Perguntas Jurídicas - Penal

Qual o significado de erro de tipo ?

Em: 27/04/2019

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O QUE É ERRO DE TIPO ?

 

■ Introdução: Na redação original do CP, datada de 1940, o art. 17, caput, cuidava do erro de fato: “É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que o constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Esse dispositivo era muito menos abrangente, pois se referia unicamente aos elementos objetivos do tipo penal. Com a reforma da Parte Geral pela Lei 7.209/1984, o erro de fato foi substituído pelo erro de tipo que, além dos elementos objetivos, engloba também os elementos subjetivos e normativos eventualmente descritos na conduta criminosa. A expressão “tipo legal de crime” (art. 20, caput, do CP) deixa claro que o legislador somente se preocupou com o tipo penal incriminador, isto é, aquele que define uma conduta criminosa, cominando-lhe a pena respectiva.

■ Erro e ignorância – distinção e tratamento: Erro é a falsa percepção da realidade ou o falso conhecimento de determinado objeto. Por seu turno, ignorância é o completo desconhecimento da realidade ou de algum objeto. O CP trata de forma idêntica o erro e a ignorância. Ambos podem ensejar a aplicação do instituto do erro de tipo. Destarte, quando fala em “erro”, utiliza essa palavra em sentido amplo, compreendendo o erro propriamente dito e a ignorância.

■ Conceito: Erro de tipo é a falsa percepção da realidade acerca dos elementos constitutivos do tipo penal. Extrai-se essa conclusão do art. 20, caput, do CP, que somente menciona as elementares. É o chamado erro de tipo essencial. Exemplo: “A”, no estacionamento de um shopping center, aperta um botão inserido na chave do seu automóvel, com a finalidade de desativar o alarme. Escuta o barulho, abre a porta do carro, coloca a chave na ignição, liga-o e vai para casa. Percebe, posteriormente, que o carro não lhe pertencia, mas foi confundido com outro, de propriedade de terceira pessoa. Nesse caso, “A” não praticou o crime de furto, assim definido: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Reputava sua a coisa móvel pertencente a outrem. Errou, portanto, sobre a elementar “alheia”, pois o instituto impede o agente de compreender o aspecto ilícito do fato por ele praticado. Para Damásio E. de Jesus, contudo, erro de tipo é o que incide sobre elementares e circunstâncias da figura típica, tais como qualificadoras e agravantes genéricas.56

– Erro de tipo e crimes omissivos impróprios: Nos crimes omissivos impróprios, também chamados de crimes omissivos espúrios ou comissivos por omissão, o dever de agir, disciplinado no art. 13, § 2º, do CP, funciona como elemento constitutivo do tipo. Destarte, nada impede a incidência do erro de tipo em relação ao dever de agir para evitar o resultado, levando-se em conta a relação de normalidade ou perigo do caso concreto. Em síntese, é cabível o erro de tipo na seara dos crimes omissivos impróprios. Exemplo: O salva-vidas avista um banhista se debatendo em águas rasas de uma praia e, imaginando que ele não estava se afogando (e sim dançando, brincando com outra pessoa etc.), nada faz. Posteriormente, tal banhista é retirado do mar sem vida por terceiros. Nessa hipótese, é possível o reconhecimento do instituto previsto no art. 20, caput, do CP, aplicando-se os efeitos que lhe são inerentes.

■ Espécies: O erro de tipo essencial pode ser escusável ou inescusável. a) Escusável, inevitável, invencível ou desculpável: é a modalidade de erro de tipo que não deriva de culpa do agente, ou seja, mesmo que ele tivesse agido com a cautela e a prudência de um homem médio, ainda assim não poderia evitar a falsa percepção da realidade sobre os elementos constitutivos do tipo penal; b) Inescusável, evitável, vencível ou indesculpável: é a espécie de erro de tipo que provém da culpa do agente, é dizer, se ele empregasse a cautela e a prudência do homem médio poderia evitá-lo, uma vez que seria capaz de compreender o caráter criminoso do fato. A natureza do erro (escusável ou inescusável) deve ser aferida na análise do caso concreto, levando-se em consideração as condições em que o fato foi praticado.

■ Efeitos: O erro de tipo, seja escusável ou inescusável, sempre exclui o dolo. De fato, como o dolo deve abranger todas as elementares do tipo penal, resta afastado pelo erro de tipo, pois o sujeito não possui a necessária vontade de praticar integralmente a conduta tipificada em lei como crime ou contravenção penal. Por essa razão, Zaffaroni denomina o erro de tipo de “cara negativa do dolo”.57 Nada obstante, os efeitos variam conforme a espécie do erro de tipo. O escusável exclui o dolo e a culpa, acarretando na impunidade total do fato, enquanto o inescusável exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei (excepcionalidade do crime culposo). Nesse último, o sujeito age de forma imprudente, negligente ou imperita, ao contrário do que faz no primeiro. Excepcionalmente, todavia, pode acontecer de o erro de tipo, ainda que escusável, não excluir a criminalidade do fato. Esse fenômeno ocorre quando se opera a desclassificação para outro crime. O exemplo típico é o do particular que ofende um indivíduo desconhecendo a sua condição de funcionário público. Em face da ausência de dolo quanto a essa elementar, afasta-se o crime de desacato (art. 331 do CP), mas subsiste o de injúria (art. 140 do CP), pois a honra do particular também é tutelada pela lei penal.

■ Erro de tipo e crime putativo por erro de tipo – diferenças: No erro de tipo o indivíduo, desconhecendo um ou vários elementos constitutivos do tipo penal, não sabe que pratica um fato descrito em lei como infração penal, quando na verdade o faz. Já o crime putativo por erro de tipo, ou delito putativo por erro de tipo, é o crime imaginário ou erroneamente suposto, que existe exclusivamente na mente do agente. Ele quer praticar um crime, mas, por erro, acaba por cometer um fato penalmente irrelevante. Exemplo: “A” deseja praticar o crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput), mas por desconhecimento comercializa talco. (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 3ª edição. Método, 03/2015)

 

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A teoria limitada da culpabilidade, também própria do finalismo, concorda com as premissas apresentadas pela teoria extremada da culpabilidade. Ambas consideram o dolo no tipo, apartando-o da consciência da antijuridicidade, que permanece na culpabilidade. As duas apresentam o erro de tipo como excludente do tipo doloso, permitindo, caso vencível o erro, a punição por crime culposo, se previsto em lei. As duas consideram o erro de proibição inevitável como excludente da culpabilidade (ausência de consciência da antijuridicidade), sem possibilidade de punição por crime culposo. Caso evitável o erro, a culpabilidade será tão somente atenuada, mas não excluída.

Contudo, elas divergem a respeito da solução para o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação (descriminantes putativas). Para a corrente anterior – a teoria extremada –, todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição, o que impede a condenação por crime culposo, uma vez que o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade. Se evitável, permite a condenação por fato doloso atenuada. Em suma, o agente sabe o que faz, mas supõe, ante a irreal causa de justificação, que seu atuar não é antijurídico. Se a situação imaginária pudesse ser evitada, com a devida diligência, continua a responder pelo fato doloso praticado, mas com a reprovabilidade abrandada.

Por seu turno, para a teoria limitada da culpabilidade, há que se distinguir o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação do erro que incide sobre a existência ou os limites jurídicos de uma causa justificante.

No primeiro caso, aquela teoria o considera como erro de tipo permissivo, que tem o mesmo efeito do erro de tipo, ou seja, exclui o dolo, mas permite a punição do fato a título de culpa, se prevista a modalidade culposa.

No segundo caso – também conhecido como erro de proibição indireto –, configura-se, tal qual a teoria extremada, erro de proibição, com as suas respectivas consequências.

Vê-se, portanto, que a divergência basilar entre as duas correntes restringe-se unicamente ao tratamento da descriminante putativa, pois, para a primeira teoria (extremada), constitui-se erro de proibição, ao passo que, para a segunda (limitada), constitui-se erro de tipo permissivo, com o mesmo efeito do erro de tipo propriamente considerado: exclusão do dolo e da culpa, se invencível; exclusão do dolo, mas punição por culpa, se prevista a modalidade culposa.

 

Exemplo:

Após uma acalorada discussão no condomínio onde residiam, “A” ameaça matar “B”. Dias depois, conquanto “A” já tivesse esquecido o que havia dito no momento de raiva, “B” continua receoso com aquela ameaça, e adquire uma arma para se proteger. Certo dia, ao avistar “A” na garagem do prédio, vindo na sua direção segurando algum objeto metálico, “B”, supondo na iminência de uma injusta agressão, rapidamente pega sua arma e alveja “A”, matando-o. Em seguida, constata-se que “A” trazia nas mãos tão somente as chaves do carro, inexistindo, faticamente, nenhum pressuposto que pudesse caracterizar a legítima de defesa.

Conforme observado, para a teoria extremada da culpabilidade, “B” teria agido em erro de proibição, pois sabia o que estava fazendo (matar “A”), mas acreditava fazê-lo justificadamente (legítima defesa putativa). Se, nas circunstâncias do caso concreto esse erro fosse insuperável, excluía-se a sua culpabilidade; caso superável com o devido cuidado, responderia pelo homicídio de “A”, mas com a culpabilidade atenuada. Diversamente, para a teoria limitada da culpabilidade, “B” teria agido em erro de tipo permissivo, excluindo o dolo e a culpa, se invencível; caso vencível, poderia ser punido por homicídio culposo de “A”.

A divergência entre os defensores das duas correntes também se faz presente na doutrina nacional. Francisco de Assis Toledo, por exemplo, considera mais adequada a teoria limitada da culpabilidade, pois ela possibilita a punição do agente por homicídio culposo, em situações de legítima defesa putativa vencível, o que não seria possível caso se adotasse a tese antagônica.9 Diversamente, Heleno Cláudio Fragoso, filia-se à corrente extremada ou estrita, pois, segundo ele, em hipóteses como a anteriormente ilustrada, o agente sabe perfeitamente que realiza uma conduta típica, tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo (age com dolo de matar), mas erra no tocante a antijuridicidade do seu comportamento: para usar uma fórmula da jurisprudência alemã, o agente aqui sabe o que faz, mas supõe erroneamente que estaria permitido. Exclui-se não a tipicidade, mas, sim, a reprovação da ação.10

Em razão de ter estado à frente da Reforma Penal de 1984, Assis Toledo fez com que a norma referente à descriminante putativa ficasse inscrita como um parágrafo do artigo referente ao erro de tipo (art. 20, § 1º, do CP), o que indicaria a preferência do legislador pela teoria limitada da culpabilidade. No entanto, da redação daquele dispositivo, vê-se a utilização da expressão “é isento de pena” que indica, na verdade, a exclusão, não do tipo, mas, sim, da culpabilidade (cf. art. 21, 2a parte, do CP).

Trata-se, portanto, de uma polêmica de certo modo infindável. Talvez por isso, alguns preferem tratar o erro referente às descriminantes putativas como uma espécie sui generis de erro. Nesse sentido, observa-se que, efetivamente, situações como a ora analisada constituem-se uma espécie de “erro eclético”, vale dizer, hipóteses com estrutura parecida com o erro de tipo – pois o agente quer respeitar o Direito –, mas com consequência semelhante ao erro de proibição – isenção de pena ou a pena menor de crime culposo. (Carlos, JAPIASSÚ,, SOUZA, Artur. Curso de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1, 2ª edição. Forense, 08/2015)

 

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, C/C ARTIGO 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. ERRO DE TIPO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS PREPONDERANTES DO ARTIGO 42. PENA DE MULTA. REGIME INICIAL FECHADO.

1. Compete à Justiça Federal processar e julgar delitos de tráfico e de associação para o tráfico quando houver prova de que o entorpecente foi adquirido em país estrangeiro. 2. Configura tráfico internacional de drogas transportar entorpecente oriundo do Paraguai, incorrendo o agente nas penas do artigo 33, caput, c/c 40, I, da Lei nº 11.343/06. 3. Só se caracteriza o erro de tipo (art. 20 do CP) quando comprovada a falsa percepção da realidade sobre um elemento essencial do crime por parte do acusado. 4. Considerando uma das operantes judiciais do art. 59 do Código Penal (circunstâncias) e duas circunstâncias especiais preponderantes do art. 42 da Lei nº 11.343/06 (quantidade e natureza da substância) são desfavoráveis ao réu, proporcional o aumento da pena-base. 5. A multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. 6. Deve ser mantido o regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §2º, a, do CP, pois a pena é superior a 08 (oito) anos de reclusão. (TRF 4ª R.; ACR 5006549-39.2017.4.04.7002; PR; Oitava Turma; Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen; Julg. 06/02/2019; DEJF 26/04/2019)

 

 

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. PROVA NOVA. DECLARAÇÃO DA VÍTIMA. ERRO DE TIPO. REVOLVIMENTO DO SUBSTRATO FÁTICO. ORDEM DENEGADA.

1. Espécie em que o Paciente foi condenado à pena de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial fechado, como incurso no art. 217-A, na forma do art. 71, parágrafo único, ambos do Código Penal. Interposto recurso de apelação pela Defesa, o Tribunal de origem negou-lhe provimento, determinando-se a execução provisória da pena tão logo exaurida a instância ordinária. 2. No presente writ, pleiteia-se seja interrompida a execução provisória do acórdão condenatório, sob a alegação de que o Paciente incorreu em evidente erro de fato alegadamente demonstrado na declaração prestada pela Vítima em 07/03/2018 (prova nova). 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE nº 964.246 RG/SP, submetido ao regime de repercussão geral, reafirmou o entendimento de que "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a Recurso Especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal" (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. A apreciação da alegada excepcionalidade para a execução provisória da pena, resultante da prova nova de que houve erro de tipo e da inocência do Paciente, demandaria o revolvimento do substrato fático a ponto de infirmar a conclusão da sentença e do acórdão condenatório - especialmente porque, "ainda que a retratação da vítima possa embasar a propositura de revisão criminal, configurando prova nova para fins do art. 621, III, do CPP, importa reconhecer que o seu depoimento deverá ser apto a conduzir à absolvição do sentenciado" (RHC 94.036/PR, Relator Ministro Ribeiro Dantas, QUINTA TURMA, DJe 30/05/2018), pretensão que não pode ser satisfeita na via estreita do habeas corpus. 5. Ordem denegada. (STJ; HC 461.155; Proc. 2018/0186486-5; SP; Sexta Turma; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 09/04/2019; DJE 24/04/2019)

 

 

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. ERRO DE TIPO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA. IMPOSSIBILIDADE.

Ciência da origem ilícita da coisa. Circunstâncias do crime. Conduta do réu. Isenção do pagamento das custas. Análise juízo da execução. Em tema de crimes de receptação a ciência do réu quanto à origem ilícita do bem adquirido é de difícil comprovação, uma vez que de caráter estritamente subjetivo, portanto, deve ser auferida pelas circunstâncias do crime e da própria conduta do agente, devendo ser responsabilizado pela sua conduta quando ficou comprovada a autoria. Incabível a absolvição ou a desclassificação, para a modalidade culposa, quando os elementos dos autos e as circunstâncias do delito demonstram que o acusado tinha ciência da origem criminosa do bem. Eventual miserabilidade jurídica do condenado para o pagamento das custas processuais deve ser examinada na fase de execução da pena. (TJRO; APL 0000703-02.2015.8.22.0006; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Valdeci Castellar Citon; Julg. 10/04/2019; DJERO 24/04/2019; Pág. 77)

 

 

 

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