Prática Forense - Imobiliário

Ação Pauliana Requisitos da petição inicial

Por: Alberto Bezerra

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AÇÃO PAULIANA: REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL

 

Não deixando de atentar, primeiramente, para a questão do prazo decadencial (Código Civil, art. 178, inc. II), revelemos considerações acerca da petição inicial da ação pauliana, ou revocatória para alguns, que tem por objetivo a anulação de ato tido como fraudulento e que tal tenha gerado prejuízos a terceiros, in casu, a um credor.

 

O nosso ordenamento jurídico confere ao titular do direito ajuizar a ação para anular o ato jurídico em face do insolvente, à pessoa que com ele celebrou o trato considerado fraudulento, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé, desde que demonstre (novo CPC, art. 373, inc. I) a existência de três requisitos, quais sejam :

 

  • anterioridade do crédito, ou seja, que a dívida do alienante seja anterior ao ato fraudulento;

 

  1. eventus damni, que se pode dizer o resultado do dano ao credor, que nada mais é que a venda propriamente de bens do devedor, reduzindo-o a insolvência;

 

  1. consilium fraudis; terceiro requisito este, de ordem puramente subjetiva, radica no espírito pessoal dos contratantes. Significa dizer que o vendedor e o comprador devem estar concertados, combinados no espírito de prejudicar a terceiros, de frustrar os direitos creditórios destes terceiros.

 

Quanto ao primeiro requisito, não há qualquer dificuldade em examiná-lo de sua incidência, em qualquer caso concreto. Vejamos, entrementes, os demais requisitos.

 

( a ) eventus damni

 

Extrai-se do Código Civil que:

 

Art. 158 - Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

 

Art. 159 - Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

 

Por precaução a inicial merece ser instruída ser instruída com qualquer prova que indique a ausência de bens do réu na ação, seja certidão negativa de Registro de Imóveis, do Detran ou mesmo informação processual acerca de execuções ajuizadas contra este.

 

A este propósito vejamos as lições de Yussef Said Cahali, quando leciona que:

 

“O conceito de insolvência do devedor pode ser extraído da própria lei, embora em doutrina haja uniformidade quanto à sua conceituação: ‘É insuficiência do ativo realizável para cobrir o passivo; é insolvente o devedor, quando a soma do ativo de seu patrimônio é inferior à do passivo, caracterizando-se o estado de insolvência pelo fato de não ter o devedor bens suficientes para lhe cobrir as dívidas; o estado de insolvência caracteriza-se pela insuficiência dos bens do devedor para a satisfação integral dos credores.”(CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2008, Pág. 136-137).

  

( b ) consilium fraudis

 

De outro bordo, deverá ser demonstrado que existira má-fé entre os contraentes da aquisição de, por exemplo, um certo imóvel, quando, em conluio, “maquinarem” uma venda fraudulenta com o único propósito de livrar o(s) bem(ens) que possam guarnecer o pagamento da dívida.

 

 Isto é muito comum entre parentes, quando evidencia, em sua grande maioria, a já conhecida “fraude doméstica”, sempre no intuito de lesar credores ( fraus inter parentes praseumitur ).

 

Neste sentido: 

 

RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES.

Requisitos devidamente demonstrados. Manutenção da sentença. Como cediço, no processo de execução, vigora, em regra, o princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual o débito será quitado com o patrimônio do devedor. Tal princípio encontra-se previsto no art. 591 do ncpc. Sendo assim, a legislação previu instrumentos que resguardam os direitos do credor caso o devedor aja de forma a se despir de seu patrimônio e frustrar a execução. Um desses instrumentos é o instituto da fraude contra credores. Trata-se de instituto de direito material, previsto no Código Civil nos arts. 158 a 165, e ocorre quando o devedor insolvente ou próximo da insolvência aliena (gratuita ou onerosamente) seus bens, com o objetivo de impedir que seu patrimônio seja utilizado pelos credores para saldar as dívidas. Para a configuração do instituto, é necessária a demonstração de quatro requisitos pelo credor: (I) anterioridade do débito em relação ao ato apontado como fraudulento (art. 158, §2º, do CC); (II) o eventus damni, isto é, o prejuízo que o negócio considerado fraudulento causa ao credor, em virtude da redução do devedor à insolvência (a contrario sensu, o art. 165 do CC); (III) o conhecimento pela parte adquirente do estado do insolvência, já existente à época do negócio ou concretizado em virtude do negócio (art. 159 do CC); o (IV) o consilium fraudis, ou seja, o concerto realizado entre os que dele participaram na ciência do estado de insolvência (art. 161, parte final, do CC). Em se tratando de alienação gratuita, no entanto, não se exige a configuração do consilium fraudis, conforme se extrai do caput do art. 158 do CC. No caso dos autos, as autoras são credoras do réu Alexandre coelho Gomes, em virtude de contrato de locação, em que este figurou como fiador. Afirmam, na inicial, que em fevereiro de 2015 o contrato foi descumprido pela locatária, e o réu Alexandre veio a doar ao seu parente próximo, guilhermebrunocoelhogomes, o único imóvel que ainda estava em seu patrimônio, reservando-se para si o usufruto vitalício do imóvel. Os réus argumentam, em síntese, que quando a doação foi feita, em 02/04/2015, não havia qualquer dívida entre a empresa zazem, locatária, e as autoras, visto ter sido celebrada transação, em 03/11/2015, pela qual o débito de 01/02/2015 a 01/11/2015 foi parcelado. Sustentam, ainda, inexistência de estado de insolvência em relação ao primeiro réu. No entanto, compulsando os autos, verifica-se que não assiste razão aos réus, devendo ser mantida a sentença de procedência. Consoante o confessado pelos próprios réus, a dívida referente aos alugueis se iniciou em fevereiro de 2015, ao passo que o parcelamento dos débitos nos autos da ação de despejo e cobrança de alugueis se deu apenas no mês de novembro do referido ano. A doação, por sua vez, ocorreu em abril de 2015. Por essa ordem cronológica, fica evidente que a dívida de aluguéis é anterior à doação realizada pelo primeiro réu. Além disso, o parcelamento mencionado pelos réus não foi cumprido, tendo as autoras ajuizado ação de execução por título executivo extrajudicial de nº 0175285-72.2018.8.19.0001, para a cobrança de dívida de mais de R$ 1.200.000,00 (fls. 192/213). É ardilosa a conduta dos réus, no sentido de parcelar o débito de aluguéis, descumprir a avença e posteriormente alegar que ao tempo da realização da doação, não existia dívida. A anterioridade da dívida se encontra devidamente demonstrada. Da mesma forma, se encontra demonstrado o estado de insolvência do réu, ou seja, o eventus damni. Conforme consta na declaração de imposto de renda prestada à Receita Federal (fls. 139/140), o imóvel objeto da doação era o único de propriedade do primeiro réu, não possuindo este outros bens capazes de garantir o pagamento da dívida, restando claro o prejuízo aos credores. Além disso, não demonstrou o primeiro réu, meios pelos quais seriam possíveis o pagamento da dívida em questão de modo a afastar a configuração de insolvência. Diante de tal cenário, é forçoso concluir que a transação a título gratuito se deu com o objetivo de impedir a constrição do bem imóvel de propriedade do primeiro réu, o qual certamente seria acionado para quitar a dívida de aluguéis. Desprovimento do recurso. (TJRJ; APL 0056750-84.2018.8.19.0002; Niterói; Terceira Câmara Cível; Relª Desª Renata Machado Cotta; DORJ 04/02/2022; Pág. 250)

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PAULIANA. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS PARCIALMENTE ACOLHIDO. FRAUDE A CREDORES. REQUISITOS PRESENTES. IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEIS JÁ DESMEMBRADOS. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

No caso, os documentos apresentados com a inicial e as provas produzidas nos autos demonstram a anterioridade da dívida, o dano causado ao credor e a consilium fraudis, devendo ser mantida a sentença que declarou a anulação de alienação de um imóvel desmembrado, consistente em terreno lateral à residência da família. Como sabido, a impenhorabilidade instituída pela Lei nº 8.009/90, objetivou resguardar à família do devedor condições mínimas de sobrevivência. Se comprovado nos autos que o imóvel objeto de penhora comporta desmembramento, sem prejuízo à moradia da executada, deve ser afastada a impenhorabilidade e mantida a decisão, como é o caso dos autos. (TJMS; AC 0800365-03.2013.8.12.0019; Quarta Câmara Cível; Rel. Juiz Luiz Antônio Cavassa de Almeida; DJMS 06/12/2021; Pág. 130) 

   

Vejamos, a propósito, as lições de Washington de Barros Monteiro, quando professa que: 

 

“É notória quando sabida de todos, pública, manifesta, do conhecimento geral, mercê de protestos, publicações pela imprensa ou cobranças contra o devedor. Presumida, quando o adquirente tinha motivos para saber do precário estado financeiro do alienante.

A respeito desse conhecimento presumido, assentou a jurisprudência a seguinte orientação: a) o parentesco próximo, ou afinidade próxima, entre os contratantes é indício de fraude ( fraus inter parentes facile praesumitu ). Assim, pai que contrata com filho insolvente dificilmente poderá arguir sua ignorância sobre a má situação econômica deste: a scientia se presume nesse e noutros casos análogos; b) também não pode alegar ignorância desse estado quem anteriormente, havia feito protestar títulos de responsabilidade do devedor; c) relações íntimas de amizade, convivência freqüente, negócios mútuos ou comuns levam a presumir ciência do adquirente quanto á má situação patrimonial do devedor e à impossibilidade de solver suas obrigações; d) o emprego de cautelas excessivas é também, quase sempre, indicativo de fraude. “ ((MONTEIRO, Whasington de Barros. Curso de Direito Civil. 42ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, Vol. 1. Pág. 276-277)

( os destaques de negritos são nossos )

 

 

                                               Aliás, novamente sob a ótica das lições do autor acima citado, entende-se que sequer far-se-ia necessário que o terceiro-adquirente agisse em conluio, mas que tivesse conhecimento da fraude, senão o mero dever de agir com cautela quanto à insolvência do vendedor. 

 

“Igualmente, em relação ao cúmplice do fraudador (particeps fraudis) não se cuida da intenção de prejudicar, bastando o conhecimento que ele tenha, ou deva ter,  do estado de insolvência do devedor e das consequências que do negócio lesivo resultarão para os credores.” (Ob. e aut., cits. pág. 273-274).

( destacamos )

 

Não percamos de vista que, não raro, tal conduta é maculada pela venda através de preço vil, denotando, neste importe, mais um forte indício de que a venda seja tão-somente com o propósito de fraudar os credores.

 

AÇÃO PAULIANA. TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL PARA PARENTES PRÓXIMOS POR PREÇO VIL. EXISTÊNCIA DE DÍVIDAS ANTERIORES EM NOME DOS ALIENANTES.

Ato jurídico de venda e compra a agravar o estado de insolvência dos réus apelantes. Fraude contra credores configurada. Ausência de provas quanto à prévia ciência do credor sobre a insolvência dos réus. Ônus da prova dos devedores. Consilium fraudis e "eventum damni caracterizados

- Litigância de má-fé mantida. Sentença confirmada. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP - APL 994.05.045169-1; Ac. 4512189; Porto Ferreira; Sétima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Élcio Trujillo; Julg. 19/05/2010; DJESP 09/06/2010)

 

  

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