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Art 232 da CF » Jurisprudência Atualizada «

Em: 04/11/2022

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Art. 232.Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar emjuízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todosos atos do processo.

 

JURISPRUDÊNCIA

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO MINISTERIAL. ACOLHIDO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PREJUDICADA

1. Nos termos do artigo 127 da Constituição Federal, compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 2. Quanto à necessidade de participação do Ministério Público especificamente nestes autos, dispõe o art. 232 da CF: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 3. A ausência de intervenção do Ministério Público nestes autos é causa de nulidade, a teor do artigo 279, do CPC, máxime ao se considerar que sua não atuação pode ter importado em prejuízo à parte autora, que teve seu pleito julgado improcedente. 4. Portanto, torna-se imperiosa a anulação da sentença, com vistas à intimação do Ministério Público a se manifestar em primeiro grau de jurisdição, bem como prolação de novo decisório. 5. Acolhido parecer do MPF, para anular a r. sentença recorrida. Apelação prejudicada. (TRF 3ª R.; ApCiv 5003480-80.2022.4.03.9999; MS; Sétima Turma; Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto; Julg. 06/10/2022; DEJF 14/10/2022)

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS CAUSADOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO POR INDÍGENAS. RESPONSABILIDADE CIVIL. FUNAI. OMISSÃO DO ESTADO NÃO CARACTERIZADA. REGIME TUTELAR PREVISTO NA LEI º 6.001/73 (ESTATUTO DO ÍNDIO) NÃO RECEPCIONADO PELOS ART. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a ruptura da política integracionista e, ato contínuo, do regime tutelar da Lei nº 6.001/73 (Estuto do Índio) e do artigo 6º, inciso III, do CC/1916, que considerava os indígenas, em regra, incapazes para os atos da vida civil. 2. Segundo os arts. 231 e 232 da CF/88 e o artigo 8º da Convenção 169 da OIT (promulgada pelo Decreto n. 5.051/04) aos povos indígenas foi reconhecida a legitimidade ad causam para a propositura de demandas e, por via de consequência, reconhecida a sua legitimidade para responder pelos atos que praticam, vez que possuem, como quaisquer cidadãos, autodeterminação e livre arbítrio. Não há falar, portanto, em legitimidade e culpa administrativa da FUNAI sobre os fatos que ensejaram a presente ação reparatória. (TRF 4ª R.; AC 5017436-55.2017.4.04.7205; SC; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Rogerio Favreto; Julg. 04/10/2022; Publ. PJe 05/10/2022)

 

INDÍGENA E PROCESSO CIVIL. INTENÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO DE DEMARCAÇÃO. DISCUSSÃO DA POSSE INDÍGENA DE TERRAS. IMPERATIVO DA FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A COMUNIDADE INDÍGENA, SEM PREJUÍZO DA ATUAÇÃO DA FUNAI E DO MPF NA CAUSA. NULIDADE DO PROCESSO. RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE PRIMEIRO GRAU PARA MANIFESTAÇÃO DOS ÍNDIOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.

1. Cuida-se de Petição dos indígenas e de Agravos Internos (dos não índios e do Estado de Santa Catarina) contra decisum que deferiu o ingresso da Comunidade Indígena no feito, com retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que lá se analisem suas alegações. Assim, de um lado, a decisão guerreada reconheceu que a comunidade indígena cuja posse fundiária é questionada tem o direito subjetivo de ser ouvida no processo, na qualidade de litisconsorte passivo necessário. De outro, anulou-se o processo para que o Tribunal recorrido se manifeste acerca de questões postas pela comunidade indígena. Os expedientes serão julgados conjuntamente. 2. Os Agravos Internos dos particulares e do Estado de Santa Catarina defendem, em suma, que a comunidade indígena deve ser ouvida na qualidade de assistente simples, de sorte que o julgamento do Recurso Especial deve prosseguir. Alegam os agravantes que o caráter de assistência simples da participação da comunidade no processo apoia-se no fato de que os indígenas teriam a FUNAI e o MPF a falarem por si no processo, de modo que sua presença nele seria dispensável ou, ao menos, meramente facultativa. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO 3. Foi interposta Petição pelos não índios, na qual pleiteiam o sobrestamento do feito, com espeque em decisum do STF no RE 1.017.365/SC. Cita-se a justificativa do Ministro Edson Fachin: "DECISÃO: Por meio de Petição em eDOC 199, deduzida no bojo de pedido de tutela provisória incidental, a Comunidade Indígena Xokleng da Terra Indígena Ibirama La Klaño e diversos amici curiae admitidos no pleito requerem que venha este Relator a determinar a suspensão de todos os processos judiciais em curso, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação, bem como os recursos vinculados a essas ações até julgamento final da Repercussão Geral, nos termos do art. 1.035, §5º do CPC excluindo-se as ações judiciais movidas com a finalidade de reconhecer e efetivar os direitos territoriais dos povos indígenas. (...) A manutenção da tramitação de processos, com o risco de determinações de reintegrações de posse, agravam a situação dos indígenas, que podem se ver, repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus. (...) A Peticionária (indígena) refere-se à situação dos indígenas em face à pandemia relativa ao coronavírus (COVID-19), a impedir as decisões que imponham reintegrações de posse nesse período". 4. Considerando que o comando do STF visava proteger os índios de decisões que viessem a determinar a retirada de suas terras, entende-se que a presente Petição dos particulares não visa salvaguardar o mesmo intento. Logo, indefere-se o pleito neste momento processual, haja vista que ora se julga Agravo Interno de Petição de ingresso da comunidade indígena na causa e Petição de anulação do processo de demarcação. 5. Por outro lado, o presente caso envolve incidente de nulidade absoluta em função da inexistência de citação da litisconsorte. Daí que o julgamento não tem impedimento para continuidade, já que versa acerca da matéria não controvertida e não se trata de mérito, tal qual conhecido no RE-RG 1.017.365, pelo STF. Nesse sentido, há precedentes do STF: decisões recentes na AR 2.750, da relatoria da Ministra Rosa Weber - esta referendada no Plenário do STF; AR 2756, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia; Sr 2.759, da relatoria do Ministro Roberto Barroso; e AR 2766, da relatoria do Ministro Edson Fachin; ARE 1.301.154, da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, DJ 22.1.2021. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CAUSA 6. Discute-se nos autos a validade da Portaria 795, de 1º de abril de 2007, do Ministério da Justiça, que declara como sendo de posse permanente do Grupo Indígena Kaingang a Terra Indígena Toldo Pinhal, situada nos Municípios de Seara, Paial e Arvoredo, Estado de Santa Catarina. 7. Os autores ajuizaram Ação Anulatória contra a FUNAI e a União, pretendendo a declaração de nulidade da Portaria 795/2007 e de todos os atos administrativos tendentes à alteração dos limites da reserva indígena Toldo Pinhal. Em caráter sucessivo, pleitearam a condenação das rés ao pagamento de indenização pelo valor da terra nua e das benfeitorias situadas em suas propriedades. 8. Nesses termos, qualquer decisão proferida no presente feito tem o potencial de atingir a esfera de direitos dos nativos da etnia Kaingang relativamente às suas terras de ocupação tradicional, ou seja, ao seu direito de "posse permanente", de modo que devem integrá-lo na condição de litisconsorte necessário. INVALIDADE DA PREMISSA DE QUE A PRESENÇA DA FUNAI E DO MPF NA CAUSA BASTA PARA A REGULARIDADE DO PROCESSO 9. Deve-se afastar qualquer interpretação da Lei que transfira às entidades públicas poderes do titular do direito, emasculando-o. Mesmo quando atua por meio da substituição processual, o MPF não usurpa nem anula a titularidade dos índios sobre seus direitos. Tal conclusão decorre do art. 232 da CF, curiosamente transcrito no Recurso dos particulares como se lhes secundasse a tese. Dá-se bem o contrário. Para verificá-lo, basta não muito mais que rememorar seus termos: "os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo". 10. O contrário só encontraria base caso a norma atribuísse competência "exclusiva" ao MPF, com o consequente alijamento desses nativos. Mas, como visto, o art. 232 da CF adotou a solução inversa, ao fazer coincidir a titularidade do direito material com a legitimação e a capacidade processuais dos índios. Portanto, o fato de o MPF ter participado desta demanda nada diz sobre o pressuposto básico de validade de qualquer processo: citar-se o titular do direito cuja existência se quer negar. 11. O cerne dessas razões determina, mutatis mutandis, igual solução quanto à FUNAI. O Agravo Interno entende que o art. 35 da Lei nº 6.001/1973 - o Estatuto do Índio - teria efeitos convalidantes do processo, ao dispor que "cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas". Em suposto abono da conclusão, cita-se ainda o art. 11-B, § 6º, da Lei nº 9.028/1995, assim concebido: "a Procuradoria-Geral da Fundação Nacional do Índio permanece responsável pelas atividades judiciais que, de interesse individual ou coletivo dos índios, não se confundam com a representação judicial da União". O argumento tem dois defeitos estruturais a impedir-lhe o endosso. 12. Além disso, a atribuição da legitimidade e capacidade processuais aos índios decorre da letra expressa do art. 232 da CF, de modo que as Leis mencionadas nada poderiam estabelecer em sentido contrário. Nenhuma Lei ordinária poderia restringir o direito dos índios pelo expediente oblíquo de atribuir, com exclusividade, a órgãos públicos o poder da defesa de seus direitos em Juízo. 13. Em rigor, o argumento de que a presença da Advocacia de Estado na causa torna expletiva a participação da comunidade indígena no processo é a volta sub-reptícia da curatela dos índios, no âmbito Judiciário, que o art. 232 da CF baniu. Todos os indígenas do País ficariam assim rebaixados a incapazes. 14. Portanto, em não tendo ocorrido a defesa dos índios até o presente momento, por culpa alheia, incorrendo em grave prejuízo de difícil ou impossível reparação, cabe o pedido de ingresso na atual fase, bem como a nulidade de todo o processo ou de pelo menos dos atos decisórios — e que isso force o sistema de justiça do Brasil a reconhecer definitivamente os índios como sujeitos de direitos. 15. Ainda que acidentalmente, a tese dos agravantes priva os índios da qualidade de sujeitos do processo, rebaixando-os a objetos dele, na medida em que os submetem ao risco de ter seu direito subjetivo anulado por meio de decisão que não lhes garante igualdade de condições no litígio com seus adversários. Estivesse o direito patrimonial mais fútil em causa, como o relativo a bens voluptuários, ninguém negaria a qualidade de parte integral nela — litisconsorte — à pessoa que pudesse ser afetada pela decisão, desde o início da causa. Como está em discussão o direito à posse indígena, não basta que seu titular receba o processo no estado em que se encontra. PETIÇÃO DA COMUNIDADE INDÍGENA 16. Considerando as particularidades do caso concreto, entende-se desnecessária a anulação do processo a partir da contestação, haja vista a inexistência de prejuízo. Ora, só ocorreu prejuízo para a comunidade indígena a partir do momento em que ela não foi intimada da sentença de primeiro grau. 17. Dessarte, o processo deve ser anulado a partir da intimação da sentença, de modo que a parte autora possa complementar seu Recurso de Apelação contra a sentença de improcedência do pedido (em razão do ingresso de litisconsorte unitário) e, na sequência, possa a comunidade indígena apresentar as contrarrazões da Apelação. CONCLUSÃO 18. Agravos Internos dos não índios e do Estado de Santa Catarina não providos, e Petição dos indígenas parcialmente deferida, para que a anulação do processo limite-se à fase de intimação da sentença. (STJ; AgInt-Pet-REsp 1.586.943; Proc. 2016/0049053-8; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; Julg. 17/05/2022; DJE 01/07/2022)

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO PELO MP/MA CONTRA ATO DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO TJ/MA QUE DETERMINOU À SERVENTIA EXTRAJUDICIAL QUE EFETIVASSE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUJO PROCESSO LICITATÓRIO É QUESTIONADO EM ACP. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO EM CONFORMIDADE COM AS FINALIDADES INSTITUCIONAIS DO PARQUET. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. SEGURANÇA CONCEDIDAHISTÓRICO DA DEMANDA

1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público do Estado do Maranhão contra ato do Corregedor-Geral de Justiça do respectivo Tribunal de Justiça, que, nos autos do Pedido de Providências 44980/2017, determinou que a Serventia Extrajudicial do 1º Ofício do Município de Santa Inês, MA, efetuasse o registro da escritura pública de compra e venda lavrada no Livro 9, folha 129, da Serventia Extrajudicial do 4º Ofício de Bacabal, referente ao imóvel público arrematado no Leilão 3/2014, sem prejuízo da qualificação registral da parte que arrematara o bem, especialmente no tocante ao imposto de transmissão de bens imóveis e pagamento de emolumentos. 2. No mandamus foi pleiteada a concessão de segurança "para tornar sem efeito a decisão administrativa proferida no Pedido de Providência em trâmite no TJMA, que determinou o registro da escritura pública de compra e venda lavrada no Livro nº 9, folha 129, da Serventia Extrajudicial do 4º Oficio de Bacabal, referente ao titulo de arrematação de imóvel público gerado pelo Procedimento Licitatório Leilão Edital nº 003/2014, anulando, consequentemente, o registro do imóvel realizado pela Serventia em razão da determinação judicial". 3. O Tribunal Pleno de origem denegou a segurança, sob o fundamento de que o Ministério Público maranhense não é o titular do direito reclamado no Mandado de Segurança, sendo parte ilegítima para figurar no polo ativo. HISTÓRICO DOS FATOS QUE ORIGINARAM A IMPETRAÇÃO: DETERMINAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL QUESTIONADO EM ACP 4. O Ministério Público do Estado do Maranhão narra que, em 2015, o Cartório do 1º Ofício Extrajudicial da Comarca de Santa Inês não realizou o registro solicitado pelo arrematante do imóvel leiloado, após instaurar diligência registral, em síntese, pelos seguintes fundamentos: a) necessidade de apresentação dos documentos originais (art. 221, I, da Lei nº 6015/1973); b) alienação de imóvel público com inobservância do art. t. 17, caput e inciso I, da Lei nº 8.666/1993, quais sejam: existência de interesse público devidamente justificado, autorização legislativa, avaliação e licitação na modalidade concorrência; c) impossibilidade de registro de carta de arrematação expedida em decorrência de leilão de bem imóvel de domínio público (art. 167, I, DA Lei nº 6.015/1973); d) a descrição do imóvel relativo ao título a ser registrado não coincide com a descrição constante da matrícula n. 4121 (art. 225, § 2º, da Lei nº 6.015/1973), exigindo-se, pois, prévio procedimento administrativo de apuração de remanescente, nos moldes estabelecidos pelo art. 213, § 7º, da mesma Lei; e e) ausência de prova do recolhimento do valor do ITBI devido pela pretendida alienação (art. 156, I, C.C. art. 134, VI, do CTN e 289 da Lei nº 6.015/1973). 5. Noticiou, ainda, que, "no dia 21 de setembro de 2017, após a propositura da Ação Civil Pública para Declaração de Nulidade do Procedimento Licitatório Leilão (Edital nº 003/2014) e da Dispensa de Licitação nº 01/2014, c/c Pedido de Liminar, o arrematante do imóvel público apresentou Pedido de Providências (Processo nº 44980/2017-DIGIDOC) perante a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em face do Juízo Corregedor da Comarca de Santa Inês/MA e da Serventia Extrajudicial do 1º Ofício de Santa Inês/MA, objetivando a promoção do imediato registro da escritura pública de compra e venda gerada pela carta de arrematação, extraída do Leilão Público nº 003/2014, na matrícula nº 4.121 do Livro nº 2-P, pertencente à 1º Serventia Extrajudicial de Santa Inês", o qual foi acolhido em descompasso com os ditamentes legais. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA IMPETRAÇÃO DE WRIT EM DEFESA DE DIREITOS INDISPONÍVEIS DA SOCIEDADE 6. Conforme dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal, é função institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". 7. O fato de o citado dispositivo constitucional indicar que o Ministério Público deve promover a Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público, obviamente, não o proíbe de se utilizar de outros meios para a proteção de interesses e direitos constitucionalmente assegurados, difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, especialmente diante do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. 8. A Constituição Federal outorga ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos direitos transindividuais e individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer o direito de ação nos termos de todas a normas previstas no ordenamento jurídico, compatíveis com sua finalidade institucional. 9. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 177 do CPC/2015: "O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais". 10. O art. 32, I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº 8.625/1993, a seu turno, preconiza expressamente que os membros do órgão ministerial podem impetrar Mandado de Segurança nos Tribunais locais no exercício de suas atribuições, in verbis: "Art. 32. Além de outras funções cometidas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e demais Leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições: I - impetrar habeas-corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes". 11. É evidente que a defesa dos direitos indisponíveis da sociedade, dever institucional do Ministério Público, pode e deve ser plenamente garantida por meio de todos os instrumentos possíveis, abrangendo não apenas as demandas coletivas, de que são exemplo a Ação de Improbidade Administrativa, Ação Civil Pública, como também os remédios constitucionais quando voltados à tutela dos interesses transindividuais e à defesa do patrimônio público material ou imaterial. PRECEDENTE DO STF APLICADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EQUIVOCADAMENTE 12. Além disso, o MS 33.736 DF, prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, em que se embasou o aresto vergastado, ampara a existência de legitimidade do Ministério Público para propositura de mandamus, e não o contrário, como incorretamente afirmado. 13. A relatora do aludido writ, a eminente Ministra Cármen Lúcia, na segunda metade de seu Voto, explicita a possibilidade de o Ministério Público impetrar ação mandamental, tanto nos casos em que o direito alegadamente violado seja titularizado pela Instituição como, também, naqueles em que o Poder Constituinte incumbiu o Ministério Público de proteção, cabendo transcrever a passagem de seu Voto que importa ao deslinde do caso: "Não se pretende, a partir dessa compreensão, recusar a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para a impetração de mandado de segurança, apenas assinalar que esta condiciona-se àquelas situações específicas em que o direito alegadamente transgredido seja titularizado pela instituição (ou respeite às funções descritas no art. 129 da Constituição da República) ou por aqueles a quem o Poder Constituinte incumbiu o Ministério Público da proteção. Nesse particular, Sérgio Ferraz pontua: [É] inequívoco que pode o Ministério Público impetrar mandado de segurança em defesa de suas próprias funções institucionais (...), ou naqueles casos em que a Constituição da República lhe atribui, como função institucional (art. 129), a defesa judicial de determinados direitos e interesses (...). Assim se dá, por exemplo, e notadamente, com relação às populações indígenas (arts. 129, V, e 232, da CF, além da Lei Orgânica do Ministério Público) ou a interesse de menor (TJRJ: AC 7.448/99, Rel. Des. Ronald Valladares, DOERJ 18.5.2000, Parte III, Seção 1, p. 286. Tratava-se de mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público com vistas à obtenção de histórico escolar). Mas não só. E se bem é verdade que disponha o Ministério Público da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III), a tutela de tais bens e interesses é tão prezada pelo ordenamento constitucional que, se se revelar mais expedito para tanto, em caso concreto, o mandado de segurança, inevitável será a possibilidade de sua utilização pelo Parquet. Descabido, portanto, a nosso ver, limitar a legitimação ativa do Ministério Público, no caso específico de writ contra ato judicial, às questões de âmbito criminal (...). Pode-se, ainda, figurar outra situação, já, aí, de impetração como substituto processual, quando se cuida de infração a direito interestatal (V.g., contra eventual determinação judicial de bloqueio de conta de missão diplomática para saldar débito decretado na ação, sem que tivesse havido prévia e específica renúncia à imunidade de jurisdição) (Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros Editores, 4a ED. , 2006, p. 71-72). Na mesma linha, destacando as mesmas hipóteses em que se admitiria a impetração do mandado de segurança pelo Ministério Público, é o magistério de Eduardo Arruda Alvim (Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 3a ED. , 2014, p. 51). [Grifos nossos]". 14. O writ em exame visa anular registro de carta de arrematação de bem imóvel do Município de Santa Inês, sob o argumento de ilegalidade decorrente de vício em processo licitatório, discutido em Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Estado do Maranhão previamente ao registro do bem imóvel. 15. Evidente, assim, que tal demanda está abrangida na missão constitucional conferida ao órgão ministerial de defesa do patrimônio público, expressamente previsto no art. 25, IV, "b" da Lei nº 8.625/1993. Portanto, indisputável a legitimidade ativa do Ministério Público. 16. A probidade administrativa e os princípios da impessoalidade são direitos titularizados pela sociedade a quem o poder constituinte incumbiu o órgão ministerial de proteção. Portanto, deve ser rechaçada a tese de que o Parquet não é titular do interesse transgredido, não podendo se valer do mandamus para protegê-lo. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA POSTULADA PELO RECORRENTE 17. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público do Estado do Maranhão, passo ao exame do mérito, nos termos dos arts. 1.027, § 2º, e 1.013, § 3º, do CPC/2015, ante o pleito expresso da parte recorrente. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO: IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO DE IMÓVEL ALIENADO COM AFRONTA À Lei nº 8.666/1993. RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO PELA PRÓPRIA AUTORIDADE IMPETRADA 18. O impetrante demonstrou, de plano, a liquidez e certeza do direito pleiteado relativo à impossibilidade de registro do imóvel. 19. É evidente a impossibilidade de registrar bem imóvel cuja alienação é questionada em Ação Civil Pública por violar frontalmente da Lei nº 8.666/1993, vigente à época dos fatos. 20. A própria autoridade coatora, ao prestar informações, deixou de defender o ato impugnado e confirmou a ilegalidade do ato questionado, ao anotar (fls. 766-769 grifei): "É certo que, no fundo, a decisão impugnada é desta Corregedoria-Geral, pelo que caberia a mim, nesta sede, defendê-la e sustenta-la. Entretanto, trata-se de ato que foi praticado por outro membro do Tribunal de Justiça, quando no exercício da Corregedoria-Geral, além do que, após a análise esmiuçada do caso, pude concluir que assiste razão ao Ministério Público Estadual. Ora, não há zelo à segurança jurídica na admissão, para inscrição no fólio real, de título cuja origem se mostre viciada. A qualificação registrai serve exatamente à verificação da legalidade, possibilitando ao registrador negar a inscrição de título que apresente vícios extrínsecos ou intrínsecos. Resguarda-se, com isso, a segurança jurídica, porquanto estarão prevenidas as nefastas consequências de nulidades que posteriormente venham a ser declaradas, evitando - se prejuízos às partes e a terceiros de boa-fé. (...) No caso, novamente pedindo vênias ao eminente Decano, entendo que a ausência de legalidade era manifesta, quando da qualificação registral, dado que a alienação do imóvel do Município de Santa Inês deu-se em discrepância com a exigência do art. 17, inc. II, da Lei nº 8.666, de 1993 (Lei das Licitações), in verbis: (...) O imóvel, na presente hipótese, foi alienado mediante licitação na modalidade leilão, contrariando a exigência legal de que a escolha do adquirente se processasse pela via da concorrência. Ademais disso, conforme ressaltou a douta Procuradoria-Geral de Justiça, impetrante do mandamus, houve o comparecimento de único interessado, no caso o senhor Alcionildo Sales Rios Matos, o qual teria adquirido o imóvel, uma área de mais de 51 ha (cinquenta e um hectares), por preço abaixo do valor de mercado. Essas violações à legalidade e à impessoalidade também levaram o Ministério Público a propor ação civil pública de anulação de ato administrativo contra o Município de Santa Inês e as pessoas físicas que para elas contribuíram ou que delas auferiram vantagem" (grifei). 21. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à necessidade de observância da Lei nº 8.666/1993, vigente à época dos fatos, e quanto à adoção da concorrência para licitação de bem imóveis. Precedentes. 22. Sendo manifesto o vício no procedimento de alienação do imóvel, por afronta ao art. 17 da Lei nº 8.666/1993, que impõe que a licitação seja feita na modalidade concorrência, impossível o registro do imóvel. CONCLUSÃO 23. Recurso Ordinário provido para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público e conceder a segurança para tornar sem efeito a decisão administrativa proferida no Pedido de Providência em trâmite no TJMA, que determinou o registro da escritura pública de compra e venda lavrada no Livro n. 9, folha 129, da Serventia Extrajudicial do 4º Oficio de Bacabal, referente ao título de arrematação de imóvel público gerado pelo Procedimento Licitatório Leilão Edital n. 003/2014, anulando, consequentemente, o registro do imóvel realizado pela Serventia em virtude da citada decisão (STJ; RMS 67.108; Proc. 2021/0255030-3; MA; Segunda Turma; Rel. Min. Herman Benjamin; Julg. 05/04/2022; DJE 24/06/2022)

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. INDÍGENA. ARTIGO 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA.

A manifestação do Ministério Público Federal nesta Corte não supre a ausência de intervenção do parquet em Primeira Instância, vez que a sentença foi desfavorável à parte autora. - Parecer do Ministério Público Federal acolhido. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à Vara de Origem. Apelação da parte autora prejudicada. (TRF 3ª R.; ApCiv 5003076-34.2019.4.03.9999; MS; Nona Turma; Rel. Des. Fed. Nilson Martins Lopes Júnior; Julg. 29/06/2022; DEJF 06/07/2022)

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. INDÍGENA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO. SENTENÇA ANULADA.

1. O artigo 232 da Constituição da República, ao legitimar os índios para ingressar em Juízo na defesa de seus direitos e interesses, dispõe sobre a necessidade de intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo, resguardando-os, assim, de eventual prejuízo. 2. No presente caso, o Ministério Público não foi intimado para acompanhar o feito na instância inferior, havendo que se observar o disposto no artigo 279 do CPC. 3. A manifestação do Ministério Público em sede recursal não supre a ausência de sua intervenção em primeira instância, uma vez evidente, in casu, que a defesa da parte autora não foi plenamente exercida no Juízo a quo, mormente por ter sido julgado improcedente o pedido, restando evidenciado o prejuízo. 4. Parecer ministerial acolhido. Determino o retorno dos autos ao Juízo de origem para a necessária intervenção do Ministério Público. Prejudicada a apelação da parte autora. (TRF 3ª R.; ApCiv 5004035-34.2021.4.03.9999; MS; Décima Turma; Rel. Des. Fed. Nelson de Freitas Porfirio Júnior; Julg. 08/03/2022; DEJF 14/03/2022)

 

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. FUNAI. UNIÃO. DANO CAUSADO POR GRUPO INDÍGENA À PROPRIEDADE DE PARTICULAR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELAÇÕES PROVIDAS.

1. A presente ação se destina a obter provimento jurisdicional que condene as rés ao pagamento de indenização por danos materiais e morais decorrentes do incêndio na residência do autor. Este afirma que a FUNAI é responsável pelo sinistro, pois, na qualidade de tutora dos indígenas, deve prestar assistência e orientação a estes, como cidadãos inseridos à sociedade, a quem cabe respeitar as Leis, bem como responder por atos ilícitos que estes praticarem. 2. O regime tutelar de que trata o artigo 7º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.001/73, deve ser interpretado à luz da Constituição Federal de 1988, no sentido de que se busca dar proteção à organização social dos povos indígenas, seus costumes, suas tradições, suas terras e seus bens. Não há como emprestar interpretação tão extensiva ao regime tutelar a ponto de se pretender responsabilizar a FUNAI por todo e qualquer ato ilícito praticado por indígenas. Semelhante interpretação afrontaria o entendimento consagrado pela Constituição de que os indígenas têm capacidade de estar em juízo para a defesa dos seus direitos e interesses (artigo 232 da CRFB). 3. Hipótese na qual não há omissão atribuível à União ou à FUNAI que tenha gerado danos materiais ou morais aos autores, pois os indígenas, ainda que assistidos pelo Poder Público e merecedores de ações afirmativas por parte da Administração, possuem capacidade para responder por seus próprios atos. Ademais, em que pese a FUNAI também tenha como atribuição monitorar e fiscalizar as terras indígenas de forma a coibir eventuais tensões entre índios e proprietários rurais, tal não significa responder pelos atos praticados pelos índios, até porque inviável que a fundação controle esses atos, principalmente quando cometidos fora das áreas demarcadas. (TRF 4ª R.; AC 5001396-39.2015.4.04.7214; SC; Terceira Turma; Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler; Julg. 07/06/2022; Publ. PJe 07/06/2022)

 

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.

1. Embargos de declaração opostos pelo POVO INDÍGENA KARIRI-XOCÓ e pela UNIÃO em face de acórdão que negou provimento às suas apelações, mantendo a sentença que, em sede de ação de reintegração de posse, julgou procedente o pedido para determinar a reintegração dos autores José NASCIMENTO Freire, MAGNA DOS Santos ROSENDO, Maria CLARA ALVES, EDNA Freire E Pedro Sebastião DOS Santos na posse dos imóveis referidos na inicial e nos documentos que a acompanham, sob pena de multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais) em caso de não atendimento ou descumprimento da ordem. 2. Sustenta a Tribo Indígena Kariri-Xocó embargante, em síntese, que: A) não houve manifestação quanto à nulidade da sentença, tendo em vista a ausência de citação da comunidade indígena, gerando ofensa ao artigo 232 da CF/1988; b) a demarcação não tem natureza constitutiva, pois, sendo terra indígena, a delimitação e a definição dos marcos limítrofes são inafastáveis, conforme dispõe o art. 231 da CF/1988 e a Lei nº 6.001/1973; c) não houve apreciação acerca da afronta ao preceito dos artigos 139 e 460 do novo CPC. 3. Em contrapartida, alega a União embargante, em suma, que: A) ante a Portaria 2.358/2006 do Ministério da Justiça, não se pode cogitar de esbulho promovido pelos índios, legítimos possuidores da área, na forma assegurada pela Constituição Federal (artigos 20, XI, e 231); b) a premissa utilizada pelo acórdão para manutenção da sentença. Inexistência de proteção jurídica pela não finalização do procedimento demarcatório. Desconsidera o disposto no art. 25 do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973). 4. Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, cabem embargos declaratórios para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inc. I); suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento (inc. II) E para corrigir erro material (inc. III). 5. Inicialmente, convém registrar que restou consignado no acórdão o seguinte: ao contrário do alegado pela Tribo Indígena Kariri-Xocó, verifica-se que houve a citação da Tribo Indígena, através de Oficial de Justiça (id. 4058001.1190705), nas pessoas do Sr. IVANILDO, vulgo MOTORZÃO, e do Sr. EUZANI DA CRUZ, que se apresentou como representante da tribo, não havendo que se falar em cerceamento do direito de defesa ou nulidade da sentença. 6. Os embargos de declaração não são meio próprio ao reexame da causa, devendo limitar-se ao esclarecimento de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, in casu, inexistentes no acórdão embargado. 7. Todas as questões suscitadas nos presentes embargos são, na verdade, rediscussão do mérito, incabível em sede de embargos de declaração. 8. Ademais, a omissão só se caracteriza, no que tange ao enfrentamento dos dispositivos de Lei, quando a parte demonstra que, caso tivessem estes sido abordados, o resultado da demanda seria outro, circunstância que, no caso, não ocorreu, limitando-se as embargantes a pedir o pronunciamento do julgado. 9. Ressalte-se, por fim, que a mera interposição de embargos de declaração mostra-se suficiente para prequestionar a matéria, nos termos do art. 1.025 do CPC/2015. 10. Embargos de declaração desprovidos. (TRF 5ª R.; AC 08004762320164058001; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro; Julg. 17/05/2022)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE CESSÃO DE USO DE TERRENO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 232 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DEFICIÊNCIA NA DEMONSTRAÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1.035, §§ 1º E 2º, DO CPC/2015. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA.

1. Deficiência na fundamentação, em recurso extraordinário interposto sob a égide do CPC/2015, da existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Inobservância do art. 1.035, §§ 1º e 2º, do CPC/2015. O preenchimento desse requisito demanda a demonstração, no caso concreto, da existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. A afirmação genérica da existência de repercussão geral ou a simples indicação de tema ou precedente desta Suprema Corte são insuficientes para o atendimento do pressuposto. 2. A controvérsia, conforme já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta ao preceito constitucional indicado nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem, a reelaboração da moldura fática, bem como o reexame da interpretação conferida a cláusulas contratuais, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, "a", da Lei Maior, nos termos da remansosa jurisprudência desta Suprema Corte. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (STF; RE-AgR 1.311.405; RS; Primeira Turma; Relª Min. Rosa Weber; DJE 20/08/2021; Pág. 34)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO PRATICADO POR INDÍGENAS. DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA DA RODOVIA. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DOS ÍNDIOS (ART. 232 DA CF/88). ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL DA FUNAI. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.

1. Após o ajuizamento de ação de reintegração de posse por Concessionária contra a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, a União e a Tribo indígena Caegangue, o feito foi extinto, com base no art. 267, VI, do CPC/73, visto que os indígenas teriam desocupado voluntariamente o leito da rodovia por eles bloqueada, tendo recaído o dever de pagar honorários advocatícios sobre a FUNAI, em virtude do princípio da causalidade, já que, nos termos do art. 35 da Lei n. 6.001/73 (Estatuto do Índio), seria a Fundação a substituta processual dos silvícolas. 2. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 passou a reconhecer a legitimidade ad causam dos índios, de suas comunidades e de suas organizações para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses (art. 232), sendo lícito, nesse viés, admitir-lhes a também presença no polo passivo. 3. Estabelecida a assistência litisconsorcial entre o grupo da Tribo Caegangue e a FUNAI no polo passivo da demanda (art. 18 parágrafo único, do CPC/73), a extinção do feito, pela perda superveniente de seu objeto, impõe a orientação de que "a condenação em honorários advocatícios se pauta pelo princípio da causalidade, de modo que somente aquele que deu causa à demanda ou ao incidente processual é quem deve arcar com as despesas deles decorrentes" (RESP 1.809.073/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17/6/2019). 4. No caso concreto, a condenação ao pagamento da verba advocatícia deve recair exclusivamente sobre o grupo da Tribo Caegangue que bloqueou o leito da Rodovia BR-386, km 360, em Estrela/RS, pois nenhuma conduta pode ser atribuída à FUNAI como ensejadora direta do ajuizamento da ação de reintegração de posse pela Concessionária. 5. Diante da impossibilidade de se individualizar os responsáveis pelo esbulho (ocupação da pista), a fixação dos honorários resta impossibilitada. 6. Recurso Especial provido. (STJ; REsp 1.759.119; Proc. 2015/0260538-0; RS; Primeira Turma; Rel. Min. Sérgio Kukina; Julg. 23/02/2021; DJE 02/03/2021)

 

I. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO. RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO.

1. Horas extras e reflexos. Cargo de confiança. Art. 224, § 2º, da CLT. O TRT de origem registrou no acórdão, com base nos relatos das testemunhas ouvidas, que à parte demandante eram incumbidas tarefas meramente técnicas, burocráticas, sem o viés da fidúcia que pretendeu o legislador no §2º do artigo 224 da CLT, assim mantendo a sentença quanto ao deferimento de horas extras além da 6ª diária e reflexos. Nesse contexto, não se vislumbra maltrato aos arts. 224, § 2º, e 818, ambos da CLT, e 373, II, do CPC e contrariedade à Súmula nº 102, II, desta corte. O recurso de revista se concentra na avaliação do direito posto em discussão. Assim, em tal via, já não são revolvidos fatos e provas, campo em que remanesce soberana a instância regional. Diante de tal peculiaridade, o deslinde do apelo considerará, apenas, a realidade que o acórdão atacado revelar. Esta é a inteligência da Súmula nº 126 desta corte. 2. Base de cálculo das horas extras. O TRT, no trecho transcrito do acórdão, não faz menção à determinação de integração da gratificação semestral na base de cálculo das horas extras, de forma a se concluir pela contrariedade indicada à Súmula nº 253 do TST, tampouco à existência de previsão em norma coletiva de que a base de cálculo das horas extras considera apenas o vencimento padrão. Assim, ao que se tem, a decisão está em conformidade com a diretriz da Súmula nº 264 do TST, que não se tem por contrariada. Não há provimento possível, remanescendo incólume o art. 7º, XXVI, da CF, ao passo que o aresto colacionado não indica a fonte de publicação (Súmula nº 337, I, do tst). 3. Reflexos das horas extras nos sábados. Na decisão regional está registrado que, em relação aos sábados, a reclamada, por meio de seu sindicato, comprometeu-se na norma coletiva da categoria profissional a levá-los em conta, além dos domingos e feriados, para aferição dos reflexos de horas extras em repousos semanais remunerados. Premissa fática sequer combatida, diretamente, nas razões de revista. , situação que afasta a incidência da diretriz da Súmula nº 113 do TST, que não se tem por contrariada. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. II. Agravo de instrumento do reclamante. Recurso de revista. Descabimento. Protesto interruptivo da prescrição. Horas extras além da sexta diária e reflexos. Segundo consta em trecho transcrito do acórdão, o reclamante não fundamentou suficientemente sua pretensão de interrupção de prescrição, visto que nem mesmo se preocupou em juntar a cópia da exordial referente à ação interruptiva, não se sustentando o argumento recursal de que o MM. Juízo de primeira instância deveria conhecer o teor dos autos nº 1002008- 65.2016.5.02.0009. O regional, em nenhum momento, pôs em xeque a possibilidade de o sindicato de classe ajuizar protesto interruptivo de prescrição em benefício dos trabalhadores, mas apenas registrou que o demandante, nesta reclamação trabalhista, não apresentou, com a inicial, prova do ajuizamento da medida, motivo pelo qual entendeu correta a sentença quanto ao não acolhimento da arguição de interrupção da prescrição. Nesse contexto, não se vislumbra afronta aos arts. 224 da CLT, 867 do CPC, 202 do Código Civil, 5º, XXI, XXXVI e LXX, 8º, III, e 232 da CF, tampouco contrariedade à compreensão depositada na o.j. 392 da sbdi-1 do TST. Os arestos colacionados no recurso de revista não servem ao pretendido confronto de teses, dada sua origem em turmas do TST e no STF (CLT, art. 896, a). Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST; AIRR 1000389-95.2017.5.02.0064; Terceira Turma; Rel. Min. Alberto Bresciani; DEJT 12/03/2021; Pág. 4366)

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO DOENÇA. INDÍGENA. RURÍCOLA. SEGURADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ARTIGO 232 DA CF E ARTIGO 279 DO CPC. COMPROVADO PREJUÍZO CAUSADO À PARTE PELA AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PEDIDO FUNDAMENTADO NA IN 45/2010 QUE ESTAVA REVOGADA Á ÉPOCA. NULIDADE INSANÁVEL. SENTENÇA ANULADA.

1. A parte autora ajuizou a presente ação objetivando a concessão de benefício previdenciário argumentando, em síntese, que está incapacitada para a atividade laboral habitual de trabalhadora rural segurada especial em virtude de problemas respiratórios. 2. A necessidade de intervenção do Ministério Público nos processos em que são partes os índios, suas comunidades e organizações está prevista no artigo 232 da CF. 3. A ausência de intervenção do Ministério Público nos casos em que ela é obrigatória acarreta a nulidade do feito, ex vi do disposto no art. 279 do Código de Processo Civil. 4. A jurisprudência é assente no sentido de que a nulidade decorrente da ausência de intimação do Ministério Público se verifica apenas quando existir prejuízo à parte. 5. Em caso de ausência de prejuízo, a falta de intervenção do Ministério Público em primeiro grau poderá ser suprida por sua manifestação em segundo grau. 6. Para comprovar a condição de segurada especial da Previdência, tanto a inicial como a sentença, apregoaram a desnecessidade da produção de início prova material acerca do exercício de atividade rural em regime de economia familiar, com base na Instrução Normativa nº 45 INSS/PRES, de 06/08/2010 que, em seu artigo 7º, § 3º, reconhece a condição de segurada especial da parte autora. 7. Todavia, à época do requerimento administrativo, essa Instrução Normativa já estava revogada, por força do artigo 804 da Instrução Normativa INSS Nº 77 DE 21/01/2015, que passou a regulamentar a matéria, dispondo sobre a necessidade de cadastro pela FUNAI dos indígenas, perante o INSS, na categoria de segurado especial, através de inscrição e certificação dos períodos de exercício de atividade do indígena na condição de Segurado Especial, além de declaração anual confirmando a manutenção desta condição, a ser realizada por servidores públicos da FUNAI. 8. A juntada desse documento era medida imprescindível para fins de comprovação da condição de segurada especial da parte autora, sendo manifesto, portanto, o prejuízo sofrido pela ausência de intervenção ministerial, que era obrigatória. 9. Sentença anulada, de ofício de ofício, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular processamento do feito com a intervenção do Parquet. Prejudicada a apelação do INSS. (TRF 3ª R.; ApCiv 5002643-30.2019.4.03.9999; MS; Sétima Turma; Relª Desª Fed. Inês Virgínia Prado Soares; Julg. 02/12/2021; DEJF 10/12/2021)

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. INDÍGENA. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ARTIGO 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE.

Ação em que a parte autora é indígena, sendo, pois, obrigatória a intervenção do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 232 da Constituição Federal. - Hipótese em que a ausência de intimação do Ministério Público para acompanhar o feito na Primeira Instância acarreta a nulidade absoluta do processo, sobretudo em virtude da alegação de fraude na elaboração dos documentos em que se fundou o requerimento administrativo de pensão por morte. Inteligência do artigo 279 do Código de Processo Civil. - Acolhida a manifestação do Parquet Federal em Segunda Instância para anular os atos decisórios do processo e determinar o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de possibilitar a participação do Ministério Público Federal em Primeiro Grau de jurisdição. - Remessa oficial e apelações das partes prejudicadas. (TRF 3ª R.; ApelRemNec 5001076-90.2021.4.03.9999; MS; Nona Turma; Relª Desª Fed. Daldice Maria Santana de Almeida; Julg. 04/08/2021; DEJF 11/08/2021)

 

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.

1. Trata-se de apelações interpostas pela União, pela FUNAI e de remessa necessária (na parte que julgou improcedente o pedido de indenização) contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 22ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, que julgou parcialmente procedente o pedido, determinando que a União e a FUNAI dessem início ao procedimento de identificação, delimitação, declaração e demarcação da terra indígena da Aldeia de Monte Nebo, indeferindo a pretensão consistente na indenização de danos. Por fim, determinou a intimação da FUNAI, para que, no prazo de 120 dias, instaurasse o processo mediante a publicação da portaria nomeando o antropólogo responsável pelo trabalho de identificação e fixando o prazo para a conclusão dessa fase (art. 2º, Decreto nº 1.775/96), sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia que exceder o prazo, seguindo-se as demais fases previstas no Decreto nº 1.775/96. 2. Tratam os autos, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo MPF contra a União e a FUNAI, objetivando a determinação de que as rés adotem as medidas necessárias para iniciar o procedimento de identificação e demarcação da Terra Indígena da Aldeia do Monte Nabo, além da condenação em danos morais coletivos. De acordo com a inicial: 1) desde o ano de 2004, os indígenas estariam mantendo um conflito fundiário com os trabalhadores rurais integrantes do Assentamento Santa Rosa; 2) um estudo antropológico feito por um servidor de seu quadro (Parecer Técnico nº 2/2005) constatou a posse da área pelos índios potiguaras; 3) os indígenas abandonaram a área em 2012, diante da relação conflituosa com os trabalhadores rurais assentados; 4) a União e a FUNAI são omissos no dever de identificar e demarcar a terra, apesar dos inúmeros expedientes do Parquet requerendo providências, não tendo sido constituído sequer o grupo técnico necessário para o início do procedimento. 3. Considerando que o agravo retido interposto pela União contra a decisão que concedeu a tutela antecipada, e reiterado em sede de apelação, trata de matérias semelhantes às trazidas em sede de apelação, passo a examiná-los de forma conjunta. 4. Conforme o entendimento do STJ, é obrigatória a participação da União nas demandas que envolvam o interesse individual ou coletivo dos indígenas, como é o caso em exame, em que se pleiteia a demarcação da terra indígena. Nesse sentido: AgInt no RESP 1524045/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 27/08/2020). 5. No procedimento demarcatório há etapas a serem seguidas pelo Poder Executivo Federal, que é responsável, por exemplo, pela publicação de Portaria demarcatória do Ministério da Justiça e pela homologação, mediante Decreto da Presidência da República, da respectiva demarcação, sendo, portanto, imprescindível que figure no polo passivo da ação civil pública. 6. Também não merece acolhimento a alegada inadequação da via eleita. A Ação Civil Pública é o meio processual adequado para determinar às demandadas, se for o caso, que adotem medidas assecuratórias de direitos essenciais constitucionalmente reconhecidos, sendo o direito indígena tratado nos autos previsto no art. 231 da Constituição Federal. 7. No mérito, deve-se ressaltar que o processo administrativo de demarcação de terras indígenas encontra-se previsto no Decreto nº 1.775/96, que regulamenta a Lei nº 6.001/73. O referido Decreto trata das fases do procedimento, atendendo às normas previstas nos art. 231 e 232 da Constituição Federal. O STF, inclusive, já se pronunciou pela constitucionalidade das regras do Processo Administrativo de demarcação de terras indígenas regulado pela Lei nº 6.001/1973 e pelo Decreto nº 1.775/1996 (RMS 26.212, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 03/05/2011). 8. De acordo com o art. 67 do ADCT: A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. Quanto a esse dispositivo, o STF possui entendimento de que o marco temporal previsto no art. 67 do ADCT não é decadencial, mas que se trata de um prazo programático para conclusão de demarcações de terras indígenas dentro de um período razoável (RMS 26212, Relator Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, julgado em 03/05/2011) 9. Em julgado recente, esta 1ª Turma se pronunciou no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário substituir os Poderes Legislativo e Executivo no exercício de atribuições que lhes são próprias e indelegáveis, fixando prazo, por exemplo, para o início e conclusão de procedimento administrativo demarcatório de terra indígena (considerando que essa matéria está inserida no âmbito do Poder Discricionário da Administração e sob pena de violação do Princípio da Separação dos Poderes), havendo, entretanto, situações excepcionais que demandam a atuação do Poder Judiciário, ainda que nesse agir envolva a aplicação de recursos públicos em favor de certa demanda social (no caso, por exemplo, em que a omissão do Poder Competente seja de tal monta em cumprir os encargos político-jurídicos que o não agir comprometa seriamente a eficácia e integridade de direitos individuais e/ou coletivos) (Processo: 08038247920174058400, Apelação Cível, Desembargador Federal Alexandre Luna Freire, 1ª Turma, Julgamento: 03/09/2020). 10. No caso dos autos, a sentença recorrida merece reforma. 11. Conforme ressaltado na Informação Técnica nº 3/2018 da FUNAI (fls. 628 do pdf), o Plano Plurianual 2016-2019 colocou como meta para a ação pública, em seu objetivo 1014, a delimitação de 25 terras indígenas, o que perfaz uma média anual entre 6 e 7 delimitações de terra e que tem cumprido a meta estabelecida. Destaca que o Ministério Público tem entrado frequentemente com ações civil públicas no intuito de determinar que a FUNAI constitua grupos técnicos e dê início aos estudos de identificação e, em outros casos, que sejam concluídos procedimentos já abertos, mas que essas decisões judiciais acabam por impor uma carga de trabalho que excede as capacidades técnicas e orçamentárias, fazendo com que se deixe de cumprir os procedimentos planejados para o exercício, colocando muitas vezes reivindicações recentes na frente de reivindicações mais antigas. Afirmou, por fim, que foram priorizadas ações de demarcação nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, além do Mato Grosso do Sul, nas quais a malha fundiária é bastante intrincada, sem prejuízo da continuidade de antigos processos de regularização fundiária na Amazônia Legal. 12. A utilização de ação civil pública para fixação de prazos ao Poder Público, como forma de determinar que se desincumba de praticar atos que são de sua competência, dificulta a autogestão, caracterizando-se como indevida interferência do Poder Judiciário na seara administrativa. A FUNAI tem autonomia de se autogerir, de priorizar suas atribuições, cabendo ao administrador a eleição de prioridades, considerada a estrutura e os recursos de que dispõe. 13. Em caso que tratava de direito ambiental, mas que bastante se assemelha ao caso dos autos, já entendeu esta 1ª Turma (AGTR nº 0800874-43.2018.4.05.0000), que impõe-se ponderar acerca dos limites de atuação do Poder Judiciário, notadamente para o estabelecimento de prioridades por grau de ameaça ambiental, sem que tenha, a priori, a percepção completa da situação das unidades ambientais que aguardam planos de manejo. Sendo limitados os recursos humanos e financeiros para a concretização dos planos de manejo, não carece de razoabilidade a conduta da Administração Pública de estabelecer os projetos prioritários, por razões de interesse público. [...] Assim como o Poder Judiciário não deve autorizar que pacientes passem na frente de outros em fila de atendimento do SUS, exceto em situações excepcionais, o Estado-juiz do mesmo modo não deve redesenhar o rol de prioridades fixado pela Administração Pública, sem que esteja calcado em razões robustas que justifiquem prejudicar uma unidade ambiental em favor de outra. 14. Dessa forma, merece reforma a sentença recorrida, uma vez que a pretensão do MPF caracteriza-se como intromissão indevida do poder judiciário sobre a atuação dos entes públicos, o que é vedado por força do princípio da separação dos poderes. 15. Por fim, ressalte-se que consta na Informação Técnica nº 3/2018 da FUNAI já mencionada, que, em cumprimento à decisão judicial, foi incluído no planejamento para o exercício de 2017 a realização dos estudos, visando a identificação e delimitação da área reivindicada pelo povo Potiguara de Monte Nebo, tendo sido encontradas dificuldades em encontrar profissionais do quadro, ou colaboradores externos, de qualificação reconhecida com formação acadêmica nas áreas antropológica, ambiental e cartográfica, com notório saber sobre o determinado povo indígena, que pudessem compor o Grupo Técnico (GT) e confeccionar o relatório, tal como previsto no Decreto nº 1775/96, mas que o Planejamento para 2018 estava sendo elaborado com a inclusão dos estudos da área reivindicada pelo povo Potiguara de Monte Nebo. 16. A inclusão da área mencionada no processo deve ser feita por iniciativa do órgão competente, não sendo possível ao judiciário impor à FUNAI, como estabelecido na sentença, que publique portaria nomeando antropólogo responsável pelo trabalho de identificação no prazo de 120 (cento e vinte) dias, sob pena de multa diária. 17. Agravo retido, apelação da União e apelação da FUNAI providos, para julgar improcedentes os pedidos. Remessa oficial, que versava sobre a condenação dos réus em danos morais coletivos, prejudicada. (TRF 5ª R.; APL-RN 00000558220154058104; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Francisco Roberto Machado; Julg. 09/09/2021)

 

ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM EM AEROGRAMA COMERCIAL, PELA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EBCT. FOTOGRAFIA AUTORAL DE INTEGRANTE DE COMUNIDADE INDÍGENA, DURANTE ENCONTRO DE POVOS DO XINGU. RESPONSABILIDADE DA EBCT, POR ATO DE TERCEIRO. CONFIGURAÇÃO DE DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO, AINDA, A DIREITOS AUTORAIS E EXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS. LEI N. 9.610/1998. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Ação proposta por Susan Irene Cunningham e Takire Kayapó, na qual se pleiteia a condenação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) pelo uso não autorizado de imagem em aerograma comercial. Sustenta-se, em síntese, que Susan Irene acompanhou a comunidade Kayapó de AUkre no Primeiro Encontro de Povos do Xingu, registrando, na oportunidade, diversas imagens da comunidade indígena, dentre as quais a fotografia de Takire Kayapó. Ocorre que, sem qualquer autorização, a Empresa Pública teria feito uso da fotografia para fim meramente comercial, atribuindo os créditos da imagem a Álvaro Nunes, responsável pela pesquisa iconográfica e criação de artes plásticas da EBCT, mediante contratação. 2. Uma primeira sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC vigente à época. De acordo com o Juízo a quo, haveria ilegitimidade passiva ad causam da EBCT, na medida em que o uso indevido da fotografia não pode ser imputado à Empresa Pública, senão ao próprio responsável contratado pela pesquisa e criação dos elementos publicitários, motivo a tornar ilegítima aquela Instituição. 3. Interposto recurso inominado, a Turma Recursal decretou a nulidade dessa primeira sentença e devolveu o processo à Vara de origem, para regular processamento e novo julgamento da causa (ementa registrada em 18/11/2016). De acordo com a Turma Recursal, o pedido inicial também se sustenta no uso e na comercialização da imagem pelos Correios. Sendo essa uma questão a ser dirimida no mérito, não seria dado concluir pela ilegitimidade passiva da EBCT, pois tais fatos foram praticados diretamente pela Empresa. E, se o Juízo concluir que a EBCT não tem culpa por eventual dano aos direitos de imagem, uma vez que teria recebido a fotografia de um colaborador, então o julgamento resolve o mérito da lide. A Turma considerou, ainda, que o feito não estava em condições de imediato julgamento, pois exigiria a mais completa instrução probatória e outras regularizações, tal como a intimação do Ministério Público Federal, conforme exigência do art. 232, da Constituição Federal. 4. Devolvido o processo à instância originária, em 03/03/2017 (registro do trânsito nessa data). Lá intimado, o Ministério Público Federal pugnou pela ausência de interesse público do Parquet, tendo por não caracterizada sua função primária de custus legis acerca do conflito de interesses que permeia a controvérsia desta demanda. 5. Em nova sentença (registro em 22/01/2020), à exceção da ilegitimidade passiva ad causam, o Juízo a quo manteve integralmente os fundamentos da sentença anterior, reconhecendo que o contrato celebrado com o Sr. Álvaro Nunes, por meio do qual fora cedido o direito de divulgar a fotografia, serve de fundamento para descaracterizar a responsabilidade da EBCT. Assim, considerando o termo de cessão que lhe autorizava o pleno exercício do direito, reconheceu a impossibilidade de atribuir qualquer ônus à parte imputada como Ré, pelo que improcedentes os pedidos formulados na exordial. 6. Razões do novo recurso interposto pelas partes Autoras: A) o Juízo de primeira instância baseia sua decisão unicamente na compreendida impossibilidade de a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ser responsabilizada pelos danos causados pelo Sr. Álvaro Nunes; b) por expressa previsão legal, há responsabilidade solidária entre o fraudador e aquele que vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonogramas reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem; c) resta incontroverso que a Empresa Pública determinou a comercialização do aerograma, auferindo valores pela comercialização da obra; d) mesmo que a coleta da fotografia tenha sido realizada por terceiro, é inconteste que a parte Recorrida produziu os aerogramas, vendendo-os em todo o território nacional, com inequívoco interesse econômico; e) eventual atribuição de culpa ao Sr. Álvaro Nunes não é suficiente para afastar a responsabilidade solidária da Empresa Pública; f) por mais que o Sr. Álvaro Nunes não possa ser enquadrado no conceito de empregado da parte Recorrida, é fato incontroverso que houve a contratação do profissional para utilizar a obra, devendo ser responsabilizada pelos danos decorrentes da referida contratação; g) há necessidade de duas autorizações (fotógrafo e retratado) para o uso público de uma imagem; h) a divulgação de imagens de povos indígenas tem conotação relevante para toda a população, sendo cercada de restrições ainda maiores do que as usualmente observadas; I) a comercialização dos aerogramas pela parte Recorrida feriu o direito autoral de Susan Irene, enquanto fotógrafa, pois não autorizou o uso público de sua obra; j) o termo de cessão assinado pelo Sr. Álvaro Nunes é intrinsecamente inválido sob os aspectos formal e material, tornando-se um documento inábil para produzir quaisquer efeitos jurídicos; k) por inexistir qualquer autorização, o uso indevido da obra fotográfica enseja indenização a título de danos morais e materiais. 7. A parte Ré ofereceu resposta escrita ao recurso. 8. Concluso à Relatoria, em 28/05/2020, deu-se vista ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 30 (trinta) dias, à luz das disposições contidas no art. 232, da CRFB/88. 9. Nessa oportunidade, o Ministério Público Federal, sob o manto da independência funcional, retratou-se da manifestação anterior, pugnando, agora, pelo seu interesse no curso da demanda judicial, haja vista o ingresso em Juízo de uma parte Autora na condição de indígena. Em seu parecer, declara assistir razão às partes Recorrentes, sob tais fundamentos: A) cabe à EBCT tomar as devidas cautelas, exigindo a apresentação, por seu contratado, de documento que ateste a propriedade dos direitos de autor; b) a responsabilidade das empresas públicas por danos causados a terceiros é objetiva, independentemente de terceiros serem usuários do serviço público; c) o contratado não era criador originário da obra fotográfica, embora a tenha indevidamente cedido à EBCT; d) o uso indevido da imagem/obra artística, sem devida autorização, viola direitos autorais e da personalidade, constituindo ato ilícito passível de reparação. 10. No caso, realmente assiste razão às partes Autoras. Conforme restou demonstrado pela documentação inicial, a Sra. Susan Irene Cunningham, fotógrafa, participou do Primeiro Encontro de Povos do Xingu, realizado na cidade de Altamira/PA, procedendo, naquela oportunidade, ao registro de imagens da comunidade indígena Kayapó de AUke. Diante de autorização expressa de Takire Kayapó, (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 10), a Sra. Susan Irene utilizou as fotografias no livro intitulado Out of the Amazon, publicado pela HMSO Centre Publications. 11. Ocorre que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), ao confeccionar aerograma para a Região Norte, utilizou uma das imagens capturadas por Susan Irene Cunningham na criação gráfica do aerograma, atribuindo a autoria da imagem à Álvaro Nunes, responsável pela criação de artes plásticas da EBCT. Não há, registra-se, qualquer indício de autorização para o uso das imagens pela fotógrafa (Sra. Susan Irene Cunningham), tampouco do fotografado (Takire Kayapó), o que indica violação ao direito à imagem, assim como ao direito autoral de Susan Irene. 12. Os fundamentos para a responsabilização pelo uso não autorizado de imagem alheia têm alicerce na própria Constituição Federal (art. 5º, X), para quem é inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Sob o prisma constitucional, portanto, preserva-se o direito à imagem da pessoa, resguardando-se sua individualidade e impedindo a exposição não autorizada de atributos extrínsecos à personalidade. Não sem razão, o Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas oportunidades, tem reconhecido que a utilização de imagem sem autorização constitui dano moral puro indenizável, cuja existência tem-se por presumida (RE 869.232/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, publicado em DJe 04/03/2015). 13. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo o entendimento outrora consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, até aprovou o Enunciado da Súmula n. 403, segundo o qual independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. É dizer, a publicação de imagem de terceiro, sem a sua autorização, configura dano moral, porque violado o direito da personalidade, também protegido pelo art. 20 do Código Civil, especialmente quando utilizada para fins meramente comerciais ou econômicos. É certo que o STJ, ao proceder à análise do RESP 1.631.329/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (Info 614), previu exceção ao referido enunciado para os casos em que a divulgação da imagem mantém vinculação direta com fato histórico de repercussão social, o que, convenha-se, não se aplica ao uso dado pela EBCT no caso sob julgamento. 14. Ainda sob o manto da Constituição Federal (art. 37, §6º), as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, mantendo o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Tal previsão, como se nota, repousa sob a teoria do risco administrativo, na qual se prevê a caracterização da responsabilidade quando presentes a conduta, o resultado, assim como o nexo de causalidade (não se exige, portanto, a presença do elemento subjetivo). O Código Civil, inclusive, enfatiza a aplicação da teoria objetiva, conforme seu artigo 43: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. 15. O Superior Tribunal de Justiça levou em conta tal aspecto, no RESP 1422699, Rel. Min. Humberto Martins, publicado em DJe 01/09/2015, para estabelecer: [...] o fato de a obra ser vendida à pessoa física ou jurídica (de direito público ou privado) não retira do autor a prerrogativa de defender a sua criação, de auferir os proventos patrimoniais que a exposição de seu trabalho ao público venha proporcionar, bem como de evitar possível utilização por terceiros, sob quaisquer modalidades, sem a sua autorização prévia e expressa. Uma vez incontroverso o nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o dano causado à particular, configura-se a responsabilidade civil objetiva por parte dos correios, estes sem qualquer direito sobre obra intelectual alheia, tornando-se indenizável a violação do direito autoral. 16. Ainda que se pudesse argumentar que o dano gerado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não se relaciona estritamente à prestação do serviço público, é de se reconhecer que a atividade caracterizadora do dano emissão de aerogramas mantém relação direta e pessoal com os serviços ofertados pela Empresa Pública, de modo a caracterizar a responsabilidade pelos danos dela decorrentes. Além disso, já foi declarado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2002, à vista do disposto no art. 6º do Decreto-Lei n. 509/69, que a EBCT é pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X). 17. Destarte, sob o enfoque da legislação infraconstitucional, como já antecipado, o Código Civil prevê a responsabilidade pela divulgação não autorizada de escritos ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (art. 20). Em fina sintonia com as regras constitucionais, portanto, a legislação civilista prevê a responsabilidade da pessoa física ou jurídica que divulgue, de modo não autorizado, a imagem de terceiros para fins econômicos ou comerciais. De modo semelhante, mas sob ótica diversa, a Lei nº 9.610/1998 estabelece que o autor de obra fotográfica tem o direito de reproduzi-la pelos meios permitidos pela legislação, sendo vedada sua utilização e/ou reprodução por pessoa não autorizada (art. 79, §§ 1º e 2º). 18. De outra via, quanto à responsabilização da EBCT por ato de contratado seu, melhor sorte não lhe assiste, até mesmo, e inclusive, pelo prisma do direito civil. Acontece que a responsabilidade por ato de terceiro passou a ser objetiva, pelo Código Civil de 2002. Assim, pelo art. 932, III, Código Civil, é também responsável pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. E o art. 933 do mesmo Código Civil estabelece que, ainda que não haja culpa de sua parte, o empregador ou comitente responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. No caso, a EBCT disse na contestação que possui um banco de profissionais de artes plásticas e designers, aos quais recorre, sempre que necessário, para o trabalho de criação das imagens que são impressas em seus produtos (p. 3). Portanto, tais profissionais são escolhidos pela EBCT e contratados para prestação de serviços, de modo que, mesmo pelas regras do direito privado, a Empresa deve ser responsável pelo trabalho que àqueles compete. 19. Assim, merece reparo a sentença quanto à impossibilidade de ser imputada responsabilidade à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em virtude de o profissional por ela contratado ter utilizado uma fotografia feita pela autora Susan. Ora, a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos mantém-se inalterada quando do dano provocado por seus agentes, ainda que contratados para a execução de atividade-meio, pois, mesmo nessas hipóteses, a responsabilidade primária deve ser imputada à pessoa jurídica a que está vinculado o agente causador do dano teoria do órgão ou imputação volitiva. Nada impede, obviamente, futura ação regressiva pela Empresa Pública em face de seu agente (Sr. Àlvaro Nunes). 20. Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado no RESP 1.325.862/PR, no qual se facultou ao particular a propositura de ação diretamente em face do agente causador do dano. Ocorre que, como expressamente consignado naquele precedente, trata-se de uma faculdade, mas não de um dever legal imputado ao agente lesionado. Importa salientar, inclusive, o que Supremo Tribunal Federal, em 14/08/2019, ao analisar o RE 1.027.633, em repercussão geral, (Tema 940) reafirmou o entendimento de que agente causador do dano não responde diretamente em face da pessoa prejudicada, mas sim da entidade a que o agente mantém vinculação. 21. No caso, comprovada a utilização indevida, e comercial, da fotografia produzida durante o Primeiro Encontro de Povos do Xingu, resta evidente a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pela reparação dos danos causados à Takire Kayapó e à Susan Irene Cunningham, não havendo qualquer excludente de responsabilidade que socorra a atuação da Empresa Pública. Aliás, como pontuado anteriormente pela Turma Recursal, o caso em apreço também se subsume à culpa in eligendo, uma vez que a má escolha do contratado não serve de escudo à ausência de responsabilização pelas atividades prestadas em nome da entidade. Como dito então, quando se escolhe mal uma pessoa para desempenhar certa tarefa, disso resultando danos, a responsabilidade também é daquele que escolheu mal. 22. Se não fosse por isso, é ainda impressiva a alegação da petição de recurso de que, caso se entenda que a Recorrida tinha a autorização do autor da obra (pela simples cessão de direitos de quem não era o possuidor dos direitos), não se verifica nos autos a autorização do Autor Takire Kayapó à Ré ECT para a comercialização de sua imagem. Não é difícil imaginar que, quando a fotografia envolve a figura de uma pessoa, a sua utilização pública não depende tão somente da autorização do autor da obra (fotógrafo), mas também da pessoa que está sendo retratada. A necessidade de duas autorizações (fotógrafo e retratado) para o uso público de uma imagem é bem enfatizada na doutrina do especialista em direitos autorais José Carlos COSTA NETTO, citando a também especialista ELIANA Y. ABRÃO: `Quando a foto traz um ou mais retratos (rostos, corpos humanos), a sua utilização pública não poderá mais depender só do fotógrafo. A autorização dos retratados é também necessária e indispensável. Logo, o uso público de foto `de gente deve vir amparada por, no mínimo, duas autorizações: A do fotógrafo e a do retratado (pp. 7-8). 23. Entrementes, não há razão nas alegações da parte Recorrida. Não é crível concluir que a imagem utilizada figurou apenas como um elemento informativo no conjunto da obra, tampouco que as partes Autoras não lograram êxito em demonstrar que a fotografia não era de sua propriedade. Ora, além da autorização expressa de Takire Kayapó para uso das imagens (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 10), a Autora Susan Irene Cunningham teve seu livro Out of the Amazon publicado em 1992, cuja imagem de Takire Kayapó consta ao lado da transcrição: [...] sue Cunningham is a Fellow of the Royal geographical Society. She has been documenting Brazils indigenous people for over twenty years, especially in the Xingu. Em tradução livre: Sue Cunningham é membro da Royal Geographic Society. Ela documenta os povos indígenas do Brasil há mais de vinte anos, especialmente no Xingu. 24. As imagens de Takire Kayapó constam na capa inicial do livro Out of the Amazon, assim como de laudas autônomas da mesma obra (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 8). Assim, resta demonstrado que a fotografia produzida por Susan Irene Cunningham foi utilizada na confecção do aerograma da Região Norte pela EBCT, sem qualquer autorização da fotógrafa e/ou do fotografado (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 11). Em resposta às indagações encaminhadas pelas partes Autoras, a Empresa Pública não negou qualquer imputação que lhe foi atribuída, limitando-se a afirmar que não se responsabiliza por qualquer imagem utilizada por profissionais contratados (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 21). 25. Diante das constatações até aqui apresentadas, reafirma-se a responsabilidade da EBCT pelos danos morais causados à Takire Kayapó e à Susan Irene Cunningham, ante a desautorização do uso das imagens retiradas no Primeiro Encontro de Povos do Xingu, levando em conta, para tanto, a comercialização de 682.280 (seiscentos e oitenta e dois mil e duzentos e oitenta) exemplares do aerograma, bem como cessação do comércio de tais unidades pela EBCT, logo após comunicação extrajudicial da violação. 26. Para configuração da ocorrência de danos morais à fotógrafa, é preciso destacar, ainda, que dispositivos da Lei n. 9.610/1998 (altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais), art. 7º, VII, preveem que as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia constituem obras intelectuais protegidas como criações do espírito. Dada essa dimensão, a legislação protege tanto os direitos patrimoniais de seu autor, quanto os seus direitos morais. E dentre os direitos morais de uma obra de arte expressamente enumerados pela Lei se encontra o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-la, como autor, em sua reputação ou honra (art. 24, I, II e IV). E a violação desses direitos morais deve acarretar legalmente o dever de indenizar sob tal natureza, como no caso, independentemente da violação ao direito patrimonial. 27. Quanto aos danos materiais pleiteados por Susan Irene Cunningham, prevê a Lei n. 9.610/1988 (art. 103) que, [...] aquele que editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. E continua o parágrafo único do referido dispositivo: [...] não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. No caso, restou demonstrada a comercialização de 682.280 (seiscentas e oitenta e duas mil e duzentas e oitenta) unidades do aerograma, no valor unitário de R$ 1,50 (um real e cinquenta centavos. PETIÇÃO INICIAL, fl. 10).28. Em cálculos simples, a EBCT auferiu R$ 1.023.420,00 (um milhão, vinte e três mil e quatrocentos e vinte reais) com a venda dos aerogramas na Região Norte. Diante de previsão legal expressa (art. 103, caput, da Lei nº 9.610/1998), a condenação da Empresa Pública haveria de ser fixada, a princípio, considerando como um dos fatores de aferição o valor total dos aerogramas comercializados. Aliás, assim pediu a parte Autora na petição inicial, apesar de não especificar o montante e ter inicialmente dado à causa o singelo valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), o que, inclusive, ensejou o envio do feito ao Juizado Especial Federal. Destarte, depois que a Vara Federal comum intimou as partes Autoras a emendarem a inicial, dando o valor correto à causa, foi indicado o valor global em torno de 75 (setenta e cinco) salários mínimos. De todo modo, alertadas que o valor de alçada do JEF deve ser aferido por cada litigante, em polo ativo na mesma ação, as partes Autoras acabaram anuindo com o envio do feito ao JEF, sem alterar aquele valor global (pp. 54-61 da doc inicial). Ademais, ainda que o art. 103 da Lei nº 9.610 disponha naquele sentido, aqui se deveria considerar o fato de que a fotografia constituiu elemento do aerograma, mas não ele todo, pelo que mesmo em Juízo que não o Especial, limitado à alçada de que se fala, o valor total da indenização por danos materiais poderia não ser aquele montante auferido. 29. Entrementes, no contexto processual do caso, e mesmo que em tese seja eventualmente possível o valor de uma condenação no JEF ultrapassar o montante de 60 (sessenta) salários mínimos, tal hipótese também se revela inaplicável no caso sob julgamento, na medida em que já era possível aferir o quantum indenizatório específico da parcela relativa aos danos materiais, na data da propositura da ação. Como as partes Autoras não os especificaram, aceitando expressamente o envio do feito ao JEF, no seu início, o valor da condenação por cada litigante que figura no polo ativo (inclusive para Susan Irene Cunningham) deve ficar limitado ao teto do JEF (art. 3º, da Lei n. 10.259/2002). 30. No tocante ao valor das indenizações por dano moral, impende destacar que inexiste parâmetro legal definido para a sua fixação, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade. O quantum da reparação, portanto, não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido (TRF 1ª Região, AC 0026376-50.2013.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Rel. Conv. Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves (conv. ), Quinta Turma, e-DJF1 de 02/08/2017). 31. No caso, o uso sem autorização da imagem e da fotografia produzida da e pelas partes Autoras teve fim exclusivamente comercial, por Empresa Pública detentora do monopólio do serviço postal. E o resultado financeiro da empreitada alcançou montante de mais de um milhão de reais, conforme se indicou acima. Aliás, como o processo foi remetido de Vara Federal comum para Vara de JEF, o valor total da indenização não pode ultrapassar o valor da alçada, por cada litigante, nisso sendo considerada, ainda, a parcela relativa aos danos materiais sofridos por Susan Irene Cunningham. 32. Seja como for, as parcelas relativas aos danos morais devem representar efetiva sanção ao ofensor, sendo importante destacar que os valores mantidos pelo STJ em casos de uso indevido da imagem variam bastante, dependendo das circunstâncias de cada caso, chegando a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (AGARESP 460774, julgamento em abril de 2014), ou mesmo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), neste último caso quando houve associação indevida do nome da pessoa a uma produção cinematográfica pornográfica (AGARESP 675054, julgamento em fevereiro de 2016).33. No caso específico da indenização por dano moral decorrente do uso indevido da imagem de Takire Kayapó, importante, ainda, a alegação da petição de recurso, à p. 10, de que a imagem é divulgada como parte da fauna e flora brasileiras, sem qualquer reconhecimento de sua individualidade enquanto ser humano. E essa é uma impressão que de fato decorre da imagem do aerograma inserta à mesma página da peça recursal. Portanto, ao lado do uso indevido da imagem, para fins exclusivamente comerciais, a forma como utilizada naturaliza visão estereotipada de indígena brasileiro, que, aliás, quando fotografado, justamente participava de movimento de afirmação e de luta pelo reconhecimento de seus direitos (Encontro dos Povos do Xingu). De modo que o valor da indenização, a título de danos morais, em favor de Takire Kayapó deve ser superior ao valor fixado, sob o mesmo título, em favor de Susan Irene Cunningham. 34. Por fim, tem-se por prejudicado o pedido de suspensão do comércio do aerograma na Região Norte, ante a cessação espontânea de tais objetos pela parte Recorrida. 35. Provimento do recurso interposto pelas partes Autoras para condenar a EBCT a: A) pagar a Takire Kayapó, a título de danos morais, o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), pela utilização da imagem sem autorização, devendo o valor ser atualizado segundos os critérios do MCJF, até a requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado; b) pagar a Susan Irene Cunningham, a título de danos morais, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pela violação ao direito autoral de obra fotográfica, com o valor sendo atualizado pelos critérios do MCJF, até a requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado; c) pagar a Susan Irene Cunningham, ainda, a título de dano materiais, o valor de R$ 42.700,00 (quarenta e dois mil e setecentos reais), pelo uso e comercialização sem autorização de fotografia de sua autoria, vez que o montante resultante da indenização a tal título mais a parcela relativa aos danos morais deve ficar limitado ao teto de alçada do JEF. Aliás, em virtude desse limite da condenação, o valor da indenização por danos materiais igualmente deve ser atualizado pelos critérios estabelecidos no MCJF, até a data de requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado. 36. Honorários advocatícios incabíveis, por falta de previsão legal para arbitramento, no JEF, quando há provimento do recurso (art. 55 da Lei n. 9.099/1995). (JEF 1ª R.; PUJ 0050909-46.2012.4.01.3400; Segunda Turma Recursal - DF; Rel. Juiz Fed. David Wilson de Abreu Pardo; Julg. 26/08/2020; DJ 26/08/2020)

 

ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM EM AEROGRAMA COMERCIAL, PELA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EBCT. FOTOGRAFIA AUTORAL DE INTEGRANTE DE COMUNIDADE INDÍGENA, DURANTE ENCONTRO DE POVOS DO XINGU. RESPONSABILIDADE DA EBCT, POR ATO DE TERCEIRO. CONFIGURAÇÃO DE DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO, AINDA, A DIREITOS AUTORAIS E EXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS. LEI N. 9.610/1998. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Ação proposta por Susan Irene Cunningham e Takire Kayapó, na qual se pleiteia a condenação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) pelo uso não autorizado de imagem em aerograma comercial. Sustenta-se, em síntese, que Susan Irene acompanhou a comunidade Kayapó de AUkre no Primeiro Encontro de Povos do Xingu, registrando, na oportunidade, diversas imagens da comunidade indígena, dentre as quais a fotografia de Takire Kayapó. Ocorre que, sem qualquer autorização, a Empresa Pública teria feito uso da fotografia para fim meramente comercial, atribuindo os créditos da imagem a Álvaro Nunes, responsável pela pesquisa iconográfica e criação de artes plásticas da EBCT, mediante contratação. 2. Uma primeira sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC vigente à época. De acordo com o Juízo a quo, haveria ilegitimidade passiva ad causam da EBCT, na medida em que o uso indevido da fotografia não pode ser imputado à Empresa Pública, senão ao próprio responsável contratado pela pesquisa e criação dos elementos publicitários, motivo a tornar ilegítima aquela Instituição. 3. Interposto recurso inominado, a Turma Recursal decretou a nulidade dessa primeira sentença e devolveu o processo à Vara de origem, para regular processamento e novo julgamento da causa (ementa registrada em 18/11/2016). De acordo com a Turma Recursal, o pedido inicial também se sustenta no uso e na comercialização da imagem pelos Correios. Sendo essa uma questão a ser dirimida no mérito, não seria dado concluir pela ilegitimidade passiva da EBCT, pois tais fatos foram praticados diretamente pela Empresa. E, se o Juízo concluir que a EBCT não tem culpa por eventual dano aos direitos de imagem, uma vez que teria recebido a fotografia de um colaborador, então o julgamento resolve o mérito da lide. A Turma considerou, ainda, que o feito não estava em condições de imediato julgamento, pois exigiria a mais completa instrução probatória e outras regularizações, tal como a intimação do Ministério Público Federal, conforme exigência do art. 232, da Constituição Federal. 4. Devolvido o processo à instância originária, em 03/03/2017 (registro do trânsito nessa data). Lá intimado, o Ministério Público Federal pugnou pela ausência de interesse público do Parquet, tendo por não caracterizada sua função primária de custus legis acerca do conflito de interesses que permeia a controvérsia desta demanda. 5. Em nova sentença (registro em 22/01/2020), à exceção da ilegitimidade passiva ad causam, o Juízo a quo manteve integralmente os fundamentos da sentença anterior, reconhecendo que o contrato celebrado com o Sr. Álvaro Nunes, por meio do qual fora cedido o direito de divulgar a fotografia, serve de fundamento para descaracterizar a responsabilidade da EBCT. Assim, considerando o termo de cessão que lhe autorizava o pleno exercício do direito, reconheceu a impossibilidade de atribuir qualquer ônus à parte imputada como Ré, pelo que improcedentes os pedidos formulados na exordial. 6. Razões do novo recurso interposto pelas partes Autoras: A) o Juízo de primeira instância baseia sua decisão unicamente na compreendida impossibilidade de a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ser responsabilizada pelos danos causados pelo Sr. Álvaro Nunes; b) por expressa previsão legal, há responsabilidade solidária entre o fraudador e aquele que vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonogramas reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem; c) resta incontroverso que a Empresa Pública determinou a comercialização do aerograma, auferindo valores pela comercialização da obra; d) mesmo que a coleta da fotografia tenha sido realizada por terceiro, é inconteste que a parte Recorrida produziu os aerogramas, vendendo-os em todo o território nacional, com inequívoco interesse econômico; e) eventual atribuição de culpa ao Sr. Álvaro Nunes não é suficiente para afastar a responsabilidade solidária da Empresa Pública; f) por mais que o Sr. Álvaro Nunes não possa ser enquadrado no conceito de empregado da parte Recorrida, é fato incontroverso que houve a contratação do profissional para utilizar a obra, devendo ser responsabilizada pelos danos decorrentes da referida contratação; g) há necessidade de duas autorizações (fotógrafo e retratado) para o uso público de uma imagem; h) a divulgação de imagens de povos indígenas tem conotação relevante para toda a população, sendo cercada de restrições ainda maiores do que as usualmente observadas; I) a comercialização dos aerogramas pela parte Recorrida feriu o direito autoral de Susan Irene, enquanto fotógrafa, pois não autorizou o uso público de sua obra; j) o termo de cessão assinado pelo Sr. Álvaro Nunes é intrinsecamente inválido sob os aspectos formal e material, tornando-se um documento inábil para produzir quaisquer efeitos jurídicos; k) por inexistir qualquer autorização, o uso indevido da obra fotográfica enseja indenização a título de danos morais e materiais. 7. A parte Ré ofereceu resposta escrita ao recurso. 8. Concluso à Relatoria, em 28/05/2020, deu-se vista ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 30 (trinta) dias, à luz das disposições contidas no art. 232, da CRFB/88. 9. Nessa oportunidade, o Ministério Público Federal, sob o manto da independência funcional, retratou-se da manifestação anterior, pugnando, agora, pelo seu interesse no curso da demanda judicial, haja vista o ingresso em Juízo de uma parte Autora na condição de indígena. Em seu parecer, declara assistir razão às partes Recorrentes, sob tais fundamentos: A) cabe à EBCT tomar as devidas cautelas, exigindo a apresentação, por seu contratado, de documento que ateste a propriedade dos direitos de autor; b) a responsabilidade das empresas públicas por danos causados a terceiros é objetiva, independentemente de terceiros serem usuários do serviço público; c) o contratado não era criador originário da obra fotográfica, embora a tenha indevidamente cedido à EBCT; d) o uso indevido da imagem/obra artística, sem devida autorização, viola direitos autorais e da personalidade, constituindo ato ilícito passível de reparação. 10. No caso, realmente assiste razão às partes Autoras. Conforme restou demonstrado pela documentação inicial, a Sra. Susan Irene Cunningham, fotógrafa, participou do Primeiro Encontro de Povos do Xingu, realizado na cidade de Altamira/PA, procedendo, naquela oportunidade, ao registro de imagens da comunidade indígena Kayapó de AUke. Diante de autorização expressa de Takire Kayapó, (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 10), a Sra. Susan Irene utilizou as fotografias no livro intitulado Out of the Amazon, publicado pela HMSO Centre Publications. 11. Ocorre que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), ao confeccionar aerograma para a Região Norte, utilizou uma das imagens capturadas por Susan Irene Cunningham na criação gráfica do aerograma, atribuindo a autoria da imagem à Álvaro Nunes, responsável pela criação de artes plásticas da EBCT. Não há, registra-se, qualquer indício de autorização para o uso das imagens pela fotógrafa (Sra. Susan Irene Cunningham), tampouco do fotografado (Takire Kayapó), o que indica violação ao direito à imagem, assim como ao direito autoral de Susan Irene. 12. Os fundamentos para a responsabilização pelo uso não autorizado de imagem alheia têm alicerce na própria Constituição Federal (art. 5º, X), para quem é inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Sob o prisma constitucional, portanto, preserva-se o direito à imagem da pessoa, resguardando-se sua individualidade e impedindo a exposição não autorizada de atributos extrínsecos à personalidade. Não sem razão, o Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas oportunidades, tem reconhecido que a utilização de imagem sem autorização constitui dano moral puro indenizável, cuja existência tem-se por presumida (RE 869.232/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, publicado em DJe 04/03/2015). 13. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo o entendimento outrora consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, até aprovou o Enunciado da Súmula n. 403, segundo o qual independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. É dizer, a publicação de imagem de terceiro, sem a sua autorização, configura dano moral, porque violado o direito da personalidade, também protegido pelo art. 20 do Código Civil, especialmente quando utilizada para fins meramente comerciais ou econômicos. É certo que o STJ, ao proceder à análise do RESP 1.631.329/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (Info 614), previu exceção ao referido enunciado para os casos em que a divulgação da imagem mantém vinculação direta com fato histórico de repercussão social, o que, convenha-se, não se aplica ao uso dado pela EBCT no caso sob julgamento. 14. Ainda sob o manto da Constituição Federal (art. 37, §6º), as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, mantendo o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Tal previsão, como se nota, repousa sob a teoria do risco administrativo, na qual se prevê a caracterização da responsabilidade quando presentes a conduta, o resultado, assim como o nexo de causalidade (não se exige, portanto, a presença do elemento subjetivo). O Código Civil, inclusive, enfatiza a aplicação da teoria objetiva, conforme seu artigo 43: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. 15. O Superior Tribunal de Justiça levou em conta tal aspecto, no RESP 1422699, Rel. Min. Humberto Martins, publicado em DJe 01/09/2015, para estabelecer: [...] o fato de a obra ser vendida à pessoa física ou jurídica (de direito público ou privado) não retira do autor a prerrogativa de defender a sua criação, de auferir os proventos patrimoniais que a exposição de seu trabalho ao público venha proporcionar, bem como de evitar possível utilização por terceiros, sob quaisquer modalidades, sem a sua autorização prévia e expressa. Uma vez incontroverso o nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o dano causado à particular, configura-se a responsabilidade civil objetiva por parte dos correios, estes sem qualquer direito sobre obra intelectual alheia, tornando-se indenizável a violação do direito autoral. 16. Ainda que se pudesse argumentar que o dano gerado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não se relaciona estritamente à prestação do serviço público, é de se reconhecer que a atividade caracterizadora do dano emissão de aerogramas mantém relação direta e pessoal com os serviços ofertados pela Empresa Pública, de modo a caracterizar a responsabilidade pelos danos dela decorrentes. Além disso, já foi declarado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2002, à vista do disposto no art. 6º do Decreto-Lei n. 509/69, que a EBCT é pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X). 17. Destarte, sob o enfoque da legislação infraconstitucional, como já antecipado, o Código Civil prevê a responsabilidade pela divulgação não autorizada de escritos ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (art. 20). Em fina sintonia com as regras constitucionais, portanto, a legislação civilista prevê a responsabilidade da pessoa física ou jurídica que divulgue, de modo não autorizado, a imagem de terceiros para fins econômicos ou comerciais. De modo semelhante, mas sob ótica diversa, a Lei nº 9.610/1998 estabelece que o autor de obra fotográfica tem o direito de reproduzi-la pelos meios permitidos pela legislação, sendo vedada sua utilização e/ou reprodução por pessoa não autorizada (art. 79, §§ 1º e 2º). 18. De outra via, quanto à responsabilização da EBCT por ato de contratado seu, melhor sorte não lhe assiste, até mesmo, e inclusive, pelo prisma do direito civil. Acontece que a responsabilidade por ato de terceiro passou a ser objetiva, pelo Código Civil de 2002. Assim, pelo art. 932, III, Código Civil, é também responsável pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. E o art. 933 do mesmo Código Civil estabelece que, ainda que não haja culpa de sua parte, o empregador ou comitente responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. No caso, a EBCT disse na contestação que possui um banco de profissionais de artes plásticas e designers, aos quais recorre, sempre que necessário, para o trabalho de criação das imagens que são impressas em seus produtos (p. 3). Portanto, tais profissionais são escolhidos pela EBCT e contratados para prestação de serviços, de modo que, mesmo pelas regras do direito privado, a Empresa deve ser responsável pelo trabalho que àqueles compete. 19. Assim, merece reparo a sentença quanto à impossibilidade de ser imputada responsabilidade à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em virtude de o profissional por ela contratado ter utilizado uma fotografia feita pela autora Susan. Ora, a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos mantém-se inalterada quando do dano provocado por seus agentes, ainda que contratados para a execução de atividade-meio, pois, mesmo nessas hipóteses, a responsabilidade primária deve ser imputada à pessoa jurídica a que está vinculado o agente causador do dano teoria do órgão ou imputação volitiva. Nada impede, obviamente, futura ação regressiva pela Empresa Pública em face de seu agente (Sr. Àlvaro Nunes). 20. Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado no RESP 1.325.862/PR, no qual se facultou ao particular a propositura de ação diretamente em face do agente causador do dano. Ocorre que, como expressamente consignado naquele precedente, trata-se de uma faculdade, mas não de um dever legal imputado ao agente lesionado. Importa salientar, inclusive, o que Supremo Tribunal Federal, em 14/08/2019, ao analisar o RE 1.027.633, em repercussão geral, (Tema 940) reafirmou o entendimento de que agente causador do dano não responde diretamente em face da pessoa prejudicada, mas sim da entidade a que o agente mantém vinculação. 21. No caso, comprovada a utilização indevida, e comercial, da fotografia produzida durante o Primeiro Encontro de Povos do Xingu, resta evidente a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pela reparação dos danos causados à Takire Kayapó e à Susan Irene Cunningham, não havendo qualquer excludente de responsabilidade que socorra a atuação da Empresa Pública. Aliás, como pontuado anteriormente pela Turma Recursal, o caso em apreço também se subsume à culpa in eligendo, uma vez que a má escolha do contratado não serve de escudo à ausência de responsabilização pelas atividades prestadas em nome da entidade. Como dito então, quando se escolhe mal uma pessoa para desempenhar certa tarefa, disso resultando danos, a responsabilidade também é daquele que escolheu mal. 22. Se não fosse por isso, é ainda impressiva a alegação da petição de recurso de que, caso se entenda que a Recorrida tinha a autorização do autor da obra (pela simples cessão de direitos de quem não era o possuidor dos direitos), não se verifica nos autos a autorização do Autor Takire Kayapó à Ré ECT para a comercialização de sua imagem. Não é difícil imaginar que, quando a fotografia envolve a figura de uma pessoa, a sua utilização pública não depende tão somente da autorização do autor da obra (fotógrafo), mas também da pessoa que está sendo retratada. A necessidade de duas autorizações (fotógrafo e retratado) para o uso público de uma imagem é bem enfatizada na doutrina do especialista em direitos autorais José Carlos COSTA NETTO, citando a também especialista ELIANA Y. ABRÃO: `Quando a foto traz um ou mais retratos (rostos, corpos humanos), a sua utilização pública não poderá mais depender só do fotógrafo. A autorização dos retratados é também necessária e indispensável. Logo, o uso público de foto `de gente deve vir amparada por, no mínimo, duas autorizações: A do fotógrafo e a do retratado (pp. 7-8). 23. Entrementes, não há razão nas alegações da parte Recorrida. Não é crível concluir que a imagem utilizada figurou apenas como um elemento informativo no conjunto da obra, tampouco que as partes Autoras não lograram êxito em demonstrar que a fotografia não era de sua propriedade. Ora, além da autorização expressa de Takire Kayapó para uso das imagens (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 10), a Autora Susan Irene Cunningham teve seu livro Out of the Amazon publicado em 1992, cuja imagem de Takire Kayapó consta ao lado da transcrição: [...] sue Cunningham is a Fellow of the Royal geographical Society. She has been documenting Brazils indigenous people for over twenty years, especially in the Xingu. Em tradução livre: Sue Cunningham é membro da Royal Geographic Society. Ela documenta os povos indígenas do Brasil há mais de vinte anos, especialmente no Xingu. 24. As imagens de Takire Kayapó constam na capa inicial do livro Out of the Amazon, assim como de laudas autônomas da mesma obra (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 8). Assim, resta demonstrado que a fotografia produzida por Susan Irene Cunningham foi utilizada na confecção do aerograma da Região Norte pela EBCT, sem qualquer autorização da fotógrafa e/ou do fotografado (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 11). Em resposta às indagações encaminhadas pelas partes Autoras, a Empresa Pública não negou qualquer imputação que lhe foi atribuída, limitando-se a afirmar que não se responsabiliza por qualquer imagem utilizada por profissionais contratados (CF. DOC INICIAL, registro em 17/10/2012, fl. 21). 25. Diante das constatações até aqui apresentadas, reafirma-se a responsabilidade da EBCT pelos danos morais causados à Takire Kayapó e à Susan Irene Cunningham, ante a desautorização do uso das imagens retiradas no Primeiro Encontro de Povos do Xingu, levando em conta, para tanto, a comercialização de 682.280 (seiscentos e oitenta e dois mil e duzentos e oitenta) exemplares do aerograma, bem como cessação do comércio de tais unidades pela EBCT, logo após comunicação extrajudicial da violação. 26. Para configuração da ocorrência de danos morais à fotógrafa, é preciso destacar, ainda, que dispositivos da Lei n. 9.610/1998 (altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais), art. 7º, VII, preveem que as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia constituem obras intelectuais protegidas como criações do espírito. Dada essa dimensão, a legislação protege tanto os direitos patrimoniais de seu autor, quanto os seus direitos morais. E dentre os direitos morais de uma obra de arte expressamente enumerados pela Lei se encontra o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-la, como autor, em sua reputação ou honra (art. 24, I, II e IV). E a violação desses direitos morais deve acarretar legalmente o dever de indenizar sob tal natureza, como no caso, independentemente da violação ao direito patrimonial. 27. Quanto aos danos materiais pleiteados por Susan Irene Cunningham, prevê a Lei n. 9.610/1988 (art. 103) que, [...] aquele que editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. E continua o parágrafo único do referido dispositivo: [...] não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. No caso, restou demonstrada a comercialização de 682.280 (seiscentas e oitenta e duas mil e duzentas e oitenta) unidades do aerograma, no valor unitário de R$ 1,50 (um real e cinquenta centavos. PETIÇÃO INICIAL, fl. 10).28. Em cálculos simples, a EBCT auferiu R$ 1.023.420,00 (um milhão, vinte e três mil e quatrocentos e vinte reais) com a venda dos aerogramas na Região Norte. Diante de previsão legal expressa (art. 103, caput, da Lei nº 9.610/1998), a condenação da Empresa Pública haveria de ser fixada, a princípio, considerando como um dos fatores de aferição o valor total dos aerogramas comercializados. Aliás, assim pediu a parte Autora na petição inicial, apesar de não especificar o montante e ter inicialmente dado à causa o singelo valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), o que, inclusive, ensejou o envio do feito ao Juizado Especial Federal. Destarte, depois que a Vara Federal comum intimou as partes Autoras a emendarem a inicial, dando o valor correto à causa, foi indicado o valor global em torno de 75 (setenta e cinco) salários mínimos. De todo modo, alertadas que o valor de alçada do JEF deve ser aferido por cada litigante, em polo ativo na mesma ação, as partes Autoras acabaram anuindo com o envio do feito ao JEF, sem alterar aquele valor global (pp. 54-61 da doc inicial). Ademais, ainda que o art. 103 da Lei nº 9.610 disponha naquele sentido, aqui se deveria considerar o fato de que a fotografia constituiu elemento do aerograma, mas não ele todo, pelo que mesmo em Juízo que não o Especial, limitado à alçada de que se fala, o valor total da indenização por danos materiais poderia não ser aquele montante auferido. 29. Entrementes, no contexto processual do caso, e mesmo que em tese seja eventualmente possível o valor de uma condenação no JEF ultrapassar o montante de 60 (sessenta) salários mínimos, tal hipótese também se revela inaplicável no caso sob julgamento, na medida em que já era possível aferir o quantum indenizatório específico da parcela relativa aos danos materiais, na data da propositura da ação. Como as partes Autoras não os especificaram, aceitando expressamente o envio do feito ao JEF, no seu início, o valor da condenação por cada litigante que figura no polo ativo (inclusive para Susan Irene Cunningham) deve ficar limitado ao teto do JEF (art. 3º, da Lei n. 10.259/2002). 30. No tocante ao valor das indenizações por dano moral, impende destacar que inexiste parâmetro legal definido para a sua fixação, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade. O quantum da reparação, portanto, não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido (TRF 1ª Região, AC 0026376-50.2013.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Rel. Conv. Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves (conv. ), Quinta Turma, e-DJF1 de 02/08/2017). 31. No caso, o uso sem autorização da imagem e da fotografia produzida da e pelas partes Autoras teve fim exclusivamente comercial, por Empresa Pública detentora do monopólio do serviço postal. E o resultado financeiro da empreitada alcançou montante de mais de um milhão de reais, conforme se indicou acima. Aliás, como o processo foi remetido de Vara Federal comum para Vara de JEF, o valor total da indenização não pode ultrapassar o valor da alçada, por cada litigante, nisso sendo considerada, ainda, a parcela relativa aos danos materiais sofridos por Susan Irene Cunningham. 32. Seja como for, as parcelas relativas aos danos morais devem representar efetiva sanção ao ofensor, sendo importante destacar que os valores mantidos pelo STJ em casos de uso indevido da imagem variam bastante, dependendo das circunstâncias de cada caso, chegando a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (AGARESP 460774, julgamento em abril de 2014), ou mesmo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), neste último caso quando houve associação indevida do nome da pessoa a uma produção cinematográfica pornográfica (AGARESP 675054, julgamento em fevereiro de 2016).33. No caso específico da indenização por dano moral decorrente do uso indevido da imagem de Takire Kayapó, importante, ainda, a alegação da petição de recurso, à p. 10, de que a imagem é divulgada como parte da fauna e flora brasileiras, sem qualquer reconhecimento de sua individualidade enquanto ser humano. E essa é uma impressão que de fato decorre da imagem do aerograma inserta à mesma página da peça recursal. Portanto, ao lado do uso indevido da imagem, para fins exclusivamente comerciais, a forma como utilizada naturaliza visão estereotipada de indígena brasileiro, que, aliás, quando fotografado, justamente participava de movimento de afirmação e de luta pelo reconhecimento de seus direitos (Encontro dos Povos do Xingu). De modo que o valor da indenização, a título de danos morais, em favor de Takire Kayapó deve ser superior ao valor fixado, sob o mesmo título, em favor de Susan Irene Cunningham. 34. Por fim, tem-se por prejudicado o pedido de suspensão do comércio do aerograma na Região Norte, ante a cessação espontânea de tais objetos pela parte Recorrida. 35. Provimento do recurso interposto pelas partes Autoras para condenar a EBCT a: A) pagar a Takire Kayapó, a título de danos morais, o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), pela utilização da imagem sem autorização, devendo o valor ser atualizado segundos os critérios do MCJF, até a requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado; b) pagar a Susan Irene Cunningham, a título de danos morais, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pela violação ao direito autoral de obra fotográfica, com o valor sendo atualizado pelos critérios do MCJF, até a requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado; c) pagar a Susan Irene Cunningham, ainda, a título de dano materiais, o valor de R$ 42.700,00 (quarenta e dois mil e setecentos reais), pelo uso e comercialização sem autorização de fotografia de sua autoria, vez que o montante resultante da indenização a tal título mais a parcela relativa aos danos morais deve ficar limitado ao teto de alçada do JEF. Aliás, em virtude desse limite da condenação, o valor da indenização por danos materiais igualmente deve ser atualizado pelos critérios estabelecidos no MCJF, até a data de requisição de pagamento, a contar da data deste julgamento pelo Colegiado. 36. Honorários advocatícios incabíveis, por falta de previsão legal para arbitramento, no JEF, quando há provimento do recurso (art. 55 da Lei n. 9.099/1995). (JEF 1ª R.; PUJ 0050909-46.2012.4.01.3400; Segunda Turma Recursal - DF; Rel. Juiz Fed. David Wilson de Abreu Pardo; Julg. 26/08/2020; DJ 26/08/2020)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNAI. ALDEIA INDÍGENA. CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICAS VENCIDAS. RESPONSABILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 279 E 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I. Conforme a Súmula nº 279/STF, é inviável, em recurso extraordinário, o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. II- Incabível a interposição do recurso extraordinário com fundamento nos arts. 215, § 1º; 231 e 232 da Constituição Federal, uma vez que a recorrente não demonstrou a afronta aos mencionados dispositivos, o o que atrai, no ponto, a incidência da Súmula nº 284/STF. III- Agravo regimental a que se nega provimento. (STF; RE-AgR 1.139.151; AL; Segunda Turma; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; DJE 02/10/2020; Pág. 91)

 

TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE ACORDÃO PROFERIDO EM AÇÃO ANULATÓRIA DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. PLEITO DA COMUNIDADE INDÍGENA AFETADA JUSTIFICADO NA AUSÊNCIA DE SUA CITAÇÃO NO PROCESSO ANULATÓRIO. DEBATE SOBRE A LEGITIMIDADE DA COMUNIDADE INDÍGENA. LIMINAR REFERENDADA. ART. 21, V, DO RISTF.

Tutela de urgência visando a suspensão dos efeitos de acordão proferido em ação anulatória de procedimento demarcatório de terra indígena. Alegação de legitimidade da comunidade indígena para ingressar em Juízo, fundada no art. 232 da Constituição Federal, art. 37 da Lei nº 6.001/73, art. 2º, 1 2, "a", da Convenção nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais e art. 2º, § 3º, do Decreto nº 1.775/96, e da necessidade de integrar o processo que buscou a anulação da demarcação de sua terra. Presentes os requisitos legais para a concessão da tutela de urgência. Medida liminar referendada. (STF; AR-MC 2.750; RS; Tribunal Pleno; Relª Min. Rosa Weber; DJE 29/09/2020; Pág. 107)

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA EM ALDEIA INDÍGENA. IRRESPONSABILIDADE DA FUNAI. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA DESPROVIDO.

1. A responsabilidade contratual deriva da vontade dos contraentes, manifestada na assinatura do instrumento formalizador do ajuste, estabelecendo obrigações mútuas que, se descumpridas, geram o chamado ilícito contratual, assumindo aquele que não executou a obrigação o dever de reparar o dano. Demanda, portanto, a manifestação de vontade daquele que, diante do descumprimento da obrigação contratual, será acionado para adimplir com a responsabilidade. 2. Na espécie, não há vínculo da FUNAI com o consumo de energia elétrica na região, sendo fato incontroverso nos autos não ter ela postulado a instalação da unidade consumidora no local da comunidade indígena de Tinqui Boto. Do mesmo modo, não há disposição expressa em Lei estabelecendo essa relação obrigacional, a qual não pode ser presumida. 3. O que embasa a fundamentação do acórdão recorrido é a suposta tutela legal que a Fundação exerceria sobre a comunidade indígena, a qual, salvo melhor juízo, não foi recepcionada pela atual ordem constitucional. Isso porque a CF/1988 consagrou o Principio da alteridade, cujo corolário principal é o direito à diferença, implicando no dever de o Estado respeitar as peculiaridades de cada grupo social, ao mesmo tempo em que o impede de compeli-los a alterar seu modo de vida e visão de mundo. Superior Tribunal de Justiça 4. Com esteio nessa diretriz, o art. 231 da CF/1988 reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Por sua vez, o disposto no artigo 232 da Constituição Federal prescreve que uma das consequências do reconhecimento do direito à diferença é a possibilidade de os indígenas serem partes legitimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses. Dessume-se, portanto, a não recepção do instituto da tutela estabelecida no Estatuto do Índio, visto que, ao prever essa legitimidade, foi reconhecida aos indígenas também a capacidade para o exercício de direitos e assunção de deveres. 5. Agravo Interno da Empresa desprovido. (STJ; AgInt-REsp 1.451.162; Proc. 2014/0095008-8; AL; Primeira Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 21/09/2020; DJE 24/09/2020)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATOS DANOSOS PRATICADOS POR INDÍGENAS CONTRA PARTICULARES FORA DA ÁREA DE RESERVA INDÍGENA. CAPACIDADE CIVIL E PROCESSUAL DOS ÍNDIOS. ART. 223 DA CF/88. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNAI SE RESTRINGE À TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS DOS ÍNDIOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA OMISSÃO ESTATAL E DAS COMUNIDADES INDÍGENAS. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA.

01. O cerne da controvérsia diz respeito à responsabilidade civil da FUNAI e das Comunidades Indígenas de Porto Lindo e de Ivycatu pelos danos estéticos e morais decorrentes de conduta lesiva perpetrada por um grupo de indígenas nas proximidades do Município de Iguatemi/MS; bem assim, se restou ou não configurada a prescrição da pretensão da reparação civil. 02. Primeiramente, cumpre mencionar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal, previsto no art. 206, §3º, V do CC/02. 03. Como regra geral, o art. 1º do Decreto nº 10.910/32 prescreve como termo inicial de contagem, a data do ato ou fato do qual se originarem. Com relação aos demandantes Fernando Antônio Ananias da Silva, Carmelina Martinho Pedroso, Carmelita Marinho Teixeira, Marli Domeni Marinho, Cícera Alves Marinho e Sueli Pavão da Silva, os fatos descritos na inicial não constituem crime. Dessa forma, a prescrição começa a correr a partir da data dos fatos, ou seja, em 15/02/2004, porém, somente interpuseram a presente apelação em 26/02/2010, após o transcurso do prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Preliminar de inocorrência da prescrição afastada. 04. Noutro vértice, para a demandante Mariana Marinho dos Santos a prescrição não restou configurada. Conforme estabelecido no art. 200 do CC/02, a prescrição não correrá quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, enquanto não prolatada a respectiva sentença definitiva. Porém, nos casos em que não chegou a ser movida a respectiva ação penal, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que o prazo prescricional se inicie a partir do arquivamento do inquérito policial. Na espécie, foi deferido o arquivamento do inquérito policial, ante a ausência de provas da autoria delitiva, em decisão prolatada em 08/03/2005. Considerando o ajuizamento da presente ação ordinária em 25/02/2010, a prescrição não se consumou, tão somente, em relação à recorrente Mariana Marinho dos Santos. 05. Ao contrário do quanto sustentado pelos recorrentes, a legitimidade da União para figurar no polo passivo de demandas envolvendo indígenas não decorre, tão somente, da função estatal de tutela coletiva dos direitos indígenas, mas, sim, diante da titularidade das terras por eles ocupadas. No presente caso, o direito controvertido não diz respeito à disputas de interesses sobre terras indígenas, mas sim, à responsabilidade civil da FUNAI e das Comunidades Indígenas de Porto Lindo e Ivycatu por atos danosos praticados por índios contra particulares. Ainda, dispõe o art. 232 da Carta Política que os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Preliminar de legitimidade passiva da União afastada. 06. Com efeito, a função institucional da FUNAI se restringe aos atos praticados por indígenas com a finalidade de defender interesses de sua comunidade ou direito assegurado em Lei, razão pela qual, eventuais atos de vandalismo ou outros ilícitos praticados por interesse individual dos índios não justificam a proteção deste órgão. Ainda, se encontra fora da alçada institucional da FUNAI impedir que os índios saiam da reserva ou venham a praticar atos ilícitos contra terceiros. 07. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativa, consagrada no art. 37, §6º e pressupõe a prática de ato ou omissão voluntária, a existência de dano e a presença de nexo causal entre o ato e o resultado (prejuízo) alegado. Na hipótese, em que pese a gravidade dos fatos e os prejuízos apontados, não se pode transferir a responsabilidade à FUNAI ou à União por toda e qualquer responsabilidade por atos praticados, isoladamente, por integrantes de comunidade indígenas, sabidamente, dotados de capacidade de direito para responderem, judicialmente, por seus atos. 08. No que pertine à aventada responsabilidade das Comunidades Porto Lindo e Ivycatu, tampouco merece prosperar. Isto porque, conforme já ressaltado, sequer há provas da autoria delitiva por parte dos acusados, tampouco as provas amealhadas aos autos, notadamente, a prova testemunhal, colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, atesta o envolvimento destas comunidades na prática do ilícito narrado na exordial. 09. Apelação improvida. Sentença mantida. (TRF 3ª R.; ApCiv 0000160-78.2010.4.03.6006; MS; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Nery da Costa Júnior; Julg. 01/10/2020; DEJF 13/10/2020)

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO-MATERNIDADE. AUTORA INDÍGENA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INTERVENÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. ART. 232, DA CF E 279, DO CPC. PREJUÍZO À AUTORA. SENTENÇA ANULADA.

O artigo 232 da Constituição da República, que legitima os índios a ingressarem em Juízo na defesa de seus direitos e interesses, dispõe sobre a necessidade de intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo. - A falta de intervenção do Ministério Público em primeiro grau pode ser suprida pela sua manifestação em segundo grau, desde que não haja alegação de nulidade e da ausência de intimação não decorra prejuízo à parte. - Na hipótese dos autos, contudo, a manifestação do Parquet não supre a falta de intervenção em primeiro grau, porquanto, conforme alegado em seu parecer nesta instância, sem menção ao mérito da ação, houve prejuízo à defesa da autora, de etnia Kaiowá, notadamente em virtude da prolação de sentença de improcedência do pedido, pelo que de rigor a decretação da nulidade do feito desde o momento de sua intervenção obrigatória com fulcro no art. 279, do CPC. - Preliminar arguida pelo MPF acolhida para declarar a nulidade da sentença. Apelação da parte autora prejudicada. (TRF 3ª R.; ApCiv 5002556-40.2020.4.03.9999; MS; Nona Turma; Rel. Des. Fed. Gilberto Rodrigues Jordan; Julg. 01/07/2020; DEJF 06/07/2020)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. DESAVENÇA ENTRE INDÍGENAS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA UNIÃO E DA FUNAI.

1. A Constituição Federal de 1988 pôs fim ao instituto da tutela sobre os povos indígenas, o que não significa que tais comunidades não sejam objeto de especial proteção por parte do Estado. O aparelho estatal volta-se a resguardar e promover os direitos indígenas, e não a tutelar individualmente os integrantes dessas comunidades, dotados de capacidade para defenderem seus direitos em juízo, nos termos do art. 232 da Constituição Federal. 2. No caso concreto, os fatos tiveram origem em disputa pelo poder na aldeia indígena. Ou seja, trata-se de contenda interna, cujas repercussões não podem ser atribuídas quer à União, quer à FUNAI, não obstante o dever de proteção aos povos indígenas a ambas atribuído. (TRF 4ª R.; AC 5002806-87.2018.4.04.7001; PR; Terceira Turma; Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler; Julg. 02/06/2020; Publ. PJe 03/06/2020)

 

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PORTARIA DECLARATÓRIA. REMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ART. 67 DO ADCT. LAPSO TEMPORAL. PRAZO PROGRAMÁTICO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PROCESSO DEMARCATÓRIO. ATO JURÍDICO PERFEITO, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS QUE OCUPAM. CONFLITO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA. INADEQUAÇÃO.

1. Mandado de segurança preventivo impetrado contra o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, a fim de que se abstenha de assinar a Portaria Declaratória de Ampliação da Terra Indígena de Barra Velha e determine o arquivamento definitivo do Proc. FUNAI/BSB/2556/1982 em relação ao imóvel adquirido pelos impetrantes, mediante título aquisitivo de compra e venda devidamente registrado no cartório de imóveis. 2. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o prazo quinquenal previsto no 67 da ADCT não é decadencial, sendo o lapso temporal estipulado pelo Poder Constituinte para fins programáticos, com o intuito de impor ao administrador maior agilidade nos processos de demarcação, até porque somente em 1996 foi publicado o Decreto n. 1.775, que disciplina o procedimento administrativo de demarcação. 3. A jurisprudência dos tribunais superiores firmou-se na linha de que o prazo previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 não pode ser aplicado de forma retroativa, devendo incidir somente após a vigência do referido diploma legal. 4. Considerando que o prazo decadencial começou a fluir em 1º/02/1999, data da entrada em vigor da Lei n. 9.784, forçoso convir que, quando a FUNAI resolveu constituir o primeiro grupo técnico para realizar estudos de revisão de limites da Terra Indígena de Barra Velha, por meio de sua Portaria 685 de 18 de agosto de 1999, ainda não havia ocorrido a decadência administrativa. 5. O processo administrativo de ampliação da aludida terra encontra-se em curso há anos, em razão de inúmeros fatores, entre eles, a controvérsia jurídica entre ICMBIO, INCRA e FUNAI a respeito da sobreposição de terra indígena sobre áreas de proteção ambiental no sul da Bahia e dos projetos de assentamento, alvos de arbitragem da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União - CCAF/AGU, a qual não chegou a uma resolução nesse caso concreto. 6. Publicado o relatório circunstanciado de revisão de limites da terra indígena, conforme exigido pelo § 6º do art. 2º do Decreto n. 1.775/996 e 231 da CF/1988, o Presidente da FUNAI encaminhou o processo administrativo ao Ministro da Justiça, que, por sua vez, minutou uma portaria em que declara de posse permanente do Grupo Indígena Pataxó a Terra Indígena Barra Velha, ampliando a área de 8.627,4590ha (oito mil, seiscentos e vinte e sete hectares, quarenta e cinco ares e noventa centiares), originalmente demarcada por meio do Decreto Federal n. 396/1991, para mais de 52.000,00ha (cinquenta e dois mil hectares), não tendo sido o documento assinado, em virtude de decisão liminar proferida em outros mandamus. 7. No caso, a administração pública não permaneceu inerte, tendo exercido o seu poder de autotutela no prazo legal, nos termos das Súmulas nºs 346 e 473 do STF e, ainda que assim não fosse, trata-se de procedimento administrativo instaurado com o objetivo de rever ato supostamente eivado de vícios formais e materiais, o que afasta a alegada violação dos arts. 5º, XXXVI, da CF/88 e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 8. A possibilidade de superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, mesmo nas hipóteses de absoluta contrariedade à Constituição Federal, encontra-se pendente de julgamento pelo STF, que reconheceu a repercussão geral do tema (RE 817.338/DF, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe 08/10/2015), e, enquanto não houver decisão com caráter vinculante, deve prevalecer a atual jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que os atos administrativos nulos não podem ser convalidados pelo decurso de tempo. 9. De qualquer ângulo de que se examine a questão, não se vislumbra a alegada ofensa ao art. 54 da Lei n. 9.784/1999, sendo garantido aos interessados, contudo, o controle judicial da legalidade de qualquer ato administrativo, sempre que se sentirem ofendidos em seus direitos. 10. Segundo o entendimento da Suprema Corte, "o processo de demarcação de terras indígenas, tal como regulado pelo Decreto n. 1.775/1996, não vulnera os princípios do contraditório e da ampla defesa, de vez que garante aos interessados o direito de se manifestarem" (RMS 27255 AGR/DF, Relator Min. Luiz FUX, Primeira Turma, DJe 11/12/2015), sendo a referida norma editada com o fito de concretizar os mandamentos contidos nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. 11. O rito estabelecido no Decreto n. 1.775/96 não determina a notificação direta (citação pessoal) de eventuais interessados para manifestação no processo demarcatório, sendo bastante a publicação, em diário oficial, do resumo do relatório circunstanciado, do memorial descritivo e do mapa da área e, ainda, sua fixação na sede da prefeitura do município em que situado o imóvel, nos termos do § 7º do art. 2º do Decreto n. 1.775/1996, o que ocorreu na espécie. 12. No julgamento da Petição n. 3.388/RR (caso da Raposa Serra do Sol), considerado como leadind case da matéria, o Supremo Tribunal Federal adotou a data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) como marco temporal para aferir se a área objeto de demarcação constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tendo sido estabelecidas 19 condições para a revisão da demarcação dos limites da terra indígena. 13. Não se vislumbra a alegada violação das diretrizes impostas pelo STF nos itens XVII (é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada) e XIX (é assegurada a efetiva participação de todos os entes da Federação em todas as etapas do processo de demarcação) do referido julgado, não havendo ensejo para o impedimento da continuidade da revisão do procedimento demarcatório originário das Terras Indígenas de Barra Velha, sob a ótica da legalidade. 14. Os documentos constantes nos autos indicam que o procedimento originário de demarcação da terra indígena Barra Velha decorreu de um acordo entre FUNAI e IBDF, sem a realização de estudos específicos de identificação da ocupação tradicional e permanente do Grupo Indígena Pataxó, apresentando (tal processo) vícios de legalidade que, se mantidos, podem gerar mais instabilidade do que segurança jurídica, considerando-se sobretudo os múltiplos interesses envolvidos no processo de demarcação em análise - econômico, ambiental, fundiário e sociocultural. 15. A discussão a respeito da tradicionalidade da ocupação indígena - que deve ser analisada sob o prisma técnico da história do grupo indígena e da natureza da ocupação -, bem como acerca da validade dos títulos imobiliários existentes em nome de particulares sob a área sub judice exigem dilação probatória, providência incompatível com o rito mandamental. 16. Tendo em vista os vários interesses envolvidos nos processos de demarcação em análise, bem como o tempo de sua tramitação, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) deveria buscar meios alternativos para uma solução amigável do conflito entre as partes, nos termos dos arts. 3º e 174 do atual Código de Processo Civil, antes de se concluir a última etapa do procedimento administrativo. 17. Ordem denegada. (STJ; MS 21.395; Proc. 2014/0304337-5; BA; Quarta Turma; Rel. Min. Gurgel de Faria; Julg. 25/09/2019; DJE 25/10/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CONFIGURAÇÃO. PORTARIA DECLARATÓRIA. REMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ART. 67 DO ADCT. LAPSO TEMPORAL. PRAZO PROGRAMÁTICO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PROCESSO DEMARCATÓRIO. ATO JURÍDICO PERFEITO, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS QUE OCUPAM. CONFLITO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA. INADEQUAÇÃO.

1. Mandado de segurança preventivo impetrado contra o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, a fim de que se abstenha de assinar a Portaria Declaratória de Ampliação da Terra Indígena de Barra Velha e determine o arquivamento definitivo do Proc. FUNAI/BSB/2556/1982 em relação ao imóvel adquirido pelos impetrantes, mediante título aquisitivo de compra e venda devidamente registrado no cartório de imóveis. 2. A despeito da função institucional do Ministério Público (art. 129, V, da CF) e da obrigação da União de zelar pela proteção das terras e dos direitos dos índios no Brasil (art. 215, § 1, e 231 da CF), o art. 232 da Constituição Federal de 1988 reconheceu a capacidade processual dos índios, suas comunidades e organizações para a defesa de seus próprios direitos e interesses, objetivando facilitar o seu acesso ao Poder Judiciário. 3. Hipótese em que as lideranças da Terra Indígena Pataxó de Barra Velha e comunidades parceiras, organizadas pela Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia, devidamente representada por seus advogados, foram admitidas como litisconsortes passivos necessários. 4. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o prazo quinquenal previsto no 67 da ADCT não é decadencial, sendo o lapso temporal estipulado pelo Poder Constituinte para fins programáticos, com o intuito de impor ao administrador maior agilidade nos processos de demarcação, até porque somente em 1996 foi publicado o Decreto n. 1.775, que disciplina o procedimento administrativo de demarcação. 5. A jurisprudência dos tribunais superiores firmou-se na linha de que o prazo previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 não pode ser aplicado de forma retroativa, devendo incidir somente após a vigência do referido diploma legal. 6. Considerando que o prazo decadencial começou a fluir em 1º/02/1999, data da entrada em vigor da Lei n. 9.784, forçoso convir que, quando a FUNAI resolveu constituir o primeiro grupo técnico para realizar estudos de revisão de limites da Terra Indígena de Barra Velha, por meio de sua Portaria 685 de 18 de agosto de 1999, ainda não havia ocorrido a decadência administrativa. 7. O processo administrativo de ampliação da aludida terra encontra-se em curso há anos, em razão de inúmeros fatores, entre eles, a controvérsia jurídica entre ICMBIO, INCRA e FUNAI a respeito da sobreposição de terra indígena sobre áreas de proteção ambiental no sul da Bahia e dos projetos de assentamento, alvos de arbitragem da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União - CCAF/AGU, a qual não chegou a uma resolução nesse caso concreto. 8. Publicado o relatório circunstanciado de revisão de limites da terra indígena, conforme exigido pelo § 6º do art. 2º do Decreto n. 1.775/996 e 231 da CF/1988, o Presidente da FUNAI encaminhou o processo administrativo ao Ministro da Justiça, que, por sua vez, minutou uma portaria em que declara de posse permanente do Grupo Indígena Pataxó a Terra Indígena Barra Velha, ampliando a área de 8.627,4590ha (oito mil, seiscentos e vinte e sete hectares, quarenta e cinco ares e noventa centiares), originalmente demarcada por meio do Decreto Federal n. 396/1991, para mais de 52.000,00ha (cinquenta e dois mil hectares), não tendo sido o documento assinado, em virtude de decisão liminar. 9. No caso, a administração pública não permaneceu inerte, tendo exercido o seu poder de autotutela no prazo legal, nos termos das Súmulas nºs 346 e 473 do STF e, ainda que assim não fosse, trata-se de procedimento administrativo instaurado com o objetivo de rever ato supostamente eivado de vícios formais e materiais, o que afasta a alegada violação dos arts. 5º, XXXVI, da CF/88 e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 10. A possibilidade de superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, mesmo nas hipóteses de absoluta contrariedade à Constituição Federal, encontra-se pendente de julgamento pelo STF, que reconheceu a repercussão geral do tema (RE 817.338/DF, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe 08/10/2015), e, enquanto não houver decisão com caráter vinculante, deve prevalecer a atual jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que os atos administrativos nulos não podem ser convalidados pelo decurso de tempo. 11. De qualquer ângulo de que se examine a questão, não se vislumbra a alegada ofensa ao art. 54 da Lei n. 9.784/1999, sendo garantido aos impetrantes, contudo, o controle judicial da legalidade de qualquer ato administrativo, sempre que se sentirem ofendidos em seus direitos. 12. Segundo o entendimento da Suprema Corte, "o processo de demarcação de terras indígenas, tal como regulado pelo Decreto n. 1.775/1996, não vulnera os princípios do contraditório e da ampla defesa, de vez que garante aos interessados o direito de se manifestarem" (RMS 27255 AGR/DF, Relator Min. Luiz FUX, Primeira Turma, DJe 11/12/2015), sendo a referida norma editada com o fito de concretizar os mandamentos contidos nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. 13. O rito estabelecido no Decreto n. 1.775/96 não determina a notificação direta (citação pessoal) de eventuais interessados para manifestação no processo demarcatório, sendo bastante a publicação, em diário oficial, do resumo do relatório circunstanciado, do memorial descritivo e do mapa da área e, ainda, sua fixação na sede da prefeitura do município em que situado o imóvel, nos termos do § 7º do art. 2º do Decreto n. 1.775/1996, o que ocorreu na espécie. 14. No julgamento da Petição n. 3.388/RR (caso da Raposa Serra do Sol), considerado como leadind case da matéria, o Supremo Tribunal Federal adotou a data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) como marco temporal para aferir se a área objeto de demarcação constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tendo sido estabelecidas 19 condições para a revisão da demarcação dos limites da terra indígena. 15. Não se vislumbra a alegada violação das diretrizes impostas pelo STF nos itens XVII (é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada) e XIX (é assegurada a efetiva participação de todos os entes da Federação em todas as etapas do processo de demarcação) do referido julgado, não havendo ensejo para o impedimento da continuidade da revisão do procedimento demarcatório originário das Terras Indígenas de Barra Velha, sob a ótica da legalidade. 16. Os documentos constantes nos autos indicam que o procedimento originário de demarcação da terra indígena Barra Velha decorreu de um acordo entre FUNAI e IBDF, sem a realização de estudos específicos de identificação da ocupação tradicional e permanente do Grupo Indígena Pataxó, apresentando (tal processo) vícios de legalidade que, se mantidos, podem gerar mais instabilidade do que segurança jurídica, considerando-se sobretudo os múltiplos interesses envolvidos no processo de demarcação em análise - econômico, ambiental, fundiário e sociocultural. 17. A discussão a respeito da tradicionalidade da ocupação indígena - que deve ser analisada sob o prisma técnico da história do grupo indígena e da natureza da ocupação -, bem como acerca da validade dos títulos imobiliários existentes em nome de particulares sob a área sub judice exigem dilação probatória, providência incompatível com o rito mandamental. 18. Tendo em vista os vários interesses envolvidos nos processos de demarcação em análise, bem como o tempo de sua tramitação, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) deveria buscar meios alternativos para uma solução amigável do conflito entre as partes, nos termos dos arts. 3º e 174 do atual Código de Processo Civil, antes de se concluir a última etapa do procedimento administrativo. 19. Ordem denegada. Liminar cassada e agravos regimentais julgados prejudicados. (STJ; MS 20.013; Proc. 2013/0094361-4; DF; Primeira Seção; Rel. Min. Gurgel de Faria; Julg. 27/03/2019; DJE 02/04/2019) Ver ementas semelhantes

 

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PORTARIA DECLARATÓRIA. REMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ART. 67 DO ADCT. LAPSO TEMPORAL. PRAZO PROGRAMÁTICO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PROCESSO DEMARCATÓRIO. ATO JURÍDICO PERFEITO, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS QUE OCUPAM. CONFLITO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA. INADEQUAÇÃO.

1. Mandado de Segurança preventivo impetrado contra o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, a fim de que se abstenha de assinar a Portaria Declaratória de Ampliação da Terra Indígena de Barra Velha e determine o arquivamento definitivo do Proc. FUNAI/BSB/2556/1982, em relação ao imóvel adquirido pelos impetrantes, mediante título aquisitivo de compra e venda, devidamente registrado no Cartório de imóveis. 2. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o prazo quinquenal previsto no 67 da ADCT não é decadencial, sendo o lapso temporal estipulado pelo Poder Constituinte para fins programáticos, com o intuito de impor ao administrador maior agilidade nos processos de demarcação, até porque somente em 1996 foi publicado o Decreto n. 1.775, que disciplina o procedimento administrativo de demarcação. 3. A jurisprudência dos tribunais superiores firmou-se na linha de que o prazo previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 não pode ser aplicado de forma retroativa, devendo incidir somente após a vigência do referido diploma legal. 4. Considerando que o prazo decadencial começou a fluir em 1º/02/1999, data da entrada em vigor da Lei n. 9.784, forçoso convir que, quando a FUNAI resolveu constituir o primeiro grupo técnico para realizar estudos de revisão de limites da Terra Indígena de Barra Velha, por meio de sua Portaria 685 de 18 de agosto de 1999, ainda não havia ocorrido a decadência administrativa. 5. O processo administrativo de ampliação da aludida terra encontra-se em curso há anos, em razão de inúmeros fatores, entre eles, a controvérsia jurídica entre ICMBIO, INCRA e FUNAI a respeito da sobreposição de terra indígena sobre áreas de proteção ambiental no sul da Bahia e dos projetos de assentamento, alvos de arbitragem da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União - CCAF/AGU, a qual não chegou a uma resolução nesse caso concreto. 6. Publicado o relatório circunstanciado de revisão de limites da terra indígena, conforme exigido pelo § 6º do art. 2º do Decreto n. 1.775/996 e 231 da CF/1988, o Presidente da FUNAI encaminhou o processo administrativo ao Ministro da Justiça, que, por sua vez, minutou uma portaria em que declara de posse permanente do Grupo Indígena Pataxó a Terra Indígena Barra Velha, ampliando a área de 8.627,4590ha (oito mil, seiscentos e vinte e sete hectares, quarenta e cinco ares e noventa centiares), originalmente demarcada por meio do Decreto Federal n. 396/1991, para mais de 52.000,00ha (cinquenta e dois mil hectares), não tendo sido o documento assinado, em virtude de decisão liminar. 7. No caso, a administração pública não permaneceu inerte, tendo exercido o seu poder de autotutela no prazo legal, nos termos das Súmulas nºs 346 e 473 do STF e, ainda que assim não fosse, trata-se de procedimento administrativo instaurado com o objetivo de rever ato supostamente eivado de vícios formais e materiais, o que afasta a alegada violação dos arts. 5º, XXXVI, da CF/88 e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 8. A possibilidade de superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, mesmo nas hipóteses de absoluta contrariedade à Constituição Federal, encontra-se pendente de julgamento pelo STF, que reconheceu a repercussão geral do tema (RE 817.338/DF, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe 08/10/2015), e, enquanto não houver decisão com caráter vinculante, deve prevalecer a atual jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que os atos administrativos nulos não podem ser convalidados pelo decurso de tempo. 9. De qualquer ângulo de que se examine a questão, não se vislumbra a alegada ofensa ao art. 54 da Lei n. 9.784/1999, sendo garantido ao impetrante, contudo, o controle judicial da legalidade de qualquer ato administrativo, sempre que se sentir ofendido em seus direitos. 10. Segundo o entendimento da Suprema Corte, "o processo de demarcação de terras indígenas, tal como regulado pelo Decreto n. 1.775/1996, não vulnera os princípios do contraditório e da ampla defesa, de vez que garante aos interessados o direito de se manifestarem" (RMS 27255 AGR/DF, Relator Min. Luiz FUX, Primeira Turma, DJe 11/12/2015), sendo a referida norma editada com o fito de concretizar os mandamentos contidos nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. 11. O rito estabelecido no Decreto n. 1.775/96 não determina a notificação direta (citação pessoal) de eventuais interessados para manifestação no processo demarcatório, sendo bastante a publicação, em diário oficial, do resumo do relatório circunstanciado, do memorial descritivo e do mapa da área e, ainda, sua fixação na sede da prefeitura do município em que situado o imóvel, nos termos do § 7º do art. 2º do Decreto n. 1.775/1996, o que ocorreu na espécie. 12. No julgamento da Petição n. 3.388/RR (caso da Raposa Serra do Sol), considerado como leadind case da matéria, o Supremo Tribunal Federal adotou a data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) como marco temporal para aferir se a área objeto de demarcação constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tendo sido estabelecidas 19 condições para a revisão da demarcação dos limites da terra indígena. 13. Não se vislumbra a alegada violação das diretrizes impostas pelo STF nos itens XVII (é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada) e XIX (é assegurada a efetiva participação de todos os entes da Federação em todas as etapas do processo de demarcação) do referido julgado, não havendo ensejo para o impedimento da continuidade da revisão do procedimento demarcatório originário das Terras Indígenas de Barra Velha, sob a ótica da legalidade. 14. Os documentos constantes nos autos indicam que o procedimento originário de demarcação da terra indígena Barra Velha decorreu de um acordo entre FUNAI e IBDF, sem a realização de estudos específicos de identificação da ocupação tradicional e permanente do Grupo Indígena Pataxó, apresentando (tal processo) vícios de legalidade que, se mantidos, podem gerar mais instabilidade do que segurança jurídica, considerando-se sobretudo os múltiplos interesses envolvidos no processo de demarcação em análise - econômico, ambiental, fundiário e sociocultural. 15. A discussão a respeito da tradicionalidade da ocupação indígena - que deve ser analisada sob o prisma técnico da história do grupo indígena e da natureza da ocupação -, bem como acerca da validade dos títulos imobiliários existentes em nome de particulares sob a área sub judice exigem dilação probatória, providência incompatível com o rito mandamental. 16. Tendo em vista os vários interesses envolvidos nos processos de demarcação em análise, bem como o tempo de sua tramitação, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) deveria buscar meios alternativos para uma solução amigável do conflito entre as partes, nos termos dos arts. 3º e 174 do atual Código de Processo Civil, antes de se concluir a última etapa do procedimento administrativo. 17. Ordem denegada. (STJ; MS 21.678; Proc. 2015/0065143-5; DF; Primeira Seção; Rel. Min. Gurgel de Faria; Julg. 27/03/2019; DJE 01/04/2019) Ver ementas semelhantes

 

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