas corpus, confirmando-se a liminar deferida, para cassar o mandado de prisão expedido em desfavor do ora paciente, sem prejuízo do prosseguimento da execução do débito alimentar, em seus demais aspectos.

É como voto.

--------------

HABEAS CORPUS Nº 312.551 - SP (2014⁄0339469-5)
 
VOTO
 
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhores Ministros, peço vênia ao eminente Relator, porque entendo que não há dúvida de que o Tribunal cometeu uma ilegalidade ao não apreciar o agravo de instrumento, que é um recurso que tem um âmbito de cognição bem mais amplo do que o habeas corpus.
Nesse ponto, acompanho o voto do Relator no sentido de que o Tribunal deveria ter enfrentado o mérito do recurso de agravo que permitiria o exame da justificativa apresentada pela parte a propósito do valor dos alimentos e das quantias que haviam sido pagas in natura. Mas penso que o fato de as prestações terem sido fixadas em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por si só, não autoriza esta Corte a exercer o juízo de que isso excederia as necessidades do alimentado ou desbordaria das possibilidades do alimentante. Observo que o próprio impetrante reconhece que poderia pagar esse valor até mesmo à vista. Não dá para se investigar, no âmbito do habeas corpus, quais as necessidades dos três  alimentados que justificaram o valor desta pensão e nem se examinar quanto teria sido pago in natura, e se isso teria sido feito com concordância dos alimentados. Essa análise melhor será feita pelo Tribunal de origem no julgamento do agravo.

Acompanho, portanto, com a devida vênia, o voto do Ministro Luis Felipe Salomão, concedendo em parte a ordem de habeas corpus.

---------------

HABEAS CORPUS Nº 312.551 - SP (2014⁄0339469-5)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
IMPETRANTE : RENATO VASCONCELLOS DE ARRUDA
ADVOGADOS : RENATO VASCONCELOS DE ARRUDA
    GILMAR GOMES DA SILVA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE  : L E DE B V N

EMENTA

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR DE ALIMENTOS. EXECUÇÃO. ADIMPLEMENTO PARCIAL DO DÉBITO. IMPOSSIBILIDADE.  CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E NECESSIDADES ALIMENTARES DOS ALIMENTADOS. QUESTÃO DE FATO. INCIDÊNCIA DA SÚM 7⁄STJ. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO NA VIA ESTREITA DO WRIT. DECRETO PRISIONAL QUE DESAFIAVA O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO DEVIDAMENTE INTERPOSTO (art. 522, caput, do CPC; art. 19, § 2°, da Lei 5.478⁄1968). WRIT INTERPOSTO DE FORMA CONCOMITANTE. ANÁLISE DO RECURSO. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. Precedentes do STF e do STJ.

2. Na hipótese, verifica-se que o pacienteem total desrespeito ao provimento judicial, vem pagando a dívida na forma, na data e na quantidade que bem entende, ao seu bel-prazer. Dessarte, o pagamento na forma realizada, notadamente em razões das condições expostas nos autos, afronta sobremaneira a ordem judicial e o posicionamento sedimentado do STJ.

3. O montante da dívida não torna ilegal, por si só, a prisão civil do devedor de alimentos, desde que seja referente a alimentos devidos três meses antes do ajuizamento da ação, somados àqueles vencidos posteriormente (Súmula n. 309⁄STJ).

4. O remédio heróico, possuindo cognição sumária, é infenso à dilação probatória, tampouco admite aprofundada análise de fatos e provas controvertidos. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que a sede própria para examinar aspectos probatórios em torno da capacidade financeira do paciente é a execução de alimentos.

5. Assim, em sede de habeas corpus, não há como concluir, apenas no âmbito limitado de cognição do remédio constitucional, se as necessidades alimentares dos credores estão sendo supridas e se o devedor realmente tem condições de satisfazer sua obrigação, sem incidir no óbice da Súm 7⁄STJ.

6. O Tribunal de origem incorreu em ilegalidade - error in procedendo - ao deixar de apreciar o recurso de agravo de instrumento que desafiava o decreto prisional, haja vista que o fundamento utilizado - a impugnação da decisão por meio de habeas corpusimpediria o conhecimento do recurso - viola o ordenamento jurídico pátrio.

7. Verifica-se que o paciente interpôs corretamente o agravo de instrumento, recurso ordinariamente previsto para que o Tribunal a quo reexaminasse os fundamentos da decisão que decretou a ordem de prisão.

8. Ordem concedida, em menor extensão, para determinar o conhecimento do recurso de agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.